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Semanário Angolense 369 edição (sem password)

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Sábado, 29 de Maio de 2010. 19OpiniãoInocência Matainocenciamata2009@gmail.comAs armadilhas da percepçãode outras culturas(a propósito do III Fórum da Aliança das Civilizações)Foi ainda no ano passado,em Abril, que eu trouxeàs páginas deste jornaluma reflexão sobre o 2ºFórum das Civilizações i , que serealizou em Istambul, cidade daTurquia cujas designações – Bizâncioe Constantinopla – dizemda sua história feita de complexae diversa geografia civilizacional.Na altura eu disse que a importânciadesse II Fórum era muitosimbólica porquanto ele coincidiacom a primeira visita à Europa dopresidente dos Estados Unidos,que fez questão em incluir no seuroteiro a Turquia, hoje vista peloseuropeus com desconfiança dadaalguma regressão, queremos quetemporária, da secularização doEstado. E isso numa altura emque o Ocidente ainda não se desfezda visão de adversário (inimigo?)em relação a (certo) mundodo Islão – e vice-versa… Note-seque a Aliança das Civilizações,cujo alto-comissário é o ex-presidenteportuguês Jorge Sampaio,foi proposta na 59ª As<strong>sem</strong>bleiaGeral das Nações Unidas porJosé Luis Rodríguez Zapatero,presidente do governo espanhol,em Setembro de 2004, logo apósos atentados de Madrid de Marçodo mesmo ano, e teve o apoio,desde o início, da Turquia.Pois bem, este ano o evento,que termina hoje, 29 de Maio, realiza-seno Rio de Janeiro, Brasil.Ser fora da Europa é importante?É! E porquê?Em primeiro lugar porque aAliança das Civilizações pugnapor um mundo menos etnocêntrico(deveria dizer, no caso,eurocêntrico?), menos monocultural,mais dialogante, maisintercultural, mais assertivo nanecessidade de diligenciar meiosque possibilitem a percepção deoutras culturas, outras margens(género e etnia incluídas) isto é,margens mais subalternas, menosfortes em termos mediáticos.Não admira que o tema destaterceira edição seja ‹‹InterligandoCulturas, Construindo a Paz››.Tal como foi muito significativoque a realização do II Fórum tivesseocorrido na Turquia, por setratar de um fórum que promoviaa compreensão mútua e ummelhor conhecimento interculturale inter-religioso, este III Fórumtorna-se importante porquepromove a diversidade cultural.Em suma, este fórum erige-sea lugar onde se desmonta a peregrinaideia de que a mediatizaçãoestá na razão directa da qualidadee da eficácia como algunscomentadores e analistas constantee perversamente insinuam.Assim, se a primeira edição serealizou em Madrid, na Europa,a segunda na fronteira (geográfica,civilizacional) entre o mundoocidental e o oriental, é significativoque o terceiro se realize naAmérica Latina e, espero, que opróximo se realize na Ásia ou emÁfrica, englobando civilizaçõesmuito diferentes na sua complexidadee na sua localização histórica.E se a presença do presidenteBarack Obama no II Fórum nãose concretizou, apesar de anunciada,nesta terceira edição a adesãodos Estados Unidos (atravésda secretária-adjunta de Estadopara Assuntos de OrganizaçõesInternacionais) vai ao encontroda política do desanuviamentoem curso das tensas e belicosasrelações entre o Ocidente e oOriente em que George W. Bushmergulhou o mundo.Ser no Brasil (e não, por exemplo,na Argentina, no Chile ou naColômbia) é duplamente importante:primeiro porque de entreos países da América Latina, oBrasil é aquele em que, pelo menosdesde o governo de Lula daSilva, através de uma políticaeducativa que visa a promoçãoda integração dos diferentes segmentosque compõem a esteiradas culturas nacionais, se temvindo a ensaiar um diálogo interculturaltendencialmente equilibradodepois de uma história feitade desigualdades relativizadase subalternidades naturalizadasque advêm daquilo a que se podedesignar como a ‹‹cegueira dacor››, doença de quem sofre(ra)m muitos brasileiros, mesmo daelite cultural. Em segundo lugar,porque tendo em conta os outrostemas deste fórum, o Brasil é, defacto, um exemplo de integraçãono que diz respeito à luta contraas desigualdades sociais de que éprova o sucesso da luta contra afome e pela segurança alimentar,assim como pela capacitação daspopulações rurais com vista aodesenvolvimento da agricultura eao incremento de sistemas e programasde auto-sustentação.Porém, apesar de o Brasil seruma nação que se formou de umamulticulturalidade, devo confessarincómodo e desconfortoquanto à ideia da ‹‹exemplaridade››brasileira no que respeita à diversidadeétnica e cultural, o quese pode depreender da expressãode Ban Ki-moon (secretário-geralda ONU): ‹‹Eu celebro que esteterceiro fórum seja realizado noBrasil, um país que é consideradoum crisol de raças››. Primeiroporque poucos são os países quehoje não se podem incluir no tipo‹‹crisol de raças››. Quereis exemplos?Aí ao lado, a Argentina, aColômbia, a Venezuela; os paísesdo Caribe (só para me ficarna zona). Depois porque a ideiade ‹‹crisol de raças›› é hoje umaideia que não responde já aos ideaisde uma equilibrada gestão dadiversidade porque remete parao ‹‹melting pot›› americano: a homogeneizaçãoda diversidade étnica(ou rácica, como quiserdes,aqui), de que os Estados Unidosseriam o paradigma enquantoideal societário, porém bem direccionadopara o ideal WASP ii –hoje bem ultrapassado em termosde proposta. Finalmente, e maisimportante, é que, na contramão,pode-se cair no inverso da apologiade uma outra forma de eugenia,não já de ‹‹raça pura››, masde uma ‹‹raça mestiça››; como sea mestiçagem euro-hifenizadapertencesse a uma concepção detempo, ordem e causalidade e,segundo um ‹‹pensamento mestiço››(Serge Gruzinki, 2000),o mestiço se transformasse em‹‹raça cósmica››, na expressãode Rodolfo Stavenhagen (1993);como se a mestiçagem fosse umfenómeno moderno, que apenassurgiu com a expansão europeiae os colonialismos… europeus!O que faz da mestiçagem euroafricana/asiática/americanaoutraforma de mitificação da relaçãohistórica entre colonizadose colonizadores que transformao colonialismo em ‹‹encontro deculturas›› ! iiiA haver ‹‹crisol››, prefiro denacionalidades e cidadanias! Deresto, prefiro a diversidade.Assim, desse ponto de vista,não me pareceria menos celebrativoque o Fórum fosse realizadonum país escandinavo, que nãoostenta uma história de evidentemulticulturalidade, mas em quehá muito tempo existem políticaspúblicas cuja enunciação visauma sociedade inclusiva e em queos direitos humanos são transversalmenterespeitados – o quenão se pode dizer propriamente,e em consciência, do Brasil! ■iVer: “Barack Obama e a‘aliança das civilizações’: lucubraçõestriviais”. In: “Semanário<strong>Angolense</strong>”, nº 312, 18-24 deAbril de 2009.iiWhite, Anglo-Saxon andProtestant.iiiNão é exagero meu: há tempos,num encontro no CentroCultural da Malaposta (Odivelas- Portugal), ouvi que o colonialismoportuguês, contrariamenteaos outros, teria sido um“colonialismo intercultural” (!!!).Fiquei estupefacta com a aprendizagem!

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