105 ARTE POPULAR, ARTE ERUDITA E MULTICULTURALIDADE ...
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Nuno Saldanha<br />
brica Cerâmica das Devesas), as imagens populares que outrora enriqueceram<br />
os presépios de Ferreira e Machado de Castro.<br />
O triunfo do Género. A «estetização» do popular<br />
O Género, apesar da tendência crescente para o «trans-género» (segundo a<br />
ex pressão de Calvo Serraller) 17 , é sem dúvida a temática triunfante de Oi to -<br />
centos. Durante este século, ele atinge uma emancipação completa, bem<br />
como uma vitória, sobretudo no confronto com a pintura histórica, cujo<br />
peso da tradição ainda ditava as regras no panorama artístico ocidental. Este<br />
triunfo constitui um contributo fundamental para que a classificação hierárquica<br />
dos temas pictóricos se torne obsoleta.<br />
Esta ascensão do Género está directamente ligada a uma nova atitude da percepção<br />
artística, face ao tempo histórico. O artista, como várias vozes repetiam,<br />
um pouco por toda a parte, devia representar o Presente.<br />
A História é a do presente, elevando assim a pintura de costumes à antiga<br />
dignidade da pintura histórica, usurpando-lhe o lugar. Mais do que atacar a<br />
história, combate-se o conceito de história do passado, defendendo-se a do<br />
presente.<br />
Não será contudo de estranhar que, tal como sucedeu com as revoluções<br />
sociais, os novos líderes acabem por simular os hábitos e posturas dos «antigos<br />
senhores». Assim, as cenas mais banais são pintadas nos formatos tradicionalmente<br />
reservados aos quadros históricos, onde os indivíduos vulgares<br />
ocupam o lugar dos anteriores heróis míticos.<br />
Os novos heróis são os contemporâneos, os homens da «Vida Moderna»,<br />
como defendia Baudelaire em 1845, ou Daumier, quando proclamara «il<br />
faut être de son temps».<br />
Para além disso, o moderno conceito de Beleza devia assentar mais nos costumes<br />
característicos do presente, do que nos factos tomados como importantes<br />
que marcavam a actualidade, advogava Baudelaire na sua crítica ao<br />
Salon de 1859. Paradoxalmente, o eterno estava no transitório, segundo o<br />
que se anunciava em Le peintre de la vie moderne. (Baudelaire, 1859).<br />
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