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Como Brasil e Itália enfrentam a situação ... - Comunità italiana

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filosofia<br />

Falta<br />

paixão<br />

Filósofo italiano ligado à Igreja Católica faz palestra<br />

no <strong>Brasil</strong> e prega a condenação dos padres pedófilos<br />

Tat i a n a Bu f f<br />

Correspondente • São Paulo<br />

A<br />

crise econômica mundial,<br />

no final das contas,<br />

pode se mostrar<br />

uma boa notícia para<br />

todo o mundo. É nisso que<br />

acredita o filósofo italiano<br />

Massimo Borghesi. Professor<br />

da Universidade de Perugia e<br />

das Pontifícias Universidades<br />

São Boaventura e Urbaniana –<br />

ambas em Roma – ele esteve<br />

pela primeira vez no <strong>Brasil</strong>, no<br />

mês passado, para uma série<br />

de conferências promovidas pela<br />

Pontifícia Universidade Católica<br />

de São Paulo.<br />

A convite do Núcleo de Fé<br />

e Cultura da instituição, as palestras<br />

abordaram temas como<br />

secularização, cultura moderna<br />

e política, a “crise da fé” e a<br />

pedofilia dentro da igreja. Também<br />

no Rio de Janeiro e em Petrópolis,<br />

Borghesi falou a pesquisadores<br />

e estudantes da área.<br />

Contundente, o filósofo declarou em<br />

entrevista à Comunità que a realidade<br />

globalizada transmutou vocações<br />

e valores em meras “funções burocráticas”,<br />

o que se tornou um péssimo<br />

exemplo para os jovens:<br />

— O problema hoje é que não há<br />

mais modelos, nem professores nem<br />

mestres. Essa é a verdadeira globalização<br />

— acredita o filósofo.<br />

Para o filósofo, a partir de<br />

1989, com o fim do muro de Berlim,<br />

passou-se “a uma espécie<br />

de euforia”, que levou a uma<br />

globalização sem regras, permeada<br />

apenas por projetos<br />

de enriquecimento indiscriminado.<br />

Faltou, segundo<br />

ele, “um critério mínimo<br />

Fotos: Claudio Cammarota<br />

de orientação e seleção dos rumos<br />

da economia”. A humanidade,<br />

é claro, paga por isso “com<br />

graves riscos”.<br />

— A crise assinala indubitavelmente<br />

uma passagem que pode<br />

ser vista como um retorno ao<br />

primado da política. Nesses anos<br />

houve o primado da economia,<br />

do mercado, absolutizado como<br />

um modelo quase perfeito, como<br />

se da globalização derivasse<br />

bem-estar para todos. Temos<br />

que nos render que não é assim.<br />

O mercado deve ser regulado. Da<br />

mesma forma, a economia deve<br />

ser real, não puramente financeira.<br />

Este retorno ao primado da<br />

política, por si só, é uma boa notícia<br />

— acredita.<br />

Isso, porém, não significa<br />

que Borghesi pregue como solução<br />

a existência de um Estado<br />

interventor “porque o Estado<br />

não deve engolir tudo”. Sua função<br />

é clara, na opinião do professor:<br />

estabelecer regras para a<br />

economia de modo que os interesses<br />

correspondam a uma utilidade<br />

geral.<br />

— Não devemos ter mais<br />

uma economia simplesmente dirigida<br />

para a vantagem de poucos<br />

indivíduos que perseguem o<br />

próprio interesse egoístico, desinteressando-se<br />

totalmente do<br />

bem-estar geral. Isto não é mais<br />

tolerável. Infelizmente percebemos<br />

isso, como usualmente, com<br />

atraso. Tanto é que, nos Estados<br />

Unidos, com essa manobra de bilhões<br />

de dólares, os contribuintes,<br />

que nada têm a ver com a<br />

especulação, devem pagar a dívida<br />

por culpa de alguns indivíduos<br />

— observa.<br />

E se o futuro sempre foi atribuído<br />

a uma ação protagonizada<br />

por jovens, estamos mal. Na<br />

opinião de Borghesi, “falta paixão”<br />

a eles, atualmente. Para o<br />

filósofo, essa falta de ânimo está<br />

relacionada com a tal globalização<br />

“que transmutou vocações e<br />

valores em meras funções burocráticas,<br />

insuficientes para preencher<br />

as expectativas emocionais<br />

e espirituais de crianças e<br />

adolescentes por bons exemplos<br />

em quem se espelhar”.<br />

Culpa da igreja<br />

Autor de mais de uma dezena de<br />

livros como A figura de Cristo em<br />

Hegel, Secularização e Niilismo e<br />

Pós-modernidade e Cristianismo,<br />

todos inéditos no <strong>Brasil</strong>, Borghesi<br />

culpa a igreja por essa falta<br />

de motivação dos jovens. Afinal,<br />

a instituição também não está<br />

dando bons exemplos. Vide os<br />

casos de pedofilia para os quais<br />

prega o encaminhamento à Justiça<br />

comum para que os envolvidos<br />

sejam presos.<br />

Padres, sacerdotes e quaisquer<br />

membros da igreja responsáveis<br />

por casos de pedofilia cometidos<br />

dentro da igreja católica<br />

devem ser expulsos, denunciados,<br />

presos e julgados pela Justiça, na<br />

opinião do filósofo, muito ligado<br />

à igreja católica. Lembrando<br />

as advertências feitas pelo Papa<br />

Bento XVI acerca dos crimes, enfatizou<br />

que pedofilia é intolerável<br />

e um pecado gravíssimo.<br />

— Recordo o que diz o próprio<br />

Evangelho: ‘quem terá escandalizado<br />

um só destes pequenos<br />

é melhor para ele que pendure<br />

uma mão ao pescoço e se jogue<br />

ao mar’. Jesus convida ao suicídio<br />

estes criminosos; não é só um<br />

pecado gravíssimo e imperdoável,<br />

mas é também um crime contra o<br />

Estado, a sociedade civil e, como<br />

tal, deve ser punido — afirma.<br />

Para Borghesi, não pode haver<br />

mais “omertà” - omissão ou<br />

silêncio coletivo - para com os<br />

pedófilos, em qualquer parte do<br />

mundo. Afinal, eles são a antítese<br />

das referências morais esperadas<br />

da igreja.<br />

— É inadmissível calar-se em<br />

relação aos culpados por esses<br />

crimes. Os bispos não podem esconder<br />

sacerdotes ou religiosos;<br />

eles devem ser denunciados à<br />

autoridade civil e imediatamente<br />

abandonar o hábito sacerdotal.<br />

Estão fora da igreja, assim como<br />

estão fora da sociedade.<br />

Sem bons exemplos<br />

Segundo o pensador, cabe à igreja<br />

restituir aos jovens a fé na<br />

política e nos valores humanos,<br />

“esvaziados por incontáveis histórias<br />

de personalidades corruptas<br />

em todas as áreas”. Paralelamente,<br />

a política “deveria dar o<br />

testemunho de paixão autêntica<br />

por parte de quem governa e representa<br />

a liderança dos países”.<br />

Afinal, se os jovens só vêem corruptos,<br />

“sem a mínima paixão<br />

pela realidade popular e pelos<br />

problemas da gente”, não haverá<br />

ídolos em quem se espelhar.<br />

— O problema hoje é que<br />

não há professores nem mestres.<br />

Essa é a verdadeira globalização.<br />

Assim como se exportam coisas<br />

boas, se exportam ruins. O vazio<br />

juvenil atinge a Europa, os Estados<br />

Unidos, a América Latina e<br />

o sul da Ásia em grande medida,<br />

Coréia e Japão. Na China estão<br />

enfrentando agora os problemas<br />

de um desenvolvimento econômico<br />

acelerado. O verdadeiro nó<br />

é a falta de experiências a serem<br />

propostas como referência.<br />

Na sua avaliação, a desvalorização<br />

da religiosidade, da reverência<br />

por algo superior ao homem,<br />

suas atividades e bens produzidos,<br />

entendida como “secularização”,<br />

significou uma “progressiva<br />

burocratização” que destruiu as<br />

chamadas vocações individuais.<br />

— As principais figuras sociais,<br />

que até 30 anos atrás eram<br />

também morais, como vocações,<br />

se tornaram funções. O médico, o<br />

político, o professor e, às vezes,<br />

até o padre tornaram-se funções<br />

burocráticas. Não são mais vocações<br />

pessoais, correspondem<br />

simplesmente ao exercício de<br />

uma função motivada por um interesse<br />

freqüente de caráter econômico<br />

— exemplifica.<br />

Este fenômeno tem conseqüências<br />

em nível moral, uma vez<br />

que os jovens se identificam com<br />

valores através dos modelos sociais,<br />

alerta o filósofo. Isso porque,<br />

como observa Borghesi, os<br />

valores são abstratos e estão<br />

sempre incorporados às figuras<br />

sociais. Se essas figuras se tornam<br />

anônimas, “se não têm mais<br />

relevância ética, se não indicam<br />

um bem, uma capacidade de dedicação”,<br />

isso se reverte nos jovens<br />

“em um sentido cético da<br />

vida”. Para o filósofo, uma das<br />

piores conseqüências disso é o<br />

recolhimento individual, egoísta,<br />

“no qual o único objetivo é fazer<br />

a própria carreira, sem escrúpulos,<br />

para atingir o mais rápido<br />

possível a satisfação dos próprios<br />

desejos”.<br />

Ele cita como exemplo desse<br />

quadro “o ceticismo político<br />

constatado nas últimas eleições<br />

na Itália”, com grande número<br />

de abstenções. Ele está certo<br />

que esse quadro traduz “um<br />

longo processo de desencanto<br />

geral”. Na sua avaliação, após<br />

o comunismo, especialmente<br />

na península, os partidos políticos,<br />

que eram populares, recebiam<br />

o consenso e constituíam<br />

o ponto de base do Estado e<br />

do governo.<br />

— Depois disso, quem governou<br />

não se preocupou com o<br />

consenso, mas sim em estabelecer<br />

um sistema de poder que o<br />

garantia no exercício das próprias<br />

funções — afirma. — Portanto,<br />

recuperar a paixão política<br />

é um problema. A transbordante<br />

secularização destes anos esvaziou<br />

aquela carga de ideal, a paixão<br />

de solidariedade e o desejo<br />

de bem comum que maturavam<br />

em uma consciência religiosa. Isto<br />

tem conseqüências no terreno<br />

político: uma sociedade feita de<br />

indivíduos e não de comunidades<br />

é composta por sujeitos isolados,<br />

que não têm mais nenhum interesse<br />

comum.<br />

42 C o m u n i t à I t a l i a n a / No v e m b r o 2008<br />

N o v e m b r o 2008 / Co m u n i t à I t a l i a n a 43

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