(DES)ENCONTROS COM ADÃO Alusões Bíblicas em Billy Budd ...

Com efeito, não encontramos um combate tão impetuoso e intenso entre a voz humana e
Deus, como em Mobv-Dick, apesar de a responsabilidade do criador na presença do mal na
natureza humana ser de novo um dos alvos temáticos de Melville. Contudo, não podemos
concordar com o conformismo final atribuído a Melville ( segundo William Braswell "the
wisdom of resigning the heart to the fate of man"), visto que a sua rebeldia tão duradoura e
persistente dificilmente poderia descobrir sabedoria na resignação e aceitação pacífica.
Pensamos que a postura teológica de Melville evidencia dois aspectos: por um lado, a crítica
ao cristianismo no funcionamento das suas instituições, isto é, o poder instituído da religião,
nesta reflexão, também presente noutros autores, Melville proporciona o encontro do sagrado
com o profano através da convivência entre crenças diferentes personificadas, por exemplo,
por Tommo e os nativos de Typee ou por Ishmael e Queequeg. 24 Por outro lado, a consciência
de um eu que sente cepticismo perante a criação divina e o próprio criador, ou seja, um sujeito
que questiona a coerência da concepção do mundo segundo a doutrina cristã, colocando em
dúvida os valores absolutos postulados por esta. Se for possível desvendar em Billy Budd,
Sajior a inquietação teológica do próprio autor, esta reside na dimensão de duplicidades e
realidades inconsistentes, nomeadamente no estabelecimento de paralelos simbólicos das
personagens e das suas acções, que traduzem a consciência inadaptada do próprio autor. Ao
contrário do que Braswell afirma, Melville não descura a razão da existência do mal, nem se
preocupa com o modo como o homem tem de aceitar esse mal, mas sim com a forma como o
homem tem de aprender a superar, a resistir aos efeitos do mal no mundo. Ao considerar que
Melville em fíilly Budd. Sailor atinge uma serenidade final, o estudo de Braswell, datado de
1943, insere-se na corrente crítica do testamento de aceitação que se opõe à do testamento da
resistência postulada mais recentemente. 25 Apesar de termos presente a vivência espiritual de
24 A critica dos escritores americanos do século XIX ao cristianismo em oposição a outras religiões pagas é explicada por David S. Reynolds em
Bgneath the American Renaissance: The Subversive Imagination in the Age of Emerson and Melville (Cambnge, Massaohussetts: Harvard
University Press 1989) p 47' "Ever since the late eighteenlh century, American writers had commonly used fictions about faraway peoples or
about angelic visitations as a safe means of airing liberal, sometimes quite skeptical notions. With remarkable frequency, the encounter with
foreign beliefs in these popular works creates a dialogue that undermines religious certainty by exposing Christianity as just one among many
world religions More often than not. these works criticize American religion as intolerant, gloomy, and corrupt". Sublinhado do autor.
25 As correntes criticas que interpretam Rillv Budd. Sailor como testamento de aceitação e como testamento de resistência surgem integradas na
referência à fortuna critica da obra cuja abordagem tem lugar na introdução deste trabalho.
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