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105 ARTE POPULAR, ARTE ERUDITA E MULTICULTURALIDADE ...

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Nuno Saldanha<br />

O camponês torna-se, assim, num dos temas mais importantes na incorpora -<br />

ção da atitude dos artistas relativamente à revolução urbano-industrial. O<br />

grande crescimento das cidades fez-se com gente do campo, através de vagas<br />

mi gratórias que conduziram ao despovoamento rural. Estes, deixam as suas<br />

terras para trabalhar na indústria urbana, no comércio ou nos serviços do -<br />

mésticos (cf. Herbert, 2002).<br />

Neste enquadramento, o camponês é visto como o «bom selvagem» do sé -<br />

culo XVIII, figura em redor da qual se cristalizam as recusas, as lamentações,<br />

mas também as esperanças (Lamblin, 1987, 550). O campo é entendido<br />

como o espaço das verdades eternas, onde se processa uma relação directa<br />

dos indivíduos com a natureza.<br />

No entanto, este camponês não é um reflexo da «verdade». Ele é uma imagem<br />

construída, dado que o pintor de Género busca o «homem genérico», o<br />

tipo e não o indivíduo. Nestas obras, onde o realismo é mais formal que conceptual,<br />

os artistas não eram atraídos pela vontade de captar a realidade em<br />

que viviam, mas de compor cenas curiosas, interessantes, ou mesmo chocantes,<br />

com um vocabulário técnico realista, facilmente entendido pelo<br />

público, permitindo a sua distracção 20 .<br />

Note-se, por exemplo, a recusa em representar os instrumentos agrícolas mais<br />

modernos e industriais, desenvolvendo-se a predilecção pelas alfaias agrícolas<br />

mais rudimentares e antiquadas, senão mesmo pelo trabalho ma nual. Esta<br />

nostalgia do passado pré-industrial tende geralmente a tornar-se sentimental.<br />

Este «mito do primitivismo» assentava nos ideais de simplicidade, trabalho<br />

virtuoso e inocência. Na imagem de uma sociedade atemporal, estável e<br />

assen te na tradição (secular e religiosa), na ausência do individualismo e do<br />

ma terialismo (cf. Herbert, 2002), e numa divulgação e interesse pelas artes<br />

artesanais e folclore, aquilo a que João Leal virá a designar – para o Portugal<br />

de inícios de Novecentos – como uma «etnografia artística» 21 .<br />

Tratava-se, portanto, de uma realidade frequentemente manipulada, que<br />

acaba por se inserir nas propostas éticas, sociais ou políticas da sua época,<br />

como veremos a propósito da busca pela essência da «portugalidade».<br />

Segundo María Jesus R. García, as imagens, que hoje entendemos como teste<br />

munhos claros e autênticos dos aspectos antropológicos e etnográficos da<br />

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