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A ótica contemporânea do princípio da dignidade humana

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A ótica contemporânea <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong><br />

Iremos primeiramente narrar e enumerar diferentes situações liga<strong>da</strong>s à<br />

digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

Em França, reconheci<strong>da</strong>mente um lugar sofistica<strong>do</strong> e refina<strong>do</strong>, havia um<br />

espetáculo basea<strong>do</strong> no arremesso de anão, no qual os frequenta<strong>do</strong>res <strong>da</strong><br />

notável casa noturna deveriam atirá-lo à maior distância possível.<br />

Em francês temos a expressão “lancer de nains”, um esporte aprecia<strong>do</strong> na<br />

ci<strong>da</strong>de de Morsang-sur-Orge, onde a Prefeitura, usan<strong>do</strong> seu “poder de polícia”<br />

interditou o bar, sob o argumento de violação <strong>da</strong> ordem pública através de<br />

prática de ativi<strong>da</strong>de contrária à digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

A decisão, proferi<strong>da</strong> pelo órgão máximo jurídico administrativo, está disponível<br />

nos seguintes links:<br />

http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/french/ca<br />

se.phpid=1024<br />

http://archiv.jura.uni-saarland.de/france/saja/ja/1995_10_27_ce.html<br />

Um anão (M. Wackenheim), revoltou-se contra a decisão e sob a alegação de<br />

possuir o direito ao trabalho e à livre iniciativa, bem como o direito de decidir<br />

como “ganhar a vi<strong>da</strong>”, ensejou uma deman<strong>da</strong> jurídica que, encerrou-se em<br />

outubro de 1995, com a decisão, em grau de recurso que, o poder público<br />

<strong>da</strong>quele município possuía autorização para interditar o local.<br />

Após esta decisão o anão, ain<strong>da</strong> inconforma<strong>do</strong>, recorreu ao Comitê de Direitos<br />

Humanos <strong>da</strong> ONU alegan<strong>do</strong> que a decisão acima violava seu direito ao<br />

trabalho e, ain<strong>da</strong>, seria discriminatória.<br />

O recurso foi julga<strong>do</strong> em setembro de 2002 1 com decisão que confirmou o<br />

posicionamento <strong>do</strong> Conselho de Esta<strong>do</strong> Francês (órgão máximo jurídico<br />

administrativo francês), onde restou reconheci<strong>da</strong> a violação <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

pessoa <strong>humana</strong> (vide links acima).<br />

1 As autori<strong>da</strong>des francesas decidiram proibir a prática de arremesso de anões em uma <strong>da</strong>nceteria e<br />

culminou na decisão em grau de recurso <strong>do</strong> Conselho de Esta<strong>do</strong> francês em outubro de 1995, em razão <strong>do</strong><br />

respeito à digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

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No Reino Uni<strong>do</strong>, Mrs. Natalie Evans, após perder os ovários desejou implantar<br />

em seu útero os embriões fecun<strong>da</strong><strong>do</strong>s com seus óvulos e o sêmen <strong>do</strong> exmari<strong>do</strong>,<br />

de quem se divorciara.<br />

Em 2001, Natalie e seu mari<strong>do</strong> recorreram à técnica de congelamento de<br />

embriões, em virtude <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de tratamento de câncer em seus<br />

ovários. Tal tratamento a deixou estéril.<br />

Algum tempo depois, o casal se separou e o mari<strong>do</strong> solicitou a destruição <strong>do</strong>s<br />

embriões, o que fatalmente impediria a utilização pela ex-mulher.<br />

Natalie pretendia engravi<strong>da</strong>r e entrou com pedi<strong>do</strong> unto ao Supremo Tribunal<br />

Inglês no ano de 2003, porém o pedi<strong>do</strong> foi recusa<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> a decisão favorável<br />

ao ex-parceiro, Jonhston.<br />

Tal decisão foi embasa<strong>da</strong> no fato de que, para a lei britânica, o procedimento<br />

de inseminação só pode ser autoriza<strong>do</strong> mediante a anuência de ambos os<br />

<strong>do</strong>a<strong>do</strong>res.<br />

Após a decisão negatória, Natalie recorreu ao Tribunal Europeu, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong><br />

pelo respeito à vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> e familiar, discriminação e direito à vi<strong>da</strong>.<br />

Seus advoga<strong>do</strong>s alegaram violação aos direitos humanos. Mesmo conseguin<strong>do</strong><br />

a autorização, Natalie só poderia utilizar os embriões até 2006, pois a<br />

autorização legal para congelamento de embriões só dura 3 (três) anos.<br />

Entretanto, novamente foi nega<strong>da</strong> a autorização para o procedimento de<br />

inseminação 2 .<br />

A decisão pode ser li<strong>da</strong> em seu texto original em:<br />

http://www.bailii.org/ew/cases/EWCA/Civ/2004/727.html<br />

O caso Lorraine Hadley, ficou igualmente conheci<strong>do</strong> pela semelhante batalha<br />

judicial. Com 37(trinta e sete) anos, mãe de uma filha de 17(dezessete) anos<br />

de outro casamento, Lorraine congelou <strong>do</strong>is embriões, junto com Wayne<br />

Hadley, entretanto, ele manifestou o desejo de que os embriões fossem<br />

destruí<strong>do</strong>s, alegan<strong>do</strong> não desejar filhos após um considerável tempo de<br />

separação conjugal.<br />

Lorraine Hadley mencionou em uma entrevista à BBC: « Um embrião não é<br />

parte <strong>do</strong>s bens dividi<strong>do</strong>s na altura <strong>do</strong> divórcio. Um embrião é uma vi<strong>da</strong> », pois<br />

considerava que esta seria a sua última oportuni<strong>da</strong>de de ter filhos.<br />

2 A polêmica <strong>do</strong>s embriões congela<strong>do</strong>s culminou em per<strong>da</strong> para duas mulheres em suas disputas legais no<br />

Tribunal superior <strong>do</strong> Reino Uni<strong>do</strong> para que pudessem utilizar os embriões congela<strong>do</strong>s sem a permissão de<br />

seus ex-parceiros.<br />

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Apesar de Natalie e Lorraine afirmarem abertamente suas intenções de<br />

recorrerem <strong>da</strong>s decisões, apresentaram recursos em face <strong>da</strong> lei britânica, que<br />

exige a autorização <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is cônjuges, em pleno acor<strong>do</strong>, acerca <strong>da</strong><br />

conservação e/ou <strong>da</strong> utilização <strong>do</strong>s embriões, em ca<strong>da</strong> fase de fecun<strong>da</strong>ção.<br />

A recomen<strong>da</strong>ção aos casais é de que façam uma reflexão modera<strong>da</strong> sobre o<br />

que pode suceder com seus embriões em caso de separação ou falecimento.<br />

As duas senhoras argumentaram que os embriões seriam a única oportuni<strong>da</strong>de<br />

que teriam de engravi<strong>da</strong>r. Apesar de demonstrar soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, o tribunal<br />

britânico manteve-se fiel ao texto legal e, ain<strong>da</strong> transpareceu a manifestação<br />

<strong>do</strong> desejo <strong>do</strong> juiz, de que a legislação fosse altera<strong>da</strong>, entretanto tais alterações<br />

somente serão possíveis através <strong>do</strong> Parlamento.<br />

Evans argumentou ain<strong>da</strong> que, caso soubesse, antecipa<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça<br />

de opinião de seu ex-parceiro, teria opta<strong>do</strong> por outro tratamento.<br />

Segun<strong>do</strong> a legislação britânica, em 1990, não pode haver implantação <strong>do</strong><br />

embrião sem mútuo consentimento. Porém, os causídicos, em defesa <strong>da</strong>s<br />

mulheres alegam que a sentença violaria os direitos humanos <strong>da</strong>s mulheres,<br />

segun<strong>do</strong> a lei européia.<br />

Considera-se grande ironia que, no caso de uma concepção natural, a mulher<br />

possua direitos absolutos de materni<strong>da</strong>de, entretanto, não os possui, em se<br />

tratan<strong>do</strong> de tratamento de fertili<strong>da</strong>de. Tal ironia é assinala<strong>da</strong> pelo professor Ian<br />

Craft <strong>do</strong> Centro de Fertili<strong>da</strong>de de Londres.<br />

No caso Evans, a decisão <strong>do</strong> Tribunal Europeu <strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong> Homem de<br />

Estrasburgo em 10/04/2007, surpreende ao assinalar que não houve violação<br />

alguma os artigos 2º, 8º e 14 <strong>da</strong> Convenção Européia <strong>do</strong>s Direitos Humanos,<br />

negan<strong>do</strong> o direito de ser mãe à apelante 3 .<br />

Na Itália, a família Englaro tentou suspender os procedimentos médicos que<br />

mantinham a Sra. Eluana viva, para deixá-la morrer “em paz” 4 .<br />

Eluana Englaro, uma italiana com 35 anos, vive em “esta<strong>do</strong> vegetativo” desde o<br />

dia 18 de janeiro de 1992, causa<strong>do</strong> por um traumatismo craniano grave,<br />

ocorri<strong>do</strong> em um acidente de automóvel. A hidratação e alimentação eram<br />

manti<strong>da</strong>s através de son<strong>da</strong> nasogástrica.<br />

Seu pai, Sr. Beppino Englaro, ingressou com pedi<strong>do</strong> judicial requeren<strong>do</strong><br />

autorização para que os aparelhos fossem desliga<strong>do</strong>s, sob a alegação de que<br />

3 A decisão se deu por 13 votos contra 4.<br />

4 A batalha legal durou por mais de 10 (dez) anos, pois o pai e tutor de Eluana Englaro, Sr. Beppino<br />

conseguiu uma <strong>da</strong>s maiores vitórias, quan<strong>do</strong> no ano de 2007, ganhou um recurso, conseguin<strong>do</strong> a repetição<br />

<strong>do</strong> julgamento, cuja sentença “negou a suspensão <strong>da</strong> alimentação assisti<strong>da</strong>” que mantinha viva Eluana.<br />

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sua filha, quan<strong>do</strong> em vi<strong>da</strong> consciente, informara que preferia morrer <strong>do</strong> que ser<br />

manti<strong>da</strong> em esta<strong>do</strong> vegetativo.<br />

A Corte de Apelação de Milão, em 1999, julgou improcedente o pedi<strong>do</strong>. Feito<br />

recurso à Corte de Cassação Italiana, foi rejeita<strong>do</strong> no ano de 2005.<br />

Já em 2007, a Corte de Cassação permitiu o julgamento através <strong>da</strong> Corte de<br />

Apelação de Milão que, no dia 09 de julho de 2008 autorizou o Sr. Beppino a<br />

suspender a alimentação e hidratação, afirman<strong>do</strong> que agir desta forma seria<br />

manter o curso natural <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença 5 .<br />

Apesar <strong>da</strong> interposição de novo recurso pelo Ministério Público, a Corte de<br />

Cassação o julgou inadmissível por ilegitimi<strong>da</strong>de.<br />

A decisão transitou em julga<strong>do</strong>, permanecen<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong> o direito <strong>da</strong> Sra.<br />

Eluana de recusar tratamento médico, autorizan<strong>do</strong> ao seu pai a solicitar o<br />

desligamento <strong>do</strong>s aparelhos que a mantinham viva. Permitin<strong>do</strong> que a sua morte<br />

ocorresse naturalmente.<br />

Os aparelhos foram desliga<strong>do</strong>s no dia 06 de fevereiro. Seu falecimento ocorreu<br />

no dia 09 de fevereiro, ou seja, 3 (três) dias após, contrarian<strong>do</strong> a expectativa<br />

<strong>do</strong>s médicos que indicavam que ela poderia sobreviver por 12(<strong>do</strong>ze) a<br />

14(quatorze) dias após o desligamento.<br />

Terri Schiavo (Theresa Marie Schindler-Schiavo), com 41(quarenta e um) anos,<br />

enfrentou uma para<strong>da</strong> cardíaca associa<strong>da</strong> a grande per<strong>da</strong> de potássio em<br />

virtude de bulimia. Após cinco minutos sem irrigação cerebral, sofreu lesões<br />

irreversíveis que a deixaram em “esta<strong>do</strong> vegetativo”.<br />

A batalha teve diversas correntes, seus pais (Mary e Bob Schindler) e irmãos<br />

desejavam que a alimentação artificial fosse manti<strong>da</strong>, entretanto, seu mari<strong>do</strong><br />

(Michael Schiavo) pretendia o desligamento <strong>da</strong> son<strong>da</strong> artificial.<br />

Durante a batalha judicial, o mari<strong>do</strong> obteve sentença favorável por três vezes,<br />

sen<strong>do</strong> as duas primeiras reverti<strong>da</strong>s através de recursos, porém, em 19 de<br />

março de 2005, a son<strong>da</strong> foi removi<strong>da</strong> e não foi mais recoloca<strong>da</strong> até a <strong>da</strong>ta de<br />

falecimento de Terri, ocorri<strong>da</strong> no dia 31 de março de 2005, após sobreviver<br />

durante 15 (quinze) anos em esta<strong>do</strong> vegetativo.<br />

Este caso, em particular, reabriu a polêmica política sobre a eutanásia,<br />

conceben<strong>do</strong> uma crise entre o Premiê e o Presidente George Napolitano.<br />

5 Apesar de ilegal, a eutanásia, na Itália, foi considera<strong>da</strong>, a irreversibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> coma e ain<strong>da</strong> o fato <strong>da</strong><br />

declaração <strong>da</strong> jovem anterior ao acidente, de que preferia morrer a levar uma vi<strong>da</strong> vegetativa. A decisão<br />

foi contesta<strong>da</strong> por grupos radicais conserva<strong>do</strong>res e pela Igreja Católica.<br />

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Napolitano se opôs ao Decreto de Berlusconi para não contradizer a sentença<br />

prolata<strong>da</strong> em novembro de 2008, pelo Tribunal de Cassação, principal instância<br />

jurídica <strong>da</strong> Itália.<br />

Nas últimas déca<strong>da</strong>s a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> 6 consagrou-se com um<br />

<strong>do</strong>s grandes consensos éticos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ocidental. Esta é menciona<strong>da</strong> em<br />

inúmeros <strong>do</strong>cumentos internacionais, em Constituições, leis e decisões<br />

judiciais. No plano abstrato, poucas idéias se equiparam à digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa<br />

<strong>humana</strong> na capaci<strong>da</strong>de de seduzir o espírito e ganhar unânime adesão.<br />

Porém, tal fato não minimiza ou até agrava as dificul<strong>da</strong>des na sua utilização<br />

como instrumento relevante na interpretação jurídica.<br />

Frequentemente esta funciona como um mero espelho, no qual um projeta sua<br />

própria imagem <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

E, pelo mun<strong>do</strong> a fora, esta tem si<strong>do</strong> invoca<strong>da</strong> pelos <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s em disputa, em<br />

temas tais como: interrupção <strong>da</strong> gestação, eutanásia, suicídio assisti<strong>do</strong>, uniões<br />

homoafetivas, hate speech (discurso raivoso), trotes de calouros, negação <strong>do</strong><br />

holocausto, clonagem, manipulação genética, inseminação artificial, post<br />

mortem, cirurgias de mu<strong>da</strong>nça de sexo, prostituição, descriminalização de<br />

drogas, abate de aviões sequestra<strong>do</strong>s, proteção contra a autoincriminação,<br />

pena de morte, pena perpétua, uso de detector de mentiras, greve de fome,<br />

exigibili<strong>da</strong>de de direito e ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des públicas e <strong>do</strong> patrimônio mínimo.<br />

Laurence, ci<strong>da</strong>dão norte-americano e seu parceiro sexual, foram presos e<br />

condena<strong>do</strong>s em razão <strong>da</strong> Lei Estadual <strong>do</strong> Texas 7 que considera crime a prática<br />

de certos atos íntimos por pessoas <strong>do</strong> mesmo sexo.<br />

John Geddes Lawrence, um médico de 55(cinqüenta e cinco) anos e Tyron<br />

Garner (faleci<strong>do</strong> em 11 de setembro de 2006), empreenderam ver<strong>da</strong>deira<br />

batalha jurídica que, após vários recursos, o caso foi aceito pela Suprema<br />

Corte Americana em 26 de março de 2003, e, sen<strong>do</strong> decidi<strong>do</strong> em 26 de junho<br />

<strong>do</strong> mesmo ano.<br />

O teor <strong>do</strong> acórdão entendia que havia interferência <strong>da</strong> lei texana na vi<strong>da</strong> íntima<br />

<strong>do</strong>s ci<strong>da</strong>dãos, vez que eram criminaliza<strong>do</strong>s por conduta voluntária cometi<strong>da</strong> por<br />

adultos em privaci<strong>da</strong>de, sen<strong>do</strong> estes, adultos capazes.<br />

Destaca-se o interessante voto (opiniom) <strong>da</strong> Ministra Sandra O’Connor, pois<br />

segun<strong>do</strong> ela a lei texana afrontava (feria) a Constituição, por não tratar de<br />

forma isonômica (equal protection of the laws), os parceiros homossexuais e<br />

6 O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito não pode deixar de la<strong>do</strong> a análise <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de na sua historici<strong>da</strong>de local e<br />

universal. Somente com tal análise definir o papel <strong>da</strong> juridici<strong>da</strong>de na complexi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> fenômeno social.<br />

7 Vide: http://www.law.cornell.edu/supct/html/02-102.ZS.html .<br />

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heterossexuais. De fato, surpreende uma legislação que, neste caso, só<br />

criminalize os atos pratica<strong>do</strong>s (grifo nosso) por pessoas <strong>do</strong> mesmo sexo.<br />

Registrar a relevância <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> no direito<br />

contemporâneo seja no plano interno ou internacional e discutir o conteú<strong>do</strong><br />

contemporâneo <strong>do</strong> conceito de digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> são os objetivos<br />

<strong>do</strong> presente artigo.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, geograficamente os direitos humanos e fun<strong>da</strong>mentais sofrem<br />

grave descompensação que segun<strong>do</strong> Giancarlo Rolla impede qualquer<br />

tentativa de globalização ou generalização <strong>do</strong>s direitos humanos em face de<br />

ideologias diversas, diversi<strong>da</strong>des constitucionais quanto à soberania e<br />

relativismo cultural.<br />

Giancarlo Rolla conclui que se por um la<strong>do</strong> o modelo ocidental de direitos<br />

humanos não pode ser uniformemente imposto ao mun<strong>do</strong>, por outro la<strong>do</strong>, o<br />

relativismo cultural tem si<strong>do</strong> manipula<strong>do</strong> para manter tradições incompatíveis<br />

com a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>, razão pela qual o nacionalismo se revela o maior<br />

inimigo <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>do</strong> que a pretensão de universalizá-los (Las<br />

Perspectivas de los Derechos de La Persona a La Luz de las recientes<br />

tendências consitucionales, in Revista Española de Derecho Constitucional,<br />

Madrid, no. 54 (PP. 39-83, set-dez-1998).<br />

O conteú<strong>do</strong> mínimo <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> inclui o respeito à<br />

integri<strong>da</strong>de física e psíquica, igual<strong>da</strong>de e liber<strong>da</strong>de e mínimo existencial (que<br />

mereceu <strong>do</strong>s civilistas a consagração de direito ao patrimônio mínimo).<br />

Tal conteú<strong>do</strong> é a pedra fun<strong>da</strong>mental para a preservação <strong>do</strong>s direitos <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong>de, vejamos que na Lei 11.346/2006 que alude à alimentação<br />

adequa<strong>da</strong> e que produz sérios efeitos no âmbito escolar e ain<strong>da</strong> nas ações<br />

revisionais de alimentos (a fim de ajustar as necessi<strong>da</strong>des <strong>do</strong> alimentan<strong>do</strong>);<br />

Outra aplicação temos na REsp 820.475/RJ 8 o STJ reconheceu a possibili<strong>da</strong>de<br />

jurídica de união homoafetiva reconheci<strong>da</strong> como enti<strong>da</strong>de familiar. E, por fim,<br />

Lei 11.382/2006 prevê a modificação <strong>do</strong> CPC e alterou seus arts. 648 e 649<br />

que dispõe sobre os bens absolutamente impenhoráveis. Reservan<strong>do</strong> então o<br />

patrimônio mínimo capaz de tutelar a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong>.<br />

Também no senti<strong>do</strong> de proteger o patrimônio mínimo se prevê a função social<br />

<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, <strong>do</strong> contrato e <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil. Principalmente com a<br />

prevalência <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de pressuposta (Gisel<strong>da</strong> Hironaka) onde qualquer<br />

efeito <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil deve ter por fun<strong>da</strong>mento o princípio<br />

constitucional previsto no art. 1º,II <strong>da</strong> CF <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> e na<br />

8 Vide http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6993702/recurso-especial-resp-820475-rj-2006-<br />

0034525-4-stj/relatorio-e-voto<br />

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proteção permanente e integral a quaisquer direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de por<br />

serem estes inerentes à pessoa.<br />

O conceito de digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> 9 é pertencente a diferentes continentes e<br />

países e, por isso, carece de alguma uniformi<strong>da</strong>de à sua utilização. Além de se<br />

precisar sua natureza jurídica, como pressuposto, de seu mo<strong>do</strong> de aplicação.<br />

Revelan<strong>do</strong>-se como direito fun<strong>da</strong>mental, valor absoluto ou princípio jurídico<br />

essas são algumas <strong>da</strong>s qualificações feitas em diferentes países, geran<strong>do</strong><br />

embaraços tanto teóricos como práticos.<br />

Definir o conteú<strong>do</strong> mínimo para a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> como premissa<br />

fun<strong>da</strong>mental para libertá-la de ser conceito vago e inconsistente, capaz de<br />

legitimar situações contraditórias, suscitan<strong>do</strong> problemas complexos.<br />

Fixar sóli<strong>do</strong>s critérios para sua aplicação sen<strong>do</strong> um mo<strong>do</strong> de estruturar o<br />

raciocínio jurídico no processo decisório, assim como aju<strong>da</strong>r nas ponderações<br />

e escolhas fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s quan<strong>do</strong> necessário.<br />

O positivismo jurídico em to<strong>da</strong>s suas vertentes confere demasia<strong>do</strong> privilégio ao<br />

direito cria<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>, pon<strong>do</strong> em segun<strong>do</strong> plano os direitos individuais. A<br />

crítica neopositivista de Dworkin resgata esse direito, colocan<strong>do</strong>-o a salvo <strong>do</strong><br />

coletivismo <strong>da</strong> maioria.<br />

Ao tornar um conceito mais objetivo, claro e operacional, transforma-se em<br />

elemento argumentativo relevante e, não mero ornamento retórico, assumin<strong>do</strong><br />

definitivamente o caráter de valiosa ferramenta na busca <strong>da</strong> melhor<br />

interpretação jurídica e <strong>da</strong> adequa<strong>da</strong> realização <strong>da</strong> justiça.<br />

O princípio <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> sugere uma ordem de<br />

otimização dentro <strong>do</strong> conceito jurídico e real existente. A desatenção ao<br />

princípio acarreta não apenas uma ofensa a um específico man<strong>da</strong>mento<br />

obrigatório, mas a to<strong>do</strong> sistema de coman<strong>do</strong>s.<br />

Por isso, não podemos olvi<strong>da</strong>r que a acepção constitucionaliza<strong>da</strong> <strong>do</strong> Direito<br />

Civil impõe que to<strong>do</strong> e qualquer princípio de Direito Civil esteja conecta<strong>do</strong><br />

frontalmente com a legali<strong>da</strong>de constitucional. A tônica coerente é a prevalência<br />

<strong>do</strong>s valores mais humanitários e sociais.<br />

A digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> em sua acepção contemporânea parte<br />

indubitavelmente de sua origem religiosa e bíblica, (pois o homem foi feito à<br />

imagem e semelhança de Deus). E, como tal deve ser respeita<strong>do</strong> e preserva<strong>do</strong>.<br />

9 A digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> expressa um conjunto de valores civilizatórios incorpora<strong>do</strong>s<br />

ao patrimônio <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. O conteú<strong>do</strong> jurídico <strong>do</strong> princípio vem associa<strong>do</strong> aos direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais, envolven<strong>do</strong> aspectos <strong>do</strong>s direitos individuais, políticos e sociais (Luís Roberto Barroso).<br />

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Com o advento <strong>do</strong> Iluminismo e a centrali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> homem faz a digni<strong>da</strong>de<br />

<strong>humana</strong> migrar para a filosofia, ten<strong>do</strong> por fun<strong>da</strong>mento a razão, a capaci<strong>da</strong>de de<br />

valoração moral e autodeterminação <strong>do</strong> indivíduo. Vivenciamos a saí<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

conceito <strong>da</strong> esfera teocêntrica para a antropocêntrica.<br />

Ao longo <strong>do</strong> século XX, a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> torna-se um objetivo político<br />

cativa<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> e pela socie<strong>da</strong>de. Após as barbáries <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Grande<br />

Guerra Mundial, a idéia de digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> paulatinamente passa<br />

efetivamente para o mun<strong>do</strong> jurídico em função de <strong>do</strong>is movimentos: o primeiro<br />

foi o surgimento de uma cultura pós-positivista que tanto reaproximou o Direito<br />

<strong>da</strong> Filosofia moral e <strong>da</strong> Filosofia política, atenuan<strong>do</strong> a outrora separação radical<br />

imposta pelo positivismo normativista.<br />

O segun<strong>do</strong> movimento consistiu na efetiva inclusão <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> em<br />

diferentes diplomas legais internacionais e Constituições de Esta<strong>do</strong>s<br />

democráticos.<br />

Portanto, a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> 10 converti<strong>da</strong> em um conceito jurídico apresentou<br />

a dificul<strong>da</strong>de de se definir um conteú<strong>do</strong> mínimo a fim de se tornar uma<br />

categoria operacional e útil (seja no plano interno ou internacional).<br />

A autonomia é o elemento ético <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de, liga<strong>do</strong> à razão e atuação <strong>da</strong><br />

vontade, na conformi<strong>da</strong>de de determina<strong>da</strong>s normas. É, portanto parte <strong>da</strong><br />

digni<strong>da</strong>de a capaci<strong>da</strong>de de determinação, o direito <strong>do</strong> indivíduo de decidir os<br />

caminhos <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> e de desenvolver livremente sua personali<strong>da</strong>de.<br />

Ter autonomia significa também poder de realizações, ponderações de valores<br />

morais, de laborar escolhas existenciais, o que inclui sobre religião, opção<br />

sexual, trabalho, ideologia e outras opções personalíssimas, que não podem<br />

ser subtraí<strong>da</strong>s <strong>do</strong> ser humano sem violar visceralmente sua digni<strong>da</strong>de.<br />

A autodeterminação pressupõe determina<strong>da</strong>s condições pessoais e sociais<br />

para seu exercício. A autonomia tem uma dimensão priva<strong>da</strong> e outra pública.<br />

Sen<strong>do</strong> na órbita priva<strong>da</strong>, é conteú<strong>do</strong> essencial <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de no direito de<br />

autodeterminação, sem interferências externas ilegítimas.<br />

Corresponde o direito à igual<strong>da</strong>de em sua dimensão material. No plano <strong>do</strong>s<br />

direitos políticos, a digni<strong>da</strong>de se expressa como autonomia política,<br />

identifican<strong>do</strong> o direito de ca<strong>da</strong> um participar no processo democrático.<br />

A autêntica democracia significa uma parceria de to<strong>do</strong>s que dinamiza o projeto<br />

de autogoverno, ca<strong>da</strong> pessoa tem o direito de participar politicamente e de<br />

10 Aquém <strong>da</strong>quele patamar, ain<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> haja sobrevivência, não há digni<strong>da</strong>de. O elenco de prestações<br />

que compõe o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas<br />

parece haver razoável consenso de que inclui: ren<strong>da</strong> mínima, saúde básica e educação fun<strong>da</strong>mental. Há<br />

ain<strong>da</strong>, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibili<strong>da</strong>de e efetivação<br />

<strong>do</strong>s direitos (Luís Roberto Barroso).<br />

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influenciar decisões não apenas pela via eleitoral, mas também através <strong>do</strong><br />

debate público e <strong>da</strong> organização social.<br />

A digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> está subjacente aos direitos sociais que são fun<strong>da</strong>mentais<br />

e liga<strong>do</strong>s ao conceito de mínimo existencial. 11 Assim, para haver plena<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia há de ser livre, igual e capaz, além de ter satisfeitas suas<br />

indispensáveis necessi<strong>da</strong>des no tocante à sua existência física e psíquica.<br />

É bem observa<strong>do</strong>, por exemplo, na Constituição Canadense à promoção de<br />

igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des para o bem estar <strong>do</strong>s canadenses.<br />

Assim, o núcleo essencial <strong>do</strong>s direitos fun<strong>da</strong>mentais constitui o mínimo<br />

existencial e não há como captar esse conteú<strong>do</strong> em rol exaustivo, pois variará<br />

no tempo e no espaço.<br />

Inclui, sem dúvi<strong>da</strong>, o direito à educação básica, à saúde essencial, à<br />

assistência aos desampara<strong>do</strong>s e ao acesso à justiça.<br />

Portanto, o mínimo existencial tem eficácia direta e imediata, por isso, na<br />

jurisprudência de diversos países traz diversas decisões fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na<br />

autonomia como conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de.<br />

Por isso, decisões jurisprudenciais impedem o suicídio assisti<strong>do</strong>, buscam<br />

legitimar as relações homoafetivas (a conduta sexual íntima é afirma<strong>da</strong> como<br />

parte <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de protegi<strong>da</strong> pela cláusula <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal<br />

substantivo, nos termos <strong>da</strong> 14º Emen<strong>da</strong> -1868).<br />

Em defesa <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de como autonomia já se decidiu também<br />

pela inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> proibição <strong>da</strong> eutanásia, e até já se assegurou<br />

direitos trabalhistas aos trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> sexo.<br />

A constituição <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>da</strong> América, traduzi<strong>da</strong>, pode ser visualiza<strong>da</strong><br />

no link <strong>da</strong> Embaixa<strong>da</strong> <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s localiza<strong>da</strong> em Brasília, ou em seu<br />

11 John Rawls propõe um modelo de justiça, em que os homens estabelecem um contrato social, no qual<br />

ca<strong>da</strong> um desconhece qual será sua posição na socie<strong>da</strong>de, (véu <strong>da</strong> ignorância), com a determinação de<br />

princípios básicos de funcionamento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e de distribuição de bens (Rawls, John. Liberalismo<br />

Político. México. Fun<strong>do</strong> de Cultura Econômica. 1995. p.p. 47/48). Assim sen<strong>do</strong>, Rawls estabelece <strong>do</strong>is<br />

princípios básicos: 1) To<strong>da</strong>s as pessoas possuem o mesmo sistema de direitos e liber<strong>da</strong>de; 2) Somente é<br />

possível alterar o esquema de liber<strong>da</strong>des para beneficiar os mais desfavoreci<strong>do</strong>s. Esse princípio é<br />

denomina<strong>do</strong> de princípio <strong>da</strong> diferença. (In PORTELLA, Simone de Sá. Direitos Humanos e o Mínimo<br />

Existencial, acessível em:<br />

http://www.netlegis.com.br/indexRJ.jsparquivo=detalhesArtigosPublica<strong>do</strong>s.jsp&cod2=1302 ).<br />

www.abdpc.org.br


texto original no site <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> Norte Americano. Para tal, acesse os seguintes<br />

endereços eletrônicos abaixo:<br />

http://www.embaixa<strong>da</strong>americana.org.br/index.phpaction=materia&id=643&submenu=106&itemmenu<br />

=110<br />

http://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm<br />

Na legislação brasileira temos assegura<strong>do</strong>s os direitos à integri<strong>da</strong>de física <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res nas indústrias de vestuários femininos, reconheci<strong>do</strong>s como<br />

constrangimento ilegal, vejamos:<br />

“Constrangimento ilegal. Submissão <strong>da</strong>s operárias de<br />

indústria de vestuário à revista íntima, sob ameaça de<br />

dispensa. Sentença condenatória de primeiro grau<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na garantia constitucional <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de e<br />

acórdão absolutório <strong>do</strong> Tribunal de Justiça, porque o<br />

constrangimento questiona<strong>do</strong> à intimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>ras, embora existente, fora admiti<strong>do</strong> por sua<br />

adesão ao contrato de trabalho. Questão que, malgra<strong>do</strong> a<br />

sua relevância constitucional, já não se pode ser solvi<strong>da</strong><br />

neste processo, <strong>da</strong><strong>da</strong> a prescrição superveniente, conta<strong>da</strong><br />

desde então” (STF, RE 160.222/RJ, rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong><br />

Pertence, DJU 1.9.95).<br />

A digni<strong>da</strong>de como valor comunitário abriga o seu elemento social. O indivíduo<br />

em relação ao grupo e traz os valores civilizatórios ou seus ideais de vi<strong>da</strong> boa.<br />

Não se trata apenas de escolhas individuais, mas as responsabili<strong>da</strong>des e<br />

deveres a estas associa<strong>da</strong>s.<br />

Funciona mais como construção externa à liber<strong>da</strong>de individual <strong>do</strong> que como um<br />

meio de promovê-la.<br />

A digni<strong>da</strong>de com valor comunitário prioriza objetivos diversos, entre estes:<br />

a) A proteção <strong>do</strong> próprio indivíduo contra atos autorreferentes;<br />

b) A proteção de direitos de terceiros;<br />

c) A proteção de valores sociais, incluí<strong>da</strong> a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.<br />

Obtém ain<strong>da</strong> sua dimensão ecológica, abrangen<strong>do</strong> a proteção ambiental e <strong>da</strong><br />

fauna e flora. O repensar <strong>do</strong> homem como “pessoa”, a necessi<strong>da</strong>de de<br />

percebê-lo como centro de liber<strong>da</strong>de e complexi<strong>da</strong>de único, indivisível e não<br />

intercambiável leva ao reconhecimento de uma espécie de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

ontológica, impon<strong>do</strong>-se um valor jurídico em si mesmo e atender aos valores<br />

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que a vi<strong>da</strong> <strong>humana</strong> representa e ganhan<strong>do</strong> a amplitude <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de como um to<strong>do</strong>.<br />

Avulta-se séria preocupação no embate <strong>do</strong>s direitos fun<strong>da</strong>mentais com as<br />

razões de Esta<strong>do</strong> com seu enfraquecimento; problemas práticos e institucionais<br />

<strong>da</strong>s políticas paternalistas.<br />

São exemplos emblemáticos na jurisprudência mundial que proíbem o<br />

arremesso de anão (França), a criminalização <strong>do</strong> sa<strong>do</strong>masoquismo, mesmo<br />

que consenti<strong>do</strong> (Reino Uni<strong>do</strong>), e ain<strong>da</strong>, na possibili<strong>da</strong>de teórica de se legitimar<br />

restrições à liber<strong>da</strong>de, com fun<strong>da</strong>mento na proteção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> próprio<br />

sujeito.<br />

E isso é váli<strong>do</strong> para situações como a defesa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> repressão à pe<strong>do</strong>filia<br />

ou cerceamento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de expressão em casos de calúnia. A proibição<br />

<strong>do</strong>s discursos de ódio para a proteção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>, o que vem<br />

automaticamente cercear a liber<strong>da</strong>de de expressão.<br />

A imposição coercitiva de valores sociais em prol <strong>da</strong> dimensão comunitária de<br />

igual<strong>da</strong>de sempre exigirá fun<strong>da</strong>mentação coerente; a existência ou não de um<br />

direito fun<strong>da</strong>mental em questão; a existência de consenso social forte em<br />

relação ao tema; a existência de risco efetivo para o direito de outras pessoas.<br />

Frise-se que a digni<strong>da</strong>de de um indivíduo jamais deverá ser suprimi<strong>da</strong>, seja por<br />

ação própria ou de terceiros. Porém, os aspectos relevantes <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<br />

poderão ser paralisa<strong>do</strong>s em determina<strong>da</strong>s situações, é o caso <strong>da</strong> prisão<br />

legítima em flagrante delito ou de um condena<strong>do</strong> criminalmente.<br />

A invocação, pela jurisprudência pátria, <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> ocorre como<br />

reforço argumentativo, o que justifica o longo elenco <strong>do</strong>s direitos fun<strong>da</strong>mentais<br />

(os setenta e oito incisos <strong>do</strong> artigo 5º <strong>da</strong> Constituição Federal de 1988).<br />

Há no constitucionalismo brasileiro uma ambigui<strong>da</strong>de de linguagem, o que<br />

acarreta a necessi<strong>da</strong>de de se escolher a função que melhor realize e<br />

concretize a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> e, a eventual colisão de normas constitucionais<br />

e direitos fun<strong>da</strong>mentais levará em consideração a supremacia de valores<br />

essenciais à digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

É abun<strong>da</strong>nte a referência à digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> em matéria penal e processual<br />

penal na jurisprudência <strong>do</strong> STF. O que ratifica que o indivíduo não pode ser<br />

parte <strong>da</strong> engrenagem <strong>do</strong> processo penal.<br />

Eis o motivo para haver decisões asseguran<strong>do</strong> aos acusa<strong>do</strong>s nos processos<br />

criminais o direito a não-discriminação; à presunção de inocência; à ampla<br />

defesa; contra o excesso de prazo em prisão preventiva; ao livramento<br />

condicional; às saí<strong>da</strong>s temporárias <strong>do</strong> preso; a não-utilização de algemas;<br />

aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> insignificância. Discute-se se os artefatos<br />

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tecnológicos como a tornezeleira eletrônica é meio garanti<strong>do</strong>r ou viola<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

Existem, igualmente, precedentes <strong>do</strong> STF relaciona<strong>da</strong>s à manutenção <strong>da</strong><br />

integri<strong>da</strong>de física e moral <strong>do</strong>s indivíduos e à proibição de tortura e de<br />

tratamento desumano e cruel.<br />

No polêmico direito à saúde, principalmente aos relaciona<strong>do</strong>s com<br />

procedimentos médicos e medicamentos não ofereci<strong>do</strong>s no plano <strong>do</strong> Sistema<br />

Único de Saúde – SUS.<br />

To<strong>da</strong>via o orçamento que financia o direito à saúde é finito e que, portanto há<br />

de ser realiza<strong>da</strong> ponderação adequa<strong>da</strong> a se fazer para atender a vi<strong>da</strong>, a saúde<br />

e a digni<strong>da</strong>de de uns versus a vi<strong>da</strong>, saúde e a digni<strong>da</strong>de de outros. Igualmente<br />

o Superior Tribunal <strong>da</strong> Justiça têm-se multiplica<strong>do</strong> as referências à digni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> em decisões <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s.<br />

Há pois muitos precedentes em quase to<strong>da</strong>s as áreas <strong>do</strong> direito, envolven<strong>do</strong> o<br />

mínimo existencial, restrição ou direito de proprie<strong>da</strong>de, o uso de algemas, o<br />

crime de racismo, de tortura, a ve<strong>da</strong>ção ao trabalho escravo, direito de<br />

moradia, direito à saúde, aposenta<strong>do</strong>ria de servi<strong>do</strong>r público por invalidez,<br />

ve<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> corte de energia elétrica para serviços públicos essenciais, dívi<strong>da</strong>s<br />

de alimentos, direito ao nome, direito a redesignação sexual e muitos outros.<br />

Três questões controverti<strong>da</strong>s envolven<strong>do</strong> a digni<strong>da</strong>de são habitualmente<br />

apresenta<strong>da</strong>s à jurisdição constitucional no Brasil: as uniões homoafetivas, a<br />

pesquisa <strong>da</strong>s células-tronco embrionárias e a interrupção <strong>da</strong> gestação <strong>do</strong>s<br />

fetos anencefálicos.<br />

O principal busilis envolve o reconhecimento <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s uniões<br />

homoafetivas. Há o direito fun<strong>da</strong>mental em jogo e eles devem funcionar como<br />

troféus contra a vontade <strong>da</strong> maioria, se este for o caso. Contemporaneamente,<br />

são aceitas tais relações, mas não se pode cogitar em consenso social.<br />

Não devem ser criminaliza<strong>da</strong>s tais relações e merecem receber tratamento<br />

adequa<strong>do</strong>, por isso, recentemente procurou-se descriminalizar a homofobia.<br />

Já na fertilização in vitro, méto<strong>do</strong> que busca superar a impossibili<strong>da</strong>de de ter<br />

filhos, ocorre a produção de embriões excedentários, que não são utiliza<strong>do</strong>s e<br />

poderiam ser criogeniza<strong>do</strong>s e armazena<strong>do</strong>s em laboratório.<br />

Os embriões possuem as células-tronco que podem se conceber em to<strong>do</strong>s os<br />

teci<strong>do</strong>s e órgãos humanos corresponden<strong>do</strong> a uma eficiente ferramenta para a<br />

chama<strong>da</strong> medicina restaurativa.<br />

Na perspectiva contemporânea o Direito não pode mais ser entendi<strong>do</strong> como<br />

sistema neutro e nem se esgota na operação lógico-formal entre fato e norma,<br />

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na cartesiana subsunção, mas tem como nota a sua indeterminação e conflito<br />

entre valores.<br />

O princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> estende-se pelo corpo<br />

constitucional e através de um conjunto de outros princípios, subprincípios e<br />

regras que procuram concretizá-lo e explicitar os efeitos que dele devem ser<br />

extraí<strong>do</strong>s.<br />

Nessa dimensão, a noção de proprie<strong>da</strong>de sofre significativa alteração a partir<br />

<strong>da</strong> função social, e o direito subjetivo por excelência passa a ser considera<strong>do</strong><br />

como situação jurídica complexa. E, se encontra inseri<strong>do</strong> numa temática ain<strong>da</strong><br />

mais ampla que o direito à ci<strong>da</strong>de, contemplan<strong>do</strong> o direito à moradia como um<br />

de seus componentes.<br />

No Brasil, permite-se que tais embriões que estejam congela<strong>do</strong>s há mais de 3<br />

(três) anos sejam destina<strong>do</strong>s para pesquisas científicas e sob a autorização e<br />

concordância de seus genitores.<br />

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina decretou portaria que limitou o<br />

número de embriões implanta<strong>do</strong>s; permitiu a utilização <strong>da</strong> fertilização in vitro<br />

por casais homoafetivos e, mesmo a sua utilização post mortem, condiciona<strong>da</strong><br />

apenas a prévia autorização formaliza<strong>da</strong> em instrumento público pelos pais.<br />

Algumas legislações como a Lei de Biossegurança, se preocupam em restringir<br />

a manipulação genética para fins terapêuticos, mas há de se respeitar o<br />

embrião como vi<strong>da</strong> potencial e, portanto, devem ter sua existência e digni<strong>da</strong>de<br />

vali<strong>da</strong>mente preserva<strong>da</strong>s.<br />

Os interesses em debate são <strong>do</strong> embrião, <strong>do</strong>s genitores, <strong>da</strong> pesquisa e os <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de em geral; em razão <strong>do</strong>s avanços científicos galga<strong>do</strong>s pela medicina.<br />

A proteção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> potencial <strong>do</strong> embrião pode ser questiona<strong>da</strong> pela<br />

razoabili<strong>da</strong>de, pois antes de ser implanta<strong>do</strong> no útero materno ain<strong>da</strong> não é vi<strong>da</strong><br />

potencial.<br />

No plano <strong>da</strong> autonomia pode-se discutir o desejo <strong>do</strong> embrião não ser destruí<strong>do</strong>,<br />

no entanto, é inexigível o implante deste no útero materno. Mesmo se<br />

considera<strong>da</strong> sua vontade, isso não alteraria sua condição de potencial vi<strong>da</strong>,<br />

sem efetiva prospecção de acontecer.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, há o direito <strong>do</strong>s genitores de escolherem o destino <strong>do</strong> material<br />

genético que forneceram. Em derradeiro, há a liber<strong>da</strong>de de pesquisa <strong>do</strong><br />

cientista que encontra respal<strong>do</strong> no valor comunitário, é a frágil tese de que o<br />

embrião congela<strong>do</strong> há mais de três anos, sem se tornar uma vi<strong>da</strong>, tem um<br />

direito fun<strong>da</strong>mental de não ser destruí<strong>do</strong>.<br />

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Mas a perspectiva <strong>da</strong> pesquisa científica em trazer a cura e salvar vi<strong>da</strong>s pode<br />

franquear a manipulação <strong>do</strong>s embriões excedentários que não podem ser<br />

objeto de comercialização, por ferir mortalmente a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>, mas não<br />

deixa de tornar legítimas as pesquisas científicas, mesmo que acabem por<br />

determinar a destruição <strong>do</strong> embrião congela<strong>do</strong>, há mais de 3 (três) anos.<br />

O aborto de anencefálicos (que sofrem de má formação fetal congênita que<br />

resulta no fechamento <strong>do</strong> tubo neural durante a gestação) e corresponde à<br />

ausência de cérebro, trata-se de uma anomalia irreversível e fatal <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong>s casos.<br />

As pesquisas apontam que aproxima<strong>da</strong>mente 65% <strong>do</strong>s fetos anencefálicos<br />

deixam de respirar ain<strong>da</strong> na fase intrauterina. E, quan<strong>do</strong> chegam a nascer,<br />

deixam de respirar minutos após o parto. Há relatos de situações excepcionais,<br />

onde podem se passar alguns dias até que haja a cessação final <strong>da</strong> função<br />

vital.<br />

Graças aos avança<strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s tecnológicos, pode-se então chegar com<br />

segurança ao diagnóstico de anencefalia, sen<strong>do</strong> possível a confirmação<br />

através <strong>da</strong> ecografia a partir <strong>do</strong> terceiro mês de gestação.<br />

Em ação constitucional dirigi<strong>da</strong> ao STF, a Confederação Nacional <strong>do</strong>s<br />

Trabalha<strong>do</strong>res <strong>da</strong> Saúde pede que seja reconheci<strong>do</strong> o direito de interrupção <strong>da</strong><br />

gestação por vontade exclusiva <strong>da</strong> gestante, afastan<strong>do</strong>-se as clássicas<br />

punições ao aborto previstas no Código Penal Brasileiro.<br />

O feto anencefálico ain<strong>da</strong> dentro <strong>do</strong> útero possui vi<strong>da</strong> potencial, mas como não<br />

chega a ter vi<strong>da</strong> cerebral, não há vi<strong>da</strong> a ser tutela<strong>da</strong> em senti<strong>do</strong> jurídico.<br />

Em prol <strong>do</strong> direito de interrupção <strong>da</strong> gestação de feto anencefálico, pode-se<br />

invocar o direito à integri<strong>da</strong>de física <strong>da</strong> mulher, pois após uma longa gestação e<br />

to<strong>da</strong>s as suas consequências físicas e fisiológicas, receberá um filho com a<br />

mínima possibili<strong>da</strong>de de sobrevi<strong>da</strong>. Traduzin<strong>do</strong>-se enfim, em um sofrimento<br />

inútil.<br />

Confronto inútil entre a autonomia de vontade <strong>do</strong> feto de permanecer no útero<br />

materno e aguar<strong>da</strong>r seu parto, chocan<strong>do</strong>-se com o direito <strong>da</strong> mãe em não<br />

manter uma gestação inviável. Cogita-se <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de existencial referente aos<br />

direitos reprodutivos.<br />

Nem mesmo com relação à criminalização <strong>do</strong> aborto existe um forte consenso<br />

social, e na maioria <strong>do</strong>s países desenvolvi<strong>do</strong>s e democráticos admite-se sua<br />

prática até determina<strong>da</strong> época <strong>da</strong> gravidez e, menos ain<strong>da</strong> haverá, nas<br />

hipóteses de inviabili<strong>da</strong>de fetal.<br />

O aborto <strong>do</strong> anencefálico foi abor<strong>da</strong><strong>do</strong> de forma eficiente por Luís Roberto<br />

Barroso em suas Razões Finais (ADPF Nº 54 -<br />

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http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/anencefalicos_razoes_finais.pdf)<br />

e Manifestação<br />

sobre audiências públicas (anexo às razões finais -<br />

http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/anencefalicos_manifestacao_sobre_audiencia_p<br />

ublica.pdf).<br />

Recentemente podemos constatar diversas jurisprudências onde existe a<br />

autorização para a interrupção <strong>da</strong> gravidez nos casos de anencefalia como<br />

podemos verificar nas decisões a seguir:<br />

https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.<strong>do</strong>cdAcor<strong>da</strong>o=4792607<br />

https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.<strong>do</strong>cdAcor<strong>da</strong>o=4915890&vlCaptcha=pMb<br />

SU<br />

Destaca-se, no teor de algumas decisões, a interferência moral na interrupção<br />

de uma gestação onde é sabi<strong>do</strong>, de forma inconteste, que o feto não terá<br />

sobrevi<strong>da</strong>. Onde, há o reconhecimento <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>da</strong> gestante;<br />

onde se opera o consenso, na busca de evitar diversos transtornos,<br />

frustrações, sofrimento, em prol <strong>da</strong> valoração <strong>humana</strong> <strong>da</strong> gestante.<br />

“(...) O casal cuja mulher estava grávi<strong>da</strong> de 24 semanas<br />

(cerca de 6 meses) procurou a Defensoria Pública após<br />

receber a confirmação de que o feto que estava geran<strong>do</strong><br />

era anencéfalo, condição que é incompatível com a vi<strong>da</strong><br />

extra-uterina. “Os requerentes, cientes <strong>do</strong> grave quadro,<br />

manifestam de forma segura e inequívoca a intenção de<br />

realizar a interrupção <strong>da</strong> gravidez, até porque não faz<br />

senti<strong>do</strong> algum, sob a ótica jurídica ou mesmo médica,<br />

prolongar uma gestação em que inexiste a possibili<strong>da</strong>de<br />

de sobrevi<strong>da</strong> <strong>do</strong> feto”, afirmaram, na ação, os Defensores<br />

Públicos Júlio Cesar Tanone e Rafael Bessa<br />

Yamamura.(...)”<br />

“(...) O pedi<strong>do</strong> para que a gravidez fosse interrompi<strong>da</strong> foi<br />

nega<strong>do</strong> pelo Juiz de Direito em primeira instância. A<br />

Defensoria Pública, então, recorreu com uma medi<strong>da</strong><br />

cautelar para o Tribunal de Justiça, que concedeu decisão<br />

liminar favorável. “Se fossem possível, quan<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

elaboração <strong>do</strong> Código Penal, os exames médicos que<br />

hoje possibilitam apurar defeitos genéticos <strong>do</strong> feto, o<br />

legisla<strong>do</strong>r, para bem ou para mal, certamente teria<br />

autoriza<strong>do</strong> este caso [a interrupção <strong>da</strong> gravidez em caso<br />

de anencefalia]”, justificou, na decisão, o Desembarga<strong>do</strong>r<br />

Francisco Bruno. (...)”<br />

Fonte:<br />

[http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteu<strong>do</strong>s/Noticia<br />

www.abdpc.org.br


s/NoticiaMostra.aspxidItem=31515&idPagina=1&flaDesta<br />

que=V] Acesso em: 06/02/2011.<br />

Após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> se tornou um<br />

<strong>do</strong>s grandes consensos éticos mundiais e serviu de base para a cultura<br />

peculiariza<strong>da</strong> pela centrali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s direitos humanos e <strong>do</strong>s direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais.<br />

E foi positiva<strong>da</strong> em declarações internacionais de direitos e as Constituições<br />

democráticas o que contribuiu para a formação <strong>da</strong> jurisprudência. A digni<strong>da</strong>de<br />

<strong>humana</strong> é valor moral absorvi<strong>do</strong> pela política e sen<strong>do</strong> um valor fun<strong>da</strong>mental<br />

<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Democráticos de Direito.<br />

Tal valor foi igualmente absorvi<strong>do</strong> pelo Direito e passou a ser reconheci<strong>do</strong><br />

como princípio jurídico. Daí decorre três tipos de eficácia: a eficácia direta,<br />

interpretativa e a negativa.<br />

Pela eficácia direta se tem a possibili<strong>da</strong>de de se extrair uma regra <strong>do</strong> núcleo<br />

essencial <strong>do</strong> princípio, permitin<strong>do</strong> a subsunção.<br />

Pela eficácia interpretativa entende-se que as normas jurídicas devem ter seu<br />

senti<strong>do</strong> e alcance determina<strong>do</strong>s de maneira que melhor realize a digni<strong>da</strong>de<br />

<strong>humana</strong>, que servirá como critério de ponderação na hipótese de colisão de<br />

normas.<br />

E, finalmente a eficácia negativa paralisa ou neutraliza, é de caráter geral ou<br />

particular, a incidência de regra jurídica que seja incompatível com a digni<strong>da</strong>de<br />

<strong>humana</strong>.<br />

São conteú<strong>do</strong>s mínimos de digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> o valor intrínseco <strong>da</strong> pessoa<br />

<strong>humana</strong>, a autonomia <strong>da</strong> vontade e o valor comunitário. Decifremos ca<strong>da</strong> um, a<br />

seguir:<br />

O valor intrínseco é o elemento ontológico <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de decorre <strong>do</strong> fato que, as<br />

pessoas são um fim em si mesmas e não, meios para a realização de metas<br />

coletivas ou propósitos de terceiros.<br />

A inteligência, a sensibili<strong>da</strong>de e a capaci<strong>da</strong>de de comunicação são atributos<br />

peculiares e únicos que servem de justificação para essa condição singular.<br />

Desse valor intrínseco <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de decorrem direitos fun<strong>da</strong>mentais como o<br />

direito à vi<strong>da</strong>, à igual<strong>da</strong>de e à integri<strong>da</strong>de física e psíquica.<br />

A autonomia <strong>da</strong> vontade é elemento ético subjetivo <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de e associa<strong>do</strong> à<br />

capaci<strong>da</strong>de de autodeterminação nas escolhas básicas (valoração moral e,<br />

ain<strong>da</strong> os direitos e liber<strong>da</strong>des individuais). Ten<strong>do</strong> também dimensão pública<br />

onde se apoiam os direitos políticos como o de participar <strong>do</strong> processo eleitoral<br />

e <strong>do</strong> debate público.<br />

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Para adequa<strong>do</strong> exercício <strong>da</strong> autonomia seja pública ou priva<strong>da</strong> é indispensável<br />

que seja atendi<strong>do</strong> o mínimo existencial, com a satisfação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

vitais básicas.<br />

Já o valor comunitário <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> se preocupa com a relação entre o<br />

indivíduo e o grupo, e com valores que servem de limites às escolhas<br />

individuais, a promoção de objetivos sociais diversos, a proteção de bens<br />

sociais (tais como meio ambiente, material genético e etc., patrimônio históricoartístico).<br />

Desde sua origem histórica a dignitas esteve relaciona<strong>da</strong> ao status, a posição<br />

social ou determina<strong>da</strong>s funções públicas.<br />

Da digni<strong>da</strong>de decorriam deveres de tratamento reconhecen<strong>do</strong> a superiori<strong>da</strong>de<br />

de certas pessoas.<br />

E, segun<strong>do</strong> a tese de Jeremy Waldron, citan<strong>do</strong> Gregory Vlastos 12 , numa<br />

especulação exponencial, a igual<strong>da</strong>de significa a equalização <strong>da</strong>s posições,<br />

respeito antes só devota<strong>do</strong> aos nobres. Portanto no futuro, to<strong>do</strong>s serão nobres<br />

e, como o desejo humano é ilimita<strong>do</strong> por natureza. Mais adiante, no ápice <strong>da</strong><br />

evolução <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>, to<strong>do</strong>s serão deuses.<br />

Em síntese, pode-se conceituar que os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de são os<br />

inerentes à pessoa e à sua digni<strong>da</strong>de 13 .<br />

É importante associar os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de com cinco ícones coloca<strong>do</strong>s<br />

em prol <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> que são:<br />

a) Vi<strong>da</strong> e integri<strong>da</strong>de físico-psíquica;<br />

b) Nome <strong>da</strong> pessoa natural ou jurídica, com proteção específica constante<br />

entre os artigos 16 a 19 <strong>do</strong> Código Civil, bem como na Lei de Registros<br />

Públicos, Lei 6.015/73.<br />

c) A imagem classifica<strong>da</strong> como imagem-retrato; a imagem-atributo, soma<br />

de qualificações de alguém ou repercussão social <strong>da</strong> imagem;<br />

12 Gregory Vlastos, 1984, apud Jeremy Waldron. Dignity, rank, and rights: The 2009 Tanner Lectures at<br />

UC Berkley. Public Law & Legal Theory Research Paper Series, Working Paper n. 09-50, September<br />

2009.<br />

13 A digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> é valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta<br />

singularmente na autodeterminação consciente e responsável <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> e que traz consigo a<br />

pretensão ao respeito por parte <strong>da</strong>s demais pessoas, que se constituin<strong>do</strong> um mínimo invulnerável que to<strong>do</strong><br />

estatuto jurídico deve assegurar, de mo<strong>do</strong> que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao<br />

exercício <strong>do</strong>s direitos fun<strong>da</strong>mentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem<br />

to<strong>da</strong>s as pessoas enquanto seres humanos.<br />

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d) Honra ou repercussões físico-psíquicas subclassifica<strong>da</strong>s em honra<br />

subjetiva (autoestima 14 ) e objetiva (a repercussão social <strong>da</strong> honra).<br />

e) Intimi<strong>da</strong>de, sen<strong>do</strong> certo que a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa natural é inviolável<br />

(vi<strong>da</strong> art. 5º, X, CF/88).<br />

Esses ícones são relaciona<strong>do</strong>s com três princípios básicos constitucionais, a<br />

saber, (grifos nossos):<br />

Princípio de proteção à digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> – como fun<strong>da</strong>mento<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático de Direito;<br />

Princípio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de social – preocupa<strong>do</strong> com a construção de uma<br />

socie<strong>da</strong>de livre, justa e solidária e visan<strong>do</strong> a erradicação <strong>da</strong> pobreza.<br />

Princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de lato sensu ou isonomia – eis que to<strong>do</strong>s são iguais<br />

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.<br />

Desta forma, estão os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de para o Código Civil como os<br />

direitos fun<strong>da</strong>mentais estão para a Constituição Federal.<br />

E, ain<strong>da</strong> informa o Enuncia<strong>do</strong> 274 <strong>do</strong> CJF <strong>da</strong> IV Jorna<strong>da</strong> de Direito Civil, que o<br />

rol de direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de previsto entre os artigos 11 ao 21 <strong>do</strong> Código<br />

Civil é meramente exemplificativo (numerus apertus), bem como, o rol de<br />

direitos fun<strong>da</strong>mentais na Constituição Federal não é taxativo e nem exclui<br />

outros direitos coloca<strong>do</strong>s a favor <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong>.<br />

Mas no caso de colisão entre os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de deve-se a<strong>do</strong>tar a<br />

técnica <strong>da</strong> ponderação (técnica desenvolvi<strong>da</strong> no direito compara<strong>do</strong> por Robert<br />

Alexy 15 ).<br />

Diante <strong>do</strong> hard case, devem ser sopesa<strong>do</strong>s os princípios e os direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais diante <strong>do</strong> caso concreto para se buscar a melhor solução, o que<br />

se exige inclusive um conhecimento interdisciplinar.<br />

Nota-se que a vi<strong>da</strong>, o nome, a integri<strong>da</strong>de físico-psíquica, a honra, a imagem, a<br />

produção intelectual e a intimi<strong>da</strong>de foram cobertos pelo manto <strong>do</strong> CC/2002,<br />

enquanto que os outros deixaram de ser menciona<strong>do</strong>s , como o caso <strong>da</strong> opção<br />

sexual e nem se pode entender que os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de trata<strong>do</strong>s pelo<br />

CC não são os únicos admiti<strong>do</strong>s.<br />

14 Para Dworkin, o direito a tratamento digno prevalece àqueles que sequer tem condições de reconhecer<br />

eventuais insultos à sua autoestima, bem como àqueles que perderam sua capaci<strong>da</strong>de de autodeterminação<br />

, dentre outras classes minoritárias que constantemente são alija<strong>da</strong>s em diversas searas.<br />

15 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fun<strong>da</strong>mentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y<br />

Constitucionales, 2001.<br />

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Pois vige a cláusula geral de tutela <strong>humana</strong> que admite outros direitos <strong>da</strong><br />

pessoa (direito à educação, à moradia, à informação, à alimentação adequa<strong>da</strong>,<br />

à infância e a<strong>do</strong>lescência, à privaci<strong>da</strong>de e, etc.).<br />

Ensina Senise Lisboa 16 , que “to<strong>do</strong>s os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de decorrem <strong>da</strong><br />

existência, ain<strong>da</strong> que pretérita <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”. É possível identificar um direito à vi<strong>da</strong><br />

digna a partir <strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong> artigo 1º, III <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República,<br />

ten<strong>do</strong> como pressuposto lógico <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> e, ipso facto, <strong>do</strong>s<br />

direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de.<br />

Assim, é notória a existência e eficácia <strong>da</strong> cláusula geral de proteção <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong>de.<br />

O direito à integri<strong>da</strong>de física inclui a tutela <strong>do</strong> corpo vivo e <strong>do</strong> corpo morto, além<br />

<strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização. Vale<br />

recor<strong>da</strong>r as normas acerca <strong>da</strong> disposição <strong>do</strong> cadáver pelo titular que estão<br />

disciplina<strong>da</strong>s na Lei 9.434/97 que, requer a manifestação <strong>da</strong> vontade para <strong>do</strong>ar<br />

seus órgãos para depois <strong>da</strong> morte.<br />

Mas não se pode ve<strong>da</strong>r a participação <strong>da</strong> pessoa em tratamentos terapêuticos<br />

e científicos, que só podem ocorrer mediante consentimento informa<strong>do</strong>.<br />

Gustavo Tepedino identifica a ocorrência de duas grandes correntes<br />

<strong>do</strong>utrinárias que procuram identificar a existência <strong>do</strong>gmática de proteção à<br />

digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

E, conclui que as leis não conseguiram tutelar de forma exaustiva to<strong>da</strong>s as<br />

manifestações <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de, restan<strong>do</strong> supera<strong>da</strong>s as teorias pluralistas,<br />

segun<strong>do</strong> as quais os chama<strong>do</strong>s direitos de personali<strong>da</strong>de se encontram<br />

aplica<strong>do</strong>s na lei; enquanto que as teorias monistas sustentam a existência de<br />

um único direito de personali<strong>da</strong>de, originário, geral e capaz de conter to<strong>da</strong>s as<br />

multifaces <strong>da</strong>s situações existenciais.<br />

Confirmam apesar de supera<strong>da</strong>s as referi<strong>da</strong>s teorias uma forte tendência <strong>da</strong><br />

despatrimonialização e consequente personalização <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong>.<br />

Alguns autores preferem apontar a repersonalização, é o caso de Luiz Edson<br />

Fachin e que repercute na análise de vários institutos de Direito Civil, com<br />

relevante função prática.<br />

E sob o prisma constitucional, os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de não podem estar<br />

enquadra<strong>do</strong>s em rol taxativo. Os direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de são tendentes a<br />

assegurar a integral proteção <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong>, considera<strong>da</strong> em seus<br />

múltiplos aspectos tais como corpo, alma e intelecto.<br />

16 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: teoria geral <strong>do</strong> direito. 3. ed. São Paulo, SP: Revista<br />

<strong>do</strong>s Tribunais, 2003. v. 1.<br />

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A classificação <strong>do</strong>s direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de não exaure o rol, posto que<br />

constituam uma categoria elástica. Aliás, seria recomendável em face <strong>da</strong><br />

dinâmica evolução científica creditar-se num direito geral de personali<strong>da</strong>de.<br />

São três ordens: a integri<strong>da</strong>de física (direito à vi<strong>da</strong>, ao corpo, à saúde, ao<br />

cadáver); a integri<strong>da</strong>de intelectual (direitos <strong>do</strong> autor, liber<strong>da</strong>de religiosa, de<br />

expressão) e integri<strong>da</strong>de moral (direito à privaci<strong>da</strong>de, ao nome, à imagem).<br />

Vivemos numa era de incertezas e perplexi<strong>da</strong>des, o que fatalmente reflete no<br />

Direito.<br />

Mas, apesar <strong>do</strong> contexto histórico filosófico, <strong>do</strong> pós-positivismo onde os<br />

princípios são a base normativa <strong>do</strong> sistema. Estes concretizam valores<br />

considera<strong>do</strong>s democraticamente e considera<strong>do</strong>s como essenciais àquela<br />

comuni<strong>da</strong>de.<br />

No sistema legal de tradição romano-germânica o berço por excelência <strong>do</strong>s<br />

princípios jurídicos é exatamente o texto constitucional.<br />

E, em razão <strong>da</strong> supremacia constitucional, tais princípios se impõem sobre a<br />

interpretação e aplicação de qualquer norma inferior e, possuem os princípios<br />

<strong>da</strong> eficácia horizontal, plena e imediata sobre qualquer relação jurídica concreta<br />

e, garantin<strong>do</strong> a coerência axiológica de to<strong>do</strong> o sistema.<br />

No fun<strong>do</strong>, a ambigüi<strong>da</strong>de e amplitude peculiares <strong>da</strong>s normas jurídicas são<br />

majora<strong>da</strong>s pelo uso <strong>do</strong>s princípios, mas é a identificação <strong>do</strong>s princípios<br />

aplicáveis que fornecem segurança jurídica, e fornecem também a razão em<br />

ca<strong>da</strong> interpretação a aplicação jurídica.<br />

Portanto, determinar o significa<strong>do</strong> e o conteú<strong>do</strong> de ca<strong>da</strong> princípio e, em<br />

especial <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> é de total relevância<br />

e, por essa razão é obrigatória a fun<strong>da</strong>mentação/argumentativa <strong>da</strong>s decisões<br />

judiciais (art. 93, IX, CF/88).<br />

Lembremos que os princípios não são expressões meramente valorativas e,<br />

nem podemos entender conforme como Tzvetan To<strong>do</strong>rov sugeriu, citan<strong>do</strong><br />

Lichtenberg:<br />

“um texto é apenas um piquenique onde o autor entra<br />

com as palavras e os leitores com o senti<strong>do</strong>. Mesmo que<br />

isso fosse ver<strong>da</strong>de, as palavras trazi<strong>da</strong>s pelo autor são<br />

um conjunto um tanto embaraçoso de evidências<br />

materiais que o leitor não pode deixar passar em silêncio,<br />

nem em barulho [...]”<br />

Fonte: ECO, Umberto. Interpretação e<br />

Superinterpretação. São Paulo, Martins Fontes, 2005.<br />

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Estu<strong>da</strong>mos a dialética entre os direitos conti<strong>do</strong>s nos textos legais e os direitos<br />

de seus intérpretes. Mas reconheçamos que o direito destes foram<br />

indevi<strong>da</strong>mente maximiza<strong>do</strong>s.<br />

É preciso <strong>do</strong>tar de concreta cientifici<strong>da</strong>de os conceitos, os princípios e institutos<br />

jurídicos, papel precípuo <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina.<br />

As primeiras perspectivas <strong>do</strong> Direito Civil Constitucional foram delinea<strong>da</strong>s por<br />

Piero Perlingieri 17 .<br />

Podemos observar sua influência na Constituição Federal de 1988, onde o<br />

objetivo dera garantir que a on<strong>da</strong> de democracia, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e proteção à<br />

digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> adentraram nos feu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>, remodelan<strong>do</strong>-o.<br />

O marco teórico <strong>do</strong> direito civil constitucional corresponde as suas principais<br />

características tais como:<br />

prevalência <strong>da</strong>s situações existenciais em relação a situações<br />

patrimoniais;<br />

preocupação com a historici<strong>da</strong>de e a relativi<strong>da</strong>de na interpretação e<br />

aplicação <strong>do</strong> direito;<br />

A priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> função <strong>do</strong>s institutos jurídicos, nota<strong>da</strong>mente a função<br />

social com relação à sua estrutura.<br />

Há três perspectivas que dizem respeito à estrutura <strong>do</strong>s desafios enfrenta<strong>do</strong>s<br />

pelo direito civil constitucional e a primeira perspectiva refere-se à proteção <strong>do</strong>s<br />

aspectos mais íntimos <strong>da</strong> pessoa, ou seja, a privaci<strong>da</strong>de.<br />

A segun<strong>da</strong> perspectiva corresponde à responsabili<strong>da</strong>de civil na proteção <strong>da</strong><br />

digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> e a terceira perspectiva corresponde ao desenvolvimento <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> no ambiente familiar.<br />

Sinteticamente a tutela <strong>da</strong> privaci<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil e <strong>da</strong>s relações<br />

familiares, Tepedino 18 indica que, segun<strong>do</strong> Maria Celina Bodin de Moraes, são<br />

os “turnings points” para avaliarmos o problema <strong>da</strong> segurança jurídica no plano<br />

civil-constitucional.<br />

Grandes desafios são enfrenta<strong>do</strong>s em razão <strong>do</strong>s desenvolvimentos<br />

tecnológicos <strong>da</strong> biomedicina, <strong>da</strong> engenharia genética e <strong>da</strong> difusão de <strong>da</strong><strong>do</strong>s por<br />

meios de comunicação como a Internet na amplidão <strong>do</strong> ciberespaço. Como a<br />

17 PERLINGIERI, Pietro. Perfis <strong>do</strong> direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução:<br />

Maria Cristina De Cicco. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.<br />

18 TEPEDINO, Gustavo (Organiza<strong>do</strong>r). Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz <strong>da</strong><br />

legali<strong>da</strong>de constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.<br />

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privaci<strong>da</strong>de de <strong>da</strong><strong>do</strong>s genéticos, bem como seu uso indiscrimina<strong>do</strong>, seja por<br />

emprega<strong>do</strong>s, companhias de seguro, ou por planos de saúde.<br />

A idéia <strong>da</strong> medicina preventiva permitiu com sua evolução detectar através de<br />

testes genéticos algumas predisposições patológicas e algumas <strong>do</strong>enças<br />

graves tais como o câncer de mama. Perguntar-se-ia a quem pertence tais<br />

informações e quem pode exigi-las.<br />

Num extrema<strong>do</strong> entendimento, poderá um membro <strong>da</strong> família tomar<br />

conhecimento <strong>do</strong> teor desses testes genéticos para ser informa<strong>do</strong><br />

tempestivamente sobre sua potenciali<strong>da</strong>de patológica.<br />

Em alguns países testes genéticos podem ser vendi<strong>do</strong>s em farmácias e<br />

debate-se se deve sofrer controle oficial. A utilização <strong>do</strong>s testes genéticos<br />

enseja intrinca<strong>da</strong>s questões éticas e jurídicas e se defrontam com a<br />

privaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong>.<br />

Assim, o direito à privaci<strong>da</strong>de torna-se instrumento fun<strong>da</strong>mental contra a<br />

discriminação, a favor <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. O direito à privaci<strong>da</strong>de já foi<br />

entendi<strong>do</strong> como o “direito de manter o controle sobre as próprias informações e<br />

determinar o mo<strong>do</strong> de construção <strong>da</strong> própria esfera priva<strong>da</strong>” 19 .<br />

Samuel Warren e Louis Brandeis acrescentam em seu artigo, de forma mais<br />

radical, que é “right to be let alone” (direito de ficar só) ou “privacy”<br />

(privaci<strong>da</strong>de), e o direito de ter autodeterminação informativa 20 .<br />

Na socie<strong>da</strong>de contemporânea como socie<strong>da</strong>de de informação que é, a<br />

identi<strong>da</strong>de incorpora tais informações. Logo podemos afirmar que nós somos<br />

as nossas informações. Desta forma, controlar a circulação <strong>da</strong>s informações e<br />

saber quem as usa, significa adquirir concretamente, um poder sobre si<br />

mesmo.<br />

Cogita-se <strong>da</strong> colocação <strong>do</strong>s chips coloca<strong>do</strong>s sucutâneos para admissão de<br />

fiscais em centro de <strong>do</strong>cumentação, ou para rastreamento em caso de<br />

sequestro, para ingresso em casas noturnas, para programa de vigilância <strong>do</strong><br />

governo inglês para fixar com exatidão e por via satélite de criminosos em<br />

liber<strong>da</strong>de condicional.<br />

Nos EUA, depois <strong>do</strong> dia 11 de setembro, na luta contra o terrorismo, passou-se<br />

a considerar imprescindível o exercício <strong>do</strong> controle total sobre os ci<strong>da</strong>dãos<br />

19 RODOTÁ, Stefano. A vi<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de de vigilância. A privaci<strong>da</strong>de hoje. Trad. de Maria Celina<br />

Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.<br />

20 The Right to Privacy<br />

http://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.html [ acesso em 28<br />

fev. 2011]<br />

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através <strong>da</strong> coleta de suas comunicações telefônicas, eletrônicas e seus<br />

deslocamentos, em particular, <strong>da</strong>s viagens aéreas.<br />

Construíram um esta<strong>do</strong> de vigilância total estrutura<strong>da</strong> com muitas câmeras e<br />

controle de <strong>da</strong><strong>do</strong>s pela internet, por e-mails, cartas telefonemas e, até de to<strong>do</strong>s<br />

os ci<strong>da</strong>dãos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, se for possível.<br />

Há <strong>do</strong>is divergentes modelos de proteção de <strong>da</strong><strong>do</strong>s pessoais: o modelo<br />

europeu e o modelo americano. No modelo europeu, há regulamentação que<br />

visa proteger efetivamente a privaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa, mas normalmente ocorre a<br />

posteriori quan<strong>do</strong> já ocorrera a violação.<br />

Já no modelo americano ocorre a ausência de regulamentação, o que é<br />

<strong>da</strong>noso.<br />

E devi<strong>do</strong> ao princípio máximo <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de garanti<strong>do</strong> naquela socie<strong>da</strong>de, o que<br />

gera a possibili<strong>da</strong>de contraditória e para<strong>do</strong>xal que é a criação de banco de<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s centraliza<strong>do</strong> e gigantesco, manten<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s sob vigilância tal qual um<br />

Big Brother e ain<strong>da</strong>, a possibili<strong>da</strong>de de cruzamento de <strong>da</strong><strong>do</strong>s reproduzin<strong>do</strong> uma<br />

versão ciberespacial <strong>do</strong> “Panótico de Bentham”.<br />

Da socie<strong>da</strong>de de informação fluímos para a socie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> controle em prol de<br />

suposta garantia de segurança.<br />

Estu<strong>da</strong>n<strong>do</strong> mais ciosamente, a segun<strong>da</strong> perspectiva refere-se à<br />

responsabili<strong>da</strong>de civil, presenciamos no Brasil, uma autêntica revolução, onde<br />

o foco outrora tradicionalmente recaía sobre a pessoa <strong>do</strong> causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>da</strong>no e,<br />

nem por ser ato reprovável e punível.<br />

Deslocou-se para a tutela garanti<strong>da</strong> à vítima <strong>do</strong> <strong>da</strong>no injusto e, passou a ter o<br />

direito de ser repara<strong>da</strong>, independentemente <strong>da</strong> identificação de uma culpa.<br />

A perseguição esquizofrênica <strong>da</strong> culpa passou a ser secundária, passan<strong>do</strong> o<br />

nexo de causali<strong>da</strong>de ter relevância de primeiro plano.<br />

Os princípios, que antes eram alheios ao surgimento <strong>da</strong> obrigação de<br />

indenizar, foram incorpora<strong>do</strong>s à definição <strong>do</strong> regime de reparação civil.<br />

Se o sistema tradicional de responsabili<strong>da</strong>de se fulcrava somente na tutela <strong>do</strong><br />

direito de proprie<strong>da</strong>de e <strong>do</strong>s demais direitos patrimoniais, hoje a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

pessoa <strong>humana</strong>, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de social e a justiça distributiva modificaram<br />

definitivamente a sistemática <strong>do</strong> dever de ressarcir.<br />

A responsabili<strong>da</strong>de civil objetiva volta-se para a tutela <strong>do</strong>s interesses <strong>da</strong> vítima,<br />

independentemente de qualquer critério de reprovabili<strong>da</strong>de em relação ao ato<br />

<strong>do</strong> agente ofensor.<br />

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Sen<strong>do</strong> assim, servirá então de instrumento para a proteção <strong>do</strong>s direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> pessoa.<br />

Tal mu<strong>da</strong>nça de perspectiva pode acarretar nos <strong>do</strong>is problemas que merecem<br />

atenção <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina e causam controvérsias na jurisprudência que é o <strong>da</strong><br />

conceituação <strong>do</strong> <strong>da</strong>no moral e o <strong>da</strong> cláusula geral <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de objetiva.<br />

É por demais calcarmos na declinação subjetiva: “<strong>do</strong>r, vexame, sofrimento e<br />

humilhação”.<br />

Ponderan<strong>do</strong>-se sobre a existência ou não de <strong>da</strong>nos morais pelo uso não<br />

consenti<strong>do</strong> <strong>da</strong> imagem de uma bela atriz, o TJRJ concluiu que só as mulheres<br />

feias poderiam sofrer com a exposição de sua imagem sem sua autorização.<br />

Desta forma o relator Des. Wilson Marques, ao avaliar a causa onde a atriz<br />

teve suas fotografias, apenas a uma revista exposta, depois também nas<br />

páginas de um jornal, deduziu:<br />

“nas circunstâncias <strong>do</strong> caso concreto, não se percebe de<br />

que forma o uso inconsenti<strong>do</strong> <strong>da</strong> imagem <strong>da</strong> autora pode<br />

ter-lhe acarreta<strong>do</strong> <strong>do</strong>r, tristeza, mágoa, sofrimento,<br />

vexame, humilhação.<br />

Ao revés, a exibição <strong>do</strong> seu estético corpo, <strong>do</strong> qual ela,<br />

com justifica<strong>da</strong> razão, certamente se orgulha,<br />

naturalmente lhe proporcionou muita alegria, júbilo,<br />

contentamento, satisfação, exaltação, felici<strong>da</strong>de.”<br />

A definição objetiva <strong>do</strong> <strong>da</strong>no moral liga-se a lesão aos direitos <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> é calca<strong>da</strong> no modelo tradicional e essencialmente<br />

patrimonializa<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito subjetivo.<br />

O <strong>da</strong>no moral em ver<strong>da</strong>de como lesão à digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa <strong>humana</strong> será,<br />

portanto, to<strong>da</strong> e qualquer circunstância que atinja o ser em sua condição<br />

<strong>humana</strong>, que mesmo longinquamente, preten<strong>da</strong> tê-lo como objeto, e que negue<br />

sua quali<strong>da</strong>de de pessoa, e será automaticamente considera<strong>do</strong> viola<strong>do</strong>r de sua<br />

personali<strong>da</strong>de. E, se caracteriza<strong>da</strong>, é causa<strong>do</strong>ra de <strong>da</strong>no moral a ser<br />

indeniza<strong>do</strong>.<br />

Por consequência, o <strong>da</strong>no moral corresponde à lesão a algum <strong>do</strong>s substratos<br />

que compõem, ou conformam a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>, isto é, a violação aos<br />

princípios <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de<br />

psicofísica de uma pessoa.<br />

Revelou-se para proteção <strong>da</strong> vítima a insuficiência <strong>da</strong> imputabili<strong>da</strong>de moral<br />

com base na culpa, transferin<strong>do</strong> o ônus de reparar para o agente ofensor.<br />

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Quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> após a Revolução Pós-Industrial, os acidentes se tornaram<br />

frequentes e não são mais considera<strong>do</strong>s como fatali<strong>da</strong>des extraordinárias,<br />

passaram a ser estatisticamente previsíveis e mensura<strong>do</strong>s em função <strong>do</strong><br />

desempenho <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de e, surgin<strong>do</strong> à imposição <strong>do</strong> dever de repará-los, há<br />

de decorrer <strong>da</strong> mera assunção deste risco.<br />

Com a superação <strong>do</strong> modelo de responsabili<strong>da</strong>de subjetiva, muitas são as<br />

vantagens, tais como: desonerar a vítima <strong>do</strong> pesa<strong>do</strong> ônus <strong>da</strong> prova (por vezes<br />

impossível); diminuir a discricionarie<strong>da</strong>de judicial pela prevalência <strong>do</strong> dever de<br />

indenizar independentemente de culpa, e, por fim, força o agente a internalizar<br />

o custo de sua ativi<strong>da</strong>de.<br />

Inerentemente de seu maior ou menor cui<strong>da</strong><strong>do</strong>, terá este que pagar por to<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>no causa<strong>do</strong>. Em prol <strong>da</strong> efetiva proteção <strong>da</strong> vítima <strong>do</strong>s <strong>da</strong>nos injustamente<br />

sofri<strong>do</strong>s através <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is mecanismos menciona<strong>do</strong>s, se não é fruto, vem em<br />

perfeita consonância com a teoria <strong>da</strong> constitucionalização <strong>do</strong> direito civil.<br />

Mas há de se ponderar adequa<strong>da</strong>mente para não se recair em exageros. O<br />

maior desafio <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de de hoje não é a escassez e, sim o excesso.<br />

Se tu<strong>do</strong> é <strong>da</strong>no moral, se to<strong>do</strong> sofrimento humano deve ser indeniza<strong>do</strong>, a óbvia<br />

tendência é de que os <strong>da</strong>nos venham custar ca<strong>da</strong> vez menos.<br />

Se to<strong>do</strong>s são vítimas, ou revés, ninguém é vítima; se to<strong>do</strong>s são responsáveis,<br />

então ninguém será responsável. A ausência de limites <strong>do</strong>gmaticamente<br />

estabeleci<strong>do</strong>s, provavelmente acarretará, em médio prazo a<br />

desresponsabilização, geran<strong>do</strong> portanto, a desproteção e o desamparo <strong>da</strong><br />

digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

É observável que os valores estabeleci<strong>do</strong>s pelo STJ para a reparação <strong>do</strong> <strong>da</strong>no<br />

moral pela indevi<strong>da</strong> inscrição de nome no Serviço de Proteção ao Crédito, onde<br />

o quantum indenizatório foi a menos de mil reais, quan<strong>do</strong> em 1999, o TJRJ<br />

condenou sistematicamente pela reparação <strong>do</strong> <strong>da</strong>no moral a 100 (cem)<br />

salários-mínimos.<br />

A terceira perspectiva refere-se à democratização <strong>da</strong>s relações familiares.<br />

Quan<strong>do</strong> nos referimos às relações familiares, estas abrangem as relações<br />

conjugais, as relações paterno-filiais, etc. Aliás, é sabi<strong>do</strong>, que a tradicional<br />

família patriarcal apresenta-se e revela-se triplamente desigual e cruel.<br />

Pois nessa família, os homens possuíam um maior valor que as mulheres; os<br />

pais tinham maior importância que os filhos e os heterossexuais mais direitos<br />

que os homossexuais.<br />

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Inauguramos o modelo <strong>da</strong> família democrática 21 , onde não há direitos sem<br />

responsabili<strong>da</strong>des nem autori<strong>da</strong>de legítima sem democracia. Os papéis de<br />

seus membros foram remodela<strong>do</strong>s, e substituiu-se o então famélico pátrio<br />

poder pela expressão “poder familiar”.<br />

A democratização na família implica nos pressupostos como a igual<strong>da</strong>de,<br />

respeito mútuo, autonomia, toma<strong>da</strong> de decisão através <strong>da</strong> comunicação,<br />

resguar<strong>do</strong> <strong>da</strong> violência e integração social.<br />

Na família democrática existe a igual distribuição de poder de decisão, onde<br />

to<strong>do</strong>s possuem iguais e adequa<strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des de se manifestar, e são<br />

capazes e interessa<strong>do</strong>s em ouvir.<br />

Liman<strong>do</strong> qualquer discriminação ou preconceito e, permitin<strong>do</strong> ao ci<strong>da</strong>dão, ao<br />

ser humano, o direito de protagonizar igual papel ao forjar um destino comum.<br />

A quebra de paradigmas <strong>do</strong> Direito de Família tem como forte característica a<br />

valorização <strong>do</strong> afeto nas relações afetivas entre as pessoas <strong>do</strong> mesmo sexo.<br />

A a<strong>do</strong>ção no Brasil <strong>da</strong> famosa eficácia horizontal <strong>do</strong>s direitos fun<strong>da</strong>mentais (a<br />

drittwirkung, desenvolvi<strong>da</strong> inicialmente pelo Tribunal Federal Constitucional<br />

Alemão), corrobora com o reconhecimento <strong>da</strong>s relações homoafetivas com o<br />

escopo de formar família e estar sob o manto protetor <strong>da</strong> lei.<br />

A família democrática é aquela em que existe a digni<strong>da</strong>de de seus membros,<br />

<strong>da</strong>s pessoas que a compõe, é respeita<strong>da</strong>, incentiva<strong>da</strong> e tutela<strong>da</strong>.<br />

Embora nosso direito de família esteja entre os mais avança<strong>do</strong>s ain<strong>da</strong> assim,<br />

30% <strong>do</strong>s nascimentos não possuem paterni<strong>da</strong>de registra<strong>da</strong>. E, deve-se<br />

principalmente a cultura machista em vigor no país, a qual permite que os<br />

homens se sintam livres de qualquer responsabili<strong>da</strong>de de registrar e sustentar<br />

seus filhos (mesmo em relações fora <strong>do</strong> casamento e não-estáveis).<br />

Em geral, grande percentual <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de parental é apenas suporta<strong>da</strong><br />

pela mãe e, no caso de gravidez acidental, vive o dilema atroz <strong>do</strong> aborto<br />

criminoso e a parentali<strong>da</strong>de solitária.<br />

Assim, no caso de deserção <strong>do</strong> pai, temos o aban<strong>do</strong>no moral, ou ain<strong>da</strong>, ao<br />

revés, a síndrome <strong>da</strong> alienação parental.<br />

Na tentativa de reatar os nós, os tribunais brasileiros passaram a aplicar o<br />

princípio <strong>da</strong> presunção relativa <strong>da</strong> paterni<strong>da</strong>de em caso de injustifica<strong>da</strong> recusa<br />

<strong>do</strong> exame biológico, o que foi consoli<strong>da</strong><strong>do</strong> na Súmula 301 (de 2004) <strong>do</strong> STJ.<br />

21 Ressalte-se, por fim, que a Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos, a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> e proclama<strong>da</strong> pela<br />

Resolução n. 217A (III) <strong>da</strong> Assembléia Geral <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s, em 10121948 e assina<strong>da</strong> pelo Brasil na<br />

mesma <strong>da</strong>ta, reconhece a digni<strong>da</strong>de como inerente a to<strong>do</strong>s os membros <strong>da</strong> família <strong>humana</strong> e como<br />

fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> justiça e <strong>da</strong> paz no mun<strong>do</strong>.<br />

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“STJ Súmula nº 301 - 18/10/2004 - DJ 22.11.2004<br />

Em ação investigatória, a recusa <strong>do</strong> suposto pai a<br />

submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris<br />

tantum de paterni<strong>da</strong>de..”<br />

Fonte:<br />

http://www.centraljuridica.com/sumula/g/1/superior_tribuna<br />

l_de_justica/superior_tribunal_de_justica.html [acesso em<br />

05/03/2011]<br />

E, ain<strong>da</strong> diante <strong>da</strong> concreta desigual<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mulher no âmbito <strong>da</strong>s relações<br />

conjugais, diante <strong>da</strong> corriqueira violência <strong>do</strong>méstica, <strong>da</strong>í a Lei 11.340/2006, que<br />

veio tratar <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção de to<strong>da</strong>s as formas de discriminação contra as mulheres<br />

e ain<strong>da</strong> a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência<br />

contra a mulher.<br />

O Direito Civil-Constitucional é de aplicação direta <strong>do</strong>s princípios<br />

constitucionais às relações priva<strong>da</strong>s. Exigin<strong>do</strong> a releitura <strong>do</strong>s institutos priva<strong>do</strong>s<br />

em face <strong>da</strong> prevalência <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong>.<br />

O reconhecimento <strong>do</strong> caráter normativo <strong>do</strong>s princípios, ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong>s regras (já<br />

na lição de Dworkin), na filosofia pós-positivista e, ain<strong>da</strong> a plurali<strong>da</strong>de destes,<br />

buscan<strong>do</strong> proteger a digni<strong>da</strong>de, especialmente em socie<strong>da</strong>des desiguais.<br />

A ilusão de segurança nos faz pressentir que existem novos caminhos a serem<br />

trilha<strong>do</strong>s para defender a digni<strong>da</strong>de <strong>humana</strong> 22 .<br />

De qualquer mo<strong>do</strong>, a ideologia <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem nasci<strong>da</strong> no século XVIII,<br />

<strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong>s luzes, veio a ressurgir, e penetrar na mentali<strong>da</strong>de<br />

contemporânea.<br />

22 Impõe-se a garantia <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e integri<strong>da</strong>de física e espiritual <strong>da</strong> pessoa através <strong>do</strong> livre<br />

aprimoramento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de; a libertação <strong>da</strong> "angústia <strong>da</strong> existência" <strong>da</strong> pessoa por meio de<br />

mecanismos de sociabili<strong>da</strong>de, dentre os quais se incluem a viabilização de trabalho, educação, saúde,<br />

lazer, moradia, segurança, previdência social, proteção à materni<strong>da</strong>de, à infância e assistência aos<br />

desampara<strong>do</strong>s, além de outras garantias de condições existenciais mínimas. (Alexandre de Moraes)<br />

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Autoras:<br />

Gisele Leite<br />

Professora universitária, pe<strong>da</strong>goga, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia,<br />

Doutora em Direito, Conselheira-chefe <strong>do</strong> Instituto Nacional de Pesquisas<br />

Jurídicas, membro <strong>da</strong> Academia Brasileira de Direito Processual Civil,<br />

professora <strong>da</strong> FGV e professora-tutora <strong>do</strong> FGV Online.<br />

Denise Heuseler<br />

Professora universitária. Especialista em Direito Processual Civil. Professoratutora<br />

<strong>do</strong> FGVOnline. Pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> INPJ.<br />

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