Semanário Angolense 369 edição (sem password)
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Sábado, 29 de Maio de 2010. 39CulturaAna Mafalda Leite, professora de Literatura da Universidade Nova LisboaEstá na forja um corpus críticopara a literatura angolanaCláudio FortunaAmoçambicanaAnaMafalda Leite, professorade literaturaafricana na Universidadede Lisboa em Portugal, é aconvidada de hoje do Semanário<strong>Angolense</strong> para o ciclo de abordagensque tem vindo a fazersobre a literatura angolana. Tivemoso seu ponto de vista sobreas dificuldades e possíveis saídaspara a produção literária angolana.Como <strong>sem</strong>pre a conversa tevecomo pano de fundo o centenáriode Óscar Ribas, pelo que a vida ea obra deste vulto da literaturaangolana foram também chamadosà liça neste pequeno frente-afrentecom Ana Mafalda Leite.Semanário <strong>Angolense</strong> (SA) –Que opinião tem do estado actualda literatura angolana?Ana Mafalda Leite (AML) – Eujulgo que a literatura angolana, talcomo a literatura moçambicana,têm uma geração mais jovem. Ouseja, autores que actualmente têmentre os trinta e quarenta anos,que têm tido obviamente mais dificuldadesde publicação em faceda privatização das editoras. Digamosque é uma geração que vemda guerra, em que os interessesculturais e a vida cultural foramdiferentes. Portanto, a literaturaangolana está atravessar uma fasede desenvolvimento, mas que nãoé tão perceptível assim, em que osnomes ainda não se ambientaram.Há a possibilidade de publicaçãode muitas obras, obviamente sefalarmos de autores com nomesjá feitos, como Pepetela, como LuandinoVieira ou como UanhengaXitu. Digamos que ela mostra queos autores continuam a ter umaprodução significativa, actualizandoos temas e diversificando asáreas temáticas. Julgo, enfim, queé uma literatura muito promissoraa literatura angolana.SA – Comparativamente aosanos 80, altura em que havia claramenteuma produção literáriabastante significativa, com aUnião dos Escritores Angolanose a Brigada Jovem de LiteraturaCIRCUNSTÂNCIA em que Ana Mafalda Leite conversava com o jornalistaAngolana no papel de charneiranesse período, de resto foi da Brigadaque saiu grande parte dosescritores que hoje compõem omosaico literário angolano, nãoteme que se esteja a cair num decréscimode produção literáriaem Angola?AML – Não! Julgo é que nadécada de 80 havia outras condiçõesde publicação, e os escritoresjovens eram estimulados atravésdas publicações da União. Nãoquer dizer que hoje não sejam,mas digamos também que o papeldo intelectual, do escritor, talvezfosse valorizado de uma outraforma. Hoje em dia os jovens têmoutras apetências como a Internet,os Medi, e outras áreas culturaisque não necessariamente apenasa escrita. De modo que me parecetambém que há um défice de leitura.Então, digamos que há umamaior dificuldade também na escrita,algo que acontece tambémem Moçambique.SA – Há uma outra questão,para a qual gostaríamos de tera sua opinião autorizada, quetem a ver com a crítica literária.Parece-nos que ela tem sido meiaintermitente, não regular. Qualé avaliação da professora?AML – Mas não será assimeternamente. Estão a formar-sepessoas, estão a surgir pessoas quevão ter intervenção crítica na área.A Universidade está a formar gentena área da literatura e há outrosque estão a estudar fora que vãoregressar. De modo que é uma situaçãotransitória. Nós temos quever as coisas dentro do seu contextocronológico, porque em 33 anosde independência formaram-se asprimeiras gerações, licenciaramse,doutoraram-se, mestraram-seas primeiras pessoas nesta área.Durante o período de guerra, aUniversidade praticamente estevefechada, então digamos quehá um corpus intelectual que vaicom o tempo crescer naturalmente.Se, por um lado, este corpuscrítico não é muito pujante, poroutro lado, no campo editorial,nós verificamos que nos últimosanos houve um grande crescimentoeditorial. E hoje em dia há umaactividade que nós verificamos nosjornais e em diversas áreas quenão apenas a literatura, como oteatro, a dança, a declamação emLuanda e noutras zonas do país.Há uma diversificação cultural.SA – Falou da faculdade deLetras, que pode fornecer ferramentasindispensáveis para osfuturos estudiosos da literaturaangolana. Quais são os meiosque estes poderão utilizar parase tornarem de facto nos mestresda crítica literária em Angola?AML – Ler, ler muito e ler diferentesliteraturas, não apenas aafricana, para poderem teruma capacidade de apreciaçãoanalítica e comparativa. Ler notempo. Esta geração mais jovemquer tudo muito rapidamente,mas ler é um ofício demorado.Quer dizer, para se ler, não se podever televisão o dia todo, ou estarna Internet todo dia.SA – Olhando para a figura deÓscar Ribas, qual a importânciada sua produção literária para aliteratura angolana?AML – Naturalmente que temuma grande importância. Aliás,o recente encontro em torno da figurade Óscar Ribas vai permitir areedição das suas obras, o que farácom que as pessoas leiam e tenhamcontacto com a grandiosidade dasua escrita, a transição que ele fazda cultura oral para a cultura escrita,que me parece fundamental.SA – Uma crítica que hoje se fazao Óscar Ribas é relativamenteàs dedicatórias que geralmentese encontravam nas suas obras,supostamente favoráveis ao regimecolonial. Que comentáriose lhe oferece fazer sobre este aspectoem concreto?AML – Ontem houve um depoimentomuito interessante, de umsenhor que trabalhou com ele muitosanos, que o ajudava a transcrevere que ia fazer as entrevistas.Esse depoimento mostra queÓscar Ribas era um homem queao lutar pela sua cultura estavaa lutar pela identidade e unidadenacionais. Por outro lado, ele <strong>sem</strong>presalvaguardou com coragem aimportância da cultura angolana,e nunca fugiu a isto, através doconhecimento e da divulgação dosaspectos ligados à língua e à culturakimbundu e não só. De modoque certo tipo de frases dedicatóriasde modo nenhum comprometeo texto de Óscar Ribas com o regimecolonial.SA – Segundo Michel Laban,Óscar Ribas teria tido a intençãode reeditar «Nuvens quePassam», a sua primeira obraliterária, mas tal não aconteceu.Do seu ponto de vista, acha queteria sido oportuna fazer-se umareimpressão, numa espécie decolectânea, para a posteridade?AML – Sim, desde que o autorconheça bem a obra dele, e quetenha a responsabilidade de fazeruma antologia.SA – Numa só palavra, comoé resume este encontro sobre ocentenário da vida e obra de ÓscarRibas?AML – Acho que foi um encontromuito importante. Porque é oreconhecimento da obra de umamemória histórica da literatura,de um homem que simultaneamentetrabalhou com uma mão naliteratura oral, e outra na literaturaescrita. E é muito importantetambém porque toda a literaturaafricana vive nesta fronteira. ■