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Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat

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DIRECTOR GERAL<br />

GRAÇA CAMPOS<br />

DIRECTOR ADJUNTO<br />

SILVA CANDEMBO<br />

Kz 250,00<br />

EDIÇÃO <strong>360</strong> · ANO VII<br />

WWW.SEMANARIO-ANGOLENSE.COM<br />

SÁBADO • 27 De MArçO De 2010<br />

GÁS NÃO CONVENCIONAL DA CHINA<br />

ATRAI A SHELL Página 26<br />

ARTIGO 47.º<br />

LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO<br />

1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem<br />

armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.<br />

2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à<br />

autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei<br />

UEA<br />

Nova direcção<br />

é em Abril<br />

• Página 40<br />

QUE SURTO É ESTE?<br />

K. Kanawa<br />

internado<br />

de urgência<br />

• Página 5<br />

Cerveja para<br />

corromper<br />

governantes<br />

Diante da «afonia» do Governo<br />

HAJA PORTA-VOZ<br />

É convicção geral que o<br />

Governo precisa de se<br />

comunicar com as populações<br />

em moldes diferentes<br />

e sem manipulação.<br />

É altura dessa actividade<br />

de marketing e relações<br />

públicas ser exercida com<br />

mais realismo e por via de<br />

pessoas com nomes concretos<br />

que possam dar<br />

a cara pelo executivo, interagindo<br />

com<br />

os órgãos de informação<br />

• Página 8<br />

TEMPO máx min<br />

SÁB 27°C 22°C<br />

DOM 33°C 22°C<br />

SEG 32°C 21°C<br />

TER 29°C 22°C<br />

QUA 28°C 24°C<br />

QUI 29°C 24°C<br />

SEX 28°C 24°C<br />

Numa reunião do secretariado do BP do MPLA disse que a dupla<br />

Idalina/Mutindi não funcionaria. JES fingiu não ter ouvido<br />

«RA» pressentiu a crise<br />

no Ministério do Comércio


2 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

em Foco<br />

Direitos & obrigações<br />

Graça Campos<br />

1. Não nos parece que o tom<br />

com que o governador da Huíla<br />

descreveu o programa de demolições<br />

em curso naquela província,<br />

a proibição que o governador de<br />

Benguela impôs a uma manifestação<br />

prevista para quinta-feira<br />

na qual se deveria contestar o uso<br />

do camartelo, e o lançamento de<br />

um abaixo assinado contra estes<br />

programas sejam apenas coincidências.<br />

Pessoas sem papas na língua,<br />

como parece ser o caso de Isaac<br />

dos Anjos, normalmente tendem<br />

a ser intempestivas, ou frontais,<br />

como também parece ser o caso<br />

do governador da Huíla.<br />

Pessoas sem papas na língua e<br />

frontais, como nos parece que é<br />

o caso de Isaac dos Anjos, invariavelmente<br />

provocam choques,<br />

e quem provoca choques, normalmente<br />

tem que se sujeitar às<br />

replicas.<br />

Lendo e ouvindo o que o governador<br />

da Huíla tem dito não nos<br />

surpreende o vendaval que se seguiu.<br />

A demolição, justa ou não,<br />

dói às pessoas que passam a viver<br />

numa tenda, ao invés de numa<br />

casa. No caso da Huíla após o<br />

choque resultante da «ordem pessoal»<br />

do governador para deitar<br />

abaixo o que - convenhamos - estava<br />

mal, seguiu-se um discurso<br />

igual ou tão arrasador quanto a<br />

acção do camartelo.<br />

Isaac disse que não tinha outra<br />

alternativa, explicou as várias<br />

etapas porque passou o processo,<br />

os custos, o impasse que vinha<br />

criando, os constrangimentos que<br />

sobram para as outras províncias,<br />

mas perdeu-se tremendamente ao<br />

explicar como a razão estava do<br />

seu lado.<br />

Razão, convenhamos, não é só<br />

estar do lado certo da lei. Quem<br />

anda em política sabe que os discursos<br />

políticos soam melhor<br />

quando impregnados de razoabilidade.<br />

Não nos parece que seja<br />

este o caso do governador, que,<br />

perante a vaga que se criou, colou<br />

o segundo secretário do MPLA<br />

na província à oposição. Quase<br />

que o colou à UNITA, que é pecado<br />

mortal para os militantes do<br />

MPLA.<br />

Isaac tem sobre ele também a<br />

circunstância de o poder exonerar<br />

a qualquer momento do posto de<br />

administrador municipal do Lubango.<br />

Não nos parece, todavia,<br />

que possa garantir que entre as<br />

cabeças que vão rolar uma delas<br />

seja a do vice-governador, que foi<br />

o que ele sugeriu ao Novo Jornal.<br />

Como sabemos, mesmo que se<br />

permita a um governador propor<br />

a equipa com que quer trabalhar,<br />

que foi o que sustentou a mudança<br />

observada em Malanje, a última<br />

palavra cabe ao presidente da<br />

Os mais de 30<br />

anos de poder a<br />

solo deram ao<br />

MPLA traquejo<br />

para imobilizar a<br />

oposição, asfixiar<br />

a imprensa, mas,<br />

pelos vistos, não<br />

o preparam para<br />

um exercício banal<br />

como é o direito à<br />

manifestação<br />

Director: Graça Campos Director-Adjunto: Silva Candembo<br />

Editores — Editor Chefe: Severino Carlos; Política: Severino Carlos; Economia: Cristóvão de Sousa Neto;<br />

Sociedade: Salas Neto; Cultura: Salas Neto; Desporto: Silva Candembo<br />

Redacção: Rui Albino, Baldino Miranda, Adriano de Sousa e Pascoal Mukuna<br />

Colaborades: Sousa Jamba, Fernando Macedo, Kanzala Filho, Manuel Rui,<br />

Luís Kandjimbo, Kenneth Muanji, Anastácio Ndunduma, Josué Sapalo, Kajim-Bangala, Peter James, Maurílio Luiele,<br />

Adriano Botelho de Vasconcelos e Celso Malavoloneke<br />

Paginação e Design: Sónia Júnior (Chefe) e Patrick Ferreira Fotografia: Nunes Ambriz e Virgílio Pinto<br />

Impressão: Lito Tipo Secretária de Redacção: Antónia de Almeida<br />

Adminstracção e Vendas: Marta Pisaterra<br />

Publicidade e Marketing: Antónia de Almeida (Chefe) e Oswaldo Graça<br />

António Feliciano de Castilho n. o 103 • Telf. 263506 • Luanda<br />

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Publicidade e Marketing: publicidade@semanario-angolense.com; sítio: www.semanario-angolense.com<br />

As opiniões expressas pelos colunistas e colaboradores do SA não engajam o Jornal.<br />

República, e o governador da Huíla<br />

não pode dizer com segurança<br />

que tem a exoneração de um dos<br />

seus vices assegurada.<br />

Isaac dos Anjos fala também de<br />

um programa de auto construção<br />

dirigida. A experiência no nosso<br />

país sobre esta matéria é péssima.<br />

Não inspira confiança a ninguém.<br />

Por essa razão se pede ao governador<br />

razoabilidade nas palavras<br />

e nos actos. Por exemplo, não nos<br />

parece que caiba a Isaac dos Anjos<br />

definir os limites da imprensa,<br />

com base no que ele entende que<br />

sejam o uso e abuso do sofrimento<br />

das pessoas.<br />

Nos últimos dias o governador<br />

da Huíla não cansou de falar. Falou<br />

à Voz da América duas vezes,<br />

falou ao Novo Jornal? Se ele fala<br />

quando quer, por que não permite<br />

que as pessoas desalojadas<br />

falem para a imprensa onde quer<br />

que estejam?<br />

De Benguela chegou a notícia<br />

de que o governador local tinha<br />

proibido a realização de uma manifestação<br />

prevista para a última<br />

quinta-feira.<br />

A decisão não nos surpreende.<br />

Apesar da lei não fazer depender<br />

a realização de manifestações da<br />

decisão de um governador, seja<br />

de Luanda, da Huíla, de Benguela<br />

ou de outra província qualquer, a<br />

verdade é que foi este o caminho<br />

seguido pelo general Armando da<br />

Cruz Neto.<br />

O MPLA apenas está a provar<br />

que toma o direito à manifestação<br />

como uma contrariedade de todo<br />

tamanho. O «track record» do<br />

MPLA nesta matéria é péssimo,<br />

o silêncio da justiça é conhecido.<br />

Mas seja como for nada nos inibe<br />

de colocar a pergunta mais uma<br />

vez: a quem devem recorrer os cidadãos<br />

que vêem recusados o seu<br />

Continua na pág.3<br />

QUI<br />

18<br />

MAr<br />

SeX<br />

19<br />

MAr<br />

SÁB<br />

20<br />

MAr<br />

DOM<br />

21<br />

MAr<br />

SeG<br />

22<br />

MAr<br />

Ter<br />

23<br />

MAr<br />

QUA<br />

24<br />

MAr<br />

QUI<br />

25<br />

MAr<br />

MAIS ACORDOS<br />

É de causar inveja (ao Ocidente) o modo como as<br />

relações entre Angola e a China se intensificam. O<br />

«namoro» entre ambos vai de vento em poupa e a visita<br />

de Ji Peiding, membro do Comité Consultivo da<br />

Política Externa da China, é prova disso. Vêm aí mais<br />

acordos de âmbito económico.<br />

MANIFESTAÇÃO À VISTA<br />

Passou o tempo de assistir calado a atrocidades de<br />

uns e outros neste país. Se alguns não concordam, a<br />

OMUNGA tem demonstrado isso mesmo. Aquela<br />

ONG pretende organizar uma manifestação em Benguela<br />

em protesto às demolições ordenadas por Isaac<br />

dos Anjos na província da Huila.<br />

PRODUTOS MALÉFICOS<br />

Falar de direito do consumidor entre nós é quase uma<br />

fraude. Um exemplo recente foi o escândalo das águas<br />

contaminadas da EPAL na Vila Alice. O INADEC, mesmo<br />

a minguar, tenta fazer a sua parte e desta vez alerta que<br />

o consumo da sobremesa «Ultra Mel» pode ser prejudicial.<br />

ÁGUA IMPRÓPRIA<br />

Tal como ocorreu na Vila Alice, o Bairro da Madeira,<br />

no Sambizanga, também teve água mal cheirosa<br />

mas suas torneiras. Os populares suspeitam que a origem<br />

esteja no campo Mário Santiago, onde se encontra<br />

uma conduta com tubos quebrados bem juntinha<br />

aos montões de lixo. O que a EPAL vai dizer agora?<br />

DURA LEX SED LEX?<br />

O Caso Frescura, como foi conhecido o processo<br />

judicial mais mediático dos últimos tempos teve o seu<br />

veredicto final. Os sete agentes da polícia foram condenados<br />

a uma pena de 24 anos de prisão maior. Os<br />

familiares das vítimas dizem ser pouco. Ainda assim<br />

sempre se pode «dura lex sed lex»?<br />

CONDENADOS RECORREM<br />

Como em toda peleja, o final não agrada aos contendores<br />

em simultâneo. O Caso Frescura não foi excepção.<br />

Agora são os familiares dos condenados que<br />

pretendem organizar uma marcha de protesto contra a<br />

sentença do Tribunal Provincial de Luanda ao mesmo<br />

tempo que os advogados recorrem ao Supremo.<br />

ANJOS DOS DIABOS<br />

A maka das demolições na província da Huíla está<br />

longe de ser resolvida conforme os populares almejam.<br />

Isaac dos Anjos chamou a imprensa para dizer<br />

que as demolições vão continuar até Junho e que 270<br />

casas estão na mira. Será por mero prazer de ver gente<br />

a sofrer que o governador huilano persiste?<br />

PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS<br />

A lei que permite a exploração de biocombustíveis<br />

já foi aprovada pela Assembleia Nacional. Isso significa<br />

que terras aráveis que podiam revitalizar a produção<br />

de alimentos no país serão engajadas em plantações<br />

para municiar a indústria de combustível. Ainda vale<br />

a velha discussão académica?


Sábado, 27 de Março de 2010. 3<br />

em Foco<br />

R. de Almeida pressentiu<br />

crise com Pedro Mutindi<br />

A<br />

crise que resultou da recusa de Pedro Mutindi em<br />

aceitar ser secretário de Estado da Hotelaria e do<br />

Turismo, subordinado à ministra do Comércio,<br />

Turismo e Hotelaria, Idalina Valente, depois dele<br />

próprio ter sido ministro do Turismo e Hotelaria durante 16<br />

meses, perturbou a actividade do Governo, a harmonia dentro<br />

do MPLA, mas não surpreendeu um dos membros da sua<br />

direcção.<br />

Roberto de Almeida, vice-presidente do MPLA desde Outubro<br />

de 2009, fez algumas observações quando o presidente<br />

da República levou a lista da composição do Governo ao secretariado<br />

do Bureau Político.<br />

O número dois do MPLA estaria preocupado com os<br />

constrangimentos porque passaria Mutindi tão logo passasse<br />

à condição de número dois num pelouro no qual tivera<br />

durante muito tempo a última palavra.<br />

Fontes familiarizadas com o processo disseram ao Semanário<br />

<strong>Angolense</strong> presidente do MPLA desvalorizou as observações<br />

de Roberto de Almeida, ‹‹matando›› a conversa logo<br />

à partida, como que sugerindo ao seu coadjutor para não ir<br />

por aí.<br />

A verdade é que consumada a despromoção, Mutindi começou<br />

a arrastar os pés, inviabilizando a actividade do ministério,<br />

faltando inclusive a algumas reuniões convocadas<br />

ROBERTO DE ALMEIDA pressentiu que ‹‹aquilo›› não<br />

iria dar certo. Não foi ouvido e o resultado é o que todos conhecemos<br />

pela sua nova chefe, Idalina Valente.<br />

Avisado da crise - pois Mutindi não escondeu o seu desencanto<br />

- o presidente da República não teve outra alternativa<br />

se não refazer a composição do Governo e para evitar<br />

estragos à sua imagem, José Eduardo dos Santos colocou o<br />

«caso» no mesmo «embrulho» em que nomeou a sua equipa<br />

de apoio. ■<br />

Conclusão da pág. 2<br />

direito à manifestação, previsto na lei?<br />

Pode o presidente da República falar com propriedade<br />

de respeito pelos direitos dos cidadãos, se dois<br />

meses após o famoso congresso que suposto era marcar<br />

o corte com o passado se proíbem manifestações?<br />

Resumindo: os mais de 30 anos de poder a solo<br />

deram ao MPLA traquejo para imobilizar a oposição,<br />

asfixiar a imprensa, mas, pelos vistos, não o preparam<br />

para um exercício banal como é o direito à manifestação.<br />

2. Apesar do fatalismo que rodeia aqueles que se viram<br />

desalojados, e impedidos de se manifestar, sabe<br />

bem saber que corre pelo país um abaixo assinado,<br />

iniciado pelo colunista e escritor Jacques dos Santos.<br />

Parece-nos que o MPLA apesar de impedir manifestações<br />

em Luanda, em Benguela e de impedir a<br />

imprensa de fazer caso das demolições na Huíla, não<br />

conseguiu evitar o que sempre temeu, ou seja, o efeito<br />

bola de neve.<br />

A iniciativa lançada por Jacques dos Santos é um<br />

exercício de cidadania que, ao contrário das manifestações,<br />

o MPLA não pode bloquear ou censurar. Não<br />

precisa do amparo da imprensa do Estado para circular.<br />

Já agora, seria bom também que quando o abaixo<br />

assinado chegasse ao Parlamento os deputados procurassem<br />

saber das razões porque nenhum projecto de<br />

construção auto dirigida tenha acabado bem, ou porque<br />

razão, experiência após experiência, o governo<br />

não consegue executar um programa de demolições<br />

que não atire as pessoas para o relento. ■


4 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

em Foco<br />

A traição da Constituição<br />

Se os manifestantes que na Quinta-feira, 25, se preparavam<br />

para sair às ruas da cidade de Benguela<br />

para protestar contra as demolições em curso nas<br />

principais cidades angolanas, não tivessem usado<br />

de toda a sua sensatez, o mais provável é que o país estivesse<br />

agora a anotar mais um banho de sangue na sua atribulada<br />

história.<br />

E ao fazê-lo, estariam também a discutir com que legitimidade<br />

um punhado de angolanos fardados teria ousado<br />

chacinar, apenas agredir ou molestar a um outro grupo de<br />

concidadãos que, independentemente da justeza da causa,<br />

tenha decidido manifestar publicamente os seus ideias.<br />

Nos acontecimentos que tiveram lugar nesta Quintafeira<br />

em Benguela, uma manifestação que haveria de juntar<br />

um número não definido de cidadãos em protesto contra as<br />

demolições, resultou anulada pela força dissuasora de um<br />

ameaçador aparato policial em antecipação colocado nas<br />

ruas por ordens que se diziam superiores, mas que não poderiam<br />

partir de um outro poder que não fosse o único, que<br />

é o do governador provincial.<br />

Com anterioridade, as autoridades locais declararam a<br />

manifestação ilegal e mandaram difundir um comunicado<br />

ameaçador, em que advertiam eventuais participantes a<br />

não comparecerem à manifestação, pois que não se responsabilizariam<br />

pelos danos que adviessem.<br />

Acontece, porém, que se os organizadores não tivessem<br />

evitado o confronto e tivessem partido para as ruas onde<br />

seriam recebidos a tiro e a baioneta, a cassetete, socos e<br />

pontapés, teriam sido antes de mais nada vítimas da ignorância<br />

do governador de Benguela e seus coadjutores.<br />

Teria sido o desconhecimento que o governador possui<br />

sobre matéria da Constituição que teria alimentado o massacre<br />

que esteve a momentos de acontecer, tendo os contendores<br />

separados apenas por metros.<br />

Efectivamente, o artigo 47º da Constituição, que consagra<br />

a Liberdade de Reunião e Manifestação, estabelece no<br />

seu número 1 que «é garantida a todos os cidadãos a liberdade<br />

de reunião e de manifestação pacífica sem armas, sem<br />

necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei».<br />

No seu número 2 o artigo 47º determina que «as reuniões<br />

e manifestações em lugares públicos [apenas] carecem de<br />

prévia comunicação à autoridade competente nos termos e<br />

para os efeitos estabelecidos por lei».<br />

Tivessem aqueles que tencionavam manifestar-se sido<br />

algo mais incautos, e ver-se-iam atirados para a mais vil das<br />

humilhações, a agressão ou o cárcere, com o sentimento de<br />

terem sido traídos pelo fino floreado de um texto constitucional<br />

em relação ao qual já se está a provar que existe uma<br />

flagrante inépcia dos representantes institucionais angolanos.<br />

Teriam sido traídos até mesmo pelas boas intenções do<br />

tipo daquelas que está o inferno cheio, como foram as declarações<br />

do secretário para a Informação do CC do MPLA,<br />

Rui Falcão Pinto de Andrade, que na semana em que se deram<br />

os acontecimentos de Benguela foi citado pelo Jornal<br />

de Angola a afirmar que a partir da adopção da Constituição,<br />

quem a violasse seria alvo de severa punição pelos seus<br />

actos.<br />

O desafio maior será agora ver o que acontece ao governador<br />

de Benguela à luz das declarações de Rui Falcão.<br />

Certamente, diz a evidência histórica, as decisões que<br />

emergirem mesmo quando for sobejamente sabido ter ele<br />

acometido de forma grosseira contra a Constituição e os<br />

direitos fundamentais dos manifestantes, deixarão com o<br />

sentimento de traição não só aqueles, mas a imensa maioria<br />

dos angolanos. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 5<br />

em Foco<br />

O<br />

Jornal dos Desportos,<br />

Por birra com Matias Adriano<br />

Manaças propõe mudanças<br />

no Jornal dos Desportos<br />

título especializado<br />

das Edições Novembro,<br />

pode registar mudanças<br />

na sua estrutura directiva.<br />

O actual director, Matias<br />

Adriano, poderá deixar o cargo<br />

por desavenças pessoais com Filomeno<br />

Manaças, director-geral<br />

adjunto para a Informação.<br />

Segundo apurou o Semanário<br />

<strong>Angolense</strong> de fonte limpa, Matias<br />

Adriano, apesar de continuar a<br />

fazer o seu trabalho num quadro<br />

de normalidade, incluindo a assinatura<br />

regular do editorial da publicação,<br />

está afinal suspenso do<br />

cargo a caminho de cinco meses.<br />

Em Outubro do ano passado,<br />

Manaças, vendo-se na condição<br />

de director-geral em exercício da<br />

empresa, por ausência do país<br />

de José Ribeiro, aproveitou-se<br />

de uma falha mínima de Matias<br />

Adriano, que poderia terminar<br />

numa conversa de segundos, para<br />

suspender o colega de quem já não<br />

morria de amores; uma rivalidade<br />

secular que, segundo insinuação<br />

do Club-K-Angola, a nossa pista<br />

para esta matéria, resulta de um<br />

«confronto numa novela de saias.<br />

Regressado entretanto ao país,<br />

Ribeiro avaliou o caso concluindo<br />

que era mais de foro pessoal do<br />

que laboral. Sem tomar partido,<br />

deixou que fosse o gabinete jurídico<br />

a encarregar-se da sua condução.<br />

Levantamento da suspensão<br />

foi o veredicto da instância<br />

jurídica da empresa.<br />

Porém, ainda de acordo com<br />

as nossas fontes, Manaças, insatisfeito<br />

com a decisão, escreveu a<br />

Ribeiro para que este propusesse<br />

ao Ministério da Comunicação<br />

Social a exoneração de Matias<br />

Adriano. O director-geral das<br />

Edições Novembro respondeu negativamente<br />

a esta solicitação, e<br />

mandou o seu adjunto «passear»<br />

por reconhecer haver injustiça<br />

na maneira ríspida e extravasada<br />

como este tomava a peito um caso<br />

que de gravidade não teve quase<br />

nada.<br />

Numa clara usurpação de poderes,<br />

Manaças faz então uma ultrapassagem<br />

à direita ao seu chefe<br />

imediato e «encomenda» directamente<br />

ao ministério a exoneração<br />

do seu inimigo de estimação. Manuel<br />

Rabelais, na altura o ministro,<br />

terá também ele ignorado o<br />

caso, não lhe dando importância.<br />

Porém, trocada a direcção do ministério,<br />

Manaças terá voltado a<br />

fazer novas investidas no sentido<br />

de consumar o seu objectivo.<br />

Ele, que dentro da Edições Novembro<br />

lidera uma ala conhecida<br />

por não se relacionar bem com o<br />

director-geral, quer, segundo dados<br />

ao nosso dispor, reconduzir<br />

Policarpo da Rosa, despromovido<br />

a adjunto em 2008 a pedido de Ribeiro,<br />

que tem em Matias Adriano<br />

o seu homem de confiança.<br />

Isto a acontecer, dizem os colegas<br />

do jornal, seria uma desonra<br />

ao director-geral e prova de uma<br />

gritante desordem administrativa<br />

nas Edições Novembro.<br />

Tentativas de contactar Filomeno<br />

Manaças redundaram em fracasso.<br />

Quanto a Matias Adriano,<br />

contactado ao telefone, disse que<br />

não se pronunciaria sobre o caso<br />

sem autorização de José Ribeiro.<br />

Mas o Semanário <strong>Angolense</strong> promete<br />

insistir no contacto aos visados<br />

para a próxima edição.<br />

O que se conclui aqui é que<br />

Matias Adriano, um dos mais<br />

notáveis escribas desportivos da<br />

praça, pode estar de saída de um<br />

jornal que serviu desde a sua fundação,<br />

se Carolina Cerqueira, ao<br />

contrário de José Ribeiro e Manuel<br />

Rabelais, anuir à pressão<br />

de Manaças. Mas, jurista que é,<br />

espera-se que saiba ouvir a voz da<br />

razão. ■<br />

A propósito de «Tropelias<br />

de dois expatriados»<br />

Por lamentáveis problemas técnicos, o Semanário <strong>Angolense</strong><br />

publicou na passada edição uma matéria sob o título<br />

«Tropelias de dois expatriados», que saiu «em bruto»,<br />

muito longe daquela que, em condições normais, seria a<br />

sua versão definitiva. Tal ocorrência retirou qualidade técnica ao<br />

texto, alterando grandemente o seu conteúdo.<br />

Este jornal não está em condições de confirmar a veracidade das<br />

acusações expendidas contra Patrícia Mano, engenheira civil de<br />

nacionalidade portuguesa, relativamente a supostas transferências<br />

ilegais para o estrangeiro de altas somas em divisas. Também não<br />

pôde apurar de supostas ligações entre ela e dignitários angolanos.<br />

Reportando-nos, agora, tão-somente aos factos temos que Leopoldo<br />

Penovano, um antigo segurança ao serviço de Patrícia Mano,<br />

veio ao Semanário <strong>Angolense</strong> denunciar um caso de supostas injustiças<br />

e arbitrariedades, cometidas sobre a sua pessoa, pela referida<br />

cidadã lusa e respectivo cônjuge, um médico cubano.<br />

De acordo com as denúncias de Leopoldo Penovano, ao fim de<br />

cinco anos de serviço, surgiram insanáveis problemas entre ele e os<br />

patrões, em casa dos quais chegou a viver com a família – mulher<br />

e filhas. Segundo o guarda, por instigação do cidadão cubano, o<br />

clima azedou-se ao ponto de culminar com o seu despedimento,<br />

depois de injustamente acusado pelos patrões de furtar da casa dinheiro<br />

e artigos domésticos.<br />

Por razões distintas das de Penovano, mas igualmente arbitrárias<br />

segundo a fonte, foi também despedido o motorista da casa,<br />

um cidadão angolano de nome Adilson. Quando os dois antigos<br />

empregados, segundo alegaram, procuraram junto dos ex-patrões<br />

simplesmente por uma indemnização, estes recusaram e a situação<br />

acabou degenerando em desacato entre as partes.<br />

O guarda Leopoldo Penovano seria depois preso pela polícia<br />

acusado e posteriormente julgado sob acusação de tentativa de assassinato<br />

e roubo. Segundo declarações do próprio o julgamento<br />

aconteceu a 8 de Fevereiro, mas Leopoldo foi absolvido por falta de<br />

provas. E é neste ponto que estavam as coisas quando se resolveu<br />

por fazer as denúncias ao Semanário <strong>Angolense</strong>.<br />

Contudo, ao cruzar a informação, o médico cubano assegurou a<br />

este jornal que o guarda foi sentenciado em pena suspensa, estando<br />

proibido de circular pela rua onde se situa a residência em que<br />

coabita com a portuguesa Patrícia Mano. Para mais informações, o<br />

cubano remeteu-nos ao investigador que instruiu o caso.<br />

De acordo entretanto com a opinião pericial emitida por um advogado<br />

ouvido pelo Semanário <strong>Angolense</strong>, se o cidadão já foi julgado,<br />

o investigador já nada tem a ver com o caso.<br />

No essencial seria apenas – e só – este o conteúdo da matéria publicada<br />

se não tivessem ocorrido imponderáveis problemas técnicos<br />

na sua edição, de que este jornal, sinceramente, se penitencia. Os<br />

problemas foram de tal ordem que, inclusivamente, foi trocada uma<br />

das fotos publicadas como sendo do guarda Leopoldo Penovano. ■<br />

O<br />

ministro para os Assuntos<br />

Parlamentares,<br />

Norberto Santos<br />

«Kwata Kanawa», foi<br />

internado de emergência numa<br />

clínica de Luanda, onde ao que<br />

consta recebe assistência médica<br />

para combater os efeitos de<br />

um ligeiro acidente vascular cerebral,<br />

disseram ao Semanário<br />

<strong>Angolense</strong> parentes próximos<br />

daquele político.<br />

Kwata Kanawa<br />

de baixa médica<br />

A ocorrência teria tido lugar<br />

no último fim de semana. Kwata<br />

Kanawa foi tomado pela moléstia<br />

numa altura em que estava a<br />

concluir a instalação do ministério<br />

para o qual foi nomeado em<br />

Fevereiro.<br />

O novo ministro vinha lidando<br />

também com o delicado<br />

problema de um filho, indiciado<br />

no arrombo feito aos cofres do<br />

BNA.<br />

«Kwata Kanawa» era até ao<br />

congresso do MPLA realizado<br />

em Dezembro passado era secretário<br />

do BP para a Informação.<br />

De cama também estará<br />

Henrique de Carvalho Santos,<br />

«Onambwé».<br />

Fontes fidedignas disseram ao<br />

Semanário <strong>Angolense</strong> que aquele<br />

antigo membro da direcção do<br />

MPLA teria igualmente sofrido<br />

um AVC. ■


6 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Capa<br />

Diante da persistente «afonia» do executivo<br />

Venha daí o porta-voz<br />

É convicção geral que o<br />

Governo precisa de se comunicar<br />

com as populações<br />

em moldes diferentes e sem<br />

manipulação. É altura dessa<br />

actividade de marketing e<br />

relações públicas ser exercida<br />

com mais realismo e por via<br />

de pessoas com nomes concretos<br />

que possam dar a cara<br />

pelo executivo, interagindo<br />

com os órgãos de informação<br />

Severino Carlos<br />

As mais recentes remodelações<br />

efectuadas<br />

na área de imprensa<br />

do corpo de<br />

colaboradores e assistentes do<br />

Presidente da República tiveram<br />

o condão de trazer à tona<br />

uma velha discussão que continua<br />

a fazer todo o sentido: a necessidade<br />

imperiosa de se erigir<br />

um porta-voz de facto não apenas<br />

para essa instituição como<br />

para todo o Governo de uma<br />

maneira geral.<br />

O mote foi sobretudo dado<br />

com a passagem de José [Manuel<br />

Feio] Mena Abrantes para<br />

o lugar antes ocupado por Aldemiro<br />

[Justino de Aguiar]<br />

Vaz da Conceição, que nunca<br />

desempenhou esse papel cabal<br />

e plenamente, já que limitado,<br />

reconheça-se, por sérios constrangimentos<br />

conjunturais e<br />

institucionais.<br />

À falta dessa importante figura<br />

na orgânica comunicacional<br />

do Estado tem resultado<br />

numa imagem opaca do executivo<br />

junto das populações.<br />

Frequentes vezes paira mesmo<br />

o que se pode considerar uma<br />

autêntica «afonia». Não há ninguém<br />

para comunicar ao público,<br />

por via da imprensa, as realizações<br />

do Governo em tempo<br />

real e obter-se o feedback dos<br />

cidadãos.<br />

O figurino comunicacional<br />

do executivo esgota-se, pelos<br />

vistos, em programas de marketing<br />

institucional desenvolvidos<br />

por brasileiros e portugueses,<br />

com os quais se tem<br />

dispendido uma pipa de massa,<br />

sem que isso impeça que a opinião<br />

pública tome tais exercícios<br />

como propaganda inútil.<br />

É assim mesmo que as pessoas<br />

têm apreendido programas do<br />

género «Angola em Movimento»,<br />

os quais, por mais voltas<br />

que dêem, vão sempre ter ao<br />

mesmo: propaganda balofa.<br />

É convicção geral que o Governo<br />

precisa de se comunicar<br />

com as populações de forma<br />

diferente e sem manipulação. É<br />

altura dessa actividade de marketing<br />

e relações públicas ser<br />

exercida com mais realismo e<br />

por via de pessoas com nomes<br />

concretos que possam dar a cara<br />

pelo executivo, interagindo com<br />

os órgãos de informação.<br />

Mas está visto que essa função<br />

não deve ser entregue a<br />

um órgão governamentalizado<br />

como é o Ministério da Comunicação<br />

Social. Daí a necessidade<br />

da criação de um porta-voz,<br />

cuja actividade favoreceria o<br />

direito à informação dos próprios<br />

cidadãos, sem se perder<br />

de vista desígnios de melhoria<br />

de imagem da administração.<br />

Agora que o executivo foi<br />

praticamente «absorvido» pela<br />

tutela presidencial faz todo o<br />

sentido que o papel seja exercido<br />

pelo recém-nomeado secretário<br />

para os Assuntos de Comunicação<br />

Institucional e Imprensa<br />

do Presidente da República, cuja<br />

actividade não se esgotaria na<br />

difusão de «press releases». Mas<br />

interagir directamente com os<br />

jornalistas com maior regularidade<br />

e frequência.<br />

Seria altura de vermos José<br />

Mena Abrantes, por exemplo,<br />

a partir de um púlpito, e tendo<br />

atrás de si um cenário composto<br />

pelos símbolos da República,<br />

a explicar a um batalhão de jornalistas<br />

as razões da derrapagem<br />

de um determinado programa<br />

governamental.<br />

Não seria nada de outra galáxia.<br />

Assim mesmo se passa em<br />

muitos outros países, onde há<br />

«meetings» regulares do portavoz<br />

com os jornalistas. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 7<br />

Capa<br />

Com amarras no PR<br />

DICAS<br />

A<br />

questão de um porta-voz<br />

efectivo em<br />

Angola tem amarras<br />

profundas que não<br />

têm a ver somente com a existência<br />

ou não de pessoas com potencial<br />

para exercer essa tarefa.<br />

É também um problema de mimetismo<br />

com raízes na própria<br />

personalidade do Presidente da<br />

República. Alguém se lembra,<br />

por exemplo, da última vez que<br />

José Eduardo dos Santos esteve<br />

numa província?<br />

No fundo, são a conduta e estilo<br />

opacos de José Eduardo dos<br />

Santos que dão azo a que outras<br />

pessoas e entidades públicas<br />

também se fechem em copas,<br />

evitando não somente os jornalistas<br />

como igualmente o contacto<br />

com as populações.<br />

Não é por acaso que exceptuando<br />

uns poucos ministros<br />

mais abertos e arrojados, em<br />

regra quase todos preferem<br />

deixar-se estar refastelados nos<br />

gabinetes em Luanda. Se o presidente<br />

em termos práticos não<br />

tem esse hábito por que carga<br />

de água terão de ser eles a darse<br />

a semelhante trabalho? Mas<br />

todos perdem de vista que essa<br />

é uma forma de empatia com os<br />

governados. ■<br />

1.Nos Estados Unidos<br />

da América o papel<br />

do porta-voz é exercido<br />

pelo secretário para a<br />

imprensa da Casa Branca,<br />

que dá conferências<br />

de imprensa frequentes<br />

(diariamente tem uma<br />

entrevista colectiva televisionada)<br />

e está autorizado<br />

a falar em nome do<br />

presidente. Inúmeras vezes<br />

é o próprio presidente<br />

norte-americano a fazer<br />

isso. Quantas vezes<br />

já vimos Barack Obama,<br />

formal ou informalmente,<br />

falando a jornalistas<br />

no jardim do palácio? ■<br />

Mena Abrantes<br />

Não tenhamos ilusões:<br />

nada impede que um<br />

porta-voz seja a «voz<br />

do dono». Mas tem<br />

de ser capaz de interagir com as<br />

populações através dos órgãos<br />

de comunicação social, explicando<br />

as políticas públicas.<br />

Voltando ao começo, esse<br />

papel pode ser perfeitamente<br />

exercido por José Mena Abrantes.<br />

Ao contrário do seu predecessor,<br />

Aldemiro Vaz da Conceição,<br />

comunica melhor quer<br />

verbalmente quer de forma escrita,<br />

ou não fosse o «man wrighter»<br />

do presidente José Eduardo<br />

dos Santos.<br />

Está visto que Mena Abrantes<br />

também está mais talhado<br />

para pôr-se em mangas de camisa<br />

e interagir com o público,<br />

característica glosada como<br />

dramaturgo que está habituado<br />

a ver o cerrar e descerrar do<br />

pano sobre a companhia teatral<br />

nacional «Elinga».<br />

Consabido que José Eduardo<br />

dos Santos é estruturalmente<br />

avesso a falar para os jornalistas<br />

do país, então cairia como<br />

uma luva passar essa missão a<br />

um porta-voz. ■<br />

2. Só nos três primeiros anos do seu consulado como presidente<br />

brasileiro, Lula da Silva saía do Palácio do Planalto, em Brasília,<br />

em missões por outras regiões do país em média sete vezes por<br />

mês. ■<br />

3. A mudança de figurino comunicacional do Estado pode trazer<br />

também, por arrasto, a oportunidade de se destrinçar, já agora,<br />

papeis e competências no executivo. Ao delimitar, como o fez,<br />

o «território» do vice-presidente da República, dever-se-ia fazer<br />

outro tanto com as funções dos ministros de Estado. Desconhecese<br />

praticamente, por exemplo, o papel acometido a Carlos Feijó<br />

(foto) fora das suas competências no âmbito da Casa Civil. Há<br />

uma bagunça sem tamanho no relacionamento entre ministros e<br />

secretários de Estado, sendo difusos os limites da autonomia destes<br />

últimos em relação à respectiva tutela. ■


8 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Política<br />

UNICER usa cerveja para<br />

corromper governantes<br />

Denúncia do investigador Rafael Marques desmascara actuação da cervejeira portuguesa na constituição<br />

de um empreendimento que, mesmo em violação dos preceitos legais, envolve o antigo PCA da ANIP, os ministros<br />

da Indústria e Minas e dos Petróleos, assim como o governador de Benguela<br />

A<br />

UNICER, a maior empresa<br />

de bebidas de Portugal,<br />

preparou a sua<br />

penetração no mercado<br />

angolano por via de uma associação<br />

a figuras poderosas do regime<br />

que conforma geralmente actos de<br />

corrupção, assim como pelo desrespeito<br />

de legislação que rege o ordenamento<br />

jurídico angolano, usando<br />

a impunidade dos dirigentes arregimentados<br />

para os seus negócios.<br />

Isso mesmo é denunciado numa<br />

investigação em que o jornalista e<br />

antigo activista dos Direitos Humanos<br />

Rafael Marques aborda a<br />

questão específica da introdução da<br />

cervejeira portuguesa em Angola,<br />

depois de numa outra «démarche»<br />

ter-se debruçado sobre a multinacional<br />

francesa do ramo cervejeiro<br />

Castel Group e sobre o braço sulafricano<br />

da Coca-Cola, SABMiller.<br />

Rafael Marques recorda que o<br />

representante da UNICER em Angola,<br />

José Teixeira, anunciou em<br />

Janeiro de 2009, em entrevista ao<br />

semanário O País, que a sua empresa<br />

tinha em curso a montagem de<br />

uma nova fábrica de cervejas designada<br />

União de Cervejas de Angola<br />

(UNICA), a qual deveria entrar em<br />

funcionamento em Maio de 2011, na<br />

província do Bengo.<br />

Quando, entretanto, Rafael Marques<br />

faz um inventário da constituição<br />

accionista da UNICA, chega<br />

rapidamente à conclusão de que se<br />

está em presença de um fenómeno<br />

de tráfico de influências, em que a<br />

UNICER cumpre o primeiro dos<br />

seus planos tácticos de penetração:<br />

a associação a figuras poderosas do<br />

regime que facilitem a tramitação<br />

das decisões do Conselho de Ministros<br />

e a própria política do Governo.<br />

Na UNICA, nota Rafael Marques,<br />

a UNICER, que subscreve 49<br />

por cento do capital, tem como parceiros<br />

as empresas angolanas EM-<br />

PROMINAS, GIASOPE e IMOSIL,<br />

que, em conjunto, titulam 51 por<br />

cento do capital, equitativamente<br />

repartido em 17 por cento para cada<br />

uma delas.<br />

Ora, a EMPROMINAS – Sociedade<br />

de Exploração Mineira, nota<br />

o investigador, é uma empresa de<br />

Carlos António Fernandes, que na<br />

altura em que se deu a assinatura<br />

do contrato de investimento exercia<br />

a função de presidente do Conselho<br />

de Administração da Agência<br />

Nacional de Investimento Privado<br />

(ANIP), a instituição governamental<br />

que sanciona as propostas de investimento<br />

submetidas por investidores<br />

nacionais e estrangeiros.<br />

Carlos Fernandes criou a EM-<br />

PROMINAS em Dezembro de 2005,<br />

subscrevendo 94,4 por cento das acções<br />

e destinando o resto, 5,6 por<br />

cento, ao seu filho Ricardo Ngangula<br />

Correia Fernandes. A empresa<br />

tem sede em Luanda, na residência<br />

dos seus proprietários, a família Fernandes,<br />

segundo Rafael Marques.<br />

Rafael Marques denunciou o facto<br />

flagrante de no acto de subscrição<br />

do contrato de investimento, Carlos<br />

Fernandes ter representado tanto a<br />

ANIP, em nome do Estado, quanto<br />

os seus próprios interesses privados,<br />

a EMPROMINAS.<br />

A GIASOPE - Sociedade Comercial<br />

Agrícola e Pecuária, por seu<br />

lado, é uma empresa titulada pelos<br />

ministros da Indústria e Minas e dos<br />

Petróleo, respectivamente Joaquim<br />

David e José Botelho de Vasconcelos.<br />

A empresa foi criada em Julho<br />

de 1994.<br />

Segundo Rafael Marques, os dois<br />

ministros tiveram direito de voto na<br />

reunião do Conselho de Ministro<br />

em que esse projecto foi aprovado,<br />

considerando o investigador que<br />

nem só ambos tiveram a oportunidade<br />

de votar a favor do seu próprio<br />

projecto privado, como, também,<br />

contaram com a «solidariedade» do<br />

Presidente da República, na qualidade<br />

de Chefe do Governo, e dos outros<br />

ministros.<br />

PRESIDENTE do Conselho de Administração da ANIP, Carlos Fernandes<br />

violou flagrantemente o n.º 10 da Lei dos Crimes Cometidos pelos<br />

Titulares de Cargos de Responsabilidade<br />

O investigador atribui à IMOSIL<br />

– Engenharia e Construções Ltda,<br />

uma empresa criada em Novembro<br />

de 2006, ao general Armando da<br />

Cruz Neto, actual governador da<br />

província de Benguela.<br />

A IMOSIL alterou o seu pacto<br />

Os números do negócio<br />

Segundo Rafael Marques, o mercado angolano<br />

«tem sido bastante cobiçado» pelas multinacionais<br />

do sector cervejeiro, sendo o terceiro maior<br />

de África.<br />

Segundo o representante da UNICER em Angola, Citado<br />

pel’O País em Janeiro de 2009, o representante da<br />

UNICER disse que em 2008 o gigante português do sector<br />

vendeu a Angola 125 milhões de litros.<br />

Os negócios estavam contados em 60 milhões de euros<br />

(um euro equivale a 102 kwanzas) e confirmaram a UNI-<br />

CER como líder do mercado de cervejas importadas, com<br />

social em Julho de 2008, antes da<br />

celebração do contrato de investimento.<br />

Com isso, três outros sócios<br />

da empresa cederam as suas participações<br />

a Armando da Cruz Neto,<br />

que passou a controlar a totalidade<br />

do capital da empresa.<br />

uma quota de 70 por cento. As marcas responsáveis por<br />

esse «score» eram a Cristal e a Super Bock, num mercado<br />

entretanto liderado pela cervejeira nacional Cuca.<br />

Na UNICA, onde a UNICER se associa a influentes<br />

decisores públicos angolanos, o investimento total previsto<br />

para que a fabrica comece a funcionar em Maio de 2011 é<br />

de 84,6 milhões de dólares (um dólar equivale a 93 kwanzas).<br />

O projecto de investimento para a construção da ÚNI-<br />

CA foi aprovado pelo Conselho de Ministros de 23 de Março<br />

de 2008.<br />

Com base nas atitudes e procedimentos<br />

adoptados pelos servidores<br />

públicos envolvidos na UNICA, Rafael<br />

Marques considera, no caso de<br />

Carlos Fernandes, ficar conformada<br />

uma violação ao estabelecido na Lei<br />

dos Crimes Cometidos pelos Titulares<br />

de Cargos de Responsabilidade,<br />

que, no seu artigo 10º, «proíbe o dirigente<br />

de participação económica<br />

em negócio sobre o qual tenha poder<br />

de influência ou decisão no exercício<br />

oficial das suas funções».<br />

Segundo o investigador, isso<br />

também é aplicável a Joaquim David<br />

e a José Botelho de Vasconcelos,<br />

havendo a agravar os factos do<br />

envolvimento destes dois membros<br />

do Governo o que ele diz ser o indício<br />

do Conselho de Ministros ser<br />

«um clube de sócios privados» e a<br />

explicação parcial do «factor cumplicidade<br />

que existe na provação de<br />

projectos corruptos».<br />

O governador de Benguela também<br />

violou o preceituado no nº 2<br />

artigo 10º da Lei dos Crimes Cometidos<br />

pelos Titulares de Cargos<br />

de Responsabilidade, de acordo<br />

com Rafael Marques.<br />

Mas, conclui o investigador quando<br />

se refere à actuação da UNICER,<br />

associações dessa natureza, para<br />

além das contravenções à legislação<br />

em vigor, podem servir para a lavagem<br />

de dinheiro e património saqueados<br />

do Estado por governantes.<br />

De acordo com Rafael Marques,<br />

ao estabelecer sociedade com o<br />

então presidente da ANIP, os ministros<br />

da Indústria e Petróleos,<br />

assim como com o governador de<br />

Benguela, a cervejeira portuguesa<br />

«incorre na prática de tráfico de<br />

influências e corrupção activa de<br />

dirigentes angolanos».<br />

O investigador declara poder<br />

afirmá-lo com base na Convenção<br />

das Nações Unidas contra<br />

a Corrupção, da qual Angola e<br />

Portugal são signatários. Enquanto<br />

Angola a incorporou no<br />

seu ordenamento jurídico em Junho<br />

de 2006, Portugal ratificou-a<br />

em Setembro de 2007.<br />

A Convenção das Nações Unidas<br />

contra a Corrupção define, no<br />

seu artigo 18, o tráfico de influência<br />

com um acto de corrupção,<br />

recorda Rafael Marques. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 9<br />

Política<br />

Falha de engenharia?<br />

Apontamentos<br />

Chuva pára comboio na capital do país<br />

Muitas das obras que se<br />

vão executando em<br />

Angola – por brasileiros,<br />

chineses, portugueses,<br />

etc. – têm apresentado<br />

deficiências de concepção que,<br />

obviamente, levam muitos cidadãos<br />

a questionarem a capacidade<br />

e competência das empresas<br />

daquelas origens que aqui trabalham.<br />

São caminhos-de-ferro, estradas,<br />

pontes, edifícios, jardins e<br />

outras empreitadas.<br />

Não raras vezes, as mazelas das<br />

obras vêm ao de cima quando a<br />

cidade recebe grandes enxurradas.<br />

Hoje, abordamos um defeito<br />

detectado no Caminho-de-Ferro<br />

de Luanda, reconstruído por uma<br />

empresa do país da Grande Muralha.<br />

Na passada segunda-feira, 22,<br />

o comboio Luanda/Viana e viceversa<br />

não circulou devido a estragos<br />

causados na linha pelas precipitações<br />

daquele mesmo dia. A<br />

linha férrea foi invadida pela areia<br />

e por pedregulhos.<br />

Mesmo qualquer leigo em matéria<br />

de engenharia não deixa de<br />

enxergar que houve uma falha<br />

dos especialistas que conceberam<br />

a obra, já que se tivessem alteado<br />

o nível dos carris relativamente à<br />

terra, talvez não ocorresse tamanho<br />

transtorno.<br />

Tal incidente certamente impediu<br />

inúmeros trabalhadores de<br />

irem aos empregos, estudantes de<br />

se deslocarem às escolas e outros<br />

cidadãos de resolverem assuntos<br />

correntes, mesmo domésticos. Somos<br />

forçados, mais uma vez, a aludir<br />

às fiscalizações a essas obras,<br />

que não parecem nada rigorosas.<br />

Uma associação técnico-profissionais<br />

como a Ordem dos Engenheiros<br />

é uma entidade a ter em<br />

conta pelo Governo na fiscalização<br />

das empreitadas que se realizam<br />

um pouco por todo o país, pois<br />

como instituição competente, ela<br />

não pode continuar a ser mantida<br />

à margem dos grandes, médios e<br />

mesmo pequenos empreendimentos<br />

que o Estado executa.<br />

Por isso, a organização desses<br />

especialistas tem o direito de ser<br />

incluída nas instituições que fiscalizam<br />

essas empreitadas, como forma<br />

de garantir rigor e qualidade.<br />

Cremos que não será pedir muito.<br />

Já agora, como estão os Caminhos-de-Ferro<br />

de Benguela,<br />

do Namibe e o comboio de Malange?<br />

Como vão as suas obras,<br />

não irá acontecer o mesmo que<br />

em Luanda? ■<br />

Ai a Estrada de Catete, ai... ai...<br />

Passagens aéreas precisam-se no «funil» dos congolenses<br />

A<br />

Avenida Deolinda Rodrigues,<br />

no troço entre o Mercado dos<br />

Congolenses e o Bairro Popular,<br />

tem registado uma azáfama,<br />

tanto de transeuntes quanto de viaturas,<br />

que se impõe a construção ali de passagens<br />

pedonais aéreas. Em horas de ponta, o<br />

afluxo de gente e o trânsito infernal que ali<br />

se verificam são um verdadeiro risco quer<br />

para os automobilistas quer para os peões.<br />

Esta situação é agravada pelo arrastamento<br />

dos trabalhos de que a estrada está a beneficiar<br />

presentemente, que parecem intermináveis.<br />

Três passagens aéreas ali seriam, na verdade,<br />

uma grande valia para transeuntes<br />

e automobilistas. Deste modo, os peões se<br />

veriam protegidos das viaturas, particularmente<br />

dos endiabrados candongueiros.<br />

E os automobilistas, por seu turno, não teriam<br />

nesse troço um autêntico «funil» de<br />

difícil transposição.<br />

Na extensão do Cemitério da Santana,<br />

por exemplo, onde já houve melhorias na<br />

via, o trânsito flui e as pessoas também<br />

passam com um relativo à vontade. Mas<br />

descendo-se depois para a Cimex, o cenário<br />

passa a ser dantesco.<br />

Ao Governo Provincial de Luanda, um<br />

recado: é urgente concluir o trabalho naquela<br />

estrada, mas eles deveriam ser acompanhados<br />

da construção das já referidas<br />

passagens pedonais aéreas, com vista a proteger<br />

os citadinos que ali circulam e agilizar<br />

o trafego automóvel.<br />

Aproveitamos o ensejo para aludir a algumas<br />

obras que parecem abandonadas.<br />

Por que as melhorias que se estenderam<br />

desde a Rua Ho Chi Min até exactamente<br />

às traseiras do comité provincial dos camaradas<br />

não prosseguiram por aí além?<br />

A mesma questão se põe em relação à<br />

rua Ngola Kiluanji, onde se arranjou do São<br />

Paulo até ao Park Hotel – ainda assim, essa<br />

obra não está concluída, tem esgotos abertos,<br />

por concluir, e a empreiteira, brasileira,<br />

já a abandonou –, mas da Cipal para a Cuca<br />

está uma vergonha. E a estrada que parte da<br />

Refinaria para a Viana, já está concluída?<br />

Por que não se dá às outras estradas a<br />

mesma qualidade que se conferiu à Avenida<br />

da Samba? A título de curiosidade, em<br />

que pé estão os projectos de requalificação<br />

do Sambizanga e do Cazenga? Já se transformaram<br />

em letra morta? ■


10 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

economia<br />

Para emitir títulos públicos no estrangeiro<br />

Angola procura classificação de crédito<br />

Representantes do Governo angolano têm estado a encontrarse<br />

com pelo menos uma agência de rating nas últimas semanas,<br />

revelou recentemente uma fonte oficial angolana que<br />

declarou estar o país à procura da sua primeira classificação<br />

de crédito antes de ir em frente com uma possível emissão de obrigações<br />

na ordem dos quatro biliões de dólares.<br />

Segundo maior produtor de petróleo de África, Angola espera que<br />

um rating de crédito vá ajudar a vender até quatro biliões de dólares<br />

em títulos a investidores estrangeiros. A emissão de obrigações estava<br />

prevista para Dezembro, mas foi adiada para permitir a obtenção de<br />

uma notação de rating.<br />

«O governo reuniu-se com representantes de pelo menos uma agência de<br />

notação de crédito», declarou uma fonte familiarizada com as negociações.<br />

«Só faz sentido realizar a venda de títulos com base numa classificação».<br />

Um porta-voz do Ministério da Economia não quis comentar, mas<br />

o ministro da Economia Manuel Nunes Júnior, disse no ano passado<br />

que o Governo angolano encarava com bons olhos a obtenção de uma<br />

classificação de crédito junto de uma agência mundial de topo.<br />

Os países com ratings da Moody’s Investors Service, Fitch Ratings e<br />

Standard and Poors obtêm geralmente as melhores ofertas nas suas vendas<br />

de títulos do que nações sem qualquer classificação. Quanto maior<br />

o rating de crédito, menor será a taxa de juros paga sobre os títulos.<br />

Um empréstimo de 1,4 bilião de dólares recentemente obtido no Fundo<br />

Monetário Internacional pode também ajudar a reforçar a confiança<br />

do investidor em Angola. Mas o negócio poderia também limitar o<br />

montante da dívida da segunda maior economia da África subsariana.<br />

«Ao contrário do anúncio público, entendemos que o governo está<br />

limitado a dois biliões de dólares sob as condições do acordo com o<br />

FMI», declara uma nota publicada em Janeiro pelo Standard Bank. ■<br />

NESTA CASA pretende-se ir buscar um “Kilapi” ao estrangeiro, em que os credores não receiem abrir os<br />

cordões á bolsa<br />

FIL prepara salão imobiliário com<br />

grande participação angolana<br />

Depois de um périplo<br />

por alguns países asiáticos,<br />

a Administração<br />

da Feira Internacional<br />

de Luanda (FIL) esteve, recentemente,<br />

a contactar os governos<br />

das províncias do Huambo, Benguela<br />

e Kwanza Sul para tratar<br />

de assuntos ligados com o Salão<br />

Imobiliário (SIMA) que deve<br />

ocorrer em Maio próximo.<br />

Factos dessa digressão relatam<br />

encontros entre o presidente do<br />

Conselho de Administração da<br />

FIL, Matos Cardoso, com o governador<br />

provincial da Benguela,<br />

Armando da Cruz Neto, onde,<br />

tal como nas outras duas provinciais,<br />

foi abordada a questão do<br />

SIMA se constituir num evento<br />

de dimensão «verdadeiramente<br />

nacional».<br />

As notícias dizem que em encontros<br />

com quadros dos Governos<br />

das três províncias, o<br />

presidente do Conselho de Administração<br />

aludiu ao facto de<br />

um dos principais estímulos<br />

para que as províncias angolanas<br />

estejam representadas é a<br />

total subvenção do espaço para<br />

a exposição do potencial de cada<br />

operador ou grupo<br />

Fontes que falaram sobre este<br />

assunto ao Semanário <strong>Angolense</strong><br />

disseram que a Administração<br />

da FIL pretende obter dos governos<br />

provinciais a garantia de que<br />

haverá, no SIMA, uma participação<br />

institucional de tal forma<br />

engajada, que consagre, até, que<br />

representantes dos executivos locais<br />

estejam à frente de cada uma<br />

das delegações.<br />

A ideia, disse uma fonte citando<br />

Matos Cardoso, é a de transformar<br />

a próxima feira imobiliária<br />

em negócios de monta para<br />

as empresas angolanas, algo para<br />

o que a própria FIL está disposta<br />

a contribuir com a disponibilização<br />

de «dois ou mais pavilhões».<br />

Em Benguela, por exemplo,<br />

Matos Cardoso notou no facto de<br />

ser aquela «uma das províncias<br />

com mais acentuado nível de desenvolvimento»<br />

«Benguela é uma das províncias<br />

com um acentuado nível de<br />

desenvolvimento», notou o PCA<br />

da FIL, referindo-se eventualidade<br />

da exposição de espaços<br />

reservados à autoconstrução dirigida<br />

e a projectos imobiliários<br />

já traçados.<br />

Para isso, propôs Matos Cardoso<br />

ao governador provincial<br />

de Benguela, a província não<br />

deve contar apenas com a sua<br />

participação na FILDA ou no<br />

SIMA, em Luanda, devendo, antes,<br />

projectar a promoção de feiras<br />

em que a concepção e gestão<br />

do espaço, fundamentalmente,<br />

contariam com as impressões digitais<br />

da FIL.<br />

«Devemos pensar em parques<br />

de feiras, uma vez que não basta,<br />

por exemplo, Benguela estar na<br />

FILDA, em Julho, com o projecto<br />

da refinaria», declarou.<br />

Em resposta, Armando da<br />

Cruz Neto garantiu a presença<br />

de Benguela no SIMA e o empenho<br />

do seu executivo na realização<br />

de feiras locais. «Vamos ver<br />

se surgem oportunidades para<br />

os nossos promotores imobiliários»,<br />

frisou.<br />

O SIMA constitui, este ano,<br />

a antecâmara da Feira Internacional<br />

de Luanda (FILDA),<br />

a maior importante de todas as<br />

realizações do calendário anual<br />

da FIL. Segundo soube o Semanário<br />

<strong>Angolense</strong>, na digressão<br />

asiática que acaba igualmente<br />

de realizar, a Administração da<br />

FIL obteve garantias da presença<br />

de investidores daquela região<br />

em iniciativas que tiverem<br />

lugar durante o ano em curso,<br />

principalmente as que estiverem<br />

relacionadas com os agronegócios.<br />


12 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Opinião<br />

Angolanidade só se consolida<br />

com a participação da mulher *<br />

Cornélio Caley<br />

Para quem tenha já lido<br />

o prefácio do presente<br />

livro, apercebe-se que<br />

contém alguns erros de<br />

ordem formal. Aceitei escrevêlo<br />

em apenas um dia. Primeiro,<br />

porque a autora foi minha colega<br />

durante muitos anos. Segundo e,<br />

sobretudo, porque ela me disse<br />

que gostaria fazer o lançamento<br />

do seu livro no dia 8 de Março,<br />

Dia Internacional da Mulher. Assim,<br />

não pude resistir ao convite,<br />

porque o dia da Mulher mexe com<br />

todos nós e eu desejava dizer alguma<br />

coisa.<br />

Ora, o presente livro tem por<br />

título O PROCESSO DE FOR-<br />

MAÇÃO DE UMA ELITE SO-<br />

CIAL FEMININA ANGOLANA<br />

ATRAVÉS DAS ACÇÕES DO<br />

GRUPO FEMININO DE SANTA<br />

CECILIA (1958-1968 ) e é uma<br />

tese de Licenciatura, defendida na<br />

Pontifícia Universita S. Tommaso<br />

De Aquino-Angelicum em Roma.<br />

A Autora apresenta, nesta obra, a<br />

sua própria experiência enquanto<br />

membro fundador e presidente do<br />

Grupo Feminino de Santa Cecília.<br />

Trata-se de um ensaio interessante<br />

que combina a metodologia<br />

da Sociologia com a da História.<br />

Inicia por apresentar o espaço<br />

geográfico de Angola para penetrar<br />

nas várias épocas de vida da<br />

mulher angolana e, então, entra<br />

numa análise geral de como a mulher<br />

actuou na história angolana,<br />

desde a chegada dos portugueses<br />

em Angola até aos nossos dias.<br />

Constata então que, no princípio,<br />

a situação da mulher na sociedade<br />

era pacífica, mas em pleno<br />

sistema colonial, esta situação é<br />

modificada pelo regime político.<br />

Pois, a mulher passou a assumir<br />

o lugar de, não só de sustentadora<br />

do lar, como também de substituto<br />

do homem, quando este é enviado<br />

para trabalhos forçados.<br />

Seguidamente, a autora enaltece<br />

o papel da mulher na luta de<br />

resistência contra o sistema colonial<br />

e apresenta exemplos das mulheres<br />

mais destacadas, entre elas,<br />

a Rainha Nzinga Bandi, símbolo<br />

de resistência de todos os tempos.<br />

Teoricamente, a autora assume<br />

as suas próprias ideias, apoiandose<br />

nos clássicos de Sociologia, tenta<br />

enquadrar a família dentro da<br />

sociedade angolana. Assim, apresenta<br />

conceitos de sociedades optimistas<br />

e pessimistas para situar<br />

o homem na sociedade e as funções<br />

institucionais e pessoais para<br />

situar a mulher.<br />

A participação da mulher na<br />

luta de libertação nacional aparece<br />

como outro capítulo interessante<br />

do presente livro, porque não<br />

deixa de lado a sua participação<br />

no campo literário, pois, ela está<br />

por natureza mais envolvida com<br />

as ideias de justiça. E cita Deolinda<br />

Rodrigues que, no seu Diário,<br />

escreve: ‹‹a solidariedade é vida,<br />

mas é preciso temperá-la com a<br />

verdade e justiça.››<br />

Finalmente, no terceiro capítulo<br />

apresenta a composição do<br />

próprio Grupo Feminino de Santa<br />

Cecília, descrevendo todas as etapas<br />

que atravessou, a contribuição<br />

que deu na promoção da jovem<br />

angolana quer no campo cultural,<br />

social e até na sua consciencialização<br />

para a luta de libertação<br />

nacional, referindo-se às fundadoras<br />

do Grupo mais destacadas,<br />

ANGOLA é o que é devido ao lugar dado à mulher<br />

entre elas, a Sra Eng. Albina Assis,<br />

Catarina de Sena Belo, Efigénia<br />

Mangueira e Irene Cohen, entre<br />

outras.<br />

O presente livro demonstra, assim,<br />

um contributo bastante claro<br />

do Grupo Feminino de Santa Cecília<br />

para a nossa História moderna,<br />

pois, foi impulsionado pelos<br />

padres nacionalistas como o Dr.<br />

Joaquim Pinto de Andrade e o Pe<br />

Vicente José Rafael, aqui presente,<br />

o maior impulsionador do Grupo.<br />

Os anexos são prova evidente da<br />

contribuição deste Grupo na luta<br />

de libertação nacional desenvolvida<br />

na clandestinidade.<br />

Como conclusão, vale a pena<br />

lembrar que Angola já deu provas<br />

firmes na promoção da Mulher,<br />

desde a Luta de Libertação Nacional<br />

conduzida pelo MPLA. Assim,<br />

o Governo hoje constituído pelo<br />

MPLA, não ficará, certamente,<br />

confinado às quotas internacionalmente<br />

aceites em relação à participação<br />

da mulher nos destinos<br />

do país.<br />

Pois, o homem e a mulher são<br />

cidadãos em pé de igualdade na<br />

nossa vida diária, ambos com a<br />

responsabilidade de se educarem<br />

para enfrentarem os desafios do<br />

futuro.<br />

Sabemos que em Angola, assim<br />

como em todo o mundo, apesar de<br />

satisfeitas as quotas internacionalmente<br />

aceites, as dificuldades de<br />

colocar a mulher em pé de igualdade<br />

ao Homem persistem.<br />

É que esta questão depende da<br />

mudança de mentalidades criadas<br />

no seio das sociedades há longos<br />

séculos. Falando particularmente<br />

do nosso país, o lugar que ocupamos<br />

hoje na arena internacional<br />

não se teria conseguido se o Governo<br />

e a sua a liderança não tivessem<br />

dado um lugar à mulher.<br />

Aquilo que denominámos de<br />

‹‹angolanidade››, ou seja, a própria<br />

identidade nacional que caracteriza<br />

os angolanos no seio dos países<br />

africanos e não só, só se consolidará,<br />

ainda mais, com a participação<br />

da mulher.<br />

Em poucas palavras, Angola é o<br />

que é, devido ao lugar dado à mulher.<br />

Por isso, Angola não precisa<br />

de estabelecer comparações com<br />

outros países, visto que, se calhar,<br />

nem sequer as famosas quotas nos<br />

são, assim, tão importantes. Em<br />

boa verdade, são bastante limitativas.<br />

Do meu ponto de vista, não se<br />

trata, também, de promover a mulher<br />

até chegar à célebre fórmula<br />

do ‹‹fifty fifty››. Nem sequer esta<br />

fórmula me parece válida. Pois,<br />

sem a participação da mulher na<br />

sociedade, em toda a plenitude e<br />

igualdade, não haverá desenvolvimento<br />

humano em nenhuma<br />

sociedade.<br />

Apesar da natureza da mulher<br />

na sua constituição física e da natureza<br />

do homem, também, na<br />

sua constituição física, desmentese<br />

filosoficamente falando, a superioridade<br />

de um em relação ao<br />

outro.<br />

Aproveito, aqui, a oportunidade<br />

para comentar ( e, por que<br />

não desmentir ? ) as escrituras de<br />

alguns livros, por mais antigos<br />

que sejam, que propagam a desigualdade<br />

do homem e da mulher<br />

a partir das suas origens. É que,<br />

Deus não seria assim, tão injusto<br />

para criar ‹‹ad eternum›› uma parte<br />

ao serviço da outra parte.<br />

O Homem e a mulher são, naturalmente,<br />

como o olho esquerdo<br />

e o olho direito no corpo humano.<br />

Na vida, esta complementaridade<br />

elimina qualquer tipo de superioridade.<br />

Ambos encontram a<br />

verdade da vida na ponta do nariz<br />

como diziam os velhos bantus.<br />

Ora, como costumo pensar,<br />

simplificando a evolução do pensamento<br />

humano, estamos a viver<br />

a 3ª revolução, depois da 1ª que foi<br />

a escravatura estruturada no racismo,<br />

seguida da 2ª revolução, que<br />

foi o colonialismo, também estruturado<br />

no racismo e na desigualdade<br />

entre o homem e a mulher.<br />

A Humanidade está agora a enfrentar<br />

a 3ª revolução, ou seja, a de<br />

colocar a Mulher como cidadã em<br />

pé de igualdade ao Homem. Com<br />

efeito, os países que mais rapidamente<br />

abraçarem esta nova etapa,<br />

mais rapidamente alcançarão o<br />

desenvolvimento humano.<br />

Esta nova etapa passa, necessariamente<br />

pela mudança de mentalidades<br />

dos homens e das mulheres.<br />

Porém, as mulheres terão<br />

que compreender que os lugares<br />

conquistam-se e nem sempre são<br />

cedidos. Mas esta conquista já não<br />

será, jamais, pela força. Mas, sim,<br />

usando uma arma que está à disposição<br />

de todos nós, homens e<br />

mulheres que é a Educação.<br />

Dito isto, está de parabéns a<br />

Dra Sylvia Belo por nos ter brindado<br />

com o presente ensaio. ■<br />

* Comunicação lida por ocasião da<br />

apresentação do livro de Sylvia Belo,<br />

na Liga Nacional Africana, no dia 8<br />

de Março de 2010


Sábado, 27 de Março de 2010. 13<br />

Opinião<br />

Haja coragem para<br />

respeitar a Constituição<br />

Como sempre acontece no<br />

nosso país, a realidade suplantou<br />

a teoria. As tristes<br />

histórias de Benguela e da<br />

Huíla vieram demonstrar que as eufóricas<br />

declarações sobre a terceira<br />

República não passaram de meras<br />

elucubrações dos políticos. Por ocasião<br />

da aprovação da Constituição<br />

ouvimos algumas das vozes do debate<br />

público ‹‹prenhas›› de um fantástico<br />

entusiasmo como se a lei magna<br />

fosse em si a varinha mágica. Alguns<br />

falaram até de uma grande revolução<br />

só comparável ao momento da<br />

independência. Volvidos menos de<br />

três meses, têm todos eles a resposta<br />

que mereciam. A prática, o diaa-dia,<br />

a acção humana demonstra<br />

que as mudanças não se fazem por<br />

decreto. Mais: Lubango e Benguela<br />

mostraram que há gente que faz<br />

absoluta tábua rasa da constituição.<br />

‹‹Estão nem aí››, diriam os brasileiros.<br />

Nada mudou. Quem leia alguns<br />

artigos da Constituição ainda que,<br />

absolutamente leigo como nós, não<br />

pode deixar de reconhecer a clareza<br />

de alguns postulados. Se nos socorrermos<br />

também de entrevistas dadas<br />

por alguns especialistas, como o Dr.<br />

Raul Araújo, formamos rapidamente<br />

a convicção de que não assiste aos<br />

governos o direito de proibir manifestações,<br />

nem de silenciar, censurar<br />

órgãos de comunicação nem de desalojar<br />

cidadãos sem a observância dos<br />

seus direitos.<br />

Agrava todas essas ocorrências a<br />

circunstância de se processarem à<br />

contra mão de um processo político<br />

que se pretendia estabelecer como o<br />

passo decisivo para uma nova Angola.<br />

Houve claramente no discurso<br />

apologético da nova Constituição<br />

uma mensagem subliminar da nova<br />

Angola, mais responsável para com<br />

os direitos dos cidadãos, mais aberta<br />

à comunicação social e à liberdade<br />

de imprensa, mais responsável e<br />

menos arrogante na gestão do bem<br />

público. Tudo isso vai por terra, ainda<br />

que não seja de forma irreversível.<br />

Mas vai tudo por terra porque afinal<br />

tanto oba-oba e está tudo na mesma.<br />

Vai por terra também porque afinal<br />

quem mesmo assim viola ostensivamente<br />

a lei tem a protecção, velada<br />

ou não, dos seus camaradas, excepção<br />

feita ao MPLA da Huíla que se<br />

demarcou e ficou muito, mas muito<br />

bem mesmo na fotografia.<br />

Na confiança dos cidadãos que<br />

sempre foi pouca, os acontecimentos<br />

de Benguela e da Huíla representaram,<br />

na verdade, cinco passos atrás<br />

em termos de esperança. Todos querem<br />

uma Angola sem esse tipo de<br />

abusos, com um estilo novo de resolver<br />

os problemas e, de certo modo,<br />

mesmo divergindo nalguns pontos,<br />

todos tínhamos a esperança de que<br />

a terceira República significasse um<br />

momento de viragem. E por isso, os<br />

discursos que falaram da viragem foram<br />

tão aplaudidos.<br />

Eis que levamos todos um murro<br />

no estômago e ficamos abismados<br />

não só com o que se fez mas com o<br />

desplante como em público ainda se<br />

defende o absurdo. Afinal, a terceira<br />

República não entrou mesmo porque<br />

o se se aplicasse tolerância zero contra<br />

os autores de abusos não haveria<br />

necessidade de explicar mais Constituição<br />

nenhuma. Seria a prática pela<br />

prática. À prática de desobedecer à<br />

lei e da administração arrogante responder-se-ia<br />

com a lei constitucional<br />

e com a terceira República, obrigando<br />

a quem abusa e viola a lei a retratarse,<br />

a concertar os sarilhos ou a ir para<br />

casa tratar dos bens privados.<br />

Todos sabemos que isso não vai<br />

acontecer e os deputados da Assembleia<br />

Nacional vão andar de conferência<br />

em conferência a explicar o<br />

quão bonito foi o seu trabalho de legislador,<br />

quando agora, o momento<br />

de agora, é de prática, acções práticas,<br />

respostas práticas perante a prática<br />

de fazer tábua rasa da Constituição,<br />

da novíssima Constituição que nem<br />

três meses tem.<br />

Não nos interessa mais entrar na<br />

discussão imediata. Para nós, o essencial<br />

é conseguirmos levar o governo<br />

e as entidades fiscalizadoras a<br />

actuarem em defesa da Constituição.<br />

Depois da fragmentação que o debate<br />

da Constituição criou na sociedade, o<br />

pior que poderia acontecer é vermos<br />

reabrir a discussão sobre a eficácia da<br />

lei magna. O pior é vermos instalar<br />

o descrédito geral quando a prática<br />

destes dias nos mostra que diga lá o<br />

É preciso preparar<br />

as pessoas para<br />

a nova realidade<br />

constitucional, nomeadamente<br />

ensinando<br />

a sociedade<br />

a não claudicar<br />

da defesa dos seus<br />

direitos, a administração<br />

pública a<br />

passar a respeitar<br />

mais os cidadãos<br />

para os quais trabalha<br />

e a justiça a<br />

não se fazer de surda,<br />

muda e morta<br />

sempre que a sociedade<br />

se agita<br />

que a lei disser, se for necessário censurar,<br />

censura-se, se for necessário<br />

despejar sem qualquer negociação,<br />

despeja-se e se for necessário proibir<br />

manifestações, proíbe-se mesmo.<br />

Não há lei que vingue se cada um<br />

continuar a fazer a sua própria lei ou<br />

a ver a lei segundo as suas conveniências.<br />

Se a Lei Constitucional era de<br />

certo modo ambígua em relação a casos<br />

como os ocorridos, a nova Constituição<br />

não podia ser mais clara.<br />

Sobre as manifestações por exemplo,<br />

o art. 47 assegura que é garantida a<br />

todos os cidadãos a liberdade de reunião<br />

e de manifestação pacífica e sem<br />

armas, sem necessidade de qualquer<br />

autorização e nos termos da lei detalhando<br />

que, no caso dessas reuniões e<br />

manifestações ocorrerem em lugares<br />

públicos, elas devem ser antecedidas<br />

de uma comunicação à autoridade<br />

competente. Ora confundir comunicação<br />

com pedido de autorização é<br />

mera manipulação. O mesmo se aplica<br />

aos casos da comunicação social e<br />

da expropriação dos cidadãos. A lei<br />

magna é claríssima.<br />

O outro aspecto é a celeridade da<br />

justiça. A procuradoria não deve defender<br />

os governadores mas o Estado.<br />

Toda a acção administrativa ilegal segundo<br />

a actual Constituição pode representar<br />

altos custos para a imagem<br />

e para os bolsos do Estado. De acordo<br />

com o art. 75, o Estado e outras pessoas<br />

colectivas públicas são solidária<br />

e civilmente responsáveis por acções<br />

de que resulte violação dos direitos, liberdades<br />

e garantias ou prejuízo para<br />

o titular destes ou para terceiros. A<br />

procuradoria como defensora do Estado<br />

deveria ser a primeira a solicitar<br />

providências cautelares aos tribunais<br />

nos casos em que medidas administrativas<br />

fossem susceptíveis de, mais<br />

tarde, dar lugar a indemnizações ou<br />

processos onerosos contra o Estado.<br />

Os próprios tribunais deveriam ter<br />

a capacidade para sumariamente<br />

analisar casos em que houvesse claramente<br />

um diferendo entre os cidadãos<br />

e as autoridades.<br />

É preciso, portanto, preparar as<br />

pessoas para a nova realidade constitucional,<br />

nomeadamente ensinando<br />

a sociedade a não claudicar da defesa<br />

dos seus direitos, a administração pública<br />

a passar a respeitar mais os cidadãos<br />

para os quais trabalha e a justiça<br />

a não se fazer de surda, muda e morta<br />

sempre que a sociedade se agita. A<br />

nossa justiça tem um medo terrível<br />

de decidir sobretudo quando estão<br />

envolvidos graúdos. É um caminho<br />

logo que passa desde já pelo primeiro<br />

passo da autoridade central não esconder<br />

a cabeça na areia e não pactuar<br />

com violações à Constituição.<br />

Se houver coragem para esse primeiro<br />

passo, tudo o resto será doravante<br />

mais fácil. Há coragem para<br />

isso? ■


14 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Opinião<br />

A modelação dos nossos desafios (I)<br />

À Igreja Católica<br />

cabe seguir a sua<br />

missão evangelizadora,<br />

sempre muito<br />

perto da agregação<br />

das consciências,<br />

e não se prestar à<br />

recriação do espírito<br />

da obediência<br />

servil, colando uns<br />

angolanos de um<br />

lado e outros angolanos<br />

de outro lado<br />

1. As duas últimas semanas<br />

foram dominadas por três<br />

questões que reputo importantes,<br />

a saber: a reconciliação<br />

nacional em período de Quaresma,<br />

(assim lhe chamou a Rádio<br />

Eclésia no seu programa Fórum);<br />

a conferência dos Parlamentares<br />

da CPLP, donde extraímos a assinatura<br />

do polémico acordo ortográfico<br />

e o desejado estatuto do<br />

cidadão Lusófono.<br />

Sobre a primeira, destaco o<br />

testemunho de ter ouvido o jornalista<br />

da Rádio Eclésia, apresentador<br />

do programa ‹‹Fórum››<br />

de quarta feira antepassada, cortar<br />

a ligação e a palavra a três<br />

dos ouvintes que se insurgiam<br />

claramente contra o que consideraram<br />

ser o posicionamento<br />

questionável da Igreja Católica,<br />

pela voz de alguns dos seus mais<br />

representativos membros. Afirmaram<br />

que os viam colar-se às<br />

posições governamentais e assim<br />

se prestando a ser instrumentos<br />

da mera vontade partidária, em<br />

contraposição com o que é a sua<br />

nobre missão, conciliadora. De<br />

resto, nos dias que se seguiriam,<br />

os noticiários mais destacados<br />

da rádio, da TV e dos jornais<br />

davam conta e mostravam-nos<br />

como os mesmos - e não apenas<br />

na pessoa de simples padres,<br />

vigários e cónegos mas até de<br />

Bispos e dentre eles o maior de<br />

todos - assumiam sem rodeios<br />

elogios à aprovação da Constituição,<br />

dizendo dela o melhor<br />

que se pudesse desejar, incluindo<br />

louvores a Deus acompanhados<br />

de pedidos de desculpas pelos<br />

seus erros, porque humanamente<br />

compreensíveis. Não muito<br />

depois, um dos seus mais destacados<br />

militantes ver-se-ia na<br />

necessidade de dar explicações<br />

públicas para pretender explicar<br />

o que não tem explicação. Eu<br />

mesmo viria a ser uma vez mais<br />

testemunha (por ocasião da missa<br />

por alma de um familiar meu<br />

na igreja de S. Paulo ) de um pronunciamento<br />

público, quando<br />

um dos padres que dizia a missa<br />

(estava presente o Sr. Cardeal)<br />

agradeceu ao microfone a honra<br />

da presença de Sua Excelência<br />

a Primeira Dama. Isto num<br />

ambiente em que a Igreja sabe,<br />

como todos nós sabemos, que a<br />

contestação à Constituição não<br />

foi desprezível e teve como fundamento<br />

os atropelos que, fora e<br />

dentro, viriam a ser identificados<br />

por alguns abalizados analistas<br />

independentes. E se a sua aprovação<br />

resultou em consequência<br />

natural do puro jogo democrático<br />

que fosse! Mas se assim foi<br />

à Igreja Católica cabe pôr-se de<br />

fora e seguir a sua missão evangelizadora,<br />

sempre muito perto<br />

da agregação das consciências<br />

e não se prestar à recriação do<br />

espírito da obediência servil,<br />

colando uns angolanos de um<br />

lado e outros angolanos de outro<br />

lado.<br />

A oposição à ideologia da exclusão<br />

tem de ser forte na Eclésia,<br />

como na consciência de todos<br />

quantos nela servem. Não<br />

pode permitir-se a que floresça<br />

no seu seio quem impeça o<br />

aparecimento de contribuições<br />

permanentes para o esforço da<br />

compreensão e, pelo contrário<br />

, surjam, hoje num programa,<br />

amanhã noutros crepúsculos,<br />

quem apenas vá servir novos<br />

escolhidos, novos eleitos de que<br />

já se conhece a identidade, num<br />

ambiente de mais domínio de<br />

presença, com mais demonstrações<br />

de mais força e de mais<br />

poder.<br />

Os jornalistas da Eclésia têm<br />

de cumprir o seu dever deontológico,<br />

junto com a responsabilidade<br />

da cidadania, com talento<br />

com grandeza e generosidade, a<br />

suficiente para não mais permitir<br />

que renasçam os movimentos<br />

retardados de rancores , mas<br />

pelo contrário, acreditando que<br />

um dia a obscuridade arrogante<br />

e a pequenez dos mentirosos vai<br />

ser exposta.<br />

2<br />

. Sobre a segunda questão,<br />

do polémico acordo<br />

ortográfico, nada<br />

saberei dizer. Não<br />

apenas por ter consciência da<br />

complexidade da sua ‹‹idiossincrasia››,<br />

mas também por nada<br />

saber sobre tais matérias. Dizem<br />

que o seu actual texto não atende<br />

às características do português<br />

falado no nosso País, mesmo<br />

porque não nos foi proporcionada<br />

a dignidade de alguma contribuição.<br />

Mas ouvir um embaixador<br />

de Angola ( programa A da<br />

RNA de sábado 13.03. às 08.30<br />

horas) com tiques de erudição,<br />

negar o acordo a pretexto de,<br />

em vez de incluir calões como<br />

‹‹bué e fixe››, dever contemplar<br />

as expressões ‹‹cuesas›› em vez<br />

de coisas e ‹‹se isse›› em vez de se<br />

fosse, como diz que os angolanos<br />

falam, é caso para ter receios de<br />

nos ver governados por gente tal.<br />

A esse Sr. embaixador passo um<br />

conselho: ‹‹Ó Só embaixador<br />

não se metas em assuntos que<br />

você não dominas, iá?›› ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 15<br />

Opinião<br />

Palavrões e política<br />

JOE BIDEN, vice-presidente dos EUA: ‹‹I tis a fucking good deal!››,<br />

Como milhares de pessoas<br />

nos Estados Unidos<br />

da América, aplaudi a<br />

aprovação, pelo Congresso,<br />

da lei sobre os serviços da<br />

saúde, que inclui também as empresas<br />

de seguro.<br />

E eu tenho bons motivos para<br />

aplaudir esta lei: como hipertenso,<br />

já me foi recusado o seguro de<br />

saúde. Esta recusa significa que<br />

todas as vezes que vou ao médico<br />

tenho que pôr a mão no bolso<br />

para pagar. O novo diploma aprovado<br />

pelo Congresso fará com<br />

que até mesmo as camadas menos<br />

favorecidas da população fiquem<br />

protegidas pela seguro de saúde.<br />

Como era de esperar, a nova lei,<br />

que é uma iniciativa do presidente<br />

Barack Obama, está a enfrentar<br />

uma feroz resistência por parte<br />

dos seus adversários do Partido<br />

Republicano.<br />

Os amplos debates que antecederam<br />

a aprovação da nova lei<br />

despertaram a atenção da opinião<br />

pública americana para a linguagem<br />

dos políticos.<br />

Em Setembro passado, por<br />

ocasião de um discurso no Congresso<br />

sobre a reforma da saúde,<br />

o representante republicano Joe<br />

Wilson acusou o presidente Obama<br />

de ser mentiroso.<br />

Nunca na história americana<br />

tal tinha acontecido. Por causa<br />

da ampla repercussão da sue declaração<br />

Wilson viu-se forçado<br />

a pedir desculpas. O Congresso<br />

criticou-o pela deselegância.<br />

No recente debate que antecedeu<br />

a aprovação da nova lei, Randy<br />

Neugebauer, um representante<br />

republicano ido do Texas, acusou<br />

um adversário democrata de ser<br />

‹‹assassino de bebés››. Muitos congressistas<br />

ficaram chocados com<br />

essa linguagem pouco decente.<br />

Em consequência, líderes do<br />

Partido Republicano apelaram<br />

mesmo aos seus colegas para serem<br />

mais comedidos.<br />

Mas, pelos vistos, bocas sujas não<br />

há apenas do lado dos republicanos.<br />

No momento em que o presidente<br />

Obama se aprestava a<br />

sancionar a nova lei o seu vicepresidente,<br />

Joe Biden convencido<br />

de que não havia por perto<br />

nenhum microfone, soltou esta<br />

‹‹preciosidade››: ‹‹I tis a fucking<br />

good deal!››, que pode ser traduzido<br />

como ‹‹Temos aqui um bom<br />

acordo. F...se!››<br />

Na América o presidente Obama<br />

é admirado pelo seu domínio<br />

do inglês e linguagem comedida.<br />

Já o seu vice é conhecido por<br />

optar, muitas vezes, por aquilo<br />

que em inglês é designado como<br />

‹‹colourful language››, ou seja palavrões.<br />

Diz-se que num debate<br />

bastante quente no Congresso<br />

Joe Biden atirou para o seu adversário:<br />

‹‹vai te f...er!››. O vicepresidente<br />

americano alude com<br />

frequência aos órgãos privados<br />

dos homens e mulheres. Mas as<br />

incontinências verbais do vicepresidente<br />

não parecem incomodar<br />

muito os americanos. Pelo<br />

contrário, elas suscitam mesmo<br />

algumas simpatias. De tal sorte<br />

que o seu ‹‹It is a fucking good<br />

deal!›› já se encontra estampado<br />

em camisolas legalmente comercializadas<br />

em cidades americanas.<br />

Na internet alguém já musicou<br />

a escorregadela verbal do<br />

vice-presidente americano.<br />

Quem está a apreciar o que<br />

parece ser uma a tolerância dos<br />

americanos por palavrões é John<br />

McCain, o adversário que Obama<br />

derrotou nas eleições presidenciais.<br />

Além de ter um fusível<br />

a menos, como ironizam os seus<br />

adversários, McCain também recorre<br />

com facilidade a palavrões<br />

sempre que está irritado.<br />

Na verdade, quando se trata de<br />

dizer palavras feias McCain não<br />

hesita. Em 1992, enfureceu-se<br />

diante de jornalistas e ‹‹descarregou››<br />

toda a ira sobre a sua esposa,<br />

a quem cobriu com palavrões<br />

muito feios.<br />

Em inglês é imperdoável referir-se<br />

a uma mulher usando uma<br />

expressão que se associe ao seu<br />

órgão privado. Foi isso o que Mc-<br />

Cain fez à sua esposa, Cindy.<br />

Nos Estados Unidos homem<br />

que use linguagem profana é visto<br />

como pessoa incapaz de manter o<br />

autodomínio.<br />

A sociedade americana é relativamente<br />

condescendente com<br />

as classes mais baixas: quando os<br />

palavrões são ditos por operários<br />

brancos ou negros são relativamente<br />

tolerados. Mas quando alguém<br />

ascende académica e socialmente<br />

espera-se que a sua linguagem também<br />

se ajuste a essa condição.<br />

A Grã-Bretanha é um país em<br />

que a compostura dos políticos<br />

e das figuras públicas sempre foi<br />

relevante. Em 1972, o então ministro<br />

da Defesa, Lord Lambton,<br />

foi forçado a demitir-se porque foi<br />

fotografado numa cama com duas<br />

prostitutas e a fumar liamba. Se<br />

fosse só pelo flagrante Lambton<br />

poderia perfeitamente continuar<br />

no cargo. Porém, a opinião pública<br />

britânica não tolerou o facto<br />

de ele ter dito ‹‹f...se!›› perante as<br />

câmaras de televisão.<br />

Em 1973 a mesma expressão<br />

quase custou o cargo de director do<br />

jornal ‹‹The Daily Telegraph›› a Peregrine<br />

Worthorne. O Parlamento<br />

reuniu-se expressamente para analisar<br />

a demissão de Worthorne por<br />

causa da maldita palavra. Passados<br />

20 anos, em 1993, numa entrevista<br />

ao jornal ‹‹The Observer›› o então<br />

primeiro-ministro John Major referiu-se<br />

aos seus adversários políticos<br />

como ‹‹fucking bastards››, isto<br />

é, filhos da p...!<br />

O céu quase desabou sobre a<br />

cabeça de John Major. Muitos<br />

britânicos lamentaram o facto de<br />

os seus políticos terem perdido a<br />

destreza linguística de um Winston<br />

Churchil. Este herói britânico<br />

da Segunda Guerra Mundial<br />

adorava o seu copinho. Diz-se que<br />

ele começava a beber whisky logo<br />

pela manhã. Uma vez, contase,<br />

Churchil estava embriagado<br />

quando uma senhora que não<br />

gostava dele lhe atirou na cara:<br />

‹‹Senhor Churchil, estás bêbado!››<br />

‹‹Sim, sim››, respondeu Churchil.<br />

‹‹Só que eu vou ficar sóbrio,<br />

mas a senhora vai continuar<br />

feia!›› Numa outra ocasião, dizse,<br />

uma mulher, que também não<br />

gostava do primeiro-ministro,<br />

disse-lhe: ‹‹Se eu fosse sua esposa<br />

meteria veneno no seu café!›› Ao<br />

que o Churchil respondeu: ‹‹E se<br />

eu fosse o seu esposo beberia este<br />

café imediatamente.››<br />

O Parlamento britânico é uma<br />

das instituições que mais preza o<br />

uso de linguagem urbana. Os seus<br />

membros são proibidos de utilizar<br />

o que é classificado como ‹‹unparliamentary<br />

language››, isto é, linguagem<br />

não apropriada. Este princípio<br />

é seguido elos parlamentos<br />

dos países da Comunidade Britânica,<br />

sobretudo aqueles que são<br />

muito próximos da Grã-Bretanha,<br />

nomeadamente a Austrália, Canadá<br />

e Nova Zelândia.<br />

No Parlamento neozelandês o<br />

grande problema é a bebida alcoólica.<br />

Depois de bem bebidos,<br />

muitos parlamentares passam por<br />

cima das regras e insultam-se reciprocamente.<br />

O parlamento que não tem<br />

compromisso nenhum com controlos<br />

verbais é o irlandês. Ali o<br />

vice-presidente Joe Biden sentirse-ia<br />

como peixe na água. No<br />

youtube é possível encontrar clipes<br />

em que deputados irlandeses<br />

usam palavrões pesadíssimos<br />

para ofenderem os seus adversários.<br />

Os internautas consideram<br />

esses clipes mais interessantes do<br />

que as imagens que frequentemente<br />

saem dos parlamentos da<br />

Tailândia e Coreia do Sul ou de<br />

países que integravam a antiga<br />

União Soviética em que, não raramente,<br />

os deputados impõem<br />

os seus pontos de vista pela via do<br />

soco, pontapé e cabeçadas.<br />

Em África, Jomo Kenyatta,<br />

primeiro presidente do Quénia, é<br />

visto como uma figura unificadora.<br />

Só que quando estivesse zangado<br />

o velho era capaz de utilizar<br />

palavrões bastante coloridos em<br />

kiswahili, sua língua natal<br />

Nos anos 60, logo depois da<br />

independência do Quénia, houve<br />

uma insurreição contra o regime<br />

de Kenyatta aparentemente liderada<br />

por Oginga Odinga (o pai de<br />

Raila Odinga). O velho Kenyatta<br />

pôs os seus adversários na cadeia<br />

e fez um discurso em kisumu que<br />

as autoridades quenianas não<br />

gostam de divulgar. Neste discurso,<br />

o ‹‹pai da nação›› manda<br />

os seus adversários para se irem<br />

deitar com as suas mães e diz-lhes<br />

que se não mudassem os seus hábitos<br />

reaccionários iriam apanhar<br />

nas nádegas.<br />

Na África do Sul, o chefe da<br />

secção da juventude do ANC,<br />

Julius Malema, tem uma imensa<br />

capacidade de utilizar linguagem<br />

altamente insultuosa. Recentemente,<br />

descreveu uma adversaria<br />

do ANC, Patricia de Lille, como<br />

sendo muito feia e perguntou se<br />

haveria algum homem na África<br />

do Sul disposto a casar com ela.<br />

Antes disso, Malema insultou a<br />

ministra de Ciência de Tecnologia<br />

dizendo que o seu sotaque,<br />

acentuadamente americano, era<br />

absurdo. Malema foi imediatamente<br />

corrigido: a ministra Naledi<br />

Pandor tem é um sotaque da<br />

classe alta britânica, que muitos<br />

britânicos achariam também estranho.<br />

No fundo, Julius Malema,<br />

como o vice-presidente Joe Biden,<br />

disse o que muita gente gostaria<br />

de poder dizer.<br />

É talvez por isso que republicanos<br />

não se mostram muito<br />

perturbados com os palavrões<br />

de Joe Biden. Eles sabem que<br />

muita muitos americanos se revêem<br />

no vice-presidente e não<br />

no léxico, demasiado higienizado,<br />

de Barack Obama. ■


16 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Opinião<br />

Inocência Mata<br />

inocenciamata2009@gmail.com<br />

E que mal há não gostar do diferente?<br />

Na regra, descubram o abuso.<br />

Bertold Brecht<br />

Conta-se que a antiga ministra<br />

britânica Margareth<br />

Thatcher, não sabendo o<br />

que significava a palavra<br />

xenofobia, referindo uma atitude que<br />

aparecia constantemente criticada<br />

pelos media, e, ao lhe terem dito que<br />

significava ‹‹ódio ao estrangeiro››,<br />

terá replicado: ‹‹ódio ao estrangeiro?<br />

E que mal é que isto tem?››.<br />

Este episódio é contando em jeito<br />

de piada sobre a ignorância dos políticos<br />

e sobre a sua responsabilidade<br />

– pois vale sempre repetir que há<br />

cidadãos com mais responsabilidade<br />

social do que outros: um político, por<br />

exemplo, não pode fazer determinadas<br />

afirmações.<br />

Nem alguém com estatuto que<br />

lhe confere um lugar visível na sociedade,<br />

como é um articulista num<br />

órgão de comunicação tão importante,<br />

como é, em Portugal, o Diário de<br />

Notícias, como é o sociólogo Alberto<br />

Gonçalves: não porei em causa o seu<br />

estatuto de sociólogo, como ele fez<br />

com o músico Snake, assassinado<br />

pela PSP, no dia 15, no seu artigo ‹‹O<br />

hip-hop também mata›› .<br />

Façamos, no entanto, alguns esclarecimentos:<br />

não me vou referir às<br />

circunstâncias em que ocorreu este<br />

acidente, não apenas porque não<br />

conheço os pormenores mas ainda<br />

porque este não é o local adequado;<br />

afirmarei também que não conhecia<br />

o MC Snake (cujo nome civil era<br />

Nuno Rodrigues), não conheço a sua<br />

música, nem posso falar sobre a qualidade<br />

da sua música, não sou amante<br />

desse tipo de música, que nunca<br />

oiço, embora reconheça – era só o<br />

que faltava não o fazer! – o seu lugar<br />

na cultura musical e social e na ideologia<br />

urbana. Resumindo: sou uma<br />

perfeita leiga nesta matéria. Porém,<br />

mesmo assim, digo abertamente que<br />

devo saber mais sobre esse tipo de<br />

música, como fenómeno urbano que<br />

é, do que a série de lugares-comuns<br />

cheios de preconceitos que o tal articulista<br />

Alberto Gonçalves debitou na<br />

sua crónica, revelando uma primária<br />

ignorância em relação a esse tipo de<br />

música – ignorância não por desconhecer,<br />

mas por ser tão arrogante que<br />

não reconhece que não sabe.<br />

Em todo caso, não é da ignorância<br />

de Alberto Gonçalves que quero<br />

falar – esta só o afecta a ele – mas das<br />

suas ideias sobre a diferença. Pareceme<br />

que em certa comunicação social<br />

é de uma impunidade destilarem-se<br />

preconceitos contra a diferença: lembro-me<br />

que, em 2005, por ocasião do<br />

incidente que custou a vida ao brasileiro<br />

Charles de Menezes, imigrante<br />

na Inglaterra, um articulista português,<br />

Ferreira Fernandes, afirmou,<br />

num artigo intitulado ‹‹O brasileiro<br />

de Londres››, na revista portuguesa<br />

Sábado (outro órgão de grande circulação<br />

em que também colabora o<br />

sociólogo Alberto Gonçalves), que a<br />

Polícia britânica tinha razão porque<br />

o rapaz correspondia ao estereótipo<br />

do bombista, justificando-se, deste<br />

modo, inevitabilidade de semelhante<br />

acto, porque segundo o autor,<br />

Os terroristas, no caso londrino, são jovens<br />

e com a pele mais escura que a dos ingleses<br />

médios. Isso não quer dizer que todos os<br />

jovens mais morenos devam ser considerados<br />

terroristas. Mas quer dizer que todos os jovens<br />

mais escuros podem ser olhados com maior<br />

atenção pela polícia.<br />

Não é racismo de polícia, é bom senso.<br />

Lembro-me de que ficara estupefacta!<br />

Sobretudo quando na própria<br />

terra dos ‹‹ingleses médios›› (entenda-se,<br />

brancos louros) a atitude do<br />

polícia, e da Polícia, foi fortemente<br />

criticada pela opinião pública e os<br />

perpetuadores desse acto tiveram<br />

que responder perante a Justiça. E,<br />

claro, reagi, numa crónica, com outra<br />

pergunta: ‹‹E se num país africano<br />

a média dos nacionais – provavelmente<br />

negra – resolvesse considerar<br />

os seus concidadãos “mais claros”<br />

como potenciais neocolonialistas,<br />

o que diria este articulista?›› (em<br />

determinado blogue, de um ‹‹angolês››<br />

doentiamente ressabiado, fui<br />

logo apelidada de racista). Agora, o<br />

sociólogo (sem aspas) Alberto Gonçalves,<br />

comentando as reacções ao<br />

caso do rapper baleado, afirma que<br />

‹‹a maioria repetiu a tese de que o<br />

sr. Rodrigues morreu por ser preto,<br />

pobre, rapper e, aos olhos da polícia,<br />

um estereótipo. É possível, embora<br />

a responsabilidade pelo estereótipo<br />

caiba inteirinha ao sr. Rodrigues.››<br />

Lembrei-me daquelas situações<br />

em que a mulher violada é responsabilizada<br />

porque, afinal, trazia uma<br />

indumentária pouco decente! Ou<br />

porque não devia andar sozinha<br />

Como posso eu<br />

pensar que é natural,<br />

por exemplo,<br />

que um jovem Rastafari<br />

seja preterido<br />

numa candidatura<br />

a um emprego<br />

em que o que conta<br />

são as qualidades<br />

técnicas, em favor<br />

de um outro, de<br />

fato e gravata, só<br />

por isso?<br />

àquela hora!<br />

Nova estupefacção minha! Apenas<br />

para me situar, entrei na internet<br />

e constatei que é elevada a quantidade<br />

de comentários apoiando esta visão<br />

discriminatória do outro. Porém,<br />

quem a evidencia é um sociólogo<br />

que tem o poder da visibilidade, o<br />

que faz acrescer a sua responsabilidade<br />

cultural e social! E que, portanto,<br />

funciona como um intermediário<br />

da ‹‹indústria das relações públicas››<br />

(Noam Chomsky).<br />

Como pode alguém considerar<br />

natural que uma opção de vida (no<br />

sentido de profissão, modo de vestir,<br />

de se relacionar, de produzir acção<br />

cultural e de olhar o mundo),<br />

aliada à sua condição de pertencer,<br />

inevitavelmente, a um grupo olhado<br />

pelas forças da ordem em particular<br />

como ‹‹de risco››, resulte na sua<br />

discriminação?! Então não é precisamente<br />

este mesmo o esquema de<br />

pensamento do racista? Foi precisamente<br />

com base nesse pressuposto,<br />

ainda que partilhado pela maioria,<br />

que uma vez um funcionário – um<br />

polícia, a bem dizer – dos Serviços<br />

de Estrangeiros se sentiu à vontade<br />

para me considerar uma ‹‹potencial<br />

criminosa››, interrogando no<br />

Aeroporto da Portela, em Lisboa!<br />

É que, dizia ele, havia documentos<br />

falsos entre os africanos (entendase,<br />

negros) e, por isso era necessário<br />

vigiar todos os africanos residentes<br />

em Portugal, a fim de ‹‹apanhar os<br />

prevaricadores››. É óbvio que, como<br />

costumo dizer, este funcionário se<br />

enganou na negra e nunca mais trabalhará<br />

com base nesta lógica, mas o<br />

que me espanta é a ligeireza com que<br />

alguém pretensamente esclarecido<br />

defende, no século XXI, um pensamento<br />

tão discriminatório. Como<br />

posso eu pensar que é natural, por<br />

exemplo, que um jovem Rastafari<br />

seja preterido numa candidatura<br />

a um emprego em que o que conta<br />

são as qualidades técnicas, em favor<br />

de um outro, de fato e gravata, só<br />

por isso?! Então o sociólogo – que<br />

aparenta, pela sua indumentária e<br />

pelo discurso, ser um viajado, um<br />

‹‹cosmopolita›› – não conhece outros<br />

mundos, por exemplo, Londres<br />

(a começar pela ‹‹sala de visitas›› que<br />

é qualquer aeroporto internacional),<br />

ou mesmo Nova Iorque, a ‹‹catedral››<br />

do cosmopolitismo?! A discriminação<br />

não se justifica – combate-se!<br />

Não se compreende – condena-se! O<br />

máximo que se pode fazer é explicar<br />

– o que não me parece acontecer na<br />

afirmação de Alberto Gonçalves.<br />

Realmente, este mundo rege-se<br />

por dois pesos e duas medidas e enquanto<br />

umas coisas tomam proporções<br />

fenomenais, todos os abusos<br />

se tornam regra quando o que está<br />

em causa é a ‹‹vítima natural›› – até<br />

acaba por ser responsabilizado pela<br />

situação de discriminado! E é verdade,<br />

para que conste, que nem é<br />

preciso sair de África para constatar<br />

isto: a África está cheia de naturalizações<br />

de discriminações! Com a<br />

passividade, e a cumplicidade, geral.<br />

A constatação deste facto não me<br />

inibe para falar do que se passa em<br />

outras partes do mundo. Neste caso,<br />

a questão que me move, agora, nem<br />

sequer é já o acontecido, mas a sua<br />

justificação, a ideia peregrina de que<br />

quem assume a diferença tem de assumir<br />

que é natural que venha a ser<br />

discriminado.<br />

E isto dito por um sociólogo!


Sábado, 27 de Março de 2010. 17<br />

Opinião<br />

Carta aberta ao Sr. Reis Ventura (*)<br />

M.M. de Brito Júnior<br />

Pessoalmente não conheço<br />

o Sr. Reis Ventura.<br />

Disseram-me que o<br />

Sr. mora no Bairro Alvalade<br />

e é funcionário superior da<br />

Petrangol. Só sei que o sr. escreve<br />

para os jornais e também é escritor.<br />

Politicamente suponho que o<br />

Sr. Reis Ventura sabe como é conhecido<br />

no meio negro; O «CA-<br />

SAL RIBEIRO de Angola».<br />

Isto, devido à sua intransigente<br />

defesa do «salazarismo» e, nos<br />

últimos anos, do «caetanismo»,<br />

manifestada no Conselho Legislativo,<br />

nos discursos que tem<br />

proferido, nos romances e nos<br />

jornais. A comunidade negra<br />

esclarecida chegou ao ponto de<br />

evitar ler o que Sr. Reis Ventura<br />

escreve nos jornais, de tão revoltantes<br />

para a nossa dignidade.<br />

Contudo, alguns de nós temos<br />

tido a pachorra de ler as crónicas<br />

semanais – «conversa fiada». Eu,<br />

embora revoltado, também tenho<br />

lido as suas crónicas para saber<br />

até onde o Sr. pode chegar… porque,<br />

acredite, revolta a qualquer<br />

angolano negro a maneira como o<br />

Sr. Ventura exaltava as «virtudes»<br />

dos governantes fascistas portugueses<br />

depostos e achincalhava os<br />

governos e povos africanos independentes<br />

(com excepção do presidente<br />

Kamuzu Banda!). Porém,<br />

depois do 25 de Abril, o sr. tem<br />

demonstrado uma honestidade<br />

digna de realçar: mantém firme<br />

o seu salazarismo pois ainda não<br />

li a mais leve critica sua sobre os<br />

actos do antigo regime. Isto é que<br />

é ser honesto! O mesmo não fizeram<br />

muitos «salazaristas» que,<br />

vestindo agora peles de cordeiro,<br />

escondem o seu amor ao antigo<br />

«Estado Novo» e dizem-se democratas,<br />

sempre pretenderam a independência<br />

das colónias e mais<br />

baboseiras. Estes são nojentos.<br />

Não me quero debruçar agora<br />

sobre as «brilhantes» prosas saídas<br />

da sua «pena» até 25 de Abril.<br />

Esta carta vem a propósito da<br />

sua «conversa fiada», inserta no<br />

jornal «A Província de Angola»<br />

do dia 10/8/1974, sob o subtítulo<br />

«É isto a paz» depois do Sr. fazer<br />

varias considerações sobre os sangrentos<br />

e funestos acontecimentos<br />

que têm causado tanto pranto<br />

e dor na cidade negra de Luanda,<br />

segundo a sua óptica, claro, a seguinte<br />

passagem: «Vem a propósito<br />

lembrar que em Março e Abril<br />

de 1961, algumas centenas de<br />

civis com armas de ocasião, colaborando<br />

com os pouquíssimos<br />

soldados e polícias de que então<br />

dispúnhamos, conseguiram sufocar<br />

rapidamente a tentativa de<br />

guerrilha nos musseques de Luanda<br />

sem nada que se pareça com<br />

os mortos, feridos e prejuízos que,<br />

que desde o dia 11 de Julho findo,<br />

têm ensanguentado e enodoado<br />

esta bela cidade. Se for preciso,<br />

que as milícias civis, devidamente<br />

enquadradas, voltem a colaborar<br />

com as Forças Armadas, para que<br />

a paz seja imposta a todos aqueles<br />

que teimam em nos impor a guerra».<br />

(sic).<br />

Ao acabar de ler a dita crónica<br />

eu tremia de fúria. Será<br />

que o Sr. Reis Ventura ignora<br />

como em 1961 milhares de civis<br />

brancos (não algumas centenas<br />

como diz) com autenticas<br />

armas de fogo (não eram armas<br />

de ocasião porque depois de 4 de<br />

Fevereiro os brancos armaramse<br />

convenientemente) «conseguiram<br />

sufocar rapidamente» a<br />

pretensa tentativa de guerrilha<br />

nos musseques?<br />

Ou o Sr. é um fingido ou não<br />

estava em Luanda na altura.<br />

Pois saiba que o povo negro dos<br />

musseques ainda tem presente os<br />

horrores praticados pelas milícias<br />

brancas naquele ano e seguintes.<br />

Brancos armados entraram nos<br />

musseques a coberto da noite,<br />

muitas vezes de dia, assassinaram<br />

indiscriminadamente homens e<br />

rapazes e algumas vezes senhoras,<br />

raparigas e crianças. Aos negros<br />

apavorados, sem compreenderem<br />

a causa da chacina, só restava<br />

esconderem-se ou fugir. Muitos<br />

foram arrancados das cubatas e<br />

levados para sítios desconhecidos.<br />

Até hoje não apareceram os<br />

seus corpos! Foram dias, meses,<br />

anos, de horror. Mas a acção das<br />

milícias civis brancas não se limitou<br />

à cidade de Luanda, não<br />

senhor, espalhou-se pelo interior<br />

de Angola. Dezenas de milhar de<br />

negros foram fuzilados e enterrados<br />

em valas comuns, muitos ainda<br />

com vida. Não me diga que o<br />

Sr. nunca ouviu falar da chacina<br />

em Catete, Dondo, Golungo Alto,<br />

Salazar, Lucala, Quibala, Calulo,<br />

Gabela,Seles, Porto Amboim,<br />

Cacuso, Norte, Centro,Sul e Leste<br />

de Angola? O sr. não sabe das chacinas<br />

por esta Angola fora? Sabe<br />

sim, está é a fingir!!! Fui tropa de<br />

1960 a 1964 e como tal estou bem<br />

informado pois por duas vezes estive<br />

no norte. Digo mais, muitas<br />

chacinas perpetradas pela tropa<br />

expedicionária foram induzidas<br />

pelas milícias civis brancas. Claro<br />

que depois de desfeitas as ditas<br />

milícias não quer dizer que os<br />

civis brancos deixaram de assassinar<br />

pretos; nada disso; continuaram,<br />

isolados ou em grupos, «sufocando<br />

os negros que tentassem<br />

levantar a cabeça». Temos casos<br />

vividos tais como os bem conhecidos<br />

massacres do Cazenga em<br />

16 de Setembro de 1972 e desde 11<br />

de Julho de 1974. E não só!<br />

Portanto, Sr. Reis Ventura, é<br />

altamente criminoso preconizar<br />

o «regresso» da nefasta milícia civil.<br />

Os negros hoje já não se deixariam<br />

assassinar como foram desde<br />

1961.Hoje não fugiriam pois já<br />

sabem defender-se e também já<br />

sabem até onde pode chegar o espírito<br />

assassino das milícias civis<br />

brancas. Nós estamos vigilantes!<br />

Se o Sr. Reis Ventura é mesmo<br />

cristão espero que se penitencie<br />

do macabro pensamento que teve.<br />

As milícias civis cometeram crimes<br />

horrorosos, alguns imperdoáveis.<br />

A História de Angola narrará<br />

estes «feitos heróicos das milícias<br />

civis que conseguiram sufocar rapidamente»<br />

milhares e milhares<br />

de negros indefesos, em defesa<br />

dos seus interesses colonial-capitalista.<br />

Continue a escrever e nós, vigilantemente,<br />

continuaremos a ler.<br />

Vigilantes, não se esqueça.<br />

Estou a seu dispor para qualquer<br />

esclarecimento. ■<br />

(*) Publicado no Jornal «O<br />

<strong>Angolense</strong>» nº 3 de 27 de Setembro<br />

de 1974


Sábado, 27 de Março de 2010. 19<br />

Crónica<br />

n o 81<br />

Conversa fiada, telemóveis & pistolas<br />

Chegado de mais um<br />

congresso de escritores,<br />

comecei logo a ser<br />

actualizado em matéria<br />

de conversa fiada que é qualquer<br />

coisa parecida com boatos com a<br />

diferença que a pessoa ou pessoas<br />

que nos transmitem a falação<br />

não invocam que ouviram dizer<br />

ou que dizem mas desenrolam o<br />

papo com tal convicção afirmativa<br />

e de forma tão reiterada que nem<br />

nos dá tempo de perguntarmos<br />

como é que sabe, que na telenovela<br />

bancária entra uma senhora da<br />

limpeza que tem conta bancária<br />

para cima de um milhão de dólares<br />

e como é possível? Aí eu só tive<br />

que responder que de costas para<br />

as tê-lé de segurança alguém embrulhava<br />

notas em papel, amassava<br />

com as mãos à guisa de lixo,<br />

atirava para o cesto dos papéis e<br />

de combina com a da limpeza…<br />

depois dividiam, ah!ah!ah! riu-se<br />

a interlocutora mas depois fez-me<br />

gramar mais uma hora de conversa<br />

e, não duvido que a brincadeira<br />

já chegou aos internautas que<br />

devem estar a passá-la como algo<br />

de real já que a realidade é sempre<br />

mais de sonho que o imaginário,<br />

de repente mudou-se a conversa<br />

pois o muçulmano da Guiné Conakry<br />

havia sido assaltado. Entraram<br />

dois na lojeca que parece um<br />

corredor, tão estreito que quando<br />

o homem se fecha à chave para as<br />

orações, pelo vidro os miúdos desatam<br />

à gargalhada inocente por<br />

só conseguirem ver as nádegas do<br />

rezante. Sim, entraram dois e um<br />

ficou cá fora. Os dois esperaram<br />

que saísse um cliente. Fecharam<br />

a porta à chave, apontaram uma<br />

pistola na cabeça do homem e passa<br />

para cá tudo o que era cartões<br />

para abastecer de saldo telefones<br />

celulares e dinheiro, qual latas de<br />

chouriço ou rebuçados, aviaramse<br />

rápido e cá fora nenhum dos seguranças<br />

que se plantam defronte<br />

das vivendas se apercebeu. A graça<br />

é que afinal o homem nem sequer<br />

é dono. É empregado de um<br />

conterrâneo que, ao que parece,<br />

tomou de arrendamento a loja a<br />

um angolano, comércio internacional!<br />

Ninguém se preocupou em chamar<br />

a polícia e eu estranhei o que<br />

era tão simples, quer o lojista quer<br />

A estagiária ficou de cara feia. Que já sofria de um sindroma<br />

de pavor quando parava nos engarrafamentos. Tinha sido assaltada<br />

por três vezes e por três vezes lhe haviam levado o telemóvel<br />

e agora ia defender um gatuno de telemóveis<br />

o patrão estariam indocumentados<br />

e comentava um vizinho que<br />

esta hora são esses cartões que os<br />

miúdos andam a vender na rua. E<br />

eu fui consolar o desgraçado que<br />

estava com os olhos quase a sair<br />

das órbitas com outro vizinho a<br />

falar que o problema é que ainda<br />

se vendem pistolas nos mercados<br />

e os bandidos abastecem-se aí de<br />

armas e munições, e outro é e não<br />

é porque outros palmam muito<br />

mais e nem sequer precisam de<br />

pistola, pistola é para roubo de<br />

pobre, e outro adendou que era<br />

verdade pois os que palmam por<br />

cima só usam boas águas-de-colónia,<br />

bons fatos e boas gravatas e<br />

foi uma gargalhada geral e depois,<br />

quando me retirava verifiquei que<br />

a conversa transitava para a polícia<br />

e uma recente condenação por homicídios,<br />

nessa altura ainda quis<br />

perguntar a um da televisão sobre<br />

uma conversa que estava a passar<br />

em Lisboa no assunto em que uma<br />

senhora portuguesa mais outros<br />

compatriotas haviam palmado<br />

um monte de massa na Zimbo,<br />

deixava isso para depois, de contrário,<br />

tinha que ficar ali bué de<br />

tempo e concordar que o muçulmano<br />

foi castigado por não vender<br />

nem vinho nem cerveja obrigando<br />

as pessoas a deslocarem-se um<br />

bom pedaço pois as três lojas mais<br />

perto também estavam sob a alçada<br />

de Maomé.<br />

No escritório, encontrei guias<br />

do tribunal. Chegaram as duas<br />

estagiárias. Contaram-me sobre<br />

as defesas oficiosas, makas de<br />

candongueiros e por aí. Uma estava<br />

a preparar um trabalho sobre<br />

direito de família em matéria de<br />

alimentos, sugeri-lhe uma introdução<br />

com base numa sociedade<br />

tradicional e em caso de abandono<br />

da mulher e filhos como é que<br />

acontecia a prestação de alimentos<br />

por parte do pai, levou a sério e tomou<br />

nota. Depois sobre um divórcio<br />

proposto em nome da mulher<br />

e que elas quase garantiam a vitória.<br />

E afinal, os papéis do tribunal,<br />

a que chamam guias, era para<br />

‹‹alguém›› pagar dez mil kwanzas<br />

para a libertação do detido que<br />

havia sido flagrantado após ter<br />

palmado um telemóvel e uma das<br />

estagiárias era a defensora oficiosa.<br />

Ficou de cara feia. Que já sofria<br />

de um sindroma de pavor quando<br />

parava nos engarrafamentos. Tinha<br />

sido assaltada por três vezes e<br />

por três vezes lhe haviam levado o<br />

telemóvel e agora ia defender um<br />

gatuno de telemóveis e desatámos<br />

todos à gargalhada e eu ainda lhes<br />

contei a do guineense, quem sabe<br />

se não é o mesmo ou do mesmo<br />

clube… mas é sempre chato para<br />

um gatuno falhar uma operação!<br />

Não diga isso doutor!, nada, eu é<br />

que lhe pergunto como é que foi<br />

isso de três vezes, claro que não há<br />

duas sem três, foram todas iguais,<br />

eu com o carro parado num engarrafamento,<br />

vidros todos fechados,<br />

aparece do lado direito, com<br />

a mãos direita cobre toda a pistola<br />

e só vejo o cano apontado no vidro<br />

e com a mão esquerda, polegar<br />

na orelha e mindinho na boca,<br />

claro, é telefone, e então nem uma<br />

buzinadela para ele se assustar e<br />

mostrar a pistola aos transeuntes?<br />

nada doutor, eu quando é assim<br />

é dinheiro é telefone, nem queira<br />

saber o pânico, quando é assim<br />

dou tudo.<br />

É? Dá tudo? Então também vou<br />

ver se arranjo uma pistola!| E desatámos<br />

os três a rir.<br />

23/3/2010


20 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Crónica<br />

Huanga & Nomeações<br />

‹‹É um conto››, aviso.<br />

Hoje, as claques de futebol africanas<br />

já não escondem os seus<br />

amuletos quando têm pela frente<br />

os grandes derbies, quer no equilíbrio<br />

de forças táticas, mesmo no<br />

físico e no historial de vitórias.<br />

‹‹Chegam numa boa altura.<br />

No ponto doce››, terá suspirado<br />

o Prof. Dr. Kinguana, ministro.<br />

“É a grande vantagem do CAN,<br />

termos no terreno grande presença<br />

de feiticeiros”, explicou ao<br />

assistente e amigo. ‹‹É só escolher<br />

o que nos parece ser melhor e infalível››,<br />

esfregou as mãos de contente.<br />

O momento político era de<br />

‹‹muita indecisão e incertezas››,<br />

todos os governantes estavam à<br />

porta de mais uma grande remodelação:<br />

‹‹Quem fica e quem sai?››,<br />

era a interrogação mais comum<br />

nas rodas de conversas, mesmo<br />

nas rolotes de cerveja, a política<br />

era chamada para aumentar as<br />

gargalhadas.<br />

Quanto mais cervejas geladas<br />

nos tambores eram destiladas<br />

nos bares de rua, maiores eram os<br />

palpites dos bêbados e delirantes<br />

os seus diagnósticos à volta das<br />

prováveis exonerações e seus vales<br />

de lágrimas.<br />

‹‹Os editores privados, para aumentarem<br />

as tiragens, ultrapassavam<br />

o vaticínio e as especulações<br />

da rua e repetiam as mesmas<br />

manchetes››, escreveu um politólogo:<br />

‹‹Varredela››, pediam os<br />

mais animados. ‹‹Me parece que a<br />

política a exemplo do que acontece<br />

com a maior parte das partidas<br />

de futebol, tem sempre muitos<br />

treinadores de bancada prontos<br />

só para desancar››, escreveu.<br />

‹‹Existe muita gente infeliz, só<br />

gosta de desejar e assistir o mal<br />

dos outros››, explicou o mais famoso<br />

barbeiro da Vila-Alice, ‹‹o<br />

mais informado››, reconhecem.<br />

‹‹O pior é que alguns Ministros<br />

pensam, e mal, que podem mudar<br />

a direção do punho do Presidente<br />

pelo punho de um bom feiticeiro,<br />

para os seus intentos aí virados.<br />

Ah, ah, ah, ah››, desatou aos risos<br />

e com o olhar apontado aos políticos<br />

à espera da sua tesoura continuou<br />

com algum desdém:<br />

‹‹Meus senhores, digam lá, e<br />

Para adensarem a euforia dos espetáculos no intuído das audiências,<br />

apanharem os instantâneos de alegria exuberante e<br />

térrea dos políticos e dirigentes da FIFA, as objetivas dos realizadores<br />

demoravam-se alguns segundos mais nas refulgentes<br />

figuras de feiticeiros, pomposamente rodeados de amuletos<br />

onde fica a vontade de Deus e que<br />

tudo pode?››, deixou a pergunta<br />

propositadamente no ar para que<br />

os clientes voltassem à casa com<br />

alguma preocupação que lhes<br />

ocupasse o seu dia-a-dia até ao<br />

sábado seguinte. ‹‹Até lá, que os<br />

botões falem mais alto em juízo››,<br />

o barbeiro sorriu para dentro de<br />

si próprio.<br />

Os espetáculos do CAN que a<br />

TPA passava não se resumiam e<br />

só ao show de golos, defesas, fintas<br />

e repetição em câmara lenta<br />

dos erros dos árbitros e seus coadjuvantes<br />

de linha. Realço que<br />

um outro espetáculo foi sempre<br />

alvo dos visionamentos, acontecia<br />

nas bancadas, como se as<br />

claques fossem o verdadeiro 12º<br />

jogador para cada uma das equipas<br />

em contenda, assim pediam<br />

os treinadores sem descurarem a<br />

paixão e o discurso patriótico.<br />

As objetivas dos realizadores<br />

de imagem, para adensarem a<br />

euforia dos espetáculos no intuído<br />

das audiências, para além de<br />

apanharem os instantâneos de<br />

alegria exuberante e térrea dos<br />

políticos e dirigentes da FIFA,<br />

demoravam-se alguns segundos<br />

mais nas refulgentes figuras de<br />

feiticeiros, pomposamente rodeados<br />

de amuletos: crânios de leão,<br />

rabos de elefante e de animais<br />

embalsamados, ‹‹estranhos no<br />

aspecto››, comentavam os mais<br />

atentos.<br />

‹‹Os do Gana, esses não brincam<br />

em serviço. Nota-se até pela<br />

exuberância e colorido dos trajes.<br />

É mesmo para impressionar até<br />

os menos atentos››, disse o amigo<br />

do ministro.<br />

‹‹Olha, como a equipa têm passado?<br />

Só com um golito e tem<br />

bastado. Só pode ser graças à ajuda<br />

e empurrão do feiticeiro››, exclamou<br />

o ministro. Depois de um<br />

longo silêncio e o olhar demorado<br />

na janela que tinha como pano de<br />

fundo o Bairro Alvalade, decidira-se<br />

pelo plano que tinha engendrado<br />

durante a noite que passara<br />

em claro e com muita enxaqueca<br />

a mistura. ‹‹Uma tenção incurável<br />

que quase pifou a minha cabeça››,<br />

cogitou.<br />

‹‹É pá, como as coisas andam,<br />

não posso ficar de braços cruzados.<br />

Não tenho melhor saída, e a<br />

vida não é uma ficção, não posso<br />

corromper o seu desfecho. Deves<br />

contactar o homem do Gana,<br />

nosso escolhido. Preciso dos seus<br />

melhores serviços. Amigo, trate<br />

de negociar sem choramingar<br />

pelo preço, o dinheiro é para gastar<br />

nos objetivos. Não podemos<br />

vacilar››, pediu o ministro com<br />

um timbre de voz quase apagado.<br />

‹‹Amigo ministro, achas que<br />

valerá mesmo a pena tentar com<br />

a prata de fora? Será que o grande<br />

feiticeiro sabe entrar no mistério<br />

da alta política com a mesma<br />

habilidade com que lida com os<br />

golos?››, deixara de rajada duas<br />

incómodas perguntas porque<br />

acreditava, tinha mesmo a certeza<br />

que a lista nominal dos que<br />

sairiam do governo não constava<br />

o seu nome, ‹‹É, pelo menos, o


Sábado, 27 de Março de 2010. 21<br />

Crónica<br />

que garantem as minhas fontes.<br />

Não te esqueças que é com ela que<br />

temos lidado esses anos todos››,<br />

esclareceu dando importância ao<br />

seu indecifrável serviço junto do<br />

Gabinete do Ministro.<br />

‹‹Não me interessam as tuas<br />

interrogações, traz resultados que<br />

mereçam o meu aplauso e recompensa.<br />

Uma mão lava a outra, não<br />

te esqueças››, disse o Ministro<br />

com convicção e pediu que o amigo<br />

se retirasse da sala. Tinha na<br />

agenda o encontro com a Delegação<br />

de investidores chineses, mas<br />

de nada valeria esse seu esforço<br />

e contatos já que há ‹‹muito que<br />

não despachava nada››, estavam<br />

condicionados por ordens muito<br />

claras e que não deixavam dúvidas:<br />

‹‹É só cumprir››, disparavam<br />

todos.<br />

No hotel Alvalade, apesar de<br />

uma certa resistência pelas discrepâncias<br />

dos montantes, o amigo<br />

do ministro ardilosamente<br />

convencera o emissário do feiticeiro<br />

a celebrarem um acordo que<br />

não poderia ficar escrito:<br />

‹‹Ok, aceitamos o montante<br />

de cem mil dólares, mas devem<br />

ainda incluir as despesas do hotel,<br />

porque vamos ter de prolongar<br />

a nossa estadia››, acrescentou:<br />

‹‹Regresso em jato particular››,<br />

apresentou as exigências sem pestanejar:<br />

‹‹Não queria dizer-lhe<br />

tudo, mas gostaria que soubesse<br />

que outros ministros procuraram<br />

os nossos serviços››, ameaçou o<br />

emissário que até ao meio-dia<br />

esperava que o dinheiro fosse depositado<br />

na conta do feiticeiro,<br />

‹‹Numa só tranche››, determinou.<br />

Dois dias depois de confirmada<br />

a OT, o feiticeiro, apesar do<br />

seu aspecto originar curiosidades,<br />

mesmo assim, em pleno dia,<br />

foi varrer os maus olhados no Gabinete<br />

do ministro:<br />

‹‹Ohhhhh, Xéeee, Forra com<br />

azaar. Zambi vai dar reino pawer.<br />

Xangô Bamba››, gritou num mau<br />

português. A dança que acompanhava<br />

essas expressões deixou<br />

o ministro e o seu amigo cientes<br />

que o feiticeiro ‹‹amarrara››<br />

e bem o seu lugar para mais dez<br />

anos.<br />

‹‹Ministro, esses homens que<br />

saíram vieram segurar o seu lugar?››,<br />

perguntou de forma sarcástica<br />

a secretária.<br />

‹‹Porra, eu exonero-te, não<br />

brinques. Ponha-se no seu devido<br />

e merecido lugar, mas não brinque<br />

com o fogo. Por acaso, a senhora,<br />

minha secretária, alguma<br />

vez ouviu-me falar dessa prática,<br />

própria dos ignorantes?››, perguntou.<br />

‹‹Não, não, desculpa. Deram<br />

muito nas vistas, porque vinham<br />

vestidos de uma maneira folclórica››,<br />

tentou justificar-se.<br />

‹‹Saiba que vieram por questões<br />

de negócios e o país não pode<br />

escolher o fato europeu para os<br />

vestir. Era o que faltava, senhora<br />

Josefa, ameaçar a identidade cultural<br />

dessa gente. Fique no seu lugarzinho,<br />

é melhor. Não se arme<br />

em bonita››, ameaçou o ministro.<br />

Nem eram bem dez dias depois<br />

do contrato, tudo lhe parecia girar<br />

conforme previra o ‹‹Papá››<br />

feiticeiro do Gana. Tratava-o com<br />

essa deferência, porque tinha<br />

mais certezas do que nunca que<br />

o ‹‹lugar continuaria eternamente››<br />

seu. Por isso mesmo, quando<br />

entrasse ou saísse do seu gabinete<br />

cuidadosamente decorado pelos<br />

chineses, mais concretamente na<br />

antessala onde recebia o apoio de<br />

seis secretárias, exibia uma confiança<br />

nunca vista, uma altivez<br />

que assustava os colaboradores<br />

mais céticos e que tinham apanhado<br />

nos salões das intrigas algo<br />

como ‹‹Ele vai cair››.<br />

Eram, aproximadamente, onze<br />

horas da manhã, o sol estava alto<br />

e quase vertical, um dia bom de<br />

fazer praia, quando o feiticeiro do<br />

Gana entrou em convulsões, estatelou-se<br />

na sala de visita do ministro,<br />

lugar muito bem decorado<br />

e cómodo onde o velho aguardava<br />

há já algum bom tempo.<br />

‹‹Urrrrr, uá, uté, tinga-dondom››,<br />

tentava articular algum<br />

pensamento de todo indecifrável<br />

para os que assistiam o sofrimento<br />

do feiticeiro. Os vómitos fétidos<br />

sujaram a alcatifa felpuda, e essa<br />

miséria deixou a ‹‹senhora possessa››,<br />

a situação de saúde pouco<br />

lhe interessava, ‹‹Que morra, não<br />

me diz nada, nadinha mesmo››.<br />

Estava bastante preocupada, mas<br />

pelo valor da peça comprada no<br />

Egipto, ‹‹Uma relíquia que marca<br />

a decoração e estilo da sala. Devia<br />

tê-lo deixado abandonado no<br />

quintal, é o que essa gentalha bem<br />

merece››, resmungou.<br />

O marido chegou arfando e<br />

apressado pela chamada de urgência,<br />

agora só pensava em como<br />

retirar de casa o corpo pesado do<br />

feiticeiro, ‹‹Não posso ficar na<br />

boca dos vizinhos››, falou com os<br />

seus botões enquanto se dirigia à<br />

estante para abrir o Plasma e ouviria<br />

o noticiário da Televisão pública<br />

já com 12 minutos de atraso,<br />

com a atenção virada para duas<br />

situações; o doente e o noticiário.<br />

Depois de uns instantes de<br />

ecrã com chuva, a imagem do<br />

pivô dominou o plasma e a atenção<br />

do ministro: ‹‹O último Decreto<br />

Presidencial, exonera o digníssimo<br />

senhor Ministro, Prof.<br />

Dr Kingolo Tagta Duarte››, leu o<br />

locutor tentando imitar a dicção<br />

e estilo do Amílcar Xavier, agora<br />

em serviço na concorrente da<br />

TPA para mostrar o seu potencial.<br />

O grande feiticeiro, não se<br />

sabe por que mágica ou milagre,<br />

simplesmente deixou de ter convulsões<br />

que o tinham combalido<br />

até ao chão. Desatou aos choros<br />

desbragados, ‹‹Ai, ai tatá››, foram<br />

choros de muitas lágrimas e ranhos,<br />

como se algo estivesse mal<br />

no seu coração e necessitasse dessas<br />

lágrimas para se ver livre de<br />

algum pesadelo.<br />

‹‹Aiiiiiiiii, socorrrrro››, gritou a<br />

filha, que presenciara com alguma<br />

proximidade a queda do pai<br />

atacado por um fulminante aperto<br />

cardíaco. Os olhares da mulher<br />

e da filha e dos guardas que ocorreram<br />

à sala, foram dirigidos ao<br />

feiticeiro que acabara de sair do<br />

desmaio, uma situação nada confortante.<br />

‹‹Oh, Papá, faça alguma coisa,<br />

se não daqui não sai com vida››,<br />

ameaçou em língua francesa o<br />

guarda mais antigo. ‹‹Era um pai,<br />

um amigo››, confessou o seu afeto<br />

e chorava como ninguém.<br />

‹‹Filha, corre, corre. Fechate<br />

a sete chaves no escritório do<br />

papá e só sais com os números<br />

das contas offshores. Vá, seca as<br />

lágrimas››, gritou a mulher do<br />

ministro.<br />

‹‹As crianças pá cama. Vamos<br />

tratar do pêlo do feiticeiro acordado<br />

da sua matreirice», disse<br />

com voz seca e deu um soco no<br />

peito do guarda, «mexe-te», ordenou.<br />

‹‹Aiiiiiiiiiii, paiiiiiii, meu ministro››,<br />

gritou enquanto com<br />

descuido poisava no chão a cabeça<br />

do pai. ‹‹Onde estará esse<br />

maldito PIN››, pensou na forma<br />

e perfeição da revista. ‹‹Não ficaste<br />

de me oferecer um BMW,<br />

oh papá?», perguntou aos gritos<br />

enquanto subia as escadas.<br />

O que aconteceu em seguida,<br />

é, até hoje, assunto de grande especulação<br />

e controvérsia: o Ministro<br />

da Cultura da Costa do<br />

Marfim, Prof. Dr. Bongo-Bongo,<br />

informou aos seus cidadãos que o<br />

grande feiticeiro «ao contrário da<br />

informação reacionária que corria<br />

em Luanda de que teria sido<br />

assassinado em casa do malogrado<br />

Ministro exonerado, creiam,<br />

não passa de pura mentira dos<br />

jornais privados» e garantiu que<br />

o morto, Papá, como era tratado<br />

pela esposa do ministro, felizmente,<br />

já se encontrava na África<br />

do Sul, vivendo debaixo das balizas<br />

«onde a equipa Nacional violará<br />

as redes com grandes golos»,<br />

tudo pelo brilho do continente,<br />

disse com orgulho. ■


22 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Crónica<br />

Os espelhos da tia Fefa (II)<br />

NO ÚLTIMO fim-de-semana do<br />

mês inteiramente dedicado às mulheres,<br />

Março, o marido da tia Fefa<br />

descobriu a melhor oportunidade<br />

para levantar o embargo e suspender<br />

as sanções unilaterais contra a<br />

esposa. A tia Fefa voltou a sorrir e<br />

teve muitos motivos para festejar a<br />

sua alegria, antes que viesse o dia<br />

das mentiras...<br />

O marido, Tijójó, como também<br />

é chamado no bairro, não teve muitas<br />

dificuldades em convencer a<br />

mulher de que o espelho do quarto<br />

do casal nada tinha a ver com a péssima<br />

imagem que ela escondia entre<br />

as almofadas. Bastou surpreendê-la<br />

com um enorme arranjo de flores,<br />

enquanto soluçava no quarto. O<br />

efeito do perfume natural das rosas,<br />

orquídeas, e cravos apoderou-se<br />

dela. A tia Fefa era doida por fantasias<br />

e aquele «bouquet» havia sido<br />

propositadamente encomendado,<br />

até ao último detalhe.<br />

«Porque partiste o nosso espelho?»,<br />

perguntou Tijójó: «Ele tinha<br />

alguma culpa, meu amor…?», voltou<br />

a perguntar, sem obter resposta.<br />

A tia Fefa continuava a não conseguir<br />

responder.<br />

Já se tinha dado conta de que<br />

mudar os espelhos não era solução.<br />

Apesar de ter colocado um espelho<br />

novo no quarto, tudo esteve na<br />

mesma até o marido sorrir para ela,<br />

com as flores nas mãos! Os lençóis<br />

estavam amarrotados; o ar condicionado<br />

continuava avariado e o<br />

ambiente contaminado por fantasmas<br />

inexistentes. A senhora acordava<br />

de manhã sem pinturas nem<br />

maquilhagem, e, uma vez mais, não<br />

se sentia bem. Era irritante aquela<br />

angústia permanente de se sentir<br />

rejeitada pelo próprio marido, por<br />

causa de um conflito que poderia<br />

ser sanado por qualquer um deles.<br />

Mas, a birra dele e o orgulho dela<br />

emperravam tudo. Ninguém queria<br />

ceder facilmente, nem dar o braço a<br />

torcer, num terreno em que o machismo<br />

e vigor masculino jogavam<br />

contra o capricho e a astúcia feminina.<br />

Disfarçadamente, ambos queriam<br />

vencer.<br />

O tio Jorge só compreendeu a crise<br />

e a profunda frustração da mulher<br />

quando viu os pedaços de vidro<br />

O TIO JORGE só compreendeu a crise e a profunda frustração da mulher quando viu os pedaços de vidro espalhados pelo chão<br />

espalhados pelo chão. Por breves<br />

instantes, olhou para a moldura do<br />

casamento e verificou que a imagem<br />

da mulher já não era a mesma.<br />

O espelho confidente, que ela tanto<br />

gostara, estava completamente<br />

destruído aos seus pés, perdendo a<br />

utilidade. Então, num golpe de magia,<br />

voltou a transformar-se no conquistador<br />

que ela tão bem conheceu<br />

e por quem se vergou, aos bocados.<br />

Com a tia Fefa, o desejo de reconciliação<br />

também não foi diferente.<br />

Apenas sentia-se feia e deformada<br />

porque não lhe apareciam iniciativas;<br />

nem soluções, nem oportunidades<br />

para ultrapassar a crise no lar.<br />

E, por falta de imaginação, distraíase<br />

sem criatividade, ocupava o espírito<br />

sem tirar proveito e refugiava-se<br />

em futilidades, até voltar a dormir.<br />

Dia após dia, foi a maior caricatura<br />

de si mesma: «Também hoje, não me<br />

tocou…», sofria em silêncio. O implacável<br />

conflito conjugal mostravalhe<br />

uma outra face, nua e crua. O<br />

matrimónio em risco, sem o calor<br />

dos carinhos e elogios; uma imagem<br />

até então desconhecida.<br />

«Porque me partiste o nosso espelho,<br />

amor…?». O experiente Tijójó<br />

repetiu a pergunta com as flores no<br />

colo da esposa que amava em segundas<br />

núpcias. O que se passou a<br />

seguir é assunto de quatro paredes!<br />

Mas…, ao sair do quarto, a tia<br />

Fefa já não notou diferenças nenhumas<br />

entre as imagens dos espelhos<br />

que tinha em casa. Já era noite.<br />

Deixava de haver um espelho bom<br />

e um espelho infiel à sua beleza.<br />

Deu-se conta disso quando desligou<br />

completamente as luzes da sala de<br />

visitas e fechou a TV. No escuro, o<br />

enorme espelho de dois metros de<br />

largura nada reflectia. À sua volta,<br />

nada mais se alterava. A elegante tia<br />

Fefa voltou a sorrir como dantes...■


Sábado, 27 de Março de 2010. 23<br />

Edição AngolA<br />

Apple corre contra o relógio para<br />

garantir conteúdo para o iPad<br />

Yukari Iwatani Kane<br />

e Sam Schechner<br />

The Wall Street Journal<br />

A Apple Inc. ainda está trabalhando<br />

para conseguir conteúdo<br />

para o iPad a somente poucos dias<br />

do lançamento do novo aparelho,<br />

disseram pessoas a par do assunto,<br />

enquanto a empresa diminui um<br />

pouco suas ambições iniciais em relação<br />

ao badalado minicomputador.<br />

Desde que o iPad tornou-se disponível<br />

para pré-venda, no passado<br />

dia 12, a Apple já vendeu centenas<br />

de milhares de aparelhos, disseram<br />

pessoas a par do assunto. Uma dessas<br />

pessoas disse que a Apple pode<br />

vender mais iPads nos primeiros<br />

três meses do que vendeu iPhones<br />

em igual período após o lançamento<br />

do celular.<br />

Mas a Apple ainda está negociando<br />

com empresas de mídia um<br />

desconto para os programas de TV<br />

que as pessoas vão poder baixar no<br />

aparelho, disseram pessoas familiarizadas<br />

com o assunto. A Apple<br />

também tinha esperança de trabalhar<br />

de perto com jornais, revistas<br />

e editoras de livros escolares para<br />

descobrir novas maneiras de apresentar<br />

digitalmente conteúdo impresso<br />

no iPad, mas por ora colocou<br />

esse esforço em banho-maria para<br />

se focar em outros conteúdos, disse<br />

uma dessas pessoas.<br />

A Apple está correndo para concluir<br />

algumas discussões com potenciais<br />

parceiros de conteúdo antes<br />

da data prevista do começo das<br />

vendas do iPad nos Estados Unidos,<br />

3 de abril, disseram pessoas a par<br />

do assunto. Mas fechar acordos de<br />

conteúdo tem se mostrado difícil<br />

porque alguns potenciais colaboradores<br />

ainda ponderam as vantagens<br />

de trabalhar com a Apple contra as<br />

potenciais ameaças a suas atuais<br />

fontes de receita, disseram essas<br />

pessoas.<br />

Uma porta-voz da Apple não quis<br />

O ‘tablet’ já vendeu ‘centenas de milhares’ de unidades, mas sairá com escopo reduzido em relação ao anunciado<br />

comentar.<br />

As discussões de última hora revelam<br />

as complexidades que a Apple<br />

e seu diretor-presidente, Steve Jobs,<br />

estão enfrentando para criar um<br />

aparelho de multimídia conectado<br />

em rede, o que pressionou a empresa<br />

a recuar em algumas de suas intenções<br />

iniciais para o lançamento<br />

do iPad.<br />

Quando a Apple apresentou o “tablet”,<br />

em janeiro, Jobs o promoveu<br />

como um produto “mágico e revolucionário”<br />

que permitiria às pessoas<br />

jogar games, assistir a vídeo e ler<br />

livros e jornais numa tela colorida<br />

sensível ao toque de 9,7 polegadas.<br />

O aparelho roda no mesmo sistema<br />

operacional usado no iPhone e é<br />

vendido nos Estados Unidos a partir<br />

de US$ 499 para a versão com<br />

somente uma conexão Wi-Fi ou US$<br />

629 para os que queiram também o<br />

serviço de celular.<br />

A Apple estreitou o escopo do<br />

aparelho. A empresa engavetou<br />

por ora sua ideia de oferecer assinaturas<br />

nos EUA de programas de<br />

televisão que seriam exibidos pelo<br />

iPad. Em vez disso, está discutindo<br />

com empresas de mídia um corte<br />

no preço dos programas de TV, dos<br />

atuais US$1,99 e US$ 2,99 para US$<br />

0,99, em sua loja virtual iTunes, disseram<br />

pessoas familiarizadas com a<br />

situação.<br />

O iTunes atualmente oferece uns<br />

poucos programas por US$ 0,99 em<br />

promoções limitadas, mas a Apple<br />

espera que, se conseguir ampliar<br />

esse desconto a tempo do lançamento<br />

do iPad, venha a tornar o aparelho<br />

mais atraente, e isso poderia ser<br />

um passo provisório até que possa<br />

ofertar pacotes de assinatura de TV.<br />

Mas pessoas familiarizadas com<br />

o assunto dizem que a Apple ainda<br />

não fechou acordos com muitos dos<br />

EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY<br />

maiores produtores de televisão em<br />

relação à redução de preço. Alguns<br />

deles temem que um corte no preço<br />

possa prejudicar seus atuais negócios,<br />

disseram essas pessoas, e até<br />

pôr em risco as dezenas de bilhões<br />

de dólares em receita de assinaturas<br />

que recebem de empresas de cabo e<br />

satélite pela programação de suas<br />

redes tradicionais de TV.<br />

Nos últimos meses, gigantes de<br />

mídia se tornaram mais confiantes<br />

em conseguir bilhões em receita extra<br />

pela programação de suas redes<br />

de sinal aberto. Eles ficaram animados<br />

por batalhas como uma que<br />

aconteceu este mês entre a Walt Disney<br />

Co. e a operadora de TV a cabo<br />

Cablevision Systems Corp. que levou<br />

a Disney a cortar a programação<br />

de suas estações da rede ABC para<br />

assinantes da Cablevision durante<br />

quase 21 horas, enquanto aguardava<br />

pagamentos antecipados.<br />

Pessoas a par do assunto disseram<br />

que a Apple está tentando reduzir<br />

essas preocupações com o argumento<br />

de que a redução dos preços<br />

no iTunes pode criar um novo mercado.<br />

Pessoas a par do assunto disseram<br />

que ainda acreditam que a<br />

Apple possa conseguir fechar um<br />

acordo com pelo menos algumas<br />

empresas de mídia para vender seus<br />

programas a US$ 0,99 a tempo da<br />

chegada do iPad às lojas.<br />

Também é possível que empresas<br />

de televisão possam oferecer acesso<br />

a seus programas de TV no iPad por<br />

meio de aplicativos que exibiriam os<br />

programas, em vez de vendê-los no<br />

iTunes. Esses aplicativos podem potencialmente<br />

mostrar propaganda<br />

junto com os programas de TV. Os<br />

programas vendidos no iTunes geralmente<br />

não incluem propaganda.<br />

Ao mesmo tempo, algumas editoras<br />

de jornais e revistas informaram<br />

que estão espremidas por<br />

vários fatores que podem atrasar os<br />

aplicativos que estão desenvolvendo<br />

para o iPad.<br />

Muitas editoras de revistas e<br />

jornais estão preocupadas porque<br />

o iPad não oferece suporte para a<br />

tecnologia de vídeo Flash, da Adobe<br />

Systems Inc., que muitas editoras<br />

usam para exibir seu conteúdo<br />

multimídia, bem como para exibir<br />

anúncios online.<br />

Uma área que parece estar dentro<br />

do cronograma é a nova livraria<br />

virtual da Apple, iBooks, que permite<br />

aos donos de iPad comprar e<br />

ler livros digitais. Pessoas a par do<br />

assunto disseram que as maiores<br />

editoras devem entregar a maioria<br />

de seu catálogo, e a livraria deve ter<br />

quase todos os livros à disposição<br />

de leitores que usam os aparelhos<br />

Kindle, da Amazon.com Inc., e Nook,<br />

da Barnes & Noble Inc.<br />

(Colaboraram Jeffrey A. Trachtenberg,<br />

Russell Adams e Shira<br />

Ovide)


24 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

The Wall Street Journal<br />

Prada opera ao ritmo de um relacionamento vulcânico<br />

Patrizio Bertelli é a cabeça e Miuccia Prada, os braços<br />

Patrizio Bertelli e Miuccia Prada, o casal de maior sucesso da indústria de artigos de luxo, estão juntos<br />

desde os anos 70<br />

Bertelli e uma escultura do artista Michael Heizer na Fundação Prada<br />

Por Alessandra Galloni,<br />

com fotos de Brigitte<br />

Lacombe<br />

Patrizio Bertelli, o diretor-presidente<br />

da casa de moda italiana Prada,<br />

é um homem grisalho de 1,80<br />

m de altura que grita bastante, e<br />

naquela tarde os gritos estavam<br />

dirigidos à rede americana de lojas<br />

de departamento Neiman Marcus.<br />

Bertelli havia acabado de se reunir<br />

com o presidente do conselho<br />

da Neiman, Burton Tansky, de 72<br />

anos, que voou de Dallas a Milão<br />

para tentar aparar as diferenças<br />

sobre como a cadeia expõe roupas,<br />

bolsas, sapatos e perfumes Prada<br />

em suas lojas.<br />

“Disse a Tansky: não venha aqui<br />

querendo bancar o texano comigo.<br />

Tô me lixando pro seu jeitão John<br />

Wayne”, fala Bertelli em tom exaltado,<br />

o grande nariz aquilino se<br />

mexendo entre os aros negros de<br />

seus óculos, enquanto solta o “c”<br />

carregado que marca seu sotaque<br />

tipicamente toscano. (Tansky depois<br />

descreveu a conversa como<br />

um diálogo “acalorado” entre<br />

duas pessoas que são “orgulhosas<br />

e intensas em relação a seus negócios”.)<br />

Como administrador de<br />

uma das maiores grifes do mundo,<br />

Bertelli ainda lambe as feridas que<br />

surgiram quando varejistas americanos<br />

cortaram os preços dos<br />

produtos de luxo no fim de 2008 em<br />

resposta à crise econômica. Para se<br />

livrar do estoque, a Neiman Marcus,<br />

a Saks e outras ofereceram<br />

descontos de até 70% para bolsas<br />

de US$ 1.500 e sapatos de US$ 750,<br />

e isso levou as empresas de luxo europeias<br />

a temer que seus clientes<br />

nunca mais fossem pagar por produtos<br />

caros. Agora que a economia<br />

começa a se recuperar, muitos executivos<br />

do setor estão tentando garantir<br />

mais controle sobre as vendas<br />

em lojas de departamento — e<br />

Bertelli está assumindo o desafio<br />

com particular interesse. “Gosto<br />

de Tansky. O verdadeiro problema<br />

é que a América é uma egocêntrica<br />

da po...”<br />

Bertelli, de 63 anos, é o cérebro<br />

por trás de uma grife que a maioria<br />

das pessoas associa com a mulher<br />

dele, Miuccia Prada, a estilista<br />

avant-garde que ao longo dos anos<br />

criou sensações mundiais com mochilas<br />

de náilon industrial pretas,<br />

saias xadrez com motivos de papel<br />

de parede, vestidos tingidos e<br />

sapatos com grossos saltos altos,<br />

para citar só alguns.<br />

Se Prada é uma das mais influentes<br />

estilistas do mundo, Bertelli é a<br />

grande influência dela. Desde 1977,<br />

quando o casal se conheceu numa<br />

exposição em Milão, Bertelli tem<br />

encorajado sua mulher a assumir<br />

riscos que transformaram a empresa<br />

num conglomerado mundial<br />

da moda com US$ 2,4 bilhões em<br />

faturamento, quatro grifes — Prada,<br />

Miu Miu e as marcas de calçados<br />

Church’s e Car Shoe — e 267 lojas<br />

de San Francisco a Seul. Bertelli<br />

pressionou Prada a abrir a primeira<br />

loja da marca em Nova York em<br />

1986. Dois anos depois, fez com que<br />

ela começasse a desenhar roupas<br />

femininas e cinco anos mais tarde<br />

colocou-a no vestuário masculino.<br />

“Ele é muito mais provocador do<br />

que eu”, diz Prada. “Com ele, você<br />

sempre se questiona. Ele e eu temos<br />

uma pequena regra de três.<br />

Se ele diz algo mais de três vezes,<br />

preciso pensar a respeito. Às vezes<br />

não quero ouvir, mas ouço.” Agora,<br />

por exemplo, ele está insistindo<br />

que ela dê mais atenção ao marketing<br />

via celebridades de Hollywood<br />

— algo que ela sempre ignorou.<br />

“Ele diz que somos esnobes e que<br />

não entendemos cultura pop”, diz<br />

Prada a respeito dela mesma e de<br />

sua equipe de criação. “Ele é a cabeça,<br />

nós somos os braços.”<br />

A parceria Bertelli-Prada é o<br />

coração de uma empresa que prosperou<br />

nos últimos 25 anos como<br />

um empreendimento tipicamente<br />

familiar — com Bertelli como o<br />

chefe. Bertelli, Prada e os irmãos<br />

dela têm perto de 95% da empresa.<br />

Bertelli e Prada atuam como<br />

diretor-presidente e presidente<br />

do conselho, respectivamente. Ele<br />

imbui o lado empresarial da marca<br />

com a mesma intensidade que ela<br />

faz no criativo. Antigos e atuais<br />

executivos o descrevem como um<br />

chefe infatigável e carismático,<br />

com conhecimento íntimo da empresa,<br />

da costura dos sapatos à cor<br />

das paredes das butiques Prada.<br />

Mas eles dizem que Bertelli pode<br />

assumir coisas demais. Ele dá a última<br />

palavra para todas as coisas,<br />

de contratações a quantas peles<br />

preciosas encomendar para uma<br />

linha de bolsas. Quando um executivo<br />

sai — e vários saíram depois<br />

de atritos com o chefe —, Bertelli<br />

normalmente assume a função interinamente.<br />

Executivos temem<br />

tomar decisões sem a aprovação<br />

dele, e poucos ousam contradizêlo.<br />

“É a lei da selva”, diz Gian Giacomo<br />

Ferraris, diretor-presidente da<br />

Versace, que trabalhou no grupo<br />

Prada há alguns anos. “Ele cobra<br />

muito de si mesmo, e portanto dos<br />

outros. Ou você joga no nível dele,<br />

ou ele o escanteia.”<br />

Bertelli é conhecido por seu temperamento<br />

forte, que é em parte<br />

pose. “Sempre digo a Bertelli: você<br />

gosta desta reputação, porque se<br />

não a mudaria”, diz Prada, que costuma<br />

se referir ao marido pelo sobrenome.<br />

Quando supervisionava<br />

a decoração de uma nova loja Miu<br />

Miu em Manhattan em 1997, ele<br />

não gostou de um espelho e o destruiu.<br />

“Ele deixava as pessoas parecendo<br />

gordas”, recorda-se. Ficou<br />

famoso o episódio em que quebrou<br />

as lanternas traseiras de vários<br />

carros que estavam estacionados<br />

nas vagas erradas no estacionamento<br />

da Prada. “Senti prazer naquilo”,<br />

diz rindo.<br />

A personalidade extravagante<br />

vai além do escritório. Ele gosta<br />

de carro, por isso tem oito, com<br />

alguns Porsches. Ávido velejador<br />

que competiu internacionalmente<br />

nos anos 70, Bertelli comprou<br />

um veleiro de 22 metros em 1997.<br />

Três anos e US$ 55 milhões depois,<br />

o Luna Rossa entrou na mais<br />

importante competição de vela<br />

do mundo, a Copa América, sendo<br />

derrotado. Ele diz que seu temperamento<br />

é normalmente usado<br />

como desculpa pelas pessoas que<br />

saem da empresa porque elas não<br />

aguentam o ambiente de panela de<br />

pressão. “É verdade que fico furioso<br />

com coisas que são banais”, diz.<br />

“Mas dizer que sou irascível é também<br />

um álibi para as pessoas que<br />

não servem. Meu comportamento<br />

é sempre correto, e sempre tento<br />

motivar as pessoas.”<br />

O relacionamento de Bertelli e<br />

Prada é o mais vulcânico de todos,<br />

e os dois são notórios por suas discussões<br />

violentas. “Trabalhamos<br />

duro. É sempre um relacionamento<br />

intenso, e é exaustivo ter de trabalhar<br />

com ele. Mas eu o admiro e<br />

respeito”, diz Prada. “É uma guerra<br />

aqui a cada minuto, e para ser<br />

parte desta empresa é preciso ser<br />

treinado.”<br />

Ambos concordam num aspecto<br />

crucial: que as necessidades criativas<br />

e comerciais precisam estar<br />

em pé de igualdade para que a empresa<br />

seja um verdadeiro sucesso.<br />

Em muitas casas de moda, os estilistas<br />

têm dificuldade para atender<br />

às exigências impostas a eles por<br />

diretores para que façam roupas<br />

que vendam bem ou possam ter um<br />

certo preço. Conflitos entre os lados<br />

criativo e de negócios levaram<br />

a brigas lendárias, como a saída<br />

do celebrado estilista americano<br />

Tom Ford da Gucci em 2004 ou a<br />

da alemã Jil Sander da firma que<br />

leva seu nome quando a Prada a<br />

comprou, em 1999. (Sander voltou<br />

depois, mas a Prada vendeu a empresa<br />

anos mais tarde.) Sander não<br />

respondeu a repetidos pedidos de<br />

comentário e sua empresa se negou<br />

a comentar.<br />

“Para Miuccia e para mim, fazer<br />

um produto que faça a moda avançar<br />

é tão importante quanto vendêlo.<br />

Se não vendemos, há alguma<br />

coisa errada. Essa é nossa filosofia<br />

fundamental”, diz Bertelli. “O dinheiro<br />

não é um fim para nós, mas<br />

sempre dissemos que para tudo<br />

isso funcionar precisamos vender,<br />

e Bertelli acha o mesmo”, acrescenta<br />

Prada. “Ele tem um incrível<br />

senso do que funciona e do que não<br />

funciona. E quando a estratégia é<br />

certa, você vende muito.”<br />

A dupla Bertelli-Prada é tão<br />

importante para a empresa que<br />

quando ela estava preparando um<br />

ingresso no mercado acionário,<br />

nove anos atrás — abertura de capital<br />

que nunca aconteceu —, os assessores<br />

bancários mencionaram<br />

como um “fator de risco” para os<br />

investidores qualquer possibilidade<br />

de que os dois decidissem não<br />

trabalhar juntos mais, segundo<br />

uma pessoa que estava envolvida<br />

nas preparações da oferta pública.<br />

“Eles não são administradores,<br />

são donos e empreendedores”, diz<br />

o diretor de operações da Prada,


Sábado, 27 de Março de 2010. 25<br />

The Wall Street Journal<br />

Sebastian Suhl. “Eles são a<br />

marca.”<br />

Ainda assim, o jeito de fazer<br />

negócios de um dos mais importantes<br />

grupos de moda do<br />

mundo pode em breve ficar sob<br />

pressão se Bertelli e Prada ressuscitarem,<br />

como ambos dizem<br />

que pretendem fazer, os planos<br />

de vender parte da empresa<br />

no mercado para captar recursos<br />

para o crescimento futuro.<br />

“Acho que qualquer pessoa estaria<br />

interessada em comprar<br />

uma participação na Prada”,<br />

diz Bertelli. “Mas para dar à<br />

empresa um verdadeiro futuro,<br />

o mercado acionário é a melhor<br />

opção.” O ingresso de investidores<br />

externos — por meio de<br />

uma oferta pública de ações ou<br />

uma colocação particular —<br />

poderia, por exemplo, pôr pressão<br />

para que Bertelli contrate<br />

mais diretores de fora para<br />

ajudá-lo a administrar a firma.<br />

“Depois de uma abertura de<br />

capital, as coisas ficariam mais<br />

complicadas. E nesse momento<br />

a questão administrativa vai<br />

emergir”, diz um banqueiro<br />

que trabalha com a Prada.<br />

As mega-ambições de Bertelli<br />

deixaram a empresa com<br />

necessidade de recursos. Durante<br />

os anos de rápido crescimento<br />

na década de 90, Bertelli<br />

— da mesma maneira que outros<br />

executivos da indústria de<br />

luxo, como Bernard Arnaut, da<br />

Louis Vuitton Moët Hennessy<br />

— gastou mais de meio bilhão<br />

de dólares para comprar várias<br />

pequenas grifes com a intenção<br />

de transformá-las em marcas<br />

globais. A compra da Jil Sander,<br />

da Helmut Lang e de outras<br />

fez com que a Prada acumulasse<br />

mais de US$ 1 bilhão em<br />

dívida ao fim da década (com<br />

vendas em torno de US$ 1,5 bilhão<br />

na época) — um fardo com<br />

que a Prada vem lutando desde<br />

então.<br />

O casal também gasta muito<br />

com imóveis, dispendendo<br />

mais de US$ 137 milhões por<br />

ano para abrir novas butiques<br />

com design de arquitetos proeminentes<br />

como o holandês<br />

Rem Koolhaas ou a dupla suíça<br />

Jacques Herzog e Pierre de<br />

Meuron. Bertelli e Prada contrataram<br />

recentemente Koolhaas<br />

para construir o “Transformer”,<br />

um enorme espaço de<br />

exibições que muda de formato<br />

e foi aberto em Seul no ano<br />

passado. Nos próximos dois ou<br />

três anos, Bertelli planeja outra<br />

onda de expansão de lojas<br />

— 30 novas devem ser abertas<br />

só este ano, muitas nos EUA. O<br />

aumento das lojas tem em parte<br />

o objetivo de tornar a Prada<br />

menos dependente de sua operação<br />

de atacado, como o que<br />

vende a lojas de departamento<br />

americanas, para comercializar<br />

seus produtos.<br />

James T. Areddy e Alex Wilson<br />

The Wall Street Journal, de Xangai<br />

O surpreendente reconhecimento,<br />

por parte de quatro funcionários<br />

da mineradora anglo-holandesa<br />

Rio Tinto PLC, de que aceitaram<br />

propinas, deu destaque ao confuso<br />

mundo do comércio de minério de<br />

ferro na China, o qual oferece amplas<br />

oportunidades para atividades<br />

inescrupulosas.<br />

Em países ricos em recursos, as<br />

empresas de exploração por vezes<br />

sofrem pressão para dar propinas<br />

— com frequência em troca dos<br />

direitos de extração. Na China a<br />

corrupção costuma agir no sentido<br />

oposto. Os funcionários do caso<br />

Rio Tinto, inclusive Stern Hu, que<br />

tem nacionalidade australiana,<br />

estão sendo acusados de receber<br />

suborno. O julgamento terminou<br />

quarta-feira, sem imediata divulgação<br />

de um veredicto.<br />

Há pouca oferta no momento de<br />

minério de alto teor de ferro na<br />

China, os preços do frete são extremamente<br />

voláteis e mais de 800<br />

pequenas siderúrgicas chinesas<br />

competem para comprar o metal e<br />

atingir suas elevadas metas de produção.<br />

A dificuldade de garantir<br />

suprimentos a preços previsíveis<br />

abre a porta para o suborno.<br />

A Rio Tinto negou irregularidades<br />

de seus empregados, mas não<br />

tratou de detalhes do caso. Ela solicitou<br />

de maneira genérica que o<br />

julgamento fosse transparente.<br />

Poucos detalhes vieram a público<br />

sobre a maneira como o suposto<br />

suborno foi organizado, tais como<br />

a identidade de quaisquer co-conspiradores<br />

dos executivos, ou quando<br />

as atividades ocorreram.<br />

O que se sabe é que no primeiro<br />

dia do julgamento, segunda-feira,<br />

os promotores alegaram que o<br />

equivalente a US$ 11,25 milhões<br />

em propinas foram aceitos pelos<br />

funcionários da Rio Tinto, segundo<br />

advogados que assistiram às sessões.<br />

Esse número corresponde a<br />

um terço das vendas de um único<br />

dia em 2009 na China, onde a Rio<br />

Tinto obteve, segundo divulgou,<br />

US$ 10,69 bilhões em faturamento,<br />

ou 24% do seu total mundial.<br />

A China também acusa os executivos<br />

de roubarem segredos comerciais.<br />

Esse aspecto do caso, que<br />

deve ser concluído hoje, é fechado<br />

ao público.<br />

Entre os quatro réus está Hu, que<br />

nasceu em Tianjin, na China. Ele<br />

foi contratado para administrar as<br />

vendas de minério de ferro da Rio<br />

Tinto no norte do país em meados<br />

dos anos 90, tornou-se cidadão australiano<br />

em 1997 e cerca de quatro<br />

anos depois assumiu o comando da<br />

Caso Rio Tinto ressalta obscuro<br />

mundo da negociação do ferro<br />

equipe nacional de vendas da mineradora.<br />

Dois dos outros três cidadãos<br />

chineses, tais como Hu, questionaram<br />

as acusações, inclusive as<br />

quantias dos supostos subornos e a<br />

caracterização das ações, segundo<br />

advogados. O quarto e último executivo<br />

não questionou as alegações,<br />

disse seu advogado<br />

Membros da equipe de vendas<br />

de minério da Rio Tinto recebem<br />

salários fixos e bônus com base no<br />

desempenho da empresa, e não o<br />

individual.<br />

Declarações de culpa por parte<br />

dos executivos podem ser uma tática<br />

usada no tribunal a fim de ganhar<br />

a simpatia, segundo analistas<br />

legais. Estes afirmam ser improvável<br />

que os quatro escapem de uma<br />

punição. Poucos casos na China<br />

que chegam a julgamento terminam<br />

em absolvição, e o máximo<br />

que o acusado pode esperar é menos<br />

severidade na sentença.<br />

Os negócios da Rio Tinto na China<br />

colocam seus executivos face a<br />

face com a maior indústria mundial<br />

do aço — são mais de 800 empresas<br />

que produzem, juntas, cerca<br />

de 40% do total mundial. Nenhuma<br />

delas tem mais de 5% do mercado<br />

nem tem muito poder de fogo<br />

para negociar com fornecedores<br />

de minério de ferro — uma rocha<br />

metálica negra ou vermelha que é<br />

a matéria-prima básica do setor. O<br />

minério extraído na Austrália pela<br />

Rio Tinto tem elevado teor de ferro<br />

e está em grande demanda.<br />

A China gastou US$ 50,14 bilhões<br />

importando minério no ano<br />

passado, mais que qualquer outro<br />

país. O governo reconhece que não<br />

tem sido capaz de negociar preços,<br />

comprar de maneira sistemática<br />

nem alocar o minério com eficiência.<br />

EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY<br />

Escritório da Rio Tinto em Xangai: quatro executivos dali estão em julgamento<br />

Até recentemente, os preços<br />

mundiais do minério eram fixados<br />

em negociações anuais bem<br />

estabelecidas, com altas quantias<br />

em jogo, entre os vendedores e<br />

seus principais clientes no Japão<br />

e na Coréia do Sul. Esse sistema<br />

de preços de referência foi prejudicado<br />

pela explosão da demanda<br />

por parte da indústria siderúrgica<br />

chinesa, muito difusa. Hoje muitas<br />

siderúrgicas chinesas procuram<br />

os vendedores diretamente para<br />

negociar preços, e já frustraram<br />

várias estratégias por parte do governo<br />

de transformar a demanda<br />

nacional em poder de barganha.<br />

Há esforços para reestruturar o<br />

sistema global de fixação de preços.<br />

Mas na China a competição brutal e<br />

a incerteza quanto aos preços deixam<br />

as siderúrgicas lutando entre<br />

si pelo acesso ao minério.<br />

Diante das pressões relacionadas,<br />

os fornecedores e seus agentes<br />

estão interessados em garantir que<br />

os contratos de vendas sejam, de<br />

fato, honrados.<br />

O minério pode demorar 45 dias<br />

para chegar à China vindo da Austrália,<br />

Brasil, Índia, Mauritânia e<br />

um punhado de outros países onde<br />

é extraído. Durante esse período<br />

o preço fica sujeito à volatilidade,<br />

inclusive no custo do frete e dos<br />

atrasos inesperados na descarga<br />

nos portos. Uma carga de 150.000<br />

toneladas pode ficar sujeita a negociações<br />

enquanto é levada de porto<br />

em porto, e os pequenos acréscimos<br />

em dólar por tonelada acabam<br />

constituindo quantias vultosas.<br />

Nesse sistema caótico, os compradores<br />

às vezes recorrem ao suborno<br />

dos vendedores<br />

“Você paga ao comprador para<br />

comprar a mercadoria, mas o<br />

comprador também vai cuidar de<br />

você”, diz um corretor de minérios<br />

baseado em Xangai que negociou<br />

bastante com minério de ferro e<br />

diz que já testemunhou numerosos<br />

acordos corruptos.<br />

Em uma situação de suborno<br />

descrita pelo corretor, um possível<br />

comprador pode dizer ao representante<br />

de um possível fornecedor<br />

que vai lhe pagar, pessoalmente,<br />

US$ 2 por tonelada que for vendida<br />

a um certo preço. “Isso é, em essência,<br />

um suborno”, diz o corretor.<br />

Em outros casos os agentes podem<br />

concordar em alterar as faturas,<br />

ou oferecer mais minério do<br />

que o comprador pediu, dando ao<br />

funcionário uma chance de negociar<br />

o produto privativamente.<br />

No Índice de Percepção da Corrupção<br />

de 2009 elaborado pelo<br />

grupo de vigilância Transparência<br />

Internacional, a China ficou em 79o<br />

lugar em uma lista de 180 países,<br />

atrás do Brasil e do Peru, mas à<br />

frente da Índia e da Tailândia.<br />

Situações legais nebulosas não<br />

são novidade para a mineração<br />

mundial. Agora que os recursos em<br />

países tradicionais de mineração<br />

estão começando a diminuir, as<br />

empresas vêm procurando novas<br />

fronteiras para seu próximo projeto<br />

de grande escala. Essa procura<br />

aumentou os riscos associados a<br />

governos instáveis: conflitos étnicos,<br />

fraqueza do estado de direito e<br />

regulamentos ambientais permissivos.<br />

Todos esses fatores já envolveram<br />

as mineradoras em polêmicas<br />

e conflitos.<br />

Nos últimos anos a Rio Tinto e<br />

sua principal concorrente, a também<br />

anglo-australiana BHP Billiton<br />

Ltd., vêm procurando modificar<br />

sua cultura corporativa para<br />

protegê-la de subornos, em parte<br />

ao dar ênfase às melhores práticas.<br />

Durante o julgamento desta<br />

semana, executivos da Rio Tinto<br />

ressaltaram um código de ética,<br />

exibido com destaque no site da<br />

empresa, que inclui normas contra<br />

o suborno, incluindo traduções<br />

para o chinês. Mas além das idiossincrasias<br />

do comércio de minério<br />

de ferro, a China é um país difícil<br />

para se monitorar os executivos.<br />

“Companhias como a Rio Tinto<br />

dependem muito de pessoas como<br />

Stern Hu, que foram educados na<br />

China ou são cidadãos chineses,<br />

que compreendem a complexidade<br />

cultural do sistema”, disse Pradeep<br />

Taneja, que leciona negócios e<br />

política chinesa na Universidade<br />

de Melbourne, na Austrália, e é exconsultor<br />

da indústria siderúrgica<br />

chinesa.<br />

(Colaborou Devon Maylie, de<br />

Genebra)


26 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

The Wall Street Journal<br />

Ex-crítico turbina transformação da Sony<br />

Daisuke Wakabayashi<br />

The Wall Street Journal<br />

Um executivo que já previu a derrocada da<br />

indústria japonesa de eletrônicos é agora uma<br />

força que impulsiona a busca de mudanças na<br />

Sony Corp., pressionando a empresa a confrontar<br />

problemas de custo e eficiência que têm raízes<br />

profundas.<br />

Como ex-executivo da International Business<br />

Machines Corp., George Bailey escreveu<br />

um relatório em 2007 prevendo que as<br />

fabricantes japonesas de eletrônicos seriam<br />

em breve superadas por concorrentes globais,<br />

da China aos Estados Unidos. Ele entrou<br />

para a Sony dois anos depois com um<br />

mandato para injetar uma disciplina fiscal<br />

ao estilo da IBM.<br />

A Sony ainda está longe de reconquistar seu<br />

status de outrora. Mas a nomeação de Bailey<br />

em junho passado para o novo cargo de diretor<br />

de transformação — um papel que ele descreve<br />

como o “turbinador” dos esforços de reestruturação<br />

da empresa — está começando a dar<br />

resultado.<br />

A Sony, que tem sede em Tóquio, está a caminho<br />

de atingir sua meta de reduzir os custos<br />

administrativos em US$ 3,7 bilhões no ano<br />

fiscal que se encerra em 31 de março. Os níveis<br />

de estoque estão perto dos mais baixos na história<br />

da empresa e ela superou as expectativas<br />

de analistas com um aumento de sete vezes do<br />

lucro, para 79 bilhões de ienes, ou cerca de US$<br />

880 milhões, no trimestre encerrado em 31 de<br />

dezembro de 2009.<br />

Mesmo antes da chegada de Bailey, a nova<br />

diretoria da Sony prometeu fechar cerca de<br />

um quinto de suas fábricas pelo mundo, cortar<br />

20.000 vagas e enxugar uma cadeia de suprimentos<br />

repleta de estoque. Mas é na reunião<br />

mensal de Bailey com o diretor-presidente,<br />

Howard Stringer, e executivos de alto escalão<br />

George Bailey descreve-se como o ‘turbinador’ da reestruturação na Sony<br />

REUTERS<br />

que ele diz que tenta manter a Sony focada em<br />

enxugar.<br />

“Não há onde se esconder”, disse Bailey, que<br />

chefiava a divisão de semicondutores da IBM<br />

antes de entrar para a Sony, ao Wall Street<br />

Journal na semana passada. “Quando estamos<br />

atrasados, falamos sobre o problema e damos<br />

um jeito.”<br />

Bailey estava a par dos problemas da Sony<br />

antes de entrar para a empresa. Como chefe do<br />

serviço de consultoria da IBM para empresas<br />

de eletrônicos, ele via uma perspectiva sombria<br />

para o setor no Japão. Num relatório de<br />

2007, intitulado “Vencendo o desafio global: a<br />

corrida das empresas japonesas de eletrônicos<br />

para inovar”, Bailey disse que as firmas japonesas<br />

estavam apanhando de concorrentes globais<br />

em termos de produtividade, desempenho<br />

financeiro e valorização de marca.<br />

“No decorrer dos últimos anos, os concorrentes<br />

globais aprenderam a observar as forças<br />

— e fraquezas — das rivais japonesas. É<br />

hora de as empresas japonesas de eletrônicos<br />

também aprenderem com as forças e fraquezas<br />

de suas concorrentes globais”, concluiu o relatório<br />

de 20 páginas.<br />

Embora a Sony não tenha sido apontada diretamente<br />

no relatório, a crítica se aplicava ao<br />

futuro empregador de Bailey. Mas quando a<br />

Sony anunciou o maior programa de reestruturação<br />

de sua história e encarregou um quarteto<br />

de jovens executivos de liderar a reforma,<br />

Bailey tornou-se um adepto e pediu o emprego<br />

a Stringer.<br />

Um homem magro de 53 anos e fala amena,<br />

Bailey disse que estava receoso que os funcionários<br />

fossem vê-lo como um “espião” de<br />

Stringer ou que ele receberia uma sala, uma<br />

secretária e depois disso “ninguém voltaria a<br />

falar comigo”.<br />

Ele admite ter encontrado alguma resistência,<br />

mas diz que não foi problema. Ele é efusivo<br />

em seu elogio à abertura da direção da Sony a<br />

novas ideias. E assina seus e-mails com a frase<br />

japonesa “nasebanaru”, ou “quem acredita<br />

consegue fazer”.<br />

De seus dias na IBM, Bailey conhecia a merecida<br />

reputação da Sony de ser “legal demais”<br />

com os fornecedores. Por isso não se surpreendeu<br />

ao descobrir que a empresa fechava contratos<br />

de serviços de tecnologia sem solicitar<br />

ofertas rivais. Só por começar a fazê-lo, disse<br />

Bailey, a empresa derrubou até 40% dos custos<br />

de contratos de serviço.<br />

A Sony também está cortando o número de<br />

fornecedores à metade, para 2.500 empresas,<br />

enviando um sinal de que a empresa, segundo<br />

Bailey, vai passar a ser “um pouco mais durona”<br />

para assegurar que os contratos sejam<br />

competitivos.<br />

Bailey está descobrindo que a Sony é repleta<br />

de ineficiências. Por exemplo, ela está consolidando<br />

60 centros de dados nos Estados Unidos<br />

e Europa numa só instalação. Em muitos casos,<br />

a Sony era dona do prédio e dos equipamentos<br />

de informática nas instalações, mas agora ela<br />

planeja terceirizar a gestão de seu único centro<br />

de dados.<br />

Atul Goyal, um analista da corretora CLSA,<br />

divulgou um relatório em maio intitulado<br />

“George, socorra-os”. No relatório, publicado<br />

depois do começo de Bailey na Sony, Goyal<br />

escreve: “Ele pode não fazer mágica já no primeiro<br />

dia, mas como diretor de transformação<br />

da Sony há maiores probabilidades de ele fazer<br />

as perguntas que o mercado vem fazendo há<br />

anos.”<br />

Goyal, um crítico aberto da direção da Sony<br />

no passado, disse na semana passada: “Ele<br />

pelo menos compreende os problemas. Vai tomar<br />

atitudes de bom senso e é disso que a Sony<br />

precisa.”<br />

Shai Oster<br />

The Wall Street Journal, de Pequim<br />

Gás não convencional da China atrai a Shell<br />

Multinacionais petrolíferas como a Royal Dutch Shell PLC<br />

estão apostando que conseguirão explorar fontes não convencionais<br />

de gás natural na China e copiar o sucesso que<br />

tiveram nos Estados Unidos, onde novas técnicas revelaram<br />

vastos depósitos domésticos e estão reduzindo a dependência<br />

das importações para as próximas décadas.<br />

“Há grandes expectativas, sem dúvida, em vista da mudança<br />

fundamental no mercado de gás doméstico da América<br />

do Norte”, disse Peter Voser, diretor-presidente da Shell,<br />

a repórteres ontem. Novas fontes de gás natural acrescentaram<br />

reservas na América do Norte equivalentes a cerca de<br />

um século de uso, disse. “A China tem uma geologia semelhante,<br />

e portanto pode ter um potencial significativo.”<br />

Ontem a Shell anunciou planos para explorar e produzir<br />

gás natural na bacia de Sichuan, no oeste da China, em conjunto<br />

com a estatal Corporação Nacional de Petróleo da China<br />

(CNPC).<br />

Segundo esse contrato de 30 anos, a Shell e a CNPC vão<br />

avaliar e, potencialmente, explorar reservatórios de um certo<br />

tipo de gás não convencional, chamado “tight gas” (gás<br />

difícil de extrair), em uma área de cerca de 4.000 km2 na<br />

região de Jinqiu, na província central de Sichuan, segundo<br />

comunicado da Shell. O “tight gas” é gás natural contido em<br />

rochas, que devem ser quebradas para que o gás possa fluir<br />

facilmente aos poços de produção.<br />

O desenvolvimento de reservas não convencionais de gás,<br />

tais como o “tight gas”, o gás de xisto e o gás de metano do<br />

leito de carvão, abriu as portas para novas e imensas fontes<br />

domésticas de energia na América do Norte, causando<br />

um profundo reequilíbrio na equação global de energia. Os<br />

maiores campos mundiais de gás natural no Oriente Médio<br />

e em outras partes do globo, que esperavam que os Estados<br />

Unidos fossem seu principal cliente, precisam encontrar outros<br />

compradores. Esse efeito dominó tem consequências<br />

na Rússia, que enfrenta essa nova concorrência ao seu gás<br />

natural.<br />

BLOOMBERG NEWS<br />

Peter Voser, presidente da Shell, fala a jornalistas em Pequim no último<br />

dia 23. A petrolífera está trabalhando com empresas chinesas<br />

em vários países, disse ele.<br />

Um comprador vem sendo a China, onde a demanda pelo<br />

gás natural vem superando a oferta doméstica vinda de<br />

campos de gás convencional. A China quer utilizar mais gás,<br />

como alternativa mais limpa à queima de carvão, fonte de<br />

três quartos da sua energia e grande poluidora. O país sofreu<br />

escassez de gás generalizada no último inverno no hemisfério<br />

norte.<br />

Este é o segundo acordo entre a Shell e a CNPC anunciado<br />

esta semana, demonstrando a crescente colaboração entre<br />

as petrolíferas chinesas e suas concorrentes internacionais,<br />

assim como o forte interesse pelos fornecedores de gás não<br />

convencional.<br />

Na segunda-feira, a Shell e a PetroChina Co., divisão da<br />

CNPC listada na bolsa de Hong Kong, fizeram acordo para<br />

comprar a australiana Arrow Energy Ltd., produtora de gás<br />

extraído das camadas de carvão, por US$ 3,15 bilhões, dependendo<br />

da aprovação dos acionistas e das autoridaudes<br />

reguladoras. Esse é outro tipo de gás não convencional.<br />

Ontem uma pessoa familiarizada com assunto disse que<br />

o BG Group PLC e a petrolífera chinesa Cnooc planejam assinar<br />

um acordo hoje para comprar gás natural liquefeito<br />

(GNL) da Austrália. O acordo ocorre quase um ano depois<br />

que a Cnooc concordou com os termos iniciais para a compra,<br />

por 20 anos, de 3,6 milhões de toneladas de GNL por ano.<br />

O gás viria do terminal de exportação da BG proposto para<br />

ser construído no estado australiano de Queensland, que<br />

será alimentado por gás natural de carvão.<br />

(Colaboraram David Winning e Wan Xu)


28 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Internacional<br />

Obama consegue<br />

proeza histórica<br />

Barack Obama já tinha<br />

feito história ao ter sido<br />

o primeiro negro a ser<br />

eleito presidente dos<br />

Estados Unidos.<br />

Na terça-feira conseguiu a sua<br />

maior vitória desde que foi eleito.<br />

Conseguiu que a Câmara dos<br />

Representantes aprovasse, sem<br />

emendas, o plano de reforma do<br />

sistema se saúde que ele enviou ao<br />

Senado.<br />

Tratado com uma verdadeira<br />

revolução, o novo plano de saúde<br />

tem o mesmo impacto político<br />

que tiveram o lançamento o programa<br />

de segurança, lançado por<br />

Frank Delano Roosevelt, (FDR), e<br />

a lei dos direitos cívicos, concebida<br />

por John Kennedy, e promulgada<br />

pelo seu substituto, Lindon<br />

Johnson.<br />

Promulgada por Obama na<br />

terça-feira, um dia após uma votação<br />

histórica na Câmara dos<br />

Representantes, a nova lei garante<br />

seguros de saúde a 32 milhões de<br />

norte-americanos que até aqui assumiam<br />

integralmente os custos<br />

de todas as despesas médicas.<br />

A caminhada até aqui foi penosa.<br />

O anúncio, em Janeiro de<br />

2008, de que esta seria uma das<br />

prioridades do seu mandato foi<br />

respondido com forte resistência<br />

dos republicanos, que retomaram<br />

alegações de que Obama queria<br />

levar a América para o socialismo.<br />

Sectores mais conservadores do<br />

Partido Republicano promoveram<br />

uma vaga de eventos que resultaram<br />

em vitórias nas eleições<br />

para a escolha dos governadores<br />

de Virgínia e de New Jersey, estados<br />

onde Obama ganhou com algum<br />

conforto. O maior susto veio<br />

em Janeiro, quando o republicano<br />

Scott Brown foi eleito para ocupar<br />

o lugar ocupado até Agosto<br />

passado por Edward Kennedy. A<br />

vitória de Brown retirou aos democratas<br />

imunidade ao bloqueio<br />

dos republicanos, apenas possível<br />

com o controlo de 62 dos 100 assentos<br />

do Senado.<br />

Amarrados a Obama, os democratas<br />

fizeram uma inflexão que à<br />

primeira vista parecia condenada<br />

ao fracasso: convencer os membros<br />

da Câmara dos Representantes,<br />

a câmara baixa do Congresso,<br />

a aprovarem, sem emendas, a proposta<br />

do Senado, o que, a acontecer,<br />

dispensava uma nova votação<br />

e a reconciliação total das duas<br />

BARACK OBAMA em Fevereiro: «Eu não serei o primeiro presidente a<br />

tentar fazer passar um plano de reforma, mas espero ser o último»<br />

versões. Após aturado pressing<br />

sobre vários congressistas , sobretudo<br />

aqueles em cujos estados se<br />

sente um ascendente republicano<br />

que marcou o início da reviravolta<br />

para as eleições intercalares de<br />

Novembro, o presidente dos Estados<br />

Unidos conseguiu convencer<br />

a presidente da Câmara dos Representantes<br />

a levar à discussão<br />

a proposta aprovada pelo Senado.<br />

No sábado Obama foi ao Congresso,<br />

onde fez um último apelo<br />

aos congressistas que continuavam<br />

reticentes. Neste dia o era<br />

suposto que presidente partisse<br />

para a Austrália e para a Indonésia,<br />

país onde passou parte da sua<br />

infância. Porém, sem a garantia<br />

de que na sua ausência o problema<br />

seria resolvido, Obama decidiu<br />

adiar a viajar, do que eventualmente<br />

não se arrependerá.<br />

No domingo à noite a Câmara<br />

dos Representantes aprovou por<br />

219 votos a favor e 213 contra o<br />

seu plano de reforma de saúde, o<br />

que faz jus à promessa que fizera<br />

em Fevereiro do ano passado<br />

quando tomou posse, ou seja, «Eu<br />

não serei o primeiro presidente a<br />

tentar fazer passar um plano de<br />

reforma, mas espero ser o último».<br />

Antes dele, Richard Nixon ,<br />

republicano, e Bill Clinton, democrata,<br />

tentaram sem sucesso<br />

alterar um dos mais complexos<br />

instrumentos da sociedade norteamericana.<br />

De acordo com gabinete de estudos<br />

económicos do Congresso,<br />

um órgão apartidário, o plano<br />

que Obama promulgou na terçafeira<br />

deverá reduzir o deficit orçamental,<br />

porém o alargamento do<br />

seguro de saúde a 36 milhões de<br />

pessoas promete registar um défice<br />

em relação ao pessoal médico.<br />

Nos dias que antecederam a<br />

votação as seguradoras gastaram<br />

em lobbies e na compra de tempos<br />

de antena cerca de 10 milhões de<br />

dólares. Os grupos que apoiavam<br />

o presidente dos Estados Unidos<br />

terão aplicado qualquer coisa<br />

como 5 milhões de dólares.<br />

Por outro lado e embora tivesse<br />

conseguido uma vitória histórica<br />

no Senado, Obama ainda<br />

não foi capaz de convencer 50 por<br />

cento dos americanos de que a decisão<br />

que tomou é sensata.<br />

As últimas sondagens dão 46<br />

por cento contra 44 por cento dos<br />

que se opõem. Na quinta-feira foi<br />

ao estado de Iowa, no que foi entendido<br />

como o primeiro esforço<br />

para ganhar a simpatia de milhões<br />

de americanos que se viram<br />

bombardeados pela forte acutilância<br />

de estrategas republicanos.<br />

A aprovação do plano de saúde<br />

pela Câmara dos Representantes<br />

foi de imediato contestada por 14<br />

governos estaduais, que prometem<br />

discutir na justiça a constitucionalidade<br />

de uma dos postulados<br />

da lei segundo o qual todo o<br />

cidadão é obrigado a comprar um<br />

seguro de saúde. O caso deverá<br />

subir ao Tribunal Supremo.<br />

Entretanto dez congressistas<br />

que votaram a favor do projecto<br />

de lei receberam ameaças de grupos<br />

radicais, pelo que pediram à<br />

policia do Capitólio mais protecção<br />

para eles e para as respectivas<br />

famílias. O FBI está a investigar o<br />

caso. ■<br />

Etiópia bloqueia<br />

sinal da VOA<br />

O<br />

primeiro-ministro da Etiópia, Melles Zenawi, disse à imprensa<br />

que o seu governo vai bloquear as emissões da Voz<br />

da América em Amharic, a principal língua do país.<br />

De acordo com o líder do governo etíope, o serviço de<br />

língua Ahmaric da Voz da América faz um trabalho de agitação<br />

idêntico ao da Rádio Mille Collines do Ruanda, responsabilizada<br />

em parte pelo genocídio ocorrido naquele país em 1994.<br />

As emissões da Voz da América em Ahmaric e noutras línguas<br />

locais já foram bloqueadas mais de uma vez pelo governo da Etiópia.<br />

Porém em nenhuma ocasião Addis Abeba assumiu qualquer<br />

responsabilidade.<br />

Desta vez o chefe do governo etíope não teve problemas em dizer<br />

o que está em andamento. «Ainda não temos esta capacidade, mas<br />

posso garantir-lhe que tão logo tenhamos os meios, eu darei instruções<br />

sobre o que fazer».<br />

Melles Zenawi respondia a perguntas de jornalistas que queriam<br />

saber se a perda de qualidade das emissões da VOA era resultado de<br />

interferências do seu governo.<br />

«O que os ouvintes vêm experimentado nas últimas semanas é<br />

o resultado dos testes que vimos fazendo. Isto é uma coisa que tem<br />

que ser feita», acrescentou.<br />

A Etiópia, disse, «está convencida de que o serviço em língua<br />

Amharic da Voz da América copiou os piores vícios da Rádio Milles<br />

Collines. Não tem nenhuma noção de ética.››<br />

A observação de Melles Zenawi provocou um protesto do director<br />

da Voz da América, Danforth Austin, para quem a comparação<br />

não só não tem nenhum fundamento, como é infeliz.<br />

Danforth disse que o bloqueio do sinal da Voz da América, agora<br />

ou mais tarde, será sempre um acto de censura. Acrescentou que o<br />

serviço em Ahmaric da Voz da América é obrigado por lei a produzir<br />

r informação verdadeira, objectiva e compreensiva. Disse igualmente<br />

que embora a Voz da América esteja sempre disponível para<br />

responder a todo tipo de queixas, o governo da Etiópia há dois anos<br />

que eliminou todos os contactos.<br />

A Voz da América transmite também em Afan Oromo, assim<br />

com em Tigrinya. Porém embora sejam transmitidas nas mesmas<br />

frequências estas emissões nunca foram sujeitas a qualquer tipo de<br />

interferência.<br />

A Etiópia vai a eleições dentro de dois meses e a interferência que<br />

se regista desde 22 de Fevereiro retoma de alguma forma situações<br />

idênticas registadas por altura da realização das últimas eleições. ■<br />

MELLES ZENAWI, primeiro-ministro etíope: ‹‹o serviço em língua<br />

Amharic da Voz da América copiou os piores vícios da Rádio Milles<br />

Collines.››


Sábado, 27 de Março de 2010. 29<br />

Internacional<br />

Cisão ameaça estabilidade no Botswana<br />

Partido no poder parte-se em dois<br />

Nenhum outro partido<br />

político da África<br />

Austral preparou tão<br />

bem - e sem manipulações<br />

-a gestão do poder como o<br />

Partido Democrático do Botswana,<br />

PDB.<br />

No poder desde a independência<br />

do país, em 1966, o PDB<br />

adoptou o princípio da renúncia<br />

do presidente da República no último<br />

ano do seu mandato, o que<br />

permite que um membro do partido<br />

exerça a presidência durante<br />

um ano sem que tenha que se<br />

submeter a votos.<br />

Foi assim com Festus Mogae,<br />

que chegou ao poder substituindo<br />

Quett Masire, responsável pelo<br />

processo de abertura democrática.<br />

Festus Mogae viria a ganhar<br />

as eleições em duas ocasiões tendo<br />

renunciado ao poder em 2008<br />

para permitir que Ian Khama,<br />

então chefe das forças militares,<br />

assumisse a liderança, e se preparasse<br />

para as eleições de 2009, as<br />

quais ganhou sem qualquer dificuldade.<br />

A harmonia que marcou o PDB<br />

desde a sua fundação está ameaçada,<br />

com que também fica comprometido<br />

o poder do presidente<br />

Ian Khama.<br />

A eclosão de cisão no partido,<br />

promete tornar a vida difícil ao<br />

presidente Ian Khama, que corre<br />

o risco de perder votos suficientes<br />

para fazer passar os seus programas.<br />

Um número considerável de<br />

militantes, calculados em mais de<br />

300, alguns dos quais dão corpo<br />

à maioria que o partido detém no<br />

Parlamento, decidiram romper e<br />

criar uma nova força política.<br />

A ruptura com o actual presidente<br />

é uma resposta à vaga de<br />

suspensões ditadas por Ian Khama<br />

que atingem alguns «históricos».<br />

Militar de carreira formado na<br />

Grã-Bretanha, homem de poucas<br />

palavras, solteirão, Ian Khama é<br />

acusado de ter instalado medo no<br />

país, e de ter fechado os olhos à<br />

crescente vaga de corrupção que<br />

assola o país. Khama é igualmente<br />

acusado de não ouvir ninguém,<br />

e de liderar tanto o país como o<br />

partido como propriedade privada.<br />

Ian Khama vive também sob<br />

a ameaça de uma segunda dissidência,<br />

liderada por Kgosi Tawana<br />

Moremi, que, independentemente<br />

do que venha a acontecer<br />

com a outra facção, já decidiu<br />

«enfrentar» o presidente nas próximas<br />

eleições para a presidência<br />

do partido.<br />

«Eu próprio disse-lhe isso. Ele<br />

tem que perceber que há outras<br />

pessoas em condições de desempenhar<br />

o papel que ele está a fazer<br />

hoje. Não pode ficar acomodado,<br />

nem parecer que é insubstituível».<br />

À semelhança da África do Sul,<br />

no Botswana o presidente também<br />

é eleito pelo Parlamento. ■<br />

DIAS DIFÍCEIS para o presidente Ian Khama<br />

Homem que enterrou viva<br />

uma menina<br />

Caçador é devorado<br />

Condenado à<br />

prisão perpétua<br />

O<br />

tribunal provincial de Augsburgo, no<br />

sul da Alemanha, condenou esta semana<br />

à prisão perpétua um homem que,<br />

há quase 30 anos, sequestrou e enterrou<br />

viva uma menina de dez anos.<br />

O tribunal considerou o réu, de 59 anos e cujo<br />

nome não foi revelado, culpado pelo assassinato de<br />

Ursula, em 1981. A menina morreu asfixiada cerca<br />

de uma hora após ser enterrada viva num caixão<br />

de madeira, em um bosque.<br />

A polícia só encontrou o caixão 19 dias após<br />

o sequestro, em meio a uma grande operação de<br />

busca.<br />

A menina foi sequestrada enquanto passeava<br />

de bicicleta. Pouco depois, os seus pais receberam<br />

ameaças gravadas numa fita e numa carta, na qual<br />

pedia um resgate de 1 milhão de marcos.<br />

A mulher do réu, que era acusada como cúmplice<br />

do assassinato, foi inocentada por falta de<br />

provas.<br />

O condenado foi um dos primeiros suspeitos<br />

interrogados em 1981, mas não havia provas suficientes<br />

à época para uma acusação formal. ■<br />

por leões<br />

Um caçador ilegal foi devorado<br />

por leões numa reserva ou deixar os veículos fora das áreas de-<br />

estarem ligados a casos anteriores de<br />

dores e turistas para o perigo de andar tão actualmente detidos, acusadas de<br />

na África do Sul, depois de signadas como seguras dentro do parque.<br />

O parque vem investindo no comba-<br />

caça ilegal.<br />

ser atacado por hipopótamos.<br />

‹‹Muitas vidas foram perdidas porque<br />

as pessoas não tomaram as precaulhamento<br />

dentro de suas fronteiras. Os<br />

te à caça ilegal, aumentando o patru-<br />

Segundo administradores do Parque<br />

Nacional Kruge, a vítima e mais dois ções necessárias››, afirmou Wasaba. rinocerontes são o principal alvo dos<br />

companheiros entraram à noite na reserva<br />

para verificar se haviam captu-<br />

Os dois caçadores sobreviventes es-<br />

caçadores. ■<br />

rado algum animal numa das armadilhas<br />

que haviam montado ilegalmente,<br />

quando foram atacados por um grupo<br />

de hipopótamos.<br />

Os três homens saíram a correr em<br />

diferentes direcções. Dois deles conseguiram<br />

sair da reserva. O terceiro foi<br />

morto e devorado pelos leões.<br />

O crânio e alguns pedaços de roupa<br />

do homem que estava a caçar ilegalmente<br />

foram encontrados pelos guardas-florestais<br />

do parque, a maior reserva<br />

de vida selvagem do país.<br />

Os dois caçadores que conseguiram<br />

escapar avisaram a família da vítima,<br />

que notificou a polícia.<br />

Wiliam Mabasa, relações públicas do<br />

parque Nacional Kruger, alertou caça-


Sábado, 27 de Março de 2010. 31<br />

Sociedade<br />

Apoio governamental a «velhas» vítimas de calamidades naturais<br />

Não será pura provocação?<br />

A<br />

direcção provincial da<br />

Assistência e Reinserção<br />

Social, como que a<br />

responder ao «grito de<br />

socorro» de mais de 300 famílias<br />

que vivem em tendas na zona do<br />

Zango, por terem sido desalojadas<br />

pelas calemas na Ilha de Luanda<br />

no ano passado, ofereceu, pasmem,<br />

três chapas de zinco e um<br />

barrote a cada uma, em jeito de<br />

apoio em materiais de construção<br />

para substituir as tendas degradadas,<br />

segundo noticiou a rádio<br />

Ecclesia.<br />

Os sinistrados das calemas da<br />

Ilha de Luanda dizem não ter dinheiro<br />

para comprar mais chapas<br />

e juntar ao número reduzido que<br />

lhes foi entregue. Por isso, decidiram<br />

encostar, por detrás das suas<br />

tendas, as chapas de zinco e continuar<br />

nelas.<br />

«Três chapas não chegam para<br />

construir uma casa. As chapas<br />

estão encostadas», disse a cidadã<br />

Benvinda Inocência. «Três chapas:<br />

vou fazer o quê com elas?<br />

Nós queremos as nossas casas»,<br />

reclamou, por seu lado, Filomena<br />

Chilombo.<br />

«Aquelas três chapas só são<br />

para minimizar um pouquinho»,<br />

justificou-se uma responsável do<br />

ministério da Reinserção Social.<br />

«O que fizemos foi repartir o mal<br />

pelas aldeias», acrescentou.<br />

Os coordenadores do «centro<br />

de desalojados» no Zango afirmam<br />

que esta foi a distribuição<br />

possível. «É a quantidade que nos<br />

deram. Só deu três chapas para<br />

cada família», disse um deles.<br />

Na vila chinesa, o cenário foi<br />

diferente: os populares rejeitaram<br />

as chapas entregues pelo Minars.<br />

«Somos 80 famílias. Trazer 90<br />

folhas de chapas, quantas chapas<br />

as pessoas vão repartir? Então,<br />

cada família vai levar apenas uma<br />

folha de chapa?», interrogou-se<br />

uma moradora.<br />

A atitude da população em não<br />

receber as chapas foi reprovada<br />

pelo ministério da Reinserção<br />

Social. «É uma atitude má. Porque<br />

foi no tempo de chuva e nós<br />

tínhamos as chapas para entregar<br />

às [pessoas] que tem as tendas degradadas»,<br />

disse uma responsável<br />

do Minars no local.<br />

Os populares afirmam que não<br />

tiveram alternativa. «Vão nos trazer<br />

mais folhas de chapas para<br />

quantos anos mais aqui? Estão a<br />

trazer tendas, para quantos anos<br />

mais aqui?», reclamou, interrogando-se,<br />

outra moradora das<br />

tendas da vila chinesa ouvida pela<br />

Rádio Ecclesia.<br />

O presidente da comissão de<br />

moradores pede mais celeridade<br />

ao Governo Provincial de Luanda<br />

na resolução do problema.<br />

«Eles, no dia-a-dia, sofrem as<br />

consequências. Uma pessoa que<br />

está na tenda está sempre incomodada<br />

e o seu desabafo é só para<br />

o responsável», referiu.<br />

Observadores da cena política angolana<br />

consideram que o governo já<br />

passou da fase do desprezo aos seus<br />

cidadãos para a da mera provocação<br />

com fins inconfessos. ■<br />

Sugestão da UNITA em face das demolições no Lubango<br />

Exoneração de Dos Anjos<br />

Água podre<br />

no «Sambila»<br />

A<br />

UNITA acentua os<br />

protestos contra as<br />

demolições verificadas<br />

no Lubango, sugerindo<br />

mesmo o afastamento do<br />

governador provincial da Huíla,<br />

Isaac dos Anjos. O maior partido<br />

da oposição avançou com a ideia<br />

num comunicado de imprensa<br />

do Comité Permanente da sua<br />

Comissão Política, publicado no<br />

último fim-de-semana.<br />

De acordo com o comunicado,<br />

a Comissão Política do «Galo<br />

Negro» analisou «a crise social<br />

que assola o país, sobretudo a<br />

resultante da política de demolições<br />

de casas de pobres, praticada<br />

pelo Executivo e o impacto do<br />

preço das propinas escolares no<br />

orçamento das famílias».<br />

A direcção da UNITA considera<br />

que «o titular do poder<br />

executivo do Estado continua a<br />

violar os direitos sociais e económicos<br />

dos angolanos, por via<br />

da expropriação das suas terras<br />

e das demolições arbitrárias das<br />

suas casas».<br />

«O Governo do MPLA na<br />

província da Huíla levou a cabo,<br />

na cidade do Lubango, mais um<br />

acto de demolições arbitrárias<br />

de casas dos pobres, colocando<br />

milhares de famílias à chuva,<br />

sem abrigo adequado, sem comida<br />

e sem mantas, num atentado<br />

à dignidade da pessoa humana,<br />

violando a Constituição<br />

e a Resolução aprovada pela<br />

Assembleia Nacional sobre as<br />

requalificações territoriais e as<br />

demolições», lê-se, ainda, no comunicado.<br />

Em face disso, insta assim «o<br />

MPLA que sustenta o Governo,<br />

a assumir as responsabilidades<br />

e as consequências dos actos resultantes<br />

das suas decisões, que<br />

tanto tem penalizado as populações,<br />

ou então, demitir o governador<br />

provincial da Huíla».<br />

De acordo com o próprio governador<br />

da Huila, Isaac Dos<br />

Anjos, as operações de demolições<br />

vão continuar, apesar da<br />

onda de protestos, a que se juntou<br />

a influente Igreja Católica,<br />

no final da última semana.<br />

Dos Anjos já reafirmou esta<br />

intenção em diferentes ocasiões,<br />

a última das quais, na quartafeira,<br />

em conferência de imprensa<br />

que concedeu no Lubango.<br />

Uma comissão de deputados<br />

do MPLA foi criada, entretanto,<br />

para acompanhar o projecto de<br />

restruturação dos Caminhos de<br />

Ferro de Moçãmedes, à pala do<br />

qual o governador da Huíla tem<br />

estado a proceder as contestadas<br />

demolições. ■<br />

Populares da área da Madeira no município do Sambizanga<br />

estão também a consumir água contaminada por infiltrações<br />

que se estão a registar numa ruptura provocada pela<br />

empresa Rangol nas condutas que que levam o precioso<br />

líquido aos fontanários locais, noticiou a rádio Ecclesia.<br />

O administrador comunal da zona da Madeia, David Costa, diz<br />

que já fez a competente reclamação à direcção técnica da empresa de<br />

distribuição de águas de Luanda, estando à espera de uma resposta<br />

da EPAL.<br />

«Recebi essa informação da Comissão de Moradores que no fontanário<br />

do bairro da Madeira está a sair água imprópria e fiz presente<br />

esta reclamação à Direcção Técnica da EPAL», disse o edil.<br />

«Estou à espera que eles se pronunciem, porque é que a água vem<br />

dessa forma. De princípio, eles suspeitam que, junto aos fontanários<br />

do campo Mário Santiago, há ali um foco de lixo e há uma ruptura<br />

provocada pela Rangol, que quebrou um dos tubos da EPAL», acrescentou<br />

David Costa.<br />

Entretanto, na Vila Alice continua por solucionar o problema<br />

idêntico nas ruas Pedro Benge, João de Deus e Aníbal de Melo.<br />

Em relação ao caso das pessoas que ficaram com problemas de<br />

saúde, depois de terem consumido água contaminada por infiltrações<br />

de fluídos da rede de esgotos, há promessas do director-geral da<br />

Elisal, Lúcio Martins, em como a sua empresa haveria de apoiar os<br />

cidadãos afectados. «Se acontecer alguma coisa, naturalmente, nós<br />

vamos ter que tratar dessas pessoas», sublinhou, embora tenha referido<br />

também que esta é uma possibilidade muito remota. ■


Virgílio Pinto<br />

32 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Sociedade<br />

1.ª parte do «Caso Frescura» chegou ao fim<br />

Familiares dos réus prometem manifestar-se<br />

Os familiares dos sete<br />

réus do «Caso Frescura»,<br />

cuja primeira<br />

parte chegou ao fim na<br />

última segunda-feira, com a leitura<br />

da sentença, que reservou a<br />

cada um deles a pena de 24 anos<br />

de prisão maior, por homicídio<br />

qualificado, prometem realizar<br />

uma manifestação de protesto<br />

contra a decisão do Tribunal Provincial<br />

de Luanda, como noticiou<br />

o jornal «O Apostolado» a meio<br />

da semana.<br />

A publicação da Igreja Católica<br />

não faz referência, no entanto,<br />

onde foi buscar tal informação,<br />

nem quando a manifestação se realizará,<br />

sendo, contudo, a última<br />

grande novidade deste mediatizado<br />

julgamento, depois de sabido já<br />

que a defesa dos agentes condenados<br />

em primeira instância haveria<br />

de interpor recurso ao Tribunal<br />

Supremo, que tanto pode confirmar<br />

a sentença, como revogâ-la.<br />

«O juiz chegou, a dada altura,<br />

a dizer que não tinha, efectivamente,<br />

elementos de prova no<br />

processo. Logo, tudo que veio foi<br />

presumido», disse o advogado<br />

João Damião, assistente da defesa<br />

dos sete agentes da polícia condenados<br />

pelo massacre.<br />

«Para se condenar alguém é<br />

preciso que haja elementos de<br />

prova material no processo»,<br />

acrescentou João Damião, para<br />

quem isso não sucedeu com os<br />

seus constituídos.<br />

Quem também se manifestou<br />

contra a sentença foi Idelfonso<br />

Manico, advogado da defesa. Ouvido<br />

pelo Semanário <strong>Angolense</strong><br />

na segunda-feira, após a leitura<br />

do acórdão do tribunal, ele disse<br />

que os réus deviam ser absolvidos,<br />

uma vez que as provas apresentadas<br />

contra eles não são suficientemente<br />

claras para sustentar<br />

a condenação.<br />

«Falou-se da confissão do faustino<br />

e do Euquias, mas aquilo não<br />

constitui prova bastante para incriminar<br />

os acusados. Uma prova<br />

indiciária não é uma prova concreta,<br />

pelo que, a nível das regras<br />

processuais, não devia proceder.<br />

Nós vamos interpor recurso, esperando<br />

que o Tribunal Supremo,<br />

como instância máxima, se pronuncie<br />

em melhores condições»,<br />

sublinhou Idelfonso Manico ao<br />

Semanário <strong>Angolense</strong>.<br />

Por seu turno, Francisco Cruz,<br />

parente do réu Euquias Cruz Bartolomeu,<br />

considera que o tribunal<br />

não procedeu com lisura, uma<br />

vez que ditou a sentença fundamentalmente<br />

baseado em simples<br />

alegações. «O tribunal não devia<br />

ter agido com impulso», disse,<br />

referindo ainda que muita coisa<br />

ficou por esclarecer, como, por<br />

exemplo, quem foi o mandante do<br />

crime, uma vez que há indícios de<br />

que eles terão agido a mando de<br />

algum dos seus superiores.<br />

Porém, há quem defenda precisamente<br />

o contrário, exigindo<br />

que as penas sejam efectivamente<br />

cumpridas. É o caso da Associação<br />

Justiça, Paz e Democracia<br />

(AJPD). «Vamos esperar que o<br />

processo da execução da pena<br />

hora aplicado seja um facto e que<br />

esses agentes da polícia vão de<br />

facto à cadeia, cumpram as sanções,<br />

e que lhes sejam também<br />

assistidos todos os direitos», disse<br />

o presidente da AJPD, António<br />

Ventura, quando instado pelo «O<br />

Apostolado» a comentar a decisão<br />

do juiz Salomão Tito Filipe.<br />

Por seu lado, o Conselho de<br />

Coordenação de Direitos Humanos<br />

afirma que o Tribunal foi<br />

pouco profundo nas suas investigações<br />

sobre os verdadeiros autores<br />

do massacre da Frescura.<br />

Para Tunga Alberto, membro<br />

dessa organização, faltou condenar<br />

também o mandante, uma<br />

vez que tudo indica que os executores<br />

terão agido a mando de<br />

alguém, dada a sua qualidade de<br />

agentes da polícia em serviço.<br />

Já o jurista Alexandre Sebastião<br />

questiona o facto do tribunal aplicar<br />

a mesma pena para cada um<br />

dos oficiais da polícia, sem que se<br />

tivesse provado que todos eles foram<br />

executores do massacre. ■<br />

Tribunal Provincial de Luanda sem contemplações<br />

Vinte e quatro para todos<br />

Romão Brandão<br />

Vinte e quatro anos de<br />

prisão maior, sem tirar<br />

nem pôr, é o castigo<br />

que coube a cada<br />

um dos sete réus do famigerado<br />

«Caso Frescura», segundo decisão<br />

da 5.ª secção dos crimes comuns<br />

do Tribunal Provincial de<br />

Luanda, que deu como provada<br />

a sua participação no homicídio<br />

de oito jovens no município do<br />

Sambizanga.<br />

Eram 11 horas e 25 minutos<br />

de segunda-feira, quando o juiz<br />

da causa, Salomão Filipe, viu-se<br />

livre do «peso nas costas» ditando<br />

a sentença tão esperada pelo<br />

público que vem acompanhado o<br />

julgamento dos sete agentes policiais<br />

acusados de serem autores<br />

do massacre da Frescura.<br />

O espaço reservado no Palácio<br />

Ana Joaquina era pequeno<br />

para as pessoas que acorreram<br />

para a última sessão do julgamento,<br />

um público ansioso pelo<br />

desfecho do caso.<br />

Depois de se reunir com os seus<br />

Virgílio Pinto


Sábado, 27 de Março de 2010. 33<br />

Sociedade<br />

assistentes, o juiz Salomão Tito<br />

Filipe, leu o acórdão, que atribuía<br />

por igual aos réus a condenação<br />

máxima: 24 anos de prisão.<br />

Faustino Alberto (42 anos),<br />

Simão Ferreira Pedro (30), Manuel<br />

de Barros André (39), Euquias<br />

Cruz Bartolomeu (36);<br />

João Miguel Florêncio Francisco<br />

«Djudju» (40), Miguel Domingos<br />

Inácio Francisco « Micha» (40) e<br />

João Raposo Almeida «Pai grande»<br />

(30) são os agentes e oficiais<br />

da polícia condenados, como coautores<br />

do massacre (homicídio<br />

qualificado), previsto e punível<br />

nos termos do artigo 351, n.º 4, do<br />

Código Penal.<br />

Salomão Tito Filipe disse ainda<br />

que cada réu deve pagar 80 mil<br />

kwanzas de taxa de justiça e que<br />

o ministério do Interior ficava na<br />

obrigação de indemnizar as famílias<br />

das oito vítimas no valor de<br />

12 milhões de kwanzas a repartir<br />

por igual entre todas elas.<br />

O acórdão refere que os réus foram<br />

condenados pelo circunstancialismo<br />

que precedeu à prática do<br />

crime, ou seja, o patrulhamento<br />

no local aonde as vítimas se encontravam,<br />

a prontidão com que<br />

os executores saíram da viatura<br />

que os transportou, a forma oculta<br />

como se apresentaram, a imposição<br />

feita às vítimas, a produção<br />

dos disparos, assim como o tipo de<br />

armas utilizadas para consumação<br />

do crime, revelando tudo isso que<br />

a intenção era mesmo de matar,<br />

não se podendo falar sequer de excesso<br />

de legítima defesa.<br />

A finalizar a leitura do acórdão,<br />

Salomão Tito Filipe disse: «Não<br />

se tendo comprovada que as mortes<br />

tenham sido mandatatas, fica<br />

circunscrita a responsabilidade<br />

criminal apenas aos réus. Embora<br />

agindo de modo e por iniciativa<br />

própria, civilmente a responsabilidade<br />

não é aplicada apenas aos<br />

réus, uma vez que eles estavam superiormente<br />

orientados para a realização<br />

de acções de combate à delinquência<br />

dentro dos parâmetros.<br />

Se bem que agindo de motivação<br />

própria, a conduta dos réus não<br />

deixou de estar inserida no exercício<br />

das suas funções enquanto e<br />

como subordinados que eram».<br />

Quando interrogados a propósito<br />

das penas que lhes haviam<br />

sido aplicadas, todos os réus declararam-se<br />

inocentes.<br />

O julgamento do «Caso Frescura»,<br />

cuja primeira parte terminou<br />

na segunda-feira, após cerca<br />

de cinco meses de intensa batalha<br />

judicial, foi presidido pelo juiz Salomão<br />

Tito Filipe, que foi coadjuvado<br />

pelos vogais Fortunato Feijó<br />

e Anastácia de Melo. O Ministério<br />

Público esteve representado pelas<br />

magistradas Isabel das Neves Rebelo<br />

e Carla Nogueira. Os advogados<br />

de defesa foram os senhores<br />

Idelfonso Manico e Mariano Gomes,<br />

já o de acusação(pela parte<br />

das famílias das vítimas) foi o senhor<br />

David Mendes. ■<br />

Parentes das vítimas descontentes<br />

Depois de ditada a sentença,<br />

as atenções dos<br />

jornalistas partiram<br />

para as famílias das<br />

vítimas, cuja reacção ficou dividida<br />

entre o sentimento de que<br />

justiça foi feita e o descontentamento<br />

pela exiguidade da indeminização,<br />

embora houvesse<br />

quem dissesse que as penas deviam<br />

ser mais duras, se calhar<br />

sem saber que isto é o máximo,<br />

e que não precisava de dinheiro.<br />

Alguém pediu mesmo que os<br />

réus fossem também mortos.<br />

«Devia ser mais de 24 anos.<br />

Nós não queremos dinheiro<br />

nenhum. O que queremos é que<br />

eles sejam mortos conforme o<br />

meu filho foi. Tinha que ser a<br />

morte para que os seus familiares<br />

sentissem a dor que nós<br />

também sentimos na pele com<br />

a perda do meu filho», disse Vitória<br />

da Paixão Borges, mãe de<br />

Elias Borges Pedro, um dos oito<br />

Pouco antes do final da<br />

tarde do dia 23 julho<br />

de 2008, os cidadãos<br />

que enquanto em vida<br />

se chamaram Ereckson Carlos<br />

Varanda Francisco, Elias Borges<br />

Pedro, André Luís Marques<br />

Ganga, Johnson André Van-<br />

Dúnem, Paulo Fábio Caricoco<br />

Neto, Aguinaldo de Azevedo Simões,<br />

Ismael Escórcio da Silva,<br />

Fernando Cristóvão Manuel e<br />

alguns amigos acomodavam-se<br />

debaixo de uma árvore frondosa<br />

existente num lugar vulgarmente<br />

conhecido por «Largo da Frescura»,<br />

no chamado Muceque Mota,<br />

ao município do Sambizanga.<br />

Em pleno curso da confraternização,<br />

em meio ao consumo<br />

de bebidas (gasosas e cerveja),<br />

surgem inicialmente dois patrulheiros<br />

da polícia, em jeito de<br />

patrulhamento da zona. Entre as<br />

18H30 e as 19H30, surgiu outra<br />

viatura de marca Toyota Hiace,<br />

de cor azul e branca, de que não<br />

foi possível na altura reconhecer<br />

a matrícula.<br />

Da viatura em referência desceram<br />

7 indivíduos à paisana,<br />

com casacos escuros, que repentinamente<br />

obrigaram os oito jovens<br />

que lá se encontravam a encostar<br />

a uma parede ali existente,<br />

de costa para eles e seguidamente<br />

a deitarem-se ao chão como<br />

jovens executados no Largo da<br />

Frescura a 23 de Junho de 2008.<br />

«Eu não quero dinheiro, quero<br />

o meu filho. Vinte e quatro<br />

anos não. Quero que eles sejam<br />

mortos também. Não deveria<br />

ser assim, não devia ser 24<br />

anos, porque 24 anos é 24 dias<br />

para eles que são polícias. Daqui<br />

a pouco eles saem. Tinha<br />

Histórico do caso<br />

lhes foi também exigido. De forma<br />

impiedosa, os indivíduos em<br />

referencia provavelmente agentes<br />

da policia nacional, portando armas<br />

automáticas do tipo AKM e<br />

pistolas de marcas desconhecidas,<br />

puseram-se a disparar contra<br />

as vítimas, ponde-se seguidamente<br />

em fuga.<br />

Dos disparos produzidos, registou-se<br />

a morte imediata de 5<br />

dos oitos jovens, ao passo que os<br />

restantes acabariam por falecer a<br />

caminho do hospital.<br />

Hélio de Azevedo Simões,<br />

irmão de Aguinaldo e primo<br />

de Ereckson, ambos vítimas do<br />

sucedido, escapou por pouco,<br />

por a escassos instantes antes<br />

da consumação do crime, ter<br />

decidido ir beber água à casa,<br />

ali próximo. Ele declara ter assistido<br />

à chacina e a retirada dos<br />

executores do crime. Diz que,<br />

embora não tivesse conseguido<br />

identificá-los, ouviu o seu irmão,<br />

no momento em que era<br />

assistido, a confirmar que entre<br />

os autores do massacre estariam<br />

os agentes Faustino, Djudju e<br />

Virgílio Pinto<br />

que ser prisão perpétua», disse,<br />

chorando, Joana Caricoco, mãe<br />

de Paulo Fábio Caricoco Neto,<br />

outra das vítimas. ■<br />

R B<br />

Micha, seus conhecidos.<br />

Pouco depois da execução do<br />

crime, Faustino Alberto terá telefonado<br />

ao então comandante da<br />

9.ª esquadra, dando a conhecer<br />

que no Largo da Frescura ocorreram<br />

mortes, com o argumento<br />

de que era resultante de um confronto<br />

armado que opusera os<br />

grupos de marginais conhecidos<br />

por «Mana Bela» e «100 tropas».<br />

Faustino e o resto do pessoal<br />

deixaram de marcar presença na<br />

unidade, na sequência da ocorrência<br />

da chacina e mantiveram<br />

seus telefones desligados. Os oito<br />

jovens faleceram em consequência<br />

de ferimentos perfurantes no<br />

tórax e abdômen por disparo de<br />

arma de fogo, conforme os exames<br />

de cadáver de autópsia e relatórios<br />

médico confirmam.<br />

Contudo, dias depois, a 27 de<br />

Agosto de 2008, dando sentido<br />

às coisas, a própria polícia, através<br />

do seu comandante provincial,<br />

comissário Joaquim Ribeiro,<br />

vem a terreiro para apresentar<br />

sete agentes seus, colocados na<br />

Divisão do Sambizanga, como<br />

alegados autores do crime: No<br />

mesmo dia, Faustino e Euquias<br />

assumiram, diante da imprensa,<br />

a autoria do crime.<br />

O resto é o que se sabe. Seguiu-se<br />

o julgamento, o primeiro<br />

do género no país. ■


34 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Sociedade<br />

Sobre os quesitos provados…<br />

FAUSTINO ALBERTO, o homem que terá comandado a execução<br />

Segundo o Tribunal Provincial<br />

de Luanda, entre<br />

os quesitos «recolhidos»<br />

de todos os passos do<br />

processo, ficaram provados essencialmente<br />

os seguintes:<br />

- Que nos meados de mês de Julho<br />

de 2008, ao comando da Divisão<br />

do município do Sambizanga<br />

chegaram informações do reconhecimento<br />

da criminalidade de<br />

carácter violento de algumas áreas<br />

da referida circunscrição. E que tais<br />

acções eram predominantemente<br />

imputadas às associações criminosas<br />

identificadas por Mana bela e<br />

100 tropas.<br />

- Que as acções delituosas incidiam<br />

pelos bairros Madeira, Mota,<br />

Santa Rosa e Lixeira, cuja actividade<br />

era supervisionada pela 9.ª esquadra<br />

da referida divisão.<br />

- Que no dia 20 do mesmo mês<br />

e ano o comandante da divisão<br />

reuniu com parte dos seus efectivos<br />

narrando a situação criminosa<br />

reinante na área sob sua jurisdição.<br />

E na reunião estiveram presentes<br />

o segundo comandante da divisão,<br />

intendente Eduardo Diogo, o<br />

comandante interino da 9.ª esquadra<br />

Miguel Domingos Francisco<br />

«Meganha», o chefe dos serviços<br />

de sector do comando, os oficiais<br />

do departamento de investigação<br />

criminal do comando da divisão e<br />

todos os efectivos da 9.ª esquadra.<br />

- Que, na mesma reunião, o comandante<br />

de divisão orientou ao<br />

comandante da 9.ª esquadra para<br />

elaborar um plano de operação urgente,<br />

com vista a inverter, no prazo<br />

de 5 dias, o quadro delituoso prevalecente<br />

no território. E o mesmo<br />

plano foi submetido a apreciação do<br />

comandante provincial de Luanda<br />

da polícia nacional que o aprovou.<br />

- Que o comandante da divisão<br />

recomendou aos presentes<br />

na reunião, que os participantes<br />

na operação teriam que proceder<br />

ao desmantelamento dos grupos<br />

marginais, a detenção de seus integrante<br />

e a apreensão das armas<br />

de fogo que fossem encontradas.<br />

Tal operação teve início no dia 21<br />

e sequência no dia 22 do mesmo<br />

mês e ano (…).<br />

- Que na sequência da operação,<br />

em hora imprecisa do período da<br />

manhã do dia 23 do mesmo mês<br />

e ano, uma brigada da 9.ª esquadra<br />

da divisão do Sambizanga,<br />

liderada pelo réu Faustino e integrada<br />

pelos demais réus e o oficial<br />

do mesmo comando, de nome<br />

Mateus Dias Agostinho «Mateuszinho»,<br />

transportada por uma<br />

viatura de marca Toyota, modelo<br />

Hiace de cor azul e branca, com<br />

vidros fumados, emboscou alguns<br />

integrantes da associação criminosa<br />

denominada 100 tropas. Da<br />

emboscada resultou a detenção de<br />

cinco indivíduos do mesmo grupo,<br />

que foram conduzidos à mesma<br />

esquadra e apresentados ao mesmo<br />

comandante.<br />

- Que tinha sido programado<br />

a continuação da operação para<br />

as primeiras horas da manhã do<br />

dia seguinte, com a integração dos<br />

cincos marginais detidos que iriam<br />

servir de guia para localização e detenção<br />

de outros marginais.<br />

- Que de forma concertada e sob<br />

liderança do réu Faustino, os demais<br />

réus e também o oficial Mateuszinho,<br />

transportados na viatura<br />

supracitada e escoltados por um<br />

patrulheiro da corporação, aportaram<br />

pouco antes das 19 e 30 minutos<br />

no mesmo dia, próximo ao local<br />

…E os não provados<br />

aonde os jovens confraternizavam.<br />

- Que os réus portavam arma<br />

de fogo do tipo AKM e pistolas de<br />

calibre 9mm que variava entre as<br />

marcas Garijos, Star, TTI e Barack.<br />

E que estavam trajados a civil<br />

e coberto de casacos pretos e azuisescuros.(…)<br />

O oficial Mateuszinho<br />

permaneceu na viatura.<br />

- Que a viatura em referencia<br />

foi conduzida pelo réu Simão<br />

Ferreira Pedro.<br />

- Que na sequência do envolvimento<br />

ao local da confraternização,<br />

os réus ordenaram aos oito<br />

jovens que se colocassem de pé,<br />

virados para uma parede ali existente<br />

e de mãos ao alto, e seguidamente<br />

a deitarem-se ao chão com<br />

o rosto para o baixo. (…) De forma<br />

desalmada, os réus dispararam<br />

Que entre as 19 horas e 30min e as 20 horas no mesmo dia<br />

registrou-se no Largo da Frescura um confronto armado<br />

entre grupos de marginais denominados 100 tropas e<br />

Mana Bela de que resultou a morte de oito integrante do<br />

grupo Mana Bela.<br />

Que pouco antes daquele espaço de tempo, ou seja entre as 19 horas e<br />

30 minutos e 20 horas do dia 23 de Julho de 2008, através de uma fonte<br />

informativa chegou ao conhecimento do efectivo da 9ª esquadra, a ocorrência<br />

no Largo da Frescura de assalto à mão armada de um telemóvel e<br />

carteira com dinheiro.<br />

Que na ocasião os jovens que confraternizavam no Largo da Frescura<br />

tinham armas de fogo.<br />

Que no momento da ocorrência da chacina, os referidos réus se encontravam<br />

na escola Don Bosco assistindo aulas.<br />

Que a chacina foi superiormente ordenada.<br />

Que a probabilidade e improbabilidade das referidas armas terem<br />

produzido disparos no momento da chacina fosse exclusivamente imputável<br />

à falta de meios para realização de exames químicos.<br />

E também não ficou provado que as duas armas apreendidas dispararam<br />

no dia da ocorrência dos factos.<br />

Virgílio Pinto<br />

contra os jovens, causando morte<br />

imediata a cinco dos oito cidadãos<br />

e ferimentos graves aos restantes,<br />

que depois faleceram no hospital.<br />

Logo depois de cessar os disparos,<br />

puseram-se em fuga.<br />

- Que entre os populares constavam<br />

familiares dos cidadãos<br />

que sobreviveram aos disparos,<br />

que por seu turno deram a conhecer<br />

que entre os autores da<br />

chacina reconheceram os réus<br />

Micha e Djudju.<br />

- Que alguns instantes depois<br />

da ocorrência, o réu Faustino Alberto<br />

ligou então para o comandante<br />

da 9.ª esquadra, chefe «Meganha»,<br />

dando conhecimento<br />

que no Largo da Frescura havia<br />

cadáveres, resultante de um conforto<br />

armado entre os grupos de<br />

marginais referidos.<br />

- Que a viatura utilizada para a<br />

operação da chacina foi posteriormente<br />

encontrada em posse do réu<br />

Faustino Alberto. E na sequência<br />

do trabalho investigativo, foram<br />

apreendidas aos réus 4 armas de<br />

fogo do tipo AKM. Que das 4, duas<br />

detonaram 6 dos 17 invólucros<br />

apreendido no local do crime. (…)<br />

- Que os réus agiram com a intenção<br />

de matar.<br />

- Que os réus Faustino Alberto<br />

e Euquias Bartolomeu, no dia 27<br />

de Agosto de 2008 confessaram<br />

a autoria do crime, no pátio da<br />

Unidade Operativa de Luanda,<br />

sem qualquer pressão e perante<br />

os representantes dos distintos<br />

órgãos de comunicação social.<br />

- E também ficou provado que<br />

todos os réus confessaram ao declarante<br />

Miguel Ferreira Londa<br />

que são os autores do crime. ■<br />

Os massacrados<br />

Apresentados inicialmente<br />

como<br />

supostos marginais,<br />

na sequência<br />

das atabalhoadas justificações<br />

da polícia sobre o ocorrido,<br />

acabou por se confirmar que<br />

os jovens executados não tinham<br />

«ficha» na corporação,<br />

sendo que a maior, nem de<br />

longe, podia serem considerados<br />

delinquentes. E talvez seja<br />

isso o que motivou a ida dos<br />

alegados executores do crime<br />

a julgamento.<br />

Recordemos, entretanto,<br />

quem eram as vítimas do massacre:<br />

- Ereckson Carlos Varanda<br />

Francisco, também conhecido<br />

por«Ereckson», tinha 22 anos.<br />

Era funcionário da TV Cabo.<br />

Religioso, chegou a ser acólito<br />

da paróquia do São Paulo.<br />

- Elias Borges Pedro, o<br />

«Mano Velho», como o tratavam<br />

os mais chegados, tinha<br />

22 anos e era pedreiro.<br />

É o único que deixou esposa<br />

e filha.<br />

- André Luís Marques Ganga,<br />

o «André», tinha 21 anos.<br />

Antes de o matarem como<br />

o fizeram, vivia de biscates<br />

como pedreiro e ladrilhador.<br />

- Johnson André Vandúnem,<br />

o «Johnson», como o<br />

tratavam, tinha 22 anos. Vivia<br />

da música, como «kudurista»<br />

em vários locais de diversão<br />

do bairro.<br />

-Paulo Fábio Caricoco<br />

Neto, também conhecido por<br />

«Lito», tinha 19 anos e era finalista<br />

do curso de ciências<br />

sociais do ensino pré-universitário.<br />

- Aguinaldo de Azevedo<br />

Simão, o «Dadão», como era<br />

conhecido no bairro, tinha<br />

20 anos. Também não tinha<br />

emprego fixo, mas safava-se<br />

como pedreiro.<br />

-Ismael Escórcio da Silva,<br />

mais conhecido por «Santinho»,<br />

tinha 21 anos. Estava a<br />

fazer contabilidade e gestão<br />

no Instituo Médio de Economia<br />

de Luanda, o IMEL.<br />

- Fernando Cristóvão Manuel,<br />

o «Nandinho», tem 22<br />

anos. Não tinha emprego fixo,<br />

mas fazia uns biscates como<br />

pintor e ladrilhador. ■


Direito de resposta<br />

Sábado, 27 de Março de 2010. 35<br />

Patrícia Mano defende-se<br />

Excelentíssimo Senhor Director Geral<br />

do Semanário <strong>Angolense</strong>,<br />

Patrícia Mano, Engenheira de Construção<br />

Civil, vem, nos termos do disposto<br />

no nº 1 do artigo 64° da Lei de Imprensa<br />

vigente, e tendo em conta a noticia publicada<br />

neste Semanário, edição 359, Ano<br />

VII, dia 20103/2010, página 32 sob o titulo<br />

‹‹Tropelias de dois expatriados››, em que é<br />

gravemente difamada na sua pessoa e bom<br />

nome, vem por isso exercer aqui o seu direito<br />

de resposta e de rectificação, solicitando<br />

a publicação do seguinte teor com o<br />

mesmo destaque.<br />

A visada teve ao seu serviço Leopoldo<br />

Penovano como seu segurança durante 3<br />

anos consecutivos e, na altura em que lhe<br />

foi apresentado estava vestido de militar,<br />

usava uma arma que manteve sempre e referiu<br />

ter sido segurança particular de pessoas<br />

que desempenharam altos cargos no<br />

Estado Angolano.<br />

Assim sendo a visada permitiu que Leopoldo<br />

Penovano lhe prestasse serviços<br />

de segurança, tendo procedido a obras na<br />

parte de baixo da sua casa de modo a que<br />

o mesmo ficasse comodamente instalado, o<br />

que aconteceu.<br />

Mais tarde o mencionado segurança<br />

apresentou-lhe a sua actual mulher, de seu<br />

nome Rosa, dizendo que a mesma estava<br />

grávida de um n filho seu e tinha uma filha<br />

menor de uma anterior relação. Por outro<br />

lado, Leopoldo pediu-lhe para que a família<br />

passasse a viver com ele nas instalações que<br />

a visada lhe tinha cedido.<br />

De imediato, e porque não conseguiu<br />

ficar indiferente ao pedido de Leopoldo<br />

Penovano, Patrícia Mano acomodou toda<br />

a família do Leopoldo na sua casa, procedendo<br />

novamente a obras de remodelação<br />

para que toda a família pudesse viver confortavelmente,<br />

o que também aconteceu.<br />

Acresce o facto de ter colocado a menor Estefânia<br />

(filha da esposa do Leopoldo e com<br />

eles residente) num colégio que a mesma<br />

pagava mensalmente.<br />

Acontece que nos últimos tempos em<br />

que Leopoldo prestou serviços de segurança<br />

para a aqui visada, começou insistentemente<br />

a pedir-lhe dinheiro para despesas<br />

que inventava, nomeadamente quando a<br />

mesma se encontrasse em Portugal. Assim,<br />

e porque começou a desconfiar da lealdade<br />

do seu segurança a visada solicitou ao<br />

seu amigo Emento, médico e cubano, que<br />

já conhecia bem o Leopoldo e sua família<br />

porquanto lhes prestava, a pedido da visada,<br />

frequentemente assistência médica que,<br />

nos períodos em que se encontrasse em<br />

Portugal e sempre que Leopoldo a contactasse<br />

telefonicamente a pedir mais dinheiro,<br />

se ele pudesse antes confirmar a origem<br />

da despesa que alegava.<br />

Perante este controlo que se mostrou indispensável,<br />

a visada veio a descobrir que<br />

Leopoldo frequentemente inventava despesas<br />

para lhe subtrair algumas quantias em<br />

dinheiro.<br />

Refira-se que, mesmo nos períodos em<br />

que a visada se encontrava em Portugal todas<br />

as pessoas que lhe prestavam serviços,<br />

e apesar de nesses períodos de tempo nada<br />

fazerem, recebiam as respectivas remunerações<br />

na íntegra.<br />

Da última vez que a visada regressou a<br />

Luanda, deparou-se com a sua casa completamente<br />

abandonada, até infestada de<br />

ratos.<br />

Por outro lado, o seu motorista Adilson,<br />

não só não a foi buscar ao aeroporto como<br />

devia, como também não compareceu ao<br />

trabalho durante alguns dias, sem nada<br />

dizer.<br />

Perante os factos relatados a visada despediu<br />

o motorista e repreendeu Leopoldo<br />

pelo estado de degradação em que encontrou<br />

a sua casa.<br />

Leopoldo começou então a ausentar-se<br />

de casa sem nada dizer; por várias vezes a<br />

desobedeceu, sendo que a visada face a esta<br />

súbita mudança de comportamento, outra<br />

alternativa não teve do que dizer-lhe que<br />

não pretendia mais continuar a receber os<br />

seus serviços de segurança.<br />

Leopoldo, numa atitude de retaliação<br />

ameaçou mata-la, alegando sempre que<br />

nada tinha a perder. A visada, assustada de<br />

imediato telefonou ao seu já mencionado<br />

amigo cubano pedindo-lhe para a ir buscar<br />

o mais depressa possível a fim de apresentar<br />

queixa do Leopoldo na Esquadra da<br />

Policia, o que aconteceu.<br />

Após o relato destes acontecimentos a<br />

policia deteve Leopoldo, tendo o mesmo<br />

sido julgado no dia 08 de Fevereiro de 2010<br />

no Tribunal de Policia de Luanda no processo<br />

n° 739/010, processo este que culminou<br />

com a sua condenação por 6 meses de<br />

pena de prisão, tendo a respectiva pena ficado<br />

suspensa.<br />

Para que não haja duvidas acerca da veracidade<br />

dos factos remete-se também a<br />

sentença em causa.<br />

Uma vez que o cumprimento da pena<br />

de prisão a que Leopoldo foi condenado se<br />

encontra suspensa pelo período de 2 anos,<br />

Leopoldo tem telefonado e perseguido a visada<br />

pedindo-lhe elevadas quantias em dinheiro,<br />

bem como uma casa e um terreno<br />

sob pena de, não o fazendo, ‹‹lhe desgraçar<br />

a vida››.<br />

A visada ignorou tal chantagem. No entanto,<br />

diariamente recebe telefonemas de<br />

números que desconhece com ameaças de<br />

morte por parte do mesmo, caso não lhe dê<br />

dinheiro, uma casa e um terreno, o que a<br />

obrigou a efectuar novas queixas na Policia.<br />

Por outro lado, a visada tem sido contactada<br />

por vários jornalistas a quem Leopoldo<br />

recorre no sentido de ver publicadas<br />

calúnias, tendo apenas obtido sucesso neste<br />

semanário.<br />

Pretende a visada deixar bem claro que<br />

na noticia em apreço não correspondem<br />

à verdade os seguintes factos: de a visada<br />

‹‹cometer atropelos›› ; de alguma vez Leopoldo<br />

ter ‹‹levantado dinheiro nos Ministérios<br />

das Obras Publicas e do Comercio››;<br />

de alguma vez lhe ter mandado levantar<br />

dinheiro no banco - que alias só cabe na<br />

cabeça de quem não conhece a burocracia<br />

e o controlo bancário a este respeito ; de<br />

‹‹enganar o serviço de migração e estrangeiros››;<br />

de alguma vez ‹‹ter transportado<br />

70.000,00 USD para Portugal››; de ter contactado<br />

a família de Leopoldo, com a qual<br />

nunca falou nem conhece, muito menos<br />

para alegar que tinha pago a policia para<br />

que Leopoldo ficasse preso durante 4 anos;<br />

jamais alegou ter pago a policia para bater à<br />

Leopoldo; jamais a esposa do actual<br />

governador do BNA entregou à<br />

aqui visada qualquer quantia em<br />

dinheiro; enfim, Leopoldo não poupou<br />

calúnias à aqui visada.<br />

Por fim, na qualidade de engenheira de<br />

construção civil estabeleceu relações de<br />

trabalho com muitas pessoas e empresas, o<br />

que é natural.<br />

Uma vez que Leopoldo não obteve qualquer<br />

sucesso na chantagem que diariamente<br />

faz à aqui visada, recorreu, numa atitude<br />

desesperada, a este semanário , caluniando-a<br />

e difamando-a.<br />

Esta ideia do Leopoldo de chantagear a<br />

aqui visada foi devida e atempadamente<br />

pensada, já que subtraiu de sua casa a fotografia<br />

que usou nesta publicação.<br />

Pelo contrário, publica uma fotografia<br />

que diz ser sua, mas que não é. Por isso, a<br />

aqui visada publica a verdadeira fotografia<br />

de Leopoldo para assim poder ser devidamente<br />

identificado e se poder aferir o seu<br />

verdadeiro carácter.<br />

Assim é absolutamente Lamentável<br />

que esse semanário não tenha efectuado<br />

um n trabalho prévio de investigação<br />

relativamente as declarações prestadas<br />

por Leopoldo Penovano, nomeadamente<br />

consultando o processo judicial no qual<br />

foi recentemente condenado pelos factos<br />

que propositadamente omite, sendo que,<br />

a indiferença quanta à verdade por parte<br />

desse semanário é tal que nem verificou<br />

que a fotografia que publica do declarante<br />

nada tem a ver com ele, tratando-se,<br />

como já foi referido, de uma fotografia<br />

falsa.<br />

Ora é mais do que legitimo, neste caso,<br />

questionar a credibilidade das declarações<br />

de uma pessoa que ameaça outra,<br />

que a chantageia e que em virtude desses<br />

factos se encontra condenado ao cumprimento<br />

de urna pena de prisão, embora<br />

suspensa, num processo judicial!!<br />

E lamentável que esse semanário ,<br />

mais preocupado com a publicação de<br />

notícias sensacionalistas, difamatórias e<br />

caluniosas não tenha observado em detalhes<br />

tão importantes, pelo que fica aqui,<br />

devidamente documentada, a verdade<br />

dos factos.<br />

De V. Exa., atentamente,<br />

Patrícia Mano


36 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Leituras<br />

A vida sexual dos ditadores (7)<br />

Na cama com Mussolini (fim)<br />

O caso particular de Clara Petacci, a jovem senhora que se apaixonou perdidamente pelo «Duce», a ponto de o seguir sem condições<br />

até à morte. Foi a amante que mais tempo (13 anos) passou ao lado do ditador italiano. Seriam executados a 28 de Abril de 1945<br />

Embora tivesse várias<br />

amantes passageiras,<br />

não se pode afirmar,<br />

porém, que Mussolini<br />

era incapaz de manter uma relação<br />

duradoura «fora de casa». Em<br />

1932, ele viajava para Ostia, no<br />

seu carro oficial, um Alfa Romeo,<br />

quando se deparou com uma linda<br />

jovem, no acostamento, que<br />

acenava e gritava «Duce! Duce!»<br />

ao vê-lo passar. Mussolini mandou<br />

o motorista parar o carro,<br />

desceu e foi ao seu encontro.<br />

Quando ele lhe dirigiu a palavra,<br />

a moça ficou trémula de entusiasmo.<br />

Chamava-se Clara Petacci<br />

e era esposa de um oficial da<br />

Força Aérea italiana – de quem se<br />

divorciaria mais tarde. Mussolini<br />

transferiu para o Japão, para tirálo<br />

do caminho.<br />

Clara estava com 24 anos (ele<br />

com 54), tinha olhos verdes, pernas<br />

esbeltas e longas, seios fartos,<br />

enfim, tudo como Il Duce adorava.<br />

A sua voz era rouca.<br />

Era hipocondríaca, sentimental,<br />

um tanto simplória e absolutamente<br />

devotada ao ditador<br />

italiano – que lhe retribuía da<br />

mesma moeda, chegando a obrigar<br />

os trens a acelerar o ritmo só<br />

para ficar na sua cabeceira, quando<br />

ela extraiu o apêndice após<br />

uma peritonite quase fatal.<br />

Mas, quando se tratava de sexo,<br />

não era mais gentil, nem mostrava<br />

mais consideração com Clara do<br />

que com qualquer outra das suas<br />

amantes. Mussolini deu-lhe um<br />

apartamento no Palazzo Venezia,<br />

onde faziam amor entre uma<br />

reunião e outra. Perversamente, o<br />

relacionamento deu certo. Clara<br />

continuou com ele nos treze anos<br />

seguintes e, quando teve a oportunidade<br />

de fugir, preferiu morrer<br />

ao seu lado, em 1945.<br />

Não ignorava que ele não deixaria<br />

a esposa e a família por ela<br />

e sabia da sua infidelidade. Esperava-o<br />

no seu apartamento horas<br />

e horas, lendo romances, desenhando<br />

novas roupas, pintando<br />

as unhas, olhando-se no espelho<br />

ou contemplando a paisagem pela<br />

janela.<br />

Velhas condessas<br />

Mussolini, em regra, só aparecia<br />

pelas dez das noites, quando<br />

aparecia. Ela amaldiçoava as<br />

velhas condessas com quem ele<br />

estaria a fazer amor num sofá do<br />

andar inferior. Embora tolerasse<br />

estes pecadilhos, vivia com medo<br />

de perder o seu amor. Temia que<br />

ele voltasse para alguma amante<br />

antiga ou se apaixonasse por uma<br />

nova. Angela Curti ou Margherita<br />

Sarfatti eram dois nomes que<br />

surgiam constantemente.<br />

Havia ocasiões em que repreendia<br />

Mussolini pelas outras amantes.<br />

Ele enfurecia-se e a insultava.<br />

Ela chorava, o que irritava ainda<br />

mais.<br />

Na verdade, por volta de 1939,<br />

Mussolini tentou livrar-se dela.<br />

Disse à princesa di Gangi, da Sicília,<br />

que achava Clara «repulsiva».<br />

Na primavera de 1943, a polícia<br />

que guardava a entrada do Palazzo<br />

Venezia recebeu ordens para<br />

barrar a sua entrada - ,as ela entrou<br />

à força e encontrou o seu<br />

amado frio e inflexível.<br />

«Dou o nosso caso por encerrado»,<br />

declarou ele. Era o bilhete<br />

azul que havia usado centena de<br />

vezes antes com outras mulheres.<br />

Porém, recuou ao vê-la chorar.<br />

Tentou mandá-la embora em várias<br />

ocasiões, mas o resultado era<br />

sempre o mesmo. A guerra estava<br />

indo mal, costumava dizer, e<br />

a sua ligação com Clara o fazia<br />

parecer fraco. Não importava que<br />

tivesse centenas de amantes, a sua<br />

devoção a apenas uma provocava<br />

falatórios perigosos. Um dos seus<br />

oficiais disse que ela causava mais<br />

prejuízos a Il Duce que a perda de<br />

quinze batalhas.<br />

Embora ele não desse praticamente<br />

nada a Clara – um pequeno<br />

presente de quando em vez e<br />

ocasionalmente 500 liras para<br />

comprar vestidos, pensava-se que<br />

Mussolini lançava mão dos impostos<br />

arrecadados para sustentar<br />

os luxos da amante, enquanto<br />

os sobrecarregados contribuintes<br />

italianos sofriam as privações da<br />

guerra. Na verdade, eram lojistas<br />

e empresários de Roma que a presenteavam<br />

com roupas e perfumes<br />

caros, na tentativa de caírem<br />

nas boas graças de Il Duce.<br />

Sem escândalos<br />

«Nunca mais sairei à luz do<br />

sol», prometia Clara. «Só depois<br />

de escurecer. E apenas por alguns<br />

minutos: o suficiente para ver<br />

você e lhe dar um beijo. Não quero<br />

causar escândalos».<br />

O verdadeiro escândalo, porém,<br />

vinha dos seus parentes.<br />

Antes da guerra, eles haviam<br />

construído uma villa luxuosa no<br />

elegante bairro de Camilluccia. A<br />

mansão tinha banheiro de mármore<br />

negro. Sabendo bem em que<br />

lado do pão estava a manteiga deram<br />

atenção especial ao quarto de<br />

Clara: cobriram as paredes de espelhos<br />

e colocaram o imenso leito<br />

forrado de seda sobre um tablado.<br />

Contudo, quando perguntaram a<br />

Mussolini, numa das suas visitas<br />

ao palacete, se havia gostado da<br />

casa, a resposta foi: «Não muito»:<br />

Quando a mãe lhe sugeriu que<br />

pedisse ao amante dinheiro para<br />

pagar a villa, Clara recusou-se<br />

sequer a insinuar isso. Mesmo assim,<br />

todos acharam que Il Duce<br />

havia aberto os cordões à bolsa.<br />

Embora não recebesse patrocínio<br />

directo de Mussolini, a família<br />

Petacci era esperta o bastante<br />

para usar a sua posição como um<br />

trunfo. Como exemplo, pode-se<br />

citar o irmão de Clara, Marcello,<br />

que era médico da marinha e fez<br />

fortuna a contrabandear ouro<br />

através da mala diplomática.<br />

Em Julho de 1943, quando os<br />

aliados desembarcaram na Sicília,<br />

Mussolini foi destituído do<br />

Grande Conselho Fascista. No<br />

dia seguinte, foi preso por ordem<br />

do rei Victor Emmanuel III. Clara<br />

também foi presa e levada para o<br />

castelo Visconti, em Novara. Lá<br />

passou o tempo escrevendo cartas<br />

de amor a seu querido Benito – a<br />

quem chamava de «Bem» - e enchendo<br />

diários com lembranças<br />

dos momentos maravilhosos que<br />

passaram juntos. As cartas jamais<br />

chegaram ao seu destino. Foram<br />

interceptadas pelos censores.<br />

Estado fantoche<br />

Libertado pelos alemães, Mussolini<br />

criou um estado fantoche<br />

no norte da Itália. Clara, determinada<br />

a reunir-se a ele, persuadiu<br />

as freiras que a vigiavam a<br />

contrabandear uma carta para o<br />

quartel-general alemão em Novara,<br />

que mandou um carro para<br />

apanhá-la.<br />

Apesar de não confiarem nela,<br />

os alemães não descartavam a<br />

possibilidade de usá-la. Então,<br />

arranjaram-lhe um palacete à<br />

beira do lago Garda, onde Mussolini<br />

podia visitá-la todos os dias.<br />

O seu segurança no palacete era<br />

o jovem e charmoso major Franz<br />

Spogler, que se reportava directamente<br />

ao quartel-general da Gestapo<br />

em Viena.<br />

Contudo, os planos dos alemães<br />

ficaram um tanto prejudicados<br />

quando Rachele (a esposa de<br />

Mussolini) descobriu que Clara<br />

estava por perto. As suas crises de<br />

ciúmes acabaram por impedir que<br />

o marido encontrasse a amante<br />

com frequência. Mas, ocasionalmente,<br />

de noite, ele deixava o Alfa<br />

Romeo oficial na porta do escritório,<br />

para não levantar suspeitas,<br />

e ia visitá-la de Fiat. Os encontros<br />

eram frios e tristonhos. Em duas<br />

ocasiões, Mussolini declarou que<br />

nunca mais queria vê-la. Nas duas<br />

vezes, ela chorou e conseguiu demover<br />

o amante.<br />

Por fim, Rachele não suportou


Sábado, 27 de Março de 2010. 37<br />

Leituras<br />

mais e foi pessoalmente procurar<br />

a rival, que permaneceu sentada,<br />

ouvindo a repreensão em silêncio.<br />

Depois, quando o discurso de<br />

Rachele terminou, Clara replicou<br />

com serenidade: «Il Duce a ama,<br />

senhora. Jamais tive permissão<br />

para dizer uma palavra contra a<br />

senhora».<br />

Essa resposta aplacou a ira de<br />

Rachele por um momento. Então<br />

Clara lhe ofereceu as cópias dactilografadas<br />

das cartas que Mussolini<br />

lhe enviara.<br />

«Não quero cópias dactilografadas.<br />

Não foi para isso que vim»,<br />

voltou a enfurecer-se a esposa de<br />

Il Duce. Clara telefonou para o<br />

amante: «’Ben’, a sua esposa está<br />

aqui. O que devo fazer?».<br />

Rachele arrancou-lhe o telefone<br />

das mãos e obrigou o marido a<br />

dizer à amante que já sabia da sua<br />

intenção de visitá-la. Não satisfeita,<br />

disse à Clara que os fascistas a<br />

odiavam tanto quanto os membros<br />

da resistência – os partisans.<br />

Por fim, as duas mulheres acabaram<br />

chorando. Quando finalmente<br />

Rachele partiu, despediuse<br />

rogando-lhe uma praga: «Eles<br />

a levarão para a Piazzale Loreto»,<br />

que era uma praça em Milão onde<br />

só havia prostitutas decadentes. E<br />

foi exactamente o que aconteceu.<br />

O início do fim<br />

Quando os aliados avançaram<br />

pela península da Itália, Mussolini<br />

deixou Rachele para fazer um<br />

último esforço em Valtellina. Então,<br />

ele disse à esposa que estava<br />

pronto para «entrar no grande silêncio<br />

da morte».<br />

Os seus conselheiros ponderaram<br />

que seria melhor voar para<br />

um lugar seguro – Suíça ou Espanha.<br />

Uma antiga amante, Francesca<br />

Lavagnini, convidou-o a<br />

encontrá-la na Argentina; Clara<br />

sugeriu que encenassem um acidente<br />

de carro e anunciassem a<br />

sua morte. Mussolini rejeitou as<br />

duas propostas.<br />

Depois de garantir a segurança<br />

de Rachele e da família, insistiu<br />

para que Clara voasse para a Espanha.<br />

A família Petacci embarcou,<br />

mas ela recusou-se a ir. «Sigo<br />

o meu destino», escreveu Clara a<br />

uma amiga. «Não sei o que acontecerá<br />

comigo, mas não posso<br />

questionar o meu fado».<br />

Juntos, Mussolini e Clara, fugiram<br />

para Como, no norte. Lá,<br />

Elena Curti Cucciate, a bela e loira<br />

filha da sua antiga amante Ângela<br />

Curti, reuniu-se aos dois. Mussolini<br />

saiu para passear com ela, o<br />

que deixou Clara enlouquecida<br />

de ciúmes. «O que esta mulher<br />

está fazendo aqui?», berrava com<br />

histeria. «Você deve livrar-se dela<br />

imediatamente», insistia Clara.<br />

Mussolini não obedeceu. Em<br />

vez disso, viajou com Elena num<br />

comboio alemão, mas Clara os<br />

alcançou graças a um bloqueio<br />

dos membros da resistência na<br />

estrada para a Suíça. Os partisans<br />

disseram que, para evitar um<br />

derramamento de sangue desnecessário,<br />

deixariam os alemães<br />

passarem, mas não os fascistas<br />

italianos. Clara instou para que<br />

Il Duce se disfarçasse de alemão<br />

e fugisse. Ele vestiu sobretudo e<br />

capacete alemães e subiu para um<br />

camião germânico.<br />

Intransigência<br />

Quando o camião se pôs em<br />

marcha, Clara tentou subir também,<br />

mas um dos ministros de<br />

Mussolini a impediu. Foi preciso<br />

muita força para segurá-la.<br />

Contudo, alguém vira Mussolini,<br />

pelo que o comboio alemão<br />

voltou a ser interceptado num outro<br />

controlo na cidade seguinte.<br />

A formidável Clara, entretanto,<br />

conseguira voltar a alcançar o seu<br />

amante, tendo sido novamente<br />

apanhada. A princípio fingiu ser<br />

uma espanhola. Teve até o desplante<br />

de perguntar aos partisans<br />

o que eles fariam se apanhassem a<br />

Clara Petacci. Porém, não tardou<br />

a confessar.<br />

«Todos vocês me odeiam»,<br />

gritou ela aos seu inquiridores.<br />

«Pensam que só estava com ele<br />

por causa do dinheiro e do poder.<br />

Não é verdade. O meu amor não é<br />

egoísta. Eu me sacrifiquei por esse<br />

homem», bradou, suplicando que<br />

a prendessem na mesma cela que<br />

Mussolini. «Se o matarem, terão<br />

de me matar também», sentenciou.<br />

Mussolini e Clara foram levados<br />

para Milão em carros separados.<br />

Quando os dois carros se<br />

cruzaram, permitiram-lhes que<br />

conversassem por alguns momentos.<br />

Clara mostrou-se exageradamente<br />

formal.<br />

«Boa noite excelência», disse<br />

ela. Mussolini zangou-se ao vêla.<br />

«Signora, porque é que está<br />

aqui?», interrogou. «Porque desejo<br />

ficar com o senhor», replicou<br />

Clara.<br />

Os prisioneiros e as respectivas<br />

escoltas chegaram a Azzano<br />

às três e quinze da madrugada.<br />

Ficariam hospedados na casa da<br />

Família de um partisan chamado<br />

De Marias.<br />

Mais ou menos às quatro da<br />

madrugada seguinte, apareceu<br />

um homem chamado Audisio,<br />

que disse ter a incumbência de libertá-los.<br />

Eles foram levados para<br />

uma vila aí perto, onde os mandaram<br />

descer do carro. Os «libertadores»<br />

eram partisans comunistas<br />

que tinham recebido ordens<br />

para executar Mussolini, além de<br />

outros quinze líderes fascistas.<br />

Juntos até à morte<br />

Clara abraçou Mussolini e gritou:<br />

«Não façam isso. Não, não,<br />

não».<br />

«Afasta-te dele, senão levarás<br />

um tiro também», avisou Audisio.<br />

Em reposta, Clara agarrou-se<br />

ainda mais ao seu amado. Se o<br />

matassem, ela também morreria.<br />

Audisio ergueu a arma e puxou<br />

o gatilho, mas errou o alvo. Clara<br />

correu para ele e segurou no cano.<br />

Em meio à luta, Audisio premiu<br />

o gatilho novamente. «Você não<br />

pode nos matar assim», gritou<br />

Clara. Audisio voltou a premir o<br />

gatilho: a arma estava emperrada.<br />

Então, pediu uma metralhadora<br />

emprestada a um companheiro<br />

e desfechou uma saraivada em<br />

cima deles. A primeira bala matou<br />

Clara. A segunda derrubou<br />

Mussolini. A terceira matou-o.<br />

Estava acabado.<br />

Os dois corpos foram atirados<br />

na traseira do camião, em cima<br />

dos cadáveres dos outros fascistas<br />

executados, e levados para Milão.<br />

Na Piazzale Loreto, foram dependurados<br />

pelos pés num poste. A<br />

saia de Clara desceu sobre a sua<br />

cabeça, desnudando-a. Um partisan<br />

subiu num caixote a amarrou<br />

a barra da sua saia entre as pernas,<br />

para preservá-la um pouco.<br />

Curiosamente, embora a<br />

amante de Mussolini fosse odiada<br />

por todos, muitos homens ali<br />

presentes naquele dia repararam<br />

no rosto dela. Mesmo sob toda<br />

sujeira e sangue, todos comentaram<br />

que Clara Petacci era incrivelmente<br />

bonita.<br />

In «A vida sexual dos ditadores», do<br />

britânico Nigel Cawthorne. Edição<br />

em português da Prestígio Editora,<br />

2002.


Sábado, 27 de Março de 2010. 39<br />

Cultura<br />

Narrativas do médico e escritor Paulo Campos<br />

«E o Rio Kwanza criou a Mulher…»<br />

Sob a chancela da Editorial Kilombelombe, a obra, lançado no âmbito da jornada «Março-Mulher», tem prefácio do falecido poeta e<br />

ensaísta Jorge Macedo. A apresentação foi de Filomena Delgado<br />

O<br />

escritor (e médico)<br />

Paulo Campos lançou,<br />

nesta semana, na sede<br />

da «União», um conjunto<br />

de narrativas sobre a mulher,<br />

a que deu o título «E o Rio<br />

Kwanza Criou a Mulher», um volumoso<br />

livro de 334 páginas, que<br />

tem a chancela da editora «Kilombelombe»<br />

.<br />

Inserida na colecção «Cruzeiro<br />

do Sul» desta conceituada editora,<br />

a obra tem prefácio de Jorge<br />

Macedo, poeta, ensaísta, crítico<br />

literário, jornalista e etnomusicólogo<br />

de créditos firmados, recentemente<br />

falecido.<br />

A apresentação do livro, que<br />

se inseriu nas comemorações da<br />

jornada «Março Mulher», numa<br />

organização do ministério da Família<br />

e Promoção da Mulher, foi<br />

feita por Filomena Delgada, viceministra<br />

da Agricultura e Desenvolvimento<br />

Rural.<br />

«Nessa obra, o autor homenageia<br />

a Mulher Angolana, retratada<br />

como mulher edificadora<br />

e nutriente, ao mesmo tempo<br />

cúmplice e combativa, onde o seu<br />

papel de mãe é sacralizado como<br />

gestora responsável pela vida humana;<br />

mulher como símbolo da<br />

paz e da harmonia no lar, na família<br />

e na sociedade; enfim, mulher<br />

como símbolo da transmissão dos<br />

valores positivos, éticos, morais e<br />

cívicos», diz Filomena Delgado.<br />

«É este tipo de mulher que o Rio<br />

Kwanza criou, personificado em<br />

Dona Marta, a matriarca que nasceu<br />

e cresceu no seio da sociedade<br />

nas margens desse grandioso rio, e<br />

que é também o resultado feliz de<br />

dois estágios civilizacionais, o moderno<br />

e o tradicional, distintos de<br />

duas mentalidades, uma controlando<br />

a outra numa primeira fase,<br />

e que, a posteriori, tendo deixado<br />

de ser antagónicas, tornaram-se<br />

complementares, criando o modelo<br />

ideal de mulher africana/angolana,<br />

para catapultar os filhos para<br />

patamares nunca antes alcançados»,<br />

acrescenta a apresentadora.<br />

Ela diz ainda que «E o Rio<br />

Kwanza criou a Mulher» será assim<br />

«uma é, pois, uma viagem de<br />

retorno ao reencontro com a vida<br />

e com a terra dos antepassados,<br />

das gentes de Kalumbu, um lugar<br />

paradisíaco» que, como conta<br />

o autor, «Deus nunca abandonou!…».<br />

«Analisando a obra numa<br />

perspectiva etnográfica, observamos<br />

que nas 54 narrativas<br />

que a compõem, o Autor expõe<br />

a cosmovisão dos habitantes de<br />

Kalumbu, através de distintas<br />

vertentes: desde a família nuclear<br />

como núcleo fundamental da<br />

sociedade kalumbense, aos papéis<br />

instrumentais que os homens desempenham;<br />

os papéis expressivos<br />

das mulheres; os amores e os<br />

desamores dos jovens; as estórias<br />

educativas e as de maldizer; dos<br />

ngombidi; dos akwamaka; os sonhos<br />

das jovens e o seu jeito de<br />

seduzir os rapazes; as intrigas; o<br />

papel dos curandeiros e dos sobas;<br />

a justificação das anomalias<br />

e das mortes; a convivência entre<br />

os habitantes; os comerciantes e a<br />

classe emergente dos naturais; os<br />

casamentos exógenos; a importância<br />

do caminho-de-ferro para<br />

as trocas comerciais na época colonial,<br />

enfim...», discorre ainda a<br />

apresentadora da obra.<br />

Adiantando: «Figuras como<br />

Dona Marta, Dona Eduarda,<br />

esposa do senhor Clemente, comerciante<br />

luso amigo dos negros;<br />

da família do senhor Kakweta<br />

ou das estórias do «mais velho»<br />

Mbolôndua, são extraordinariamente<br />

escalpelizadas e servem<br />

de exemplo de famílias sólidas e<br />

harmoniosas, fundadas em princípios<br />

do respeito e da moral,<br />

pois, os candidatos a esposos e<br />

«Forno Feminino» de João Tala<br />

Uma nova proposta poética de João Tala foi lançada na última<br />

sexta-feira na sede do Banco de Poupança e Crédito, um dos<br />

parceiros da Editorial Kilombelombe, responsável por mais<br />

esta obra que se insere na sua colecção «Os Nossos Poetas».<br />

Também médico de profissão, João Tala, um dos mais produtivos escritores<br />

da nova geração, diz nas notas preliminares do poemário que muitos<br />

poemas apresentados transportam formas de um delírio, consubstanciado<br />

no calor feminino que copiou de uma tradição de grandeza, onde a mulher<br />

recria o mundo, retorna aos partos que renovam a nossa frágil existência.<br />

«Desse tema (o fogo), busco e rebusco, a sangue frio, o poemário que<br />

sempre quis e, para minha sorte, ei-lo aqui», diz João Tala.<br />

O escritor tem já uma vasta obra, tanto em poesia, como em prosa, com<br />

destaque para «Os dias e os tumultos», de 2004, um conjunto de contos<br />

que lhe valeu a vitória no «Grande Prémio de ficção» da União dos Escritores<br />

angolanos. Também já teve uma menção honrosa do prémio «Sagrada<br />

Esperança», com o poemário «O Gasto da Semente», de 2000. ■<br />

esposas eram avaliados pelos futuros<br />

sogros e só quem reunisse<br />

os requisitos passava no teste. O<br />

homem que não tivesse capacidade<br />

de sustentar a sua família não<br />

merecia ser pai nem marido, sob<br />

pena dos «mais velhos» reunirem<br />

em assembleia e entregar a mulher<br />

a outro homem que a pudesse<br />

sustentar. Por isso, os rapazes<br />

envidavam esforços no sentido de<br />

possuírem as condições necessárias<br />

ao casamento, enquanto que<br />

as raparigas sonhavam com uma<br />

boa educação, susceptíveis de as<br />

tornar boas esposas, boas mães<br />

e boas donas de casa, tal como a<br />

Ngongo dya Phasu (Martinha,<br />

posteriormente), que cresceu em<br />

casa de Dona Eduarda, que teve<br />

a missão de a preparar para ser<br />

uma boa esposa, primando sempre<br />

pela decência».<br />

Para Filomena Delgado, estáse<br />

perante uma obra literária de<br />

muito interesse, que, pelo seu<br />

conteúdo, poderá servir aos antropólogos,<br />

aos sociólogos, ou até<br />

aos historiadores, enquanto analistas<br />

das questões sociais, mas<br />

também, obviamente, a todos os<br />

amantes da rica cultura angolana.<br />

A finalizar, transmite ao autor<br />

os agradecimentos por ter proporcionado<br />

uma viagem de resgate<br />

aos valores culturais, aos hábitos<br />

e costumes dos kalumbenses.<br />

«Entendemos que Kalumbu é só<br />

pretexto para podermos testemunhar<br />

o sonho do poeta maior de<br />

que «às nossas tradições havemos<br />

de voltar», e esperar que o sonho<br />

de Kadizeba, e de sua esposa, possa<br />

traduzir-se em realidade, isto é,<br />

o ressurgir de Kalumbu das cinzas<br />

do passado para voltar a ser<br />

a princesa de outrora e o alfobre<br />

de intelectuais que, influenciados<br />

pelo sopro propício, definiram linhas<br />

mestras que nos levariam à<br />

liberdade, à paz e ao progresso do<br />

nosso País», remata.<br />

Médico de profissão, Paulo<br />

Campos nasceu em Luanda em<br />

Maio de 1944, tendo iniciado a<br />

sua actividade literária aos 20<br />

anos. Na sua bibliografia, além<br />

desta obra, consta já «Os meus<br />

outros filhos», pela Nzila, em<br />

2000, e «Um kangundu excepcional»,<br />

também pela Nzila, em<br />

2005. Tem ainda vários artigos<br />

dispersos por jornais e revistas<br />

angolanos. ■


40 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Cultura<br />

Decidido quarta-feira em assembleia ordinária<br />

Nova direcção da UEA em Abril<br />

Foi para marcar a data da<br />

eleição do próximo corpo<br />

directivo e apresentar as<br />

contas da instituição que<br />

a direcção em fim de mandato da<br />

União dos Escritores Angolanos<br />

convocou os seus filiados para a<br />

assembleia-geral ordinária realizada<br />

nesta quarta-feira na sua sede.<br />

O conclave, que foi dirigido<br />

pelo vice-presidente da assembleia-geral,<br />

Roderick Nehome,<br />

serviu também para a aprovação<br />

das linhas gerais das estratégias<br />

institucionais da associação.<br />

Os estatutos da União dos Escritores<br />

Angolanos estabelecem que as<br />

eleições devem acontecer nos 15 dias<br />

depois da última assembleia-geral do<br />

mandato cessante. Assim, foi marcado<br />

para o dia 17 de Abril a escolha<br />

dos membros do próximo corpo directivo.<br />

Victor Kagibanga é quem vai<br />

presidir a comissão eleitoral.<br />

A agenda de trabalho prosseguiu<br />

com a apresentação das contas da<br />

União pelo seu secretário-geral,<br />

Adriano Botelho de Vasconcelos,<br />

que logo depois debruçou-se sobre<br />

a estratégia institucional que é uma<br />

espécie de «baliza» e visa proteger<br />

e garantir que nenhuma direcção<br />

futura altere questões consideradas<br />

nucleares e ganhos da instituição.<br />

É assim que no domínio da saúde<br />

a próxima direcção continuará<br />

com o «programa saúde» canalizando<br />

dinheiro para suportar os<br />

custos de diagnósticos mais avançados<br />

e nas situações de as crises<br />

do escritor acontecerem no exterior<br />

do país deve-se garantir a devida<br />

comparticipação nos custos<br />

hospitalares e em medicamentos.<br />

Ainda neste capitulo recomendouse<br />

também uma melhor assistência<br />

aos escritores isolados nas outras<br />

províncias e que se estude a possibilidade<br />

de se manter contactos<br />

com outras clínicas além da clínica<br />

do Alvalade, actualmente a única<br />

parceira da união dos escritores.<br />

É vontade dos membros da<br />

União dos Escritores Angolano<br />

expressa na estratégia institucional<br />

apelar ao Governo para que<br />

conceba um programa integrado<br />

que acelere o ritmo de edificação<br />

de equipamentos multimodais<br />

em rede: bibliotecas, espaços de<br />

música e artes plásticas, salas de<br />

teatro e áreas de uso de novas tecnologias,<br />

já que as comunidades<br />

sentem falta de espaços para ocupação<br />

de tempos livres.<br />

Foram ainda aprovadas estratégias<br />

nos domínios Imobiliário,<br />

dos Conteúdos, Política de Patrocínios,<br />

e do Programa «Quem Me<br />

Dera Ser Onda».<br />

Na cerimónia que foi presenciada<br />

por muitos dos prestigiados membros<br />

da agremiação foi homenageado<br />

com uma moção de reconhecimento<br />

o escritor Dário de Melo, presidente<br />

da mesa de assembleia-geral, ausente<br />

por motivos de doença. ■<br />

Adriano de Sousa<br />

Renovação do «site» é ganho<br />

A<br />

par do aumento do número de títulos publicados<br />

(25 livros por ano em média), o<br />

secretário-geral da União dos Escritores<br />

angolanos, Adriano Botelho de Vasconcelos,<br />

considera a modernização do site da instituição<br />

um ganho alcançado pela direcção cessante.<br />

O novo local da UEA na Internet foi produzida pela<br />

empresa brasileira Dikania, tendo Botelho de Vasconcelos<br />

garantido que foi uma aposta acertada. «Só na primeira<br />

fase do site tivemos cerca de um milhão de acessos<br />

só no link entrevistas, lá onde os escritores demonstram<br />

o seu verbo, a sua visão sobre o mundo», disse.<br />

O escritor referiu que durante a sua existência e<br />

principalmente nos últimos tempos a maior projecção<br />

da união dos escritores tem sido através do seu site por<br />

isso foi tratado com cuidado e ao pormenor as modificações<br />

no sitio. «Nós tivemos o cuidado de estabelecer<br />

contrato com uma empresa brasileira que modificou<br />

o site, uma vez que o anterior tinha muita cor o que<br />

tornava moroso as buscas no site. A questão do tempo<br />

é determinante para muitos internautas. Tivemos que<br />

alterar para um com menos cor com a finalidade de<br />

diminuir o tempo de buscas», explicou.<br />

Outra boa nova é que em breve os livros poderão ser<br />

vendidos a partir do site da união dos escritores angolanos.<br />

Nele está integrado uma loja virtual que só não<br />

funciona ainda porque o sector bancário angolano ainda<br />

não conseguiu dar suporte a essa modalidade de vendas.<br />

A questão da formação no domínio das novas tecnologias<br />

é outra preocupação. Estão já duas funcionárias<br />

da instituição capacitadas para fazer as actualizações<br />

no site. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 41<br />

Cultura<br />

Estratégia institucional da «União»<br />

Os escritores angolanos,<br />

reunidos em Assembleia-Geral,<br />

no passado<br />

dia 23 deste mês de<br />

Marçp, aprovaram, por aclamação,<br />

a «Estratégias Institucional» adoptada<br />

pela UEA para os próximos<br />

tempos, tendo antes aprovado uma<br />

moção de reconhecimento ao escritor<br />

Dário de Melo, presidente<br />

cessante da AG durante os últimos<br />

oito anos, e outra de louvor aos órgãos<br />

sociais prestes a terminar o seu<br />

mandato.<br />

É estabelecida a «Estratégia institucional»<br />

que permitirá que os<br />

planos e visões de gestão e sinergias<br />

que marcam profundamente as necessidades<br />

políticas da instituição,<br />

possam ter em conta os grandes desígnios<br />

nos domínios considerados<br />

nucleares.<br />

A fim de enfrentarem um ambiente<br />

crescentemente competitivo,<br />

baseado na sociedade de mercado,<br />

as organizações sociais de utilidade<br />

pública sentem-se pressionadas<br />

a promoverem mudanças estratégicas<br />

em ritmo cada vez mais acelerado.<br />

Neste contexto de públicos<br />

afastados, a mudança organizacional<br />

como guardiã das boas causas,<br />

configura-se, não como fenómeno<br />

excepcional, mas como expressão<br />

dos compromissos, muitas vezes de<br />

difícil assimilação, e nesse contexto,<br />

a postura voluntarista não será<br />

suficiente para satisfazer as expectativas.<br />

Essa estratégia necessitará sempre<br />

de um forte complemento, a<br />

«Diplomacia de influência», capaz<br />

de tornar menos difícil o processo<br />

de condução dos destinos x< instituição,<br />

aglutinação de esforços que<br />

não pode ser dispensada porque serão<br />

insuficientes todas as boas vontades<br />

dos membros que queiram<br />

oferecer o seu prestígio.<br />

A «Estratégia institucional»,<br />

agora desenvolvida conceptualmente,<br />

em virtude da sua substância,<br />

ultrapassará o período temporal<br />

de um consulado, já que os<br />

seus propósitos são estruturantes e<br />

independentes da vontade dos executivos<br />

que vivem o seu quotidiano.<br />

Os membros entendem que a sua<br />

expressão corresponde aos imperativos<br />

e interesses corporativos que<br />

convergem as vontades dos seus<br />

membros, e até da própria comunidade<br />

na condição de leitores, ou de<br />

beneficiários dos debates de ideias<br />

que enriquecem a pluralidade, e até<br />

no livre acesso e uso do seu espaço<br />

físico da biblioteca e jardins aberto<br />

aos estudantes e demais cidadãos.<br />

Aos órgãos da AG, seu presidente<br />

e vice-presidente coadjuvados por<br />

um vogal, naturalmente, caberá<br />

manter estáveis essas visões e balizas<br />

programáticas, estimulando o<br />

frequente debate colegial do Board<br />

para que a direcção torne efectivos<br />

os processos de implementação e<br />

materialização dos desideratos sufragados.<br />

Segue uma súmula das principais<br />

estratégias institucionais<br />

adoptadas pela UEA:<br />

Saúde - Os escritores, em Assembleia-Geral,<br />

orientam a Direcção<br />

que sair do pleito eleitoral, para<br />

que os processos de gestão mantenham<br />

estáveis as transferências de<br />

recursos ao «Programa saúde». Esses<br />

recursos financeiros devem melhorar<br />

os programas preventivos,<br />

suportar os custos de diagnósticos<br />

mais avançados e nas situações de<br />

as crises do escritor acontecerem no<br />

exterior do país deve-se garantir a<br />

devida comparticipação nos custos<br />

hospitalares e em medicamentos.<br />

Os membros constataram ainda<br />

que o “Programa Saúde” tem oferecido<br />

uma maior dignidade aos<br />

escritores que mais precisam desse<br />

apoio e permite ainda que se valorize<br />

os vínculos afectivos e corporativos<br />

e se tenha, portanto, uma opção<br />

política do social em detrimento do<br />

puro materialismo.<br />

Projecto Imobiliário - O potencial<br />

imobiliário da Instituição<br />

deve levar os actos de gestão<br />

estratégica a uma parceria com<br />

o sector privado, ou mesmo público,<br />

na construção de edifícios<br />

cuja partilha aumente, de forma<br />

significativa, os recursos financeiros<br />

tendo em vista o sucesso<br />

nas políticas editoriais, bolsas de<br />

criação, de saúde, e fomento à habitação.<br />

Em Assembleia Geral, os<br />

escritores incentivam os Órgãos<br />

Sociais para que tenham em conta<br />

as oportunidades de mercado,<br />

estabeleçam, com rigor, as potenciais<br />

estratégias de negócios<br />

dentro dos padrões e paradigmas<br />

modernos de parcerias, cientes<br />

de que a experiência negocial dos<br />

últimos anos, naturalmente, reforçará<br />

o poder negocial para que<br />

sejam alcançados os objectivos de<br />

desafogo orçamental.<br />

Conteúdos - Os escritores,<br />

em Assembleia Geral, constatam<br />

que os Centros de Estudos não<br />

têm publicado anais, ou divulgado<br />

e incentivado, nos espaços de<br />

aprendizagem, o estudo da literatura<br />

angolana e seus protagonistas,<br />

atitude de ausência que empobrece<br />

a visão endógena sobre<br />

a nossa criação quando em confronto<br />

com a grande pujança de<br />

visões que chegam das Cátedras<br />

de outros países muito mais pródigas<br />

na divulgação científica e de<br />

CARMO NETO pode ser o 1.º executor da nova estratégia da UEA<br />

resenha dos conteúdos ficcionais<br />

e poéticos editados com as chancelas<br />

das editoras angolanas.<br />

Os escritores não podem deixar<br />

de recomendar uma efectiva alteração<br />

desses défices, para que os<br />

«Centros de Estudo da Cátedra de<br />

Angola” e o próprio Ministério da<br />

Educação possam tornar em ato<br />

de leitura obrigatória o conjunto<br />

das sete antologias editadas nas colecções<br />

«Guaches da Vida» e «Sete<br />

Egos», conteúdos sistematizados,<br />

tendo em conta a pluralidade estética,<br />

força telúrica e conteudística,<br />

acervos que hoje são referências<br />

obrigatórias nas prestigiadas e seculares<br />

cátedras de Portugal e Brasil<br />

(…).<br />

Desenvolvimento - Os escritores<br />

reconhecem que a cultura deve<br />

fazer parte ativa do nosso crescimento,<br />

assim, apelam ao Governo<br />

para que conceba um programa<br />

integrado que acelere o ritmo de<br />

edificação de equipamentos multimodais<br />

em rede: bibliotecas, espaços<br />

de música e artes plásticas, salas<br />

de teatro e áreas de uso de novas<br />

tecnologias, já que as comunidades<br />

sentem falta desses espaços de OTL<br />

―, Ocupação de Tempos Livres ―<br />

estratégia política que poderia melhorar<br />

o seu meio social.<br />

Os escritores entendem ainda<br />

que deverá ser reforçada a estratégia<br />

de contratualização com as<br />

tradicionais associações, concretamente<br />

a UEA, UNAC e UNAP<br />

e os novos corpos vivos da cultura<br />

baseada em «contrato-programas»,<br />

acções que deverão ser complementadas<br />

com mais recursos para que<br />

exista uma política mais eficiente<br />

de apoio à criação.<br />

Auto-construção - Os escritores,<br />

reunidos em Assembleia-Geral,<br />

reconhecem que o país vive uma<br />

grande odisseia na construção de<br />

um milhão de casas. Promessa que<br />

só será exequível num tempo recorde,<br />

se, obrigatoriamente, o Governo<br />

integrar as iniciativas dos cidadãos,<br />

suas poupanças, e engenho construtivo,<br />

há muito demonstrado no<br />

empenho, como fizeram surgir os<br />

bairros periféricos à busca de alguma<br />

dignidade.<br />

Nessa perspectiva, asseguram<br />

que o défice habitacional, ao atingir<br />

muitos dos seus membros, se<br />

torna razão suficiente para que<br />

decidam orientar os Órgãos Sociais<br />

para a elaboração do projecto<br />

da casa modelo, no intuito de<br />

que, em regime de autoconstrução,<br />

as moradias sejam edificadas<br />

num quarteirão integrado, podendo<br />

ter a designação de «Aldeia<br />

dos criadores». Para materialização<br />

de tão nobre objectivo, deve<br />

ser criada uma estrutura interna<br />

que seja capaz de negociar os espaços<br />

loteados para a autoconstrução<br />

(…).<br />

Patrocínios - Os escritores, em<br />

Assembleia-Geral, entendem por<br />

bem reconhecer publicamente o<br />

Alto Patrocínio da Sonangol Holding,<br />

atribuído com regularidade e<br />

sempre no início de cada ano económico<br />

da empresa, são montantes<br />

que têm sido dedicados à edição de<br />

inéditos dos nossos membros, livros<br />

que enriquecem o imaginário<br />

da sociedade angolana.<br />

À Odebrechet vão os mesmos<br />

votos, já que permite que os respectivos<br />

livros tenham preços<br />

mais atractivos ao suportar os<br />

custos de transporte marítimo e<br />

desalfandegamento das obras impressas<br />

no Brasil. ■


42 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Por: Makiadi<br />

Refrigerante de urina de vaca<br />

Os indianos devem vir<br />

a ter um novo refresco<br />

nos próximos meses.<br />

O serviço indiano de<br />

Protecção de Vacas está a criar<br />

em laboratório um sumo à base<br />

da urina desse animal.<br />

O refrigerante, que foi baptizado<br />

com a designação “água de<br />

vaca”, deverá chegar ao mercado<br />

indiano antes do final deste ano.<br />

A notícia, difundida pelo jornal<br />

“Times”, adianta que se vai tratar<br />

de uma bebida deliciosa e muito<br />

saudável, que não vai ter odor a<br />

urina.<br />

Está programada uma forte<br />

campanha publicitária para difundir<br />

o produto, que vai ter preço<br />

competitivo e vai concorrer<br />

com as marcas tradicionais.<br />

A iniciativa é uma forma de difundir<br />

ainda mais a adoração que<br />

a população da Índia tem pelas<br />

vacas. ■<br />

76 mil dólares gastos<br />

na saúde de papagaio<br />

A<br />

americana Anne Lowery gastou<br />

mais de 76 mil dólares (cerca de 7<br />

milhões de kwanzas) em clínicas<br />

veterinárias, para manter viva a sua<br />

papagaia de estimação de nome Areba, que tinha<br />

cancro.<br />

Depois de lutar 18 meses contra a<br />

doença, a ave morreu na semana passada contando<br />

42 anos de idade, em Tampa (estado da<br />

Flórida). A doença foi diagnosticada em Outubro<br />

de 2008 e a ave viveu mais um ano e meio,<br />

graças ao empenho e ao dinheiro despendido<br />

por Anne. ■<br />

Sexo por<br />

telefone com<br />

presidiários<br />

A<br />

britânica Alice Belton,<br />

de 23 anos, que<br />

trabalhava como<br />

monitora numa<br />

cadeia, pode ser presa por ter<br />

feito sexo por telefone com<br />

três presidiários e por lhes ter<br />

enviado fotos provocadoras<br />

durante seis meses.<br />

De acordo com o jornal<br />

“The Sun”, Alice trabalhava<br />

como voluntária na prisão<br />

Parkhurst, localizada na Ilha<br />

de Wight (sul de Inglaterra).<br />

A jovem tinha a função de verificar<br />

se eram cumpridos na<br />

cadeia os padrões de atendimento<br />

e decência.<br />

Durante uma audiência no<br />

tribunal, Alice admitiu que<br />

manteve relações pessoais e<br />

inapropriadas com os presos.<br />

O tribunal vai anunciar o veredicto<br />

no dia 30 de Março. O<br />

crime de que foi indiciada tem<br />

como pena máxima a prisão<br />

perpétua. ■<br />

Casas anti-terramoto para o Haiti<br />

Estando a discutir-se a reconstrução do Haiti durante o Fórum<br />

Urbano Mundial (Rio de Janeiro 2010), foi na passada<br />

terça-feira apresentado um projecto de casas populares inteligentes,<br />

pré-fabricadas, com sistema anti-terramoto e antifuracão,<br />

e ainda com baixo consumo energético.<br />

O projecto, denominado “Home4Haiti” (Casas para o Haiti), foi<br />

criado por arquitectos e designers brasileiros, com o apoio de profissionais<br />

italianos. O objectivo é pré-fabricar e exportar casas resistentes<br />

a desastres como o que assolou recentemente a ilha caribenha.<br />

A ideia é utilizar a madeira descartada em indústrias e serrações<br />

brasileiras, que normalmente é usada para produzir carvão doméstico.<br />

E a utilização de energia solar e eólica vai proporcionar 70% de<br />

economia no consumo energético.<br />

O projecto utiliza o chamado Sistema Amortecedor de Movimentos<br />

Baseados em Abalos Sísmicos (SAMBA), inspirado na Grande<br />

Muralha da China e que aproveita tijolos de solo-cimento no local de<br />

destino das casas, além de utilizar restos de pneus usados para amortização<br />

dos abalos (veja-se a foto). ■<br />

O mais flexível é indiano<br />

O<br />

jovem Vijay Sharma,<br />

de 27 anos, residente<br />

no estado indiano de<br />

Rajasthan, é o homem<br />

mais flexível da Índia. Ele consegue<br />

dobrar a perna até 180 graus,<br />

tanto para a frente, como para<br />

trás.<br />

Devido à sua grande flexibilidade,<br />

Sharma consegue girar<br />

a perna sobre a cabeça e tomar<br />

refrigerante segurando a garrafa<br />

com os dedos dos pés. A foto ilustra<br />

a grande capacidade de Sharma.<br />

■<br />

Tem ratos como<br />

animais de estimação<br />

A<br />

norte-americana Karen<br />

Robbins é presidente<br />

de uma associação que<br />

reúne pessoas que mantêm<br />

ratos e ratazanas como animais<br />

de estimação.<br />

A agência Associated Press<br />

adianta que, para Karen e seus pares,<br />

o rato é um companheiro encantador.<br />

É considerado tão leal<br />

como os cães e (contrariamente à<br />

ideia sobre si difundida) mais limpo<br />

que os gatos. ■


44 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Silva Candembo<br />

Apesar de o seu histórico<br />

nas «Afrotaças»<br />

não inspirar grandes<br />

euforias, porque tantas<br />

foram as vezes que os clubes<br />

angolanos deixaram escapar<br />

eliminatórias praticamente resolvidas<br />

com bons resultados na<br />

primeira «mão», a prestação dos<br />

nossos embaixadores no último<br />

fim-de-semana das provas continentais<br />

de clubes não pode deixar<br />

ninguém indiferente. Foi simplesmente<br />

extraordinária a forma<br />

como abordaram o primeiro<br />

desafio dos 16 avos de ambas as<br />

competições, conseguindo placards<br />

que a todos faz sonhar alto.<br />

A maior surpresa da ronda<br />

foi protagonizada pela Académica<br />

do Soyo, estreante absoluta<br />

em «Afrotaças». Na recepção do<br />

Enyimba FC de Aba (Nigéria)<br />

para a primeira «mão» dos 16<br />

avos de final da Taça da Confederação,<br />

os comandados de Romeu<br />

Filemon conseguiram um importante<br />

triunfo de 2-0, diante de um<br />

fortíssimo oponente que no passado<br />

recente foi duas vezes campeão<br />

africano (2005 e 2006).<br />

À partida, pelas suas credenciais<br />

no cenário futebolístico africano<br />

e pelo facto de a Académica<br />

do Soyo fazer a sua primeira viagem<br />

nessas lides, o Enyimba era<br />

mais do favorito ao triunfo. Esse<br />

favoritismo, assentava também<br />

em duas bases fundamentais: a<br />

formação angolana não é propriamente<br />

do topo continental e<br />

ainda, por cima, jogou em casa<br />

emprestada, o Estádio do Tchiaze,<br />

em Cabinda, podendo-se dizer<br />

que praticamente actuou em<br />

terreno neutro.<br />

Ainda assim, conseguiu uma<br />

boa vitória. Não sendo robusta –<br />

ninguém em sã consciência poderia<br />

exigir mais – é suficientemente<br />

vantajosa para ser defendida com<br />

unhas e destes, quando dentro de<br />

uma semana se disputar a partida<br />

da segunda «mão». Obviamente<br />

que uma equipa experiente como<br />

a do Enyimba pode anular o placard<br />

de 2-0. Mas, não será fácil,<br />

pois tendo toda a pressão do seu<br />

lado pode ver a sua pretensão traída<br />

pela ansiedade e a obrigação<br />

de vencer.<br />

Angolanos nas «Afrotaças»<br />

Boa safra no início da segunda ronda<br />

Há um dito popular, segundo o qual «o primeiro milho é para os pardais» que muitas vezes se aplica<br />

ao futebol. Só que no caso da prestação das equipas angolanas na primeira «mão» do 16 avos<br />

de final das «Afrotaças», a história pode não ser bem assim. A ver vamos...<br />

A obrigatoriedade de o Enyimba<br />

vencer pode constituir-se em<br />

vantagem para a formação da<br />

base do Kwanda. Afinal, sobre<br />

si não pesa pressão nenhuma e<br />

quem tem de provar à África que<br />

o resultado da primeira «mão» foi<br />

um acidente de percurso é o seu<br />

adversário. Nisso, pode ser que a<br />

Académica colha gordos dividendos.<br />

Não menos bom foi o resultado<br />

alcançado pelo 1.º de Agosto,<br />

também na Taça da Confederação.<br />

Na sua deslocação a Bamako<br />

para defrontar o Clube Olympique<br />

local (Mali), os «militares» do<br />

Rio Seco conseguiram de forma<br />

brava um empate sem golos. É lógico<br />

em provas a eliminar os empates<br />

fora de casa sabem melhor<br />

quando são com golos. Mas, o 0-0<br />

confere extraordinárias doses de<br />

confiança a equipa que disputa a<br />

segunda «mão» em casa.<br />

Na verdade, com excepção do<br />

que aconteceu o ano passado na<br />

fase de grupo desta prova quando<br />

teve por adversário o Stade Malien,<br />

o 1.º de Agosto costuma sairse<br />

quase sempre bem no confronto<br />

com adversários do Mali. No<br />

caso concreto da segunda «mão»,<br />

que terá lugar dentro de uma semana,<br />

é ponto assente que o «rubro-negro»<br />

é favorito ao triunfo e<br />

consequentemente à passagem à<br />

eliminatória seguinte.<br />

Mesmo não podendo contar<br />

ainda com os reforços Kali e<br />

Stélvio Cruz, o que a formação<br />

militar logrou fazer em Bamako<br />

é algo bastante positivo. Isto porque<br />

o futebol maliano ao nível de<br />

clubes tem estado a subir a olhos<br />

vistos nos últimos tempos, sendo<br />

que o Stade Malien conquistou<br />

o ano passado a Taça da Confederação,<br />

o que contagia outros<br />

parceiros locais nas «Afrotaças».<br />

Assim, conseguir um empate fora<br />

de portas com um dos melhores<br />

emblemas do Mali não deixa de<br />

ser importante, na medida que<br />

abre boas perspectivas para o desafio<br />

seguinte, mesmo tendo em<br />

atenção que o 0-0 é sempre um<br />

resultado traiçoeiro.<br />

Já na Liga dos Campeões da<br />

CAF, o Petro-Atlético de Luanda<br />

também não deixou os seus<br />

créditos por mãos alheias. Foi ao<br />

campo do Raja Casablanca (Marrocos)<br />

impor um empate a um<br />

golo, resultado também considerado<br />

bom face à natureza da prova.<br />

Este placard deixa o «tricolor»<br />

numa situação confortável, de tal<br />

sorte que até um empate sem golos<br />

o qualifica para os oitavos de<br />

final.<br />

Na partida de Casablanca, a<br />

formação dirigida por Bernardino<br />

Pedroto teve alma e atitude<br />

de um verdadeiro campeão, com<br />

Lamá a ser o herói da tarde de<br />

Sábado passado, 17, defendendo<br />

tudo o tinha para defender e<br />

mais alguma coisa. Em abono da<br />

verdade, não tendo literalmente<br />

encontrado a equipa caseira às<br />

cordas, o campeão nacional teve<br />

personalidade e forte e actuou de<br />

forma desinibida, o que terá, de<br />

certo modo, surpreendido o oponente.<br />

O resultado que o Petro-Atlético<br />

construiu em casa desse temível<br />

adversário ganha em substância<br />

e importância porque esteve<br />

na posição de vencedor durante<br />

largos minutos e podia inclusivamente<br />

sonhar com a vitória,<br />

apesar das insistentes investidas<br />

contrárias. A forma como fez o<br />

seu papel em campo augura uma<br />

segunda «mão» melhor, mesmo<br />

tendo em conta que o Raja é uma<br />

equipa de topo continental, com<br />

provas mais do que dadas nas<br />

«Afrotaças».<br />

Portanto, o momento parece<br />

bom para os nossos «embaixadores»<br />

nas provas africanas de clubes<br />

e só um azar que fala lembrar<br />

o Diabo poderá deixar o país sem<br />

nenhum representante, quando se<br />

atingir os oitavos de final. ■<br />

Oitavos á vista<br />

Em frente<br />

é o caminho<br />

Caso os três emblemas<br />

angolanos<br />

passem à eliminatória<br />

seguinte, não<br />

lhes está reservado propriamente<br />

um passeio turístico.<br />

Antes pelo contrario, até<br />

porque nesta etapa de ambas<br />

as competições tudo começa<br />

a ficar mais difícil e já não<br />

equipas «acessíveis».<br />

Desse modo, na eventualidade<br />

de o Petro-Atlético conseguir<br />

seguir em frente na<br />

Liga dos Campeões, terá pela<br />

frente o vencedor do duplo<br />

embate entre o Club Africain<br />

(Tunísia) e o JS Kabylie (Argélia),<br />

com a particularidade<br />

de resolver a eliminatória em<br />

casa alheia, o que neste tipo<br />

de provas representa sempre<br />

uma pequena desvantagem,<br />

ainda que teórica.<br />

Ambas as equipas que podem<br />

cruzar o caminho «tricolor»<br />

têm muito prestígio<br />

nas «Afrotaças». A formação<br />

tunisina foi uma vez campeão<br />

de África (1991. Por<br />

seu turno a turma argelina<br />

ergueu o troféu de campeão<br />

continental em 1981 e 1990,<br />

tendo ganho também as extintas<br />

Taça das Taças (1995)<br />

e Taça CAF (2000, 2001 e<br />

2002).<br />

Se a Académica do Soyo<br />

passar, nos oitavos de final<br />

da Taça da Confederação<br />

vai medir forças com o vencedor<br />

da eliminatória que<br />

neste momento coloca frente<br />

a frente o Panthete (Camarões)<br />

e o AS Vita Clube<br />

de Kinshasa (RD Congo),<br />

sendo que este último já foi<br />

campeão africano em 1973,<br />

embora hoje já não ostente o<br />

fulgor dos idos de 70 e 80.<br />

Ainda na Taça da Confederação,<br />

em caso de passagem<br />

á etapa seguinte esperam<br />

pelo 1.º de Agosto o<br />

Leopards (RD Congo) ou<br />

o CotonSport Camarões.<br />

Desses dois adversários, só<br />

a equipa camaronesa conseguiu<br />

chegar longe nas competições<br />

africanas de clubes.<br />

Foi em 2008, quando disputou<br />

e perdeu a final com o Al<br />

Ahly (Egipto).<br />

Como se pode depreender,<br />

na próxima esquina há escolhos<br />

de difícil ultrapassagem.<br />

Mas, em futebol nada é<br />

impossível. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 45<br />

Desporto<br />

«Afrotaças»<br />

Fase de grupos<br />

em perspectiva<br />

Os placards construídos<br />

pelas formações<br />

angolanas<br />

na primeira «mão»<br />

dos 16 avos de final das «Afrotaças»<br />

abrem perspectivas<br />

animadoras para o futebol<br />

angolano nas duas principais<br />

provas de clubes do calendário<br />

continental. Pelo que o trio<br />

composto por Académica do<br />

Soyo, 1.º de Agosto e Petro-<br />

Atlético de Luanda fez, é legítimo<br />

pensar-se que podem<br />

passar aos oitavos de final.<br />

Pelo menos é isso o que a lógica<br />

«diz», embora seja consabido<br />

que aquela nem sempre<br />

vinga no desporto.<br />

Na eventualidade de os três<br />

conseguirem o desiderato dos<br />

oitavos de final, há grandes<br />

probabilidades de o futebol<br />

angolano chegar a fase de<br />

grupos de uma das provas. É<br />

certo que na Taça da Confederação<br />

há ainda duas eliminatórias<br />

para se chegar à derradeira<br />

etapa e nessa caminhada<br />

tudo pode acontecer. Mas, não<br />

é menos verdade que se, por<br />

exemplo, o «tricolor» for afastado<br />

nos «oitavos» da Liga dos<br />

Campeões, ainda terá uma<br />

repescagem para chegar à fase<br />

de grupos da Taça da Confederação.<br />

Pelo número de equipas<br />

angolanas engajadas, as possibilidades<br />

de o futebol angolano<br />

chegar à fase de grupos<br />

de uma ou de outra prova são<br />

enormes. Ou seja, pelo menos<br />

uma das equipas pode consegui-lo.<br />

Isto seria muito bom,<br />

na medida em que só facto<br />

de se atingir esse patamar já<br />

se assegura um preciosíssimo<br />

ponto para a importante classificação<br />

do G-12, o selecto<br />

grupo de países que competem<br />

com quatro representantes<br />

nas «Afrotaças».<br />

Note-se que Angola integra<br />

essa elite desde 2004, altura<br />

em que o figurino de disputa<br />

das provas africanas de clubes<br />

foi alterado pela CAF. ■<br />

Credores preocupadíssimos<br />

Dirigentes do COCAN não atendem telefones<br />

Ao contrário do que o ministro da<br />

Juventude e Desportos, Gonçalves<br />

Muandumba, tinha anunciado<br />

após a disputa da fase final do<br />

CAN’2010 já não será criada uma empresa<br />

estatal para a gestão dos quatro estádios<br />

construídos para servir a competição e outros<br />

tantos pavilhões multiuso erguidos para<br />

o Afrobasket’2007, eventos disputados em<br />

Angola.<br />

A informação foi avançada ao Semanário<br />

<strong>Angolense</strong> por fonte do ministério da Juventude<br />

e Desportos (MJD).<br />

Esta revelou que ao invés<br />

da tal empresa, será criada<br />

uma estrutura composta<br />

por alguns directores da<br />

instituição, a qual vai cuidar<br />

desses recintos e de<br />

outros recentemente recuperados<br />

pelo governo.<br />

Ainda não se sabe efectivamente<br />

qual será a composição<br />

desse órgão, mas o<br />

Passados quase 60 dias<br />

sobre o fim da 27.ª<br />

edição do CAN, disputado<br />

entre 1 e 31<br />

de Janeiro passado nas cidades<br />

angolanas de Benguela, Cabinda,<br />

Luanda e Lubango, e a dois<br />

meses da apresentação de contas<br />

às autoridades do país, o<br />

Comité Organizador do evento<br />

(COCAN) continua a fazer comprometedores<br />

ziguezagues, que<br />

estão a agastar profundamente<br />

as pessoas colectivas e singulares<br />

que serviram a instituição antes,<br />

durante e depois da competição.<br />

Depois de todas a borradas<br />

protagonizadas na preparação da<br />

fase final do CAN e também durante<br />

a disputa da prova, outros<br />

problemas de monta surgiram.<br />

Um deles é a volumosa dívida<br />

decorrente de bens e serviços adquiridos<br />

no mercado angolano.<br />

Não se sabe ainda qual a real dimensão<br />

do «kilapi», mas estimase<br />

em alguns milhões de dólares<br />

americanos, moeda tida como<br />

referencia para transacções em<br />

Angola.<br />

Para os credores que denunciaram<br />

o facto ao Semanário <strong>Angolense</strong>,<br />

o problema maior não é<br />

a dívida em si porque têm consciência<br />

que o governo angolano,<br />

cujo símbolo apareceu associado<br />

a toda a publicidade do evento,<br />

honra sempre os seus compromissos,<br />

embora quase sempre<br />

tardiamente. Segundo nos<br />

adiantou o director executivo de<br />

uma empresa nessas condições, a<br />

dívida do COCAN já se arrasta<br />

há muito tempo e isto será prejudicial<br />

para as empresas credoras,<br />

que também têm contas para pagar<br />

e ficam assim «penduradas».<br />

O problema maior, segundo<br />

assinalaram alguns credores que<br />

contactaram o nosso jornal tem<br />

a ver com o facto de que nos últimos<br />

tempos nenhum dirigente<br />

do COCAN atende às insistente<br />

chamadas telefónicas do credores<br />

que pretendem saber quando<br />

é que verão a cor do dinheiro.<br />

«Já ninguém responde às nossas<br />

chamadas para dizer pelo menos<br />

que por enquanto não há dinheiro<br />

e que, por isso, aguardem<br />

mais um pouco. A resposta tem<br />

sido o silêncio», disse o proprietário<br />

de uma das empresas com a<br />

qual o COCAN tem dívida.<br />

Empresa para gerir estádios não passa de intenção<br />

MJD criará comissão<br />

de gestão de infra-estruturas<br />

Semanário <strong>Angolense</strong> está na posse de informações<br />

segundo as quais deverão integrar o<br />

mesmo os directores do Plano e Finanças,<br />

dos Desportos e do Gabinete Jurídico. Ainda<br />

assim, será nomeado um administrador<br />

geral das infra-estruturas desportivas, que<br />

deverá prestar contas à comissão que vier a<br />

ser nomeada.<br />

Na verdade, a decisão da criação dessa<br />

comissão configura a materialização de um<br />

plano B. É que a expectativa no MJD era que<br />

fosse criada uma pasta de vice-ministro para<br />

as infra-estruturas, como<br />

houve até há bem pouco<br />

tempo. Porém, na pequena<br />

alteração governamental<br />

acontecida no princípio<br />

da semana o Presidente<br />

da República deixou tudo<br />

como estava no pelouro<br />

governamental do desporto.<br />

■<br />

S.C.<br />

Segundo apurou o Semanário<br />

<strong>Angolense</strong>, só os funcionários<br />

intermédios do COCAN (sem<br />

nenhum poder de decisão, portanto)<br />

é que atendem as chamadas<br />

telefónicas dos credores. Só<br />

que estes nada têm de concreto<br />

para dizer, já que eles próprios<br />

praticamente há muito tempo<br />

que não têm contacto com os<br />

seus superiores hierárquicos.<br />

Mas esse problema não se coloca<br />

apenas ao nível de empresas.<br />

Milhares de voluntários em<br />

todo o país (des)esperam pelos<br />

seus prémios e todos os dias ligam<br />

para funcionário das chefias<br />

intermédias do COCAN para<br />

saber em que pé está a situação,<br />

mas estes nada têm para lhes dizer.<br />

Das quatro cidades-sede do<br />

CAN’2010 «chovem» diariamente<br />

centenas de chamadas telefónicas,<br />

mas poucas pessoas que<br />

respondem não têm respostas.<br />

A preocupação é ainda maior,<br />

sobretudo entre os empresários<br />

que serviram o COCAN, porque<br />

todos sabem que o governo<br />

já disponibilizou as necessárias<br />

verbas para pagar os bens e serviços<br />

adquiridos pela Organização<br />

do evento. «É do conhecimento<br />

de todos que o governo<br />

deu o dinheiro pedido pelo CO-<br />

CAN para fazer as despesas que<br />

se impunham. De tal sorte que<br />

todas as empresas estrangeiras<br />

e mesmo pessoas individuais<br />

não angolanas receberam o que<br />

lhes era devido tão logo acabou o<br />

CAN. Daí a nossa preocupação,<br />

porque não sabemos donde é que<br />

sairá mais dinheiro para pagar<br />

as dívidas existentes», disse um<br />

lesado na condição de não ser<br />

identificado.<br />

O COCAN foi criado por despacho<br />

presidencial de 9 de Janeiro<br />

de 2008, tendo sido indicado<br />

para director-geral Justino José<br />

Fernandes, à época igualmente<br />

assessor do PR para a área social.<br />

De acordo com o documento,<br />

que dá um prazo de 120 dias<br />

após o termo do campeonato<br />

para a apresentação de contas, o<br />

também presidente da Federação<br />

Angolana de Futebol (FAF) é coadjuvado<br />

por António Mangueira,<br />

que ocupa o cargo de director<br />

executivo. ■<br />

Do COCAN<br />

Regulamento<br />

vilipendiado<br />

S.C.<br />

Foram muitas os atropelos cometidos<br />

pelo Comité Organizador da Copa de<br />

África das Nações (COCAN), chegando<br />

inclusivamente a mandar às urtigas<br />

o seu próprio regulamento. Por exemplo, no artigo<br />

2.º (sede) do Capítulo I (Disposições Gerais)<br />

desse documento lê-se que « O COCAN-2010<br />

tem a sua sede em Luanda, no Complexo da Cidadela<br />

Desportiva, podendo ter representações<br />

nas cidades que acolham jogos do evento.»<br />

Só que não foi isso que aconteceu e o CO-<br />

CAN teve duas sedes diferentes, ambas fora do<br />

Complexo da Cidadela Desportiva. A primeira<br />

esteve no bairro Alvalade, numa vivenda que<br />

é propriedade de alguém do... COCAN. A segunda<br />

e última está no mal urbanizado Rocha<br />

Pinto (onde as ruas sequer têm nome ou números)<br />

e é propriedade de um actual secretário de<br />

Estado.<br />

Note-se que de acordo com o desenho original<br />

do COCAN, a sua sede deveria ser erguida<br />

em Talatona (Sul de Luanda) para depois servir<br />

a FAF. Mas até agora as obras ainda não estão<br />

concluídas, o que levou a se «queimar» verdadeiras<br />

fortunas com o aluguer de casas para a<br />

Organização do CAN funcionar. ■


46 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />

Desporto<br />

Angola-Madagáscar para as eliminatórias do CHAN<br />

Simplesmente para ganhar ou... ganhar<br />

Silva Candembo<br />

Angola defronta hoje<br />

no estádio 11 de Novembro<br />

a sua similar<br />

do Madagáscar em<br />

partida de conclusão da primeira<br />

ronda eliminatória da Zona<br />

VI de acesso à fase final do<br />

CHAN, o Campeonato Africano<br />

das Nações reservado a jogadores<br />

que actuam nas Ligas dos<br />

respectivos países. É uma partida<br />

em que e equipa treinada<br />

por Zeca Amaral é claramente<br />

favorita e só tem duas hipóteses<br />

e nada mais: vencer ou... vencer.<br />

Mesmo não perdendo de vista<br />

que hoje por hoje não há equipas<br />

fáceis no panorama futebolístico<br />

mundial e que os jogos ganhamse<br />

em campo, é quase certo que<br />

as «Palancas Negras» têm tudo<br />

para vencer e continuar em prova,<br />

esperando depois pelo adversário<br />

que sairá da contenda<br />

entre o Malawi e Moçambique.<br />

Colocando na balança o valor<br />

de ambas as selecções, está claro<br />

que Angola, que se viu «reforçada»<br />

por alguns jogadores de boa<br />

qualidade vindos de campeonatos<br />

europeus, está muitos furos<br />

acima do Madagáscar. Por isso,<br />

estima-se que com maiores ou<br />

menores dificuldades as «Palancas<br />

Negras» vão levar de vencida<br />

este embate, que apesar do aparente<br />

desnível não deixa de ser<br />

difícil para a selecção nacional<br />

que tem sobre si todo o peso da<br />

pressão.<br />

Além da superioridade natural<br />

da selecção de Angola relativamente<br />

a do Madagáscar há<br />

o «tónico» do resultado obtido<br />

na primeira «mão» em casa do<br />

adversário. Foi um empate (0-<br />

0) com sabor. Não por ter sido<br />

arrancado em casa alheia, mas<br />

sobretudo pelas incidências do<br />

jogo que teve um árbitro com<br />

uma indisfarçada tendência caseira,<br />

que não só fez «vista grossa»<br />

a um claro penaltie cometido<br />

pelo Madagáscar, mas invalidou<br />

um golo limpo de Angola.<br />

Se bem que em alta competição<br />

não pode haver lugar ao<br />

espírito de desforra, muito comum<br />

em trumunus de bairro, a<br />

partida hoje terá um saborzinho<br />

à desforra. Depois da roubalheira<br />

da primeira «mão», é mais do<br />

que natural que os jogadores interiorizem<br />

que têm a obrigação<br />

de mostrarem aos seus adeptos<br />

e ao continente, que em casa do<br />

adversário o resultado teria sido<br />

favorável a si, caso a arbitragem<br />

não fosse descaradamente caseira.<br />

Por isso, associando todos<br />

esses factores, teoricamente favoritismo<br />

absoluto para Angola,<br />

que deverá vencer a partida.<br />

Resta apenas saber por que números.<br />

■<br />

Histórico<br />

Madagáscar em vantagem<br />

Um galardão para Angola...<br />

Jesus premiado na Gala da CAF<br />

As selecções de Angola e do Madagáscar já se encontraram em quatro<br />

ocasiões, incluindo o desafio realizado há duas semanas para a primeira<br />

«mão» do CHAN. Curiosamente e apesar da teórica superioridade de<br />

Angola, o fiel da balança pende favoravelmente para o lado dos «Escorpiões»,<br />

sendo que o resultado mais frequente foi o 0-0. Eis o histórico<br />

das partidas disputadas desde 1981, ano do primeiro jogo entre ambas<br />

as selecções:<br />

Data Resultado Cidade Prova<br />

23/06/81 Angola, 0 - Madagáscar, 0 Maputo Amistoso<br />

17/08/10 Angola, 0 - Madagáscar, 1 Luanda CAN<br />

28/04/91 Madagáscar, 0 - Angola, 0 Antan. CAN<br />

14/03/10 Madagáscar, 0 - Angola, 0 Mayajang CHAN<br />

Depois da soberba<br />

campanha do futebol<br />

angolano em<br />

2001, ano referente<br />

ao qual Angola conseguiu<br />

uma mão cheia de prémios<br />

na Gala da Confederação<br />

Africana de Futebol (CAF),<br />

o nosso pais voltou a constar<br />

da lista de premiados. Desta<br />

feita, o galardão coube a Osvaldo<br />

Saturnino de Oliveira,<br />

conhecido nas lides futebolísticas<br />

como «Jesus», ele que<br />

partilhou o Prémio Lenda do<br />

Futebol com Jean-François<br />

Bocandé (Senegal) e Stephen<br />

Keshi (Nigéria).<br />

«Jesus» foi uma referencia<br />

do futebol africano nos anos<br />

80, tanto em representação<br />

da equipa nacional como do<br />

«seu» Petro-Atlético de Luanda,<br />

sendo bastante admirado<br />

em todo o continente.<br />

Actualmente vice-presidente<br />

da Federação Angolana de<br />

Futebol, Osvaldo Saturnino<br />

de Oliveira viu assim reconhecido<br />

o seu contributo<br />

para o futebol continental<br />

na Gala que na sexta-feira<br />

da semana passada, 12, premiou<br />

várias categorias.<br />

O prémio maior, o de Futebolista<br />

do Ano (de 2009)<br />

foi para o marfinense Didier<br />

Drogba (Chelsea/Inglaterra),<br />

que disputou o galardão<br />

com o seu companheiro de<br />

equipa Michael Essien, do<br />

Ghana, e o camaronês Samuel<br />

Eto’o. Também conhecido<br />

como Bola de Ouro,<br />

esta distinção. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 47<br />

Desporto<br />

Temos seleccionador...<br />

É mesmo Boloni<br />

A<br />

questão do seleccionador nacional está praticamente<br />

acertada, sendo que a partir dos próximos dias o novo líder<br />

técnico das «Palancas Negras» atende pelo apodo de<br />

Laszlo Boloni, romeno de naturalidade e nacionalidade,<br />

tendo também a cidadania francesa. Tudo foi «arrumado» a semana<br />

passada em Lisboa pelo presidente da Federação Angolana de Futebol<br />

(FAF), Justino Fernandes, e o treinado, estando prevista a assinatura<br />

do contrato para os próximos tempos.<br />

A informação foi prestada por fonte da FAF ao Semanário <strong>Angolense</strong>.<br />

Segundo a mesma, entre os três nomes que estavam à mesa<br />

de Justino Fernandes, este e os seus pares da federação optaram por<br />

Laszlo Boloni, que em princípio deverá assinar um contrato de dois<br />

anos, referente ao ciclo do CAN, entretanto, renováveis por mais<br />

dois, caso os resultados sejam positivos.<br />

Paulo Duarte, que no CAN de Angola orientou a selecção do<br />

Burkina-Faso «caiu» por ser essencialmente uma indicação de... Manuel<br />

José. Para os dirigentes do futebol angolano, caso se apostasse<br />

nesse técnico o anterior seleccionador poderia continuar a ter forte<br />

influência dentro da equipa, perspectiva que em nada os agradou,<br />

visto que a saída do último técnico da selecção nacional não foi nada<br />

pacífica. Por seu turno, Herve, que levou a Zâmbia aos quartos de<br />

final do CAN’2010, perdeu terreno e acabou afastado por causa do...<br />

idioma.<br />

A nossa fonte não soube precisar qual será o salário do novo seleccionador,<br />

mas garantiu que está longe da «loucura» de € 250 mil<br />

que auferia mensalmente o português Manuel José. «Nem o Jorge de<br />

Jesus no Benfica de Lisboa ganha tanto como ganhou o antigo seleccionador<br />

de Angola. As circunstâncias ditaram aquele ordenado<br />

estratosférico, porque mal como estava ninguém mais quis segurar<br />

na selecção nacional», explicou.<br />

Laszlo Boloni deverá apresentar-se em finais de Abril, depois de<br />

terminada a temporada europeia, e possivelmente traga um adjunto<br />

seu, assunto que está ainda em estudo pela direcção da FAF. Enquanto<br />

quanto isso, Zeca Amaral deverá continuar a integrar a comissão<br />

técnica nacional.<br />

Há dois anos no Standard Liege, da I Divisão Belga, Laszlo Boloni<br />

teve passagens pelo Nancy, Rennes e Mónaco, todo do principal escalão<br />

francês, bem como pelo Sporting de Portugal, onde foi campeão<br />

luso em 2001/03. Nascido a 11 de Março de 1953 (tem 57 anos) também<br />

esteve uma época do Al-Jazira, da Arábia Saudita. ■<br />

CAF distingue os melhores<br />

Drogba é o maior de África<br />

Anualmente a Confederação Africana de Futebol (CAF) distingue<br />

com prémios os futebolistas, clubes e selecções que mais se<br />

tenham destacado em cada época desportiva. Eis os vencedores<br />

das diversas classes, referente ao ano de 2009:<br />

Bola de Ouro: Didier Drogba (Chelsea/Costa do Marfim)<br />

Melhor Jogador em África: Trésor Mputu Mabi (T.P. Mazembe/RDC)<br />

Selecção do Ano: Argélia<br />

Clube do Ano: TP Mazembe (RDC)<br />

Jogador Revelação: Dominic Adiyiah (AC Milan e Ghana S-20)<br />

Técnico do Ano: Sellas Tetteh (Ghana S-20)<br />

Fair-Play: Adeptos do Al Hilal (Sudão)<br />

Adeptos do Ano: De Clubes da África do Sul<br />

Legendas do futebol Africano: Stephen Keshi (Nigéria), Jules-François<br />

Bocandé (Senegal), Osvaldo Saturnino de Oliveira «Jesus» (Angola)<br />

Troféu de Platina: Prof. John Evans Atta Mills (Presidente do Ghana)<br />

Equipa Ideal do Ano: Guarda-redes – Muteba Kidiaba (RD Congo e TP<br />

Mazembe); Defesas – John Pantsil (Ghana e Fulham/Inglaterra), Nadir Belhadj<br />

(Argélia e Portsmouth/Inglaterra), Wael Gomaa (Egipto e Al-Ahly);<br />

Médios – Alexandre Song (Camarões e Arsenal/Inglaterra), Michael Essien<br />

(Ghana e Chelsea/Inglaterra), Seydou Keita (Mali e FC Barcelona/Espanha),<br />

Yaya Touré (Costa do Marfim e FC Barcelona/Espanha); Atacantes – Trésor<br />

Mputu Mabi (RD Congo e TP Mazembe), Samuel Eto’o (Camarões e Inter<br />

Milão/Itália) e Didier Drogba (Costa do Marfim e Chelsea/Inglaterra). ■<br />

Nasce a nova «Catedral»<br />

Construído para acolher<br />

jogos do CAN’2010,<br />

o novel estádio 11 de<br />

Novembro, na Camama,<br />

volta a ganhar vida este fimde-semana,<br />

ao receber a selecção<br />

nacional num desafio de suma<br />

importância, desta feita diante<br />

do Madagáscar para a segunda<br />

«mão» a primeira eliminatória Zonal<br />

VI de apuramento à fase final<br />

do CHAN.<br />

Depois que terminou o<br />

CAN’2010, a 31 de Janeiro passado,<br />

a selecção disputou no «11<br />

de Novembro» a sua única partida<br />

pós-CAN, diante da Letónia,<br />

tendo empatado a um golo. Agora<br />

voltará ao magnífico estádio que<br />

pouco a pouco se vai transformando<br />

em sua casa e na nova<br />

«Catedral» do futebol nacional,<br />

depois do «cartão vermelho» que<br />

o estádio da Cidadela recebeu da<br />

Federação Internacional de Futebol<br />

Associado (FIFA).<br />

É verdade que no seu primeiro<br />

jogo no «11 de Novembro» a selecção<br />

nacional não foi muito<br />

feliz, tendo empatado a quatro<br />

golos com o Mali, na abertura do<br />

CAN’2010. Depois dessa partida<br />

os angolanos venceram uma (2-0<br />

frente ao Malawi), perderam outra<br />

(0-1 diante do Ghana) e empataram<br />

a última sem golos no amistoso<br />

com a Letónia. Em termos<br />

numéricos a prestação de Angola<br />

nesse novo recinto não é famosa,<br />

ficando-se pelos 40 % em termos<br />

de eficácia.<br />

Aos poucos, porém, o «11 de<br />

Novembro» se vai tornando numa<br />

referência para a selecção nacional,<br />

no seu «habitat natural». E o<br />

desafio com o Madagáscar, que se<br />

espera obviamente vitorioso para<br />

Angola, vem mesmo a calhar para<br />

começar a dar do estádio a imagem<br />

de uma fortaleza inexpugnável<br />

das «Palanca Negras».<br />

Caso Angola vença, melhora<br />

um pouco a sua eficácia neste estádio<br />

que doravante passará a ser<br />

a sua «primeira casa», sem menosprezo<br />

para outras como o «Tchiaze»<br />

de Cabinda, o «Ombaka»<br />

de Benguela e a «Tundavala» do<br />

Lubango, além de outros estádios<br />

em províncias como o Huambo,<br />

Namibe, Moxico e Lunda Norte,<br />

onde há futebol domestico de<br />

primeira e os adeptos estão sedentos<br />

de ver a sua selecção evoluir.<br />

Apesar dos preços acessíveis dos<br />

bilhetes de ingresso, seguramente<br />

o estádio 11 de Novembro não vai<br />

ter «casa» tão bem composta como<br />

aconteceu nos quatro desafios que<br />

disputou para o CAN’2010, quando<br />

os 50 mil lugares do recinto<br />

foram completamente lotados nessas<br />

ocasiões. E isto é perfeitamente<br />

normal porque a importância da<br />

fase final de um CAN não é comparável<br />

com um jogo eliminatório<br />

do CHAN. Portanto, se registar<br />

meia casa já será muito bom.<br />

Mas esse quadro pode ser invertido<br />

pelas autoridades desportivas<br />

angolanas, se efectivamente<br />

quiserem. Ou seja, sempre que a<br />

selecção actuar no «11 de Novembro»<br />

o estádio pode sim encher<br />

completamente, algo que seguramente<br />

acontecia em qualquer<br />

outra cidade, não só pelo tamanho<br />

dos estádios, mas também pela<br />

«sede» que as pessoas têm de ver a<br />

sua equipa nacional.<br />

Para que a nova «Catedral» registe<br />

lotação esgotada em partidas<br />

como a de hoje, faz-se necessário<br />

um conjunto de acções, a começar<br />

pelos atractivos, como acontece,<br />

por exemplo, noutros países. Nos<br />

EUA quando há um jogo de futebol<br />

americano (é diferente do<br />

nosso futebol, que lá chamam soccer),<br />

independentemente da sua<br />

importância, a jornada transforma-se<br />

num evento social da maior<br />

relevância.<br />

Se o jogo começa, por exemplo,<br />

às 17h00, oito ou sete horas antes<br />

já há gente ao redor do estádio. Essas<br />

pessoas, que geralmente vão<br />

em núcleo familiar (pai, mãe, filhos,<br />

primos, sobrinhos e às vezes<br />

até avôs), «queimam» o tempo<br />

debaixo de amplos alpendres colocados<br />

no quintalão do estádio<br />

e transformados em restaurante,<br />

onde devoram centenas de quilos<br />

de hambúrgueres, cachorros<br />

quentes e outras comidas. Como<br />

é tradição lá, consomem cerveja à<br />

potes e discute-se acaloradamente<br />

o jogo.<br />

Além dos restaurantes, nos pátios<br />

há lojas móveis de conveniências,<br />

onde se vende de tudo um<br />

pouco com destaque para material<br />

de merchandising (camisolas,<br />

bonés, cachecóis, bandeiras, etc.)<br />

das equipas envolvidas. Também<br />

há bancas de jornais, caixas electrónicos<br />

de bancos e outros tipos<br />

de negócios, quase todos correlacionados<br />

com o evento. Depois de<br />

devidamente «papados», entram<br />

no estádio para puxarem pelas<br />

suas equipas.<br />

Todos esses atractivos, fazem da<br />

actividade desportiva nos Estados<br />

Unidos da América um programa<br />

de divertimento para toda a família.<br />

Isto é algo que acontece também<br />

na Argentina e muitos mais<br />

países. Dados ao lazer como os angolanos<br />

são, essa fórmula também<br />

pode vingar no nosso país. Para<br />

tanto, basta que as autoridades<br />

desportivas metam mãos á obra e<br />

coloquem no amplo pátio do «11<br />

de Novembro» (e outros estádios<br />

novos, é claro) os necessários equipamentos<br />

para que o recinto passe<br />

a fazer parte do roteiro do citadino<br />

sempre que há jogo. ■


Sábado, 27 de Março de 2010. 48<br />

Salomão<br />

Filipe<br />

Bento<br />

Kangamba<br />

Joaquim<br />

Ribeiro<br />

Presidente<br />

da República<br />

Issac<br />

dos Anjos<br />

GPL<br />

Embora contestado por<br />

alguns sectores da sociedade,<br />

por alegada falta de<br />

provas irrefutáveis para a<br />

incriminação dos réus do<br />

«Caso Frescura», Salomão<br />

Filipe, o juiz da causa, foi<br />

de opinião contrária: ele e<br />

os seus coadjutores deram<br />

como provada a esmagadora<br />

maioria dos quesitos<br />

produzidos ao longo do julgamento,<br />

tidos como suficientes<br />

para se ter a certeza<br />

de que os acusados foram<br />

efectivamente os autores do<br />

massacre. E tudo indica que<br />

não há dúvidas por aí além,<br />

pelo que a reacção dos que<br />

aplaudem a sentença ditada<br />

(24 anos de prisão) são<br />

de longe superiores aos do<br />

grupo do «contra». O Tribunal<br />

Supremo tratará de<br />

confirmar ou não a justeza<br />

da pesada pena. ■<br />

O homem será, entre os<br />

novos-ricos do país, dos que<br />

mais se preocupa com causas<br />

sociais. Da última vez<br />

que entrou em cena, há dias,<br />

Bento Kangamba deslocouse<br />

à chamada vila dos chineses<br />

(ali mesmo onde poucos<br />

dias depois a doação das<br />

três chapas de zinco e um<br />

barrote do MINARS seria<br />

rechaçada), para levar bens<br />

de primeira necessidade e<br />

conforto moral às cerca de<br />

80 famílias sinistradas pela<br />

grande enxurrada de Janeiro<br />

de 2007, que lá vivem em<br />

tendas, à espera (sentadas)<br />

que o governo lhes arranje<br />

casa. Ao contrário do que<br />

aconteceria depois, o seu<br />

gesto foi muito bem aceite,<br />

em meio a uma conversa<br />

demorada, que terá servido<br />

também para os reconfortar<br />

de algum modo.■<br />

Dada a sua condição de<br />

comandante provincial da<br />

Polícia, não faltaram vozes<br />

a atribuírem-lhe responsabilidades<br />

no massacre da<br />

Frescura. Com alguma lógica,<br />

diga-se. Contudo, foi<br />

ele quem deu o primeiro<br />

passo para que os agentes<br />

que se terão excedido no<br />

cumprimento de uma «ordem<br />

superior» para se combater<br />

com mais dinamismo<br />

a criminalidade no Sambizanga,<br />

fossem levados a<br />

tribunal. Afinal, os agora<br />

condenados não tinham<br />

qualquer mandato para se<br />

porem aí a matar desalmadamente<br />

como o fizeram<br />

naquele dia. Disciplinador,<br />

como é conhecido, Joaquim<br />

Ribeiro fez questão que os<br />

prevaricadores tivessem o<br />

castigo merecido. Que sirva<br />

de lição. ■<br />

Afinal, não foi por falta<br />

de aviso que o Presidente<br />

da República se viu obrigado<br />

a recuar da forma inglória<br />

como o fez no caso<br />

de Pedro Mutindi, ao ter<br />

de reconstituir o ministério<br />

da Hotelaria e Turismo,<br />

para acomodar o antigo<br />

«soba do Cunene», que se<br />

rebelara depois de ter sido<br />

rebaixado à condição de<br />

secretário de Estado, sob<br />

as ordens de uma mulher.<br />

Numa das reuniões do secretariado<br />

do Bureau Político<br />

do MPLA, em que<br />

se estava a esboçar a composição<br />

do 1.º governo da<br />

III República, Roberto de<br />

Almeida avisou o «Chefe»<br />

da imprudência em que se<br />

constituiria o rebaixamento<br />

de Pedro Mutindi. O PR<br />

desconsiderou o aviso e o<br />

resultado foi o que se viu. ■<br />

Se errar humano é, persistir<br />

no erro é diabólico – assim<br />

diz a sabedoria popular.<br />

E é isto precisamente o que<br />

Isaac dos Anjos se predispõe<br />

a fazer, ao não pretender<br />

recuar na sua cruzada<br />

contra pobres cidadãos do<br />

Lubango, a quem tem remetido<br />

a condições humilhantes<br />

em «centros de acolhimento»,<br />

depois de lhes<br />

partir as casas, no quadro<br />

de um alegado projecto de<br />

desenvolvimento económico.<br />

Embora contestado de<br />

vários quadrantes, incluindo<br />

do seu próprio partido,<br />

o governador huilano, colocando<br />

a carroça em frente<br />

dos bois, já fez saber que irá<br />

continuar com as precipitadas<br />

e, sobretudo, desumanas<br />

demolições. E se construísse<br />

primeiro as casas para os realojar,<br />

não seria melhor? ■<br />

Sabido que o GPL quase<br />

não dá conta de nada, já se<br />

supunha que, em circunstância<br />

alguma, o gabinete da<br />

governadora iria tratar com<br />

dignidade as centenas de<br />

desalojados das muitas contendas<br />

que povoam os arredores<br />

de Luanda. Porém,<br />

quando, no início da semana,<br />

se anunciou em hossanas<br />

o envio de assistência<br />

para os desalojados das calemas<br />

do ano passado, nem<br />

ao diabo ocorreria que a tal<br />

ajuda se circunscreveria,<br />

afinal, a algumas chapas de<br />

zinco. Será que se acreditava<br />

no GPL que os desalojados<br />

se fossem cobrir das chuvas<br />

colocando as chapas sobre a<br />

cabeça? Pelo que tudo indica,<br />

depois do desprezo com<br />

que os expulsou dos seus lares,<br />

o GPL optou agora pela<br />

mera provocação. ■<br />

Papa acusado de ignorar sevícias contra menores<br />

Quando mais procura se distanciar da polémica,<br />

mais o seu nome aparece vinculado à trama<br />

sexual que vem sacudindo a Igreja Católica.<br />

Na quinta-feira última, 25, o Papa Bento<br />

XVI foi acusado de ter ignorado as denúncias de várias<br />

famílias norte-americanas segundo as quais um conhecido<br />

padre do estado de Wisconsin, EUA, abusava sexualmente<br />

vários garotos.<br />

De acordo com o jornal diário norte-americano The<br />

New York Times, que publicou uma extensa reportagem<br />

sobre a matéria, a alegada «vista grossa» do chefe da Igreja<br />

Católica, ao tempo, apenas, cardeal Joseph Ratzinger<br />

resultou que durante 24 anos, o padre Lawrence Murphy<br />

molestasse mais de 200 meninos registados num colégio<br />

interno para rapazes surdos.<br />

Na altura, Joseph Ratzinger, chefiava um departamento<br />

do Vaticano que lidava com casos de abuso sexual.<br />

Durante mais de 20 anos antes de ser eleito sumo pontífice,<br />

o Cardeal Ratzinger liderou a Doutrina da Fé, um<br />

departamento do Vaticano que tinha como responsabilidade,<br />

entre outras, lidar com casos de abuso de crianças.<br />

O The New York Times teve acesso aos documentos do<br />

processo que vítimas apresentaram na Justiça. Entre eles<br />

estão correspondências entre os bispos do Estado e altas<br />

autoridades do Vaticano, inclusive algumas endereçadas<br />

ao cardeal Joseph Ratzinger, actual papa Bento XVI, na<br />

época em que era chefe da Congregação para Doutrina<br />

da Fé, responsável por tratar questões disciplinares na<br />

Igreja.<br />

O reverendo Lawrence Murphy, trabalhou na dita escola<br />

para jovens surdos entre 1950 e 1974.<br />

As denúncias só começaram a ser investigadas em<br />

1993, quando as alegações contra o padre começaram<br />

a chegar ao arcebispo de Milwaukee à época, Rembert<br />

Weakland.<br />

«O arcebispo Weakland contratou um assistente social<br />

especializado no tratamento de crimes sexuais para<br />

avaliar (o padre Murphy). Após quatro dias de entrevistas,<br />

o assistente social afirmou que o padre admitiu os<br />

actos de que era acusado, ou seja que ele tinha molestado<br />

cerca de 200 garotos e que não tinha remorsos», relata o<br />

The New York Times.<br />

Na altura, escreve o jornal, o arcebispo Weakland escreveu<br />

cartas ao cardeal Ratzinger pedindo a suspensão<br />

do padre Murphy em 1996, com o objectivo de «neutralizar<br />

a indignação entre a comunidade surda e restaurar<br />

a confiança na Igreja.» Ratzinger aparentemente não respondeu<br />

a nenhuma das duas cartas que recebeu do arcebispo<br />

norte-americano.<br />

O diário norte-americano diz que o caso passou pelas<br />

mãos de outros funcionários de alto escalão do Vaticano,<br />

mas que os procedimentos foram interrompidos depois<br />

que o próprio padre Murphy escreveu ao cardeal Ratzinger<br />

alegando saúde frágil e pedindo que o caso fosse<br />

abandonado. Ele morreu quatro meses depois e foi enterrado<br />

em vestimentas da Igreja.<br />

Em resposta às acusações colocadas pelo jornal, o porta-voz<br />

do Vaticano, Frederico Lombardi, reconheceu que<br />

o padre havia violado a lei e crianças «particularmente<br />

vulneráveis», e que o caso é «trágico».<br />

Entretanto, ele disse que o Vaticano só tomou conhecimento<br />

do caso em 1996 e que, àquela altura, a<br />

saúde frágil e a ausência de casos recentes envolvendo<br />

o padre pesaram na decisão de suspender o julgamento<br />

contra ele. ■

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