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105 ARTE POPULAR, ARTE ERUDITA E MULTICULTURALIDADE ...

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Nuno Saldanha<br />

a atrair um público exterior à sua base social tradicional, que incluía desde<br />

aristocratas a burgueses e intelectuais 55 . Desde os finais do século XIX, verifica-se<br />

um alargamento gradual do universo do fado a diferentes grupos<br />

sociais, alheios ao circuito específico da sua origem e da sua prática, invadindo<br />

progressivamente o crescente mercado das indústrias de entretenimento,<br />

dirigidas às classes médias urbanas. O fado entra no mundo do<br />

Teatro Musical e da Revista e os novos executantes passam a ser trabalhadores<br />

assalariados, actores e cantores profissionais.<br />

Na pintura O Fado, mais do que o pitoresco da cena, como na actualidade é<br />

geralmente visto, dadas as mudanças radicais que o fado entretanto sofreu, o<br />

pintor procurou retratar uma realidade social de exclusão e marginalidade.<br />

Estamos, portanto, nos antípodas dos dramas domésticos campestres que<br />

roçam por vezes o burlesco e a paródia, que caracterizavam a sua pintura de<br />

Gé nero anterior, ao mesmo tempo que o cenário se traslada para um am -<br />

bien te urbano (embora de raiz rural, como sucedia com a maioria da popula -<br />

ção lisboeta). Se, em Os Bêbados, outra das obras onde o seu realismo é mais<br />

ousado, a tónica (ou o olhar de recriminação) recai sobre a acção, em O Fado,<br />

ela recai sobre a condição. Ao mesmo tempo, revela-se como um contraponto<br />

curioso ao quadro As Cócegas, que se estabelece nestas duas cenas de sedução,<br />

a rural e a urbana. No primeiro caso, é a mulher que toma a iniciativa,<br />

numa imagem sadia e alegre, de cariz luminista, enquanto que, na segunda,<br />

a mulher passa de sedutora a seduzida, num ambiente fechado, taciturno e<br />

devasso, marcado pelos contrastes de claro-escuro, de cariz «tenebrista».<br />

Este contraste reflecte, de forma clara, as preferências do pintor, no tocante<br />

ao confronto entre campo e cidade. Se o fado não era ainda a «Canção de<br />

Por tugal», era já sem dúvida a «Canção de Lisboa», pelo que o seu quadro<br />

de nuncia assim algo da visão crítica e negativa que o pintor fazia da cidade.<br />

O Fado, portanto, não pretendia ser o «postal turístico» de Lisboa, que quise<br />

ram fazer dele e, talvez, se possa assumir mesmo como uma alegoria anti-<br />

-urbana.<br />

De salientar também que se trata de uma das raras ocasiões em que o artista<br />

figura uma cena de ambiente urbano, mas escolhendo precisamente o<br />

aspecto mais «popular» da sua cultura.<br />

Embora aqui possamos estar perante uma oposição entre «popular» e «erudito»,<br />

mais do que de uma relação de interculturalidade, as suas posteriores<br />

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