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FACULDADE DE DIREITO - Faap

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dos outros subsistemas do direito, depende diretamente da<br />

ciência para a determinação da existência e abrangências<br />

dos problemas ambientais. Essa dependência dos expertos<br />

será cada vez mais complexa, pois na maior parte das<br />

vezes, não há consensos. Essa dependência da ciência e a<br />

limitação dos expertos podem comprometer a convicção<br />

das provas e o estabelecimento do nexo de causalidade nos<br />

processos sobre responsabilidade ambiental (SHELTON,<br />

1996).<br />

4. A soberania e o uso compartilhado dos recursos<br />

naturais<br />

O direito internacional ambiental reflete a tensão<br />

entre a soberania nacional sobre os recursos naturais e a<br />

necessidade de estreitar a cooperação internacional entre<br />

países. O enquadramento dos Estados soberanos provém<br />

de um processo histórico, porém o ambiente não respeite<br />

tais limites artificiais e políticos. Apesar da territorialidade<br />

dos recursos ser distinta do território dos Estados, a força<br />

da soberania nacional impera nos rios internacionais<br />

sucessivos.<br />

A doutrina Harmon representa o extremo mais<br />

radical do exercício da soberania sobre os recursos fluviais<br />

transfronteiriços. Essa teoria, que surge no caso entre<br />

Estados Unidos e México sobre o uso das águas do Rio<br />

Grande, privilegia os Estados à montante em virtude dos<br />

países à jusante. Em 1985, o México demanda os Estados<br />

Unidos por entender que o programa americano de irrigação<br />

comprometeria o caudal do Rio Grande, prejudicando a<br />

agricultura mexicana. O procurador-geral dos Estados<br />

Unidos, J. Harmon, se pronuncia no sentido de excluir<br />

a responsabilidade internacional dos Estados Unidos,<br />

baseado em que o empreendimento foi instalado junto<br />

aos recursos naturais localizados em território americano<br />

(CAUBET, 1980).<br />

Outras teorias surgiram para atenuar os excessos da<br />

doutrina da soberania absoluta. Entre elas: teoria do coimpério,<br />

na qual a propriedade do curso de água é comum<br />

a todos os estados ribeirinhos; teoria das servidões, que<br />

constitui um direito de oposição dos Estados prejudicados<br />

por atividades realizadas no território do outro Estado;<br />

teoria do abuso de Direito, o uso de um direito não deve<br />

resultar em danos para terceiros (CAUBET, 1980).<br />

Ainda que a sentença não se remeta à questão da<br />

soberania dos recursos naturais, o tema é abordado ao<br />

verificar-se a legalidade da aplicação da Variável C. A<br />

Eslováquia apresenta vários argumentos para defender a<br />

legalidade da solução provisional C: a) a Variável C era<br />

a única alternativa encontrada pela Eslováquia e a mais<br />

próxima do projeto original diante da negativa húngara<br />

de continuá-lo; b) tratava-se de uma forma de mitigar os<br />

danos da ação ilícita da Hungria, pois os danos econômicos<br />

e ambientais seriam maiores com o fracasso do projeto; e<br />

c) contramedida da ação da Hungria.<br />

No caso do primeiro argumento, a corte afirma que<br />

o principio da aplicação aproximada só é cabível dentro<br />

dos limites do tratado de 1977. A adoção da variante C não<br />

38<br />

se justificaria (parágrafos 73 a 77) diante da previsão de um<br />

sistema único e indivisível. A alegação da mitigação dos<br />

danos também não procede, pois a parte prejudicada pelo<br />

não cumprimento do tratado, não pode mitigar os danos por<br />

meio de um ato ilícito (parágrafo 80 – 81).<br />

Na contestação do terceiro argumento fica<br />

evidente o posicionamento contrário da corte a soberania<br />

absoluta dos recursos naturais. A caracterização de uma<br />

contramedida só é possível caso atendidos os seguintes<br />

requisitos: a) resposta a ato ilícito direcionado contra o<br />

Estado que o causou; b) o estado prejudicado deve declarar<br />

a ilegalidade do ato; c) proporcionalidade entre os danos e<br />

a contramedida.<br />

A CIJ entendeu que faltou o critério da<br />

proporcionalidade entre dano e contramedida. A ação<br />

unilateral de desviar de 80 a 90 por cento do fluxo do rio<br />

Danúbio (parágrafo 78) conferia a Eslováquia o controle<br />

sobre um recurso compartilhado e privava a Hungria de<br />

seu direito a um uso razoável e equitativo. A CIJ entendeu<br />

que Eslováquia não estava autorizada a proceder essa<br />

apropriação unilateral do recurso face ao Tratado de 1977 e<br />

as regras estabelecidas pela Convenção das Nações Unidas<br />

sobre o Direito relativo à Utilização dos Cursos de Água<br />

para fins diversos dos de Navegação, que exigem o uso<br />

eqüitativo e razoável de recursos hídricos compartilhados.<br />

Contudo é interessante a forma como a CIJ divide a<br />

questão da construção e implementação da Variável C em<br />

dois momentos. A ação de construir as infraestruturas para<br />

operação da Variável C no território eslovaco não constitui<br />

um ato ilícito, nem justifica a revogação do Tratado. O ato<br />

ilícito só ocorre, quando, a Eslováquia coloca em operação<br />

tais estruturas, ou seja, quando desvia as águas do Danúbio.<br />

Esse entendimento não foi unânime na corte. O<br />

Juiz Oda em sua opinião dissidente não apóia a conclusão<br />

da corte, para ele os atos preparatórios, construção das<br />

infraestruturas, já constituíam uma infração ao tratado. Tal<br />

posição foi apoiada também pelo voto dissidente do Juiz<br />

Mohammed BEDJAOUI, para ele tratava-se de um caso de<br />

infração contínua ou composta, portanto não seria possível<br />

desmembrar a construção das infraestruturas, de sua efetiva<br />

utilização no desvio da água. Os Estados são soberanos em<br />

seu território podendo erguer as obras que quiserem, mas<br />

uma vez que o Estado está obrigado por um compromisso<br />

para a regulação de uma bacia fluvial compartilhada, suas<br />

ações são limitadas ao conteúdo do tratado (parágrafo 38).<br />

De forma incidental, a sentença da CIJ se pauta<br />

pela soberania absoluta do Estado sobre o seu território e<br />

recursos, sendo esta mitigada quando atinge diretamente<br />

um recurso compartilhado. O entendimento de que os<br />

atos preparatórios para a prática de uma ação unilateral<br />

ilícita não constituem um ato ilícito abre um precedente<br />

preocupante.<br />

Este caso levanta a problemática da soberania<br />

frente ao uso de uma bacia de drenagem internacional 5 .<br />

Esta nova unidade territorial traz a necessidade de se<br />

garantir e resguardar o uso equitativo e razoável da água,<br />

a necessidade de estreitar a comunicação entre os Estados<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.

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