105 ARTE POPULAR, ARTE ERUDITA E MULTICULTURALIDADE ...
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Nuno Saldanha<br />
Orozco considera o mural uma forma de arte, que tem a vantagem de não<br />
poder ser alvo do lucro e do usufruto pessoal, ou de estar escondida para privi<br />
légio de poucos. «É uma arte para o povo, é uma arte para todos.» Este interesse<br />
colectivista da arte, já presente no México, quando da polémica entre<br />
os Colectivistas e os Contemporâneos, é comum a Siqueiros e Rivera, bem<br />
como ao Realismo Socialista em geral, ou à defesa que o futurista italiano<br />
Mario Sironi faz no seu Manifesto da Pintura Mural: «La pittura murale è pittura<br />
sociale per eccellenza. Essa opera sull'immaginazione popolare più direttamente<br />
di qualunque altra forma di pittura, e più direttamente ispira le arti<br />
minori» 3 .<br />
Siqueiros, outro dos intervenientes da Declaração de 1922, defende que o<br />
prin cípio estético essencial do Muralismo era o de socializar a expressão<br />
artística, e acabar com o individualismo burguês. Repudiando a pintura de<br />
ca valete, e todo o tipo de arte favorecida por círculos ultra-intelectuais, por<br />
ser aristocrática, louva a arte monumental por ser propriedade pública: «A<br />
arte deve ser feita para o povo, não podendo ser mais a expressão de satisfação<br />
individual que hoje é, mas deve apontar para se tornar numa arte lutadora<br />
e educativa para todos.»<br />
Este movimento insere-se numa tendência vasta, como o alvorecer da cultura<br />
americana, e as influências que exerceria tanto na Europa como nos Estados<br />
Unidos (veja-se, por exemplo, o caso de Thomas Hart Benton [1889-1975],<br />
um dos principais expoentes do muralismo norte-americano, e líder do mo -<br />
vimento dos Regionalistas), marcada pela defesa do nacionalismo, na recusa<br />
do Modernismo e na afirmação pública de uma arte social.<br />
Para além destes aspectos da arte contemporânea, que contribuíram para<br />
uma identificação generalizada em termos da cultura visual, através de uma<br />
apropriação de referentes visuais, tornados comuns, também podemos identificar<br />
outros sintomas desta miscigenação, entre os foros tradicionais do<br />
erudito e do popular – o próprio processo de produção.<br />
De facto, grande parte da criação artística contemporânea, tradicionalmente<br />
integrável na produção «erudita», recorre a processos, modelados por uma<br />
ausência de métodos formais, apoiados numa reflexão teórica, convertendo-<br />
-se assim numa praxis empírica que parece tomada de empréstimo da produção<br />
popular.<br />
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