Poesia Estrangeira - Academia Brasileira de Letras
Poesia Estrangeira - Academia Brasileira de Letras
Poesia Estrangeira - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Tradução <strong>de</strong> Ronaldo Costa Fernan<strong>de</strong>sNatureza mortaSão nove horas e a cozinha está na penumbra:estou sentada a uma mesa tão gran<strong>de</strong> como o <strong>de</strong>serto,diante <strong>de</strong> uns alimentos que não sei como olhar,e se lhes perguntasse, o que me respon<strong>de</strong>riam?São laranjas <strong>de</strong> uma colheita fora do tempotangerinas sem impérioacelgas ver<strong>de</strong> luto,alfaces ver<strong>de</strong> esquecimento,aipos sem cabeça,ver<strong>de</strong> nada,ver<strong>de</strong> logo,ver<strong>de</strong> enfim.(Ban<strong>de</strong>jas <strong>de</strong> promissãono condado do <strong>de</strong>samparo)A tar<strong>de</strong> se dilata na cozinhae aqui não chega o som do mar.A solidão das laranjas se multiplica:não há pergunta para tanta opulência,aqui, na serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste banquinho <strong>de</strong> três pernas,ro<strong>de</strong>ada por uma muralha <strong>de</strong> tangerinas órfãs,uma legião <strong>de</strong> bananas sem mácula,um bosque <strong>de</strong> salsa mais frondosoque a floresta tropical.Alimentos mudos e sem perfumeolho-os e só vejo uma caravana <strong>de</strong> mercadorias,o sonho dos condutores,uma urgência <strong>de</strong> frigoríficose um rastro <strong>de</strong> água suja atravessando a cida<strong>de</strong>.298