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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 21<br />
Os letra<strong>do</strong>s a quem as pinturas eram <strong>de</strong>stinadas se tratavam <strong>de</strong> poetas que <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a infância viviam <strong>de</strong>bruça<strong>do</strong>s sobre os livros e, para aten<strong>de</strong>r aos seus gostos,<br />
era comum que os pintores incrementassem suas composições com alusões literárias<br />
que hoje são difíceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifrar.<br />
4. Do “vermelho e ver<strong>de</strong>” ao preto e branco<br />
Na China, a pintura clássica ganhou fôlego no início da dinastia Tang (618-907),<br />
com gran<strong>de</strong>s composições coloridas ilustran<strong>do</strong> temas históricos. As cores vivas<br />
eram essenciais para a própria concepção da pintura, às vezes <strong>de</strong>signada pela<br />
expressão “vermelho e ver<strong>de</strong>” (danqing). Sobre a seda preparada, eram aplicadas<br />
várias camadas finas <strong>de</strong> pigmento <strong>de</strong> mal<strong>aqui</strong>ta para representar as montanhas<br />
e escarlate para representar a arquitetura. A técnica era complexa, o trabalho<br />
longo, e o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>slumbrante. Entretanto, um <strong>do</strong>s pintores-letra<strong>do</strong>s mais<br />
famosos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, Wang Wei (699-759), fez uma pergunta fundamental para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento da arte pictórica: não seriam a tinta e as variações <strong>de</strong> cinza<br />
capazes <strong>de</strong> representar a varieda<strong>de</strong> das cores (Yun mo er wu cai ju)? Não que os<br />
letra<strong>do</strong>s tenham simplesmente rejeita<strong>do</strong> as cores, mas eles valorizaram uma arte<br />
tecnicamente menos reprimida, mais sóbria. A tinta, por meio <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />
diluição, possibilita uma infinita varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nuances que são suficientes para<br />
evocar as cores <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
Esse interesse pela monocromia, no entanto, não levava ao aban<strong>do</strong>no da cor.<br />
No início da dinastia Ming (1368-1644), pintores da Escola <strong>de</strong> Zhe produziam<br />
gran<strong>de</strong>s paisagens realçadas com aguadas levemente coloridas, forman<strong>do</strong> um<br />
panorama <strong>de</strong> cenas históricas <strong>de</strong>stinadas à exortação moral da corte (2009, cat.<br />
4 e 5). Além disso, as paisagens chamadas “azul e ver<strong>de</strong>” (qinglü shanshui), que<br />
num primeiro momento continuaram sen<strong>do</strong> realizadas na corte, se tornariam um<br />
tema pre<strong>do</strong>minante da arte <strong>de</strong> Suzhou (Escola <strong>de</strong> Wu) no século XV. É preciso<br />
dizer que, no contexto artístico <strong>de</strong>ssa época, muito marca<strong>do</strong> pela monocromia<br />
(cf. 2009, cat. 3), o uso da cor na arte letrada reformularia profundamente a<br />
pintura. Essas paisagens com atmosferas radiantes, passan<strong>do</strong> da cor turquesa<br />
ao ocre, reintroduziram, na pintura letrada, técnicas complexas <strong>de</strong> aplicação das<br />
cores em “três camadas <strong>de</strong> alume e nove <strong>de</strong> pigmentos” (san fan jiu ceng).<br />
5. A tinta e o pincel<br />
As pinturas chinesas mais antigas foram elaboradas sobre seda, porém, a partir<br />
<strong>do</strong> século XI, o uso <strong>do</strong> papel, normalmente menos dispendioso <strong>do</strong> que a seda,<br />
difundiu-se com muita rapi<strong>de</strong>z. Suas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> absorção e a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
texturas interessaram os pintores porque permitiam valorizar o trabalho <strong>do</strong> pincel<br />
e as variações da tinta (2009, cat. 44: Qi Baishi). Além disso, o traço, <strong>de</strong>riva<strong>do</strong><br />
da arte caligráfica, portanto próprio aos letra<strong>do</strong>s, ganhou importância em obras<br />
monocromáticas.<br />
Os letra<strong>do</strong>s pintavam com instrumentos <strong>de</strong> seus escritórios – pincel, papel e tinta<br />
–, os quais <strong>do</strong>minavam com muita naturalida<strong>de</strong>, assim como Da Vinci <strong>do</strong>minava a<br />
pena com que <strong>de</strong>senhava. O pincel estava <strong>de</strong> tal forma <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong> que passou<br />
a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> não somente um prolongamento da mão, mas a expressão <strong>do</strong><br />
coração. Ele era capaz <strong>de</strong> transmitir as emoções diretamente, e é por isso que<br />
uma atmosfera específica, um certo tipo <strong>de</strong> alma, habita a pintura.<br />
Ao se concentrar nas técnicas <strong>de</strong> tinta e <strong>de</strong> pincel, o pintor <strong>de</strong>slocou o olhar <strong>do</strong><br />
aprecia<strong>do</strong>r <strong>de</strong> arte. Este, que normalmente também praticava a pintura, passou a<br />
sentir a pressão <strong>do</strong> pincel sobre o papel, as hesitações ou a energia <strong>de</strong> uma curva.<br />
Avaliou sobretu<strong>do</strong> o traço: os contornos das formas, a linha <strong>do</strong>s galhos vegetais,<br />
a tensão das varas <strong>de</strong> bambu, a leveza das folhas <strong>de</strong> uma orquí<strong>de</strong>a (2009, cat.<br />
14), e observou a apresentação das matérias, o pincel seco que parece arranhar a<br />
superfície <strong>do</strong> papel sobre os contornos <strong>de</strong> uma rocha, a tinta efêmera da umida<strong>de</strong><br />
das brumas (ver também 2009, cat. 20).<br />
6. Transmissão e aplicação <strong>do</strong>s antigos estilos<br />
Uma das missões <strong>do</strong>s letra<strong>do</strong>s consistia em transmitir, em primeiro lugar, os clássicos,<br />
<strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se a um trabalho <strong>de</strong> cópia <strong>do</strong>s textos. Era preciso copiar para<br />
conservar o espírito <strong>do</strong>s Antigos. A aprendizagem da pintura, baseada na da<br />
caligrafia, também passava por uma cópia. Era bem tar<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> já estivesse<br />
introduzi<strong>do</strong> na socieda<strong>de</strong>, que um mestre era escolhi<strong>do</strong> para ser primeiramente<br />
inicia<strong>do</strong> na arte antiga e, em seguida, orienta<strong>do</strong> a encontrar seu próprio estilo. O<br />
mestre instruía seus discípulos, e estes permaneciam a seu la<strong>do</strong> até sua morte.<br />
Dessas relações nasceram re<strong>de</strong>s, genealogias e escolas. Normalmente, os pinto-