Bodas de Prata
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Lusitano <strong>de</strong> Zurique Opinião<br />
Outubro 2014 – 5<br />
O maior dos crimes públicos<br />
Quando um dia, algum Historiador escrupuloso traçar as rugas do rosto<br />
do que outrora foi uma Pátria chamada Portugal, encontrará silêncio.<br />
E se apurar o ouvido escutará uma melopeia infinda <strong>de</strong> choros.<br />
Ama<strong>de</strong>u Homem<br />
Para mim, o mais grave problema<br />
português não é, directamente, a penúria<br />
económica, a emigração dos jovens,<br />
a <strong>de</strong>gradação do ensino, o <strong>de</strong>sprezo<br />
pelos cuidados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da<br />
população, a insegurança nas ruas e<br />
nos lares, a corrupção, etc.<br />
Embora possa ter <strong>de</strong> confessar que<br />
é uma certa concepção <strong>de</strong> Economia<br />
que <strong>de</strong>termina , “em última instância”<br />
(como diria Karl Marx) a verda<strong>de</strong>ira<br />
tragédia da situação. Opino que o<br />
mais grave problema português é o<br />
da <strong>de</strong>sertificação do nosso interior.<br />
No interior não há País. No interior<br />
há tojos, casebres em ruínas e gente<br />
velha. Gente que por lá apodrece,<br />
sem que haja da Consciência Colectiva<br />
um forte estremecimento e um<br />
brado indignado. O País, o Portugal<br />
português, é hoje uma reduzida faixa<br />
<strong>de</strong> terreno que contempla o mar ou<br />
se espraia nas adjacências. Nenhum<br />
português com <strong>de</strong>veres e afectos <strong>de</strong><br />
família se atreverá, hoje, a viver no<br />
interior, se pu<strong>de</strong>r habitar esse nicho<br />
estreito <strong>de</strong> terra junto ao mar. É que<br />
faltam por lá as escolas e o honesto<br />
concidadão po<strong>de</strong> ter filhos para<br />
educar. E também foram <strong>de</strong> lá expulsas<br />
as unida<strong>de</strong>s públicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
quando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre as privadas<br />
<strong>de</strong>bandaram. E como a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma família é o maior dos bens, sem<br />
médicos ou paramédicos, sobram<br />
apenas os bruxos e as “mulheres<br />
<strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> nula eficácia objectiva.<br />
Também falta a antiga estação<br />
dos Correios, o que <strong>de</strong>termina que o<br />
nosso honesto compatriota nem sequer<br />
possa simplesmente enviar uma<br />
carta para um amigo distante. Além<br />
do mais, o exemplar a que aludimos,<br />
terá obrigatoriamente <strong>de</strong> possuir um<br />
veículo a motor para suportar a interiorida<strong>de</strong>.<br />
É que, se calhar, o arfante<br />
transporte público só por lá passará<br />
uma ou duas vezes por semana. E<br />
quem tem a ventura <strong>de</strong> possuir um<br />
automóvel sabe - como diz um meu<br />
antigo condiscípulo - que há amantes<br />
mais baratas, em gasolina, revisões,<br />
taxas das Finanças e reparações urgentes.<br />
Logo, se houver um fulano<br />
que queira forçosamente viver no interior,<br />
tal representará um gesto masoquista.<br />
E só para ricos ! Para já não<br />
falar da completa exposição do agregado<br />
familiar à banditagem eventual,<br />
uma vez que também se foram as<br />
forças policiais. E se, por bravata ou<br />
<strong>de</strong>sespero, o nosso exemplar tiver <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a Esposa ou a Filha a tiro,<br />
terá <strong>de</strong> contar com mais um percurso<br />
quilométrico apreciável, para arranjar<br />
um advogado, inexistente, ou <strong>de</strong>mandar<br />
judicialmente um meliante . É<br />
que o Tribunal também se foi. Quando<br />
um dia, algum Historiador escrupuloso<br />
traçar as rugas do rosto do<br />
que outrora foi uma Pátria chamada<br />
Portugal, encontrará silêncio. E se<br />
apurar o ouvido escutará uma melopeia<br />
infinda <strong>de</strong> choros.<br />
Há crimes públicos, políticos, que<br />
são radicalmente imperdoáveis. Se<br />
este não é o maior é porque quem<br />
escreve <strong>de</strong>ve ser imediatamente internado<br />
num hospício. Mas com provas<br />
na mão!