Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat
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DIRECTOR GERAL<br />
GRAÇA CAMPOS<br />
DIRECTOR ADJUNTO<br />
SILVA CANDEMBO<br />
Kz 250,00<br />
EDIÇÃO <strong>360</strong> · ANO VII<br />
WWW.SEMANARIO-ANGOLENSE.COM<br />
SÁBADO • 27 De MArçO De 2010<br />
GÁS NÃO CONVENCIONAL DA CHINA<br />
ATRAI A SHELL Página 26<br />
ARTIGO 47.º<br />
LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO<br />
1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem<br />
armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.<br />
2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à<br />
autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei<br />
UEA<br />
Nova direcção<br />
é em Abril<br />
• Página 40<br />
QUE SURTO É ESTE?<br />
K. Kanawa<br />
internado<br />
de urgência<br />
• Página 5<br />
Cerveja para<br />
corromper<br />
governantes<br />
Diante da «afonia» do Governo<br />
HAJA PORTA-VOZ<br />
É convicção geral que o<br />
Governo precisa de se<br />
comunicar com as populações<br />
em moldes diferentes<br />
e sem manipulação.<br />
É altura dessa actividade<br />
de marketing e relações<br />
públicas ser exercida com<br />
mais realismo e por via de<br />
pessoas com nomes concretos<br />
que possam dar<br />
a cara pelo executivo, interagindo<br />
com<br />
os órgãos de informação<br />
• Página 8<br />
TEMPO máx min<br />
SÁB 27°C 22°C<br />
DOM 33°C 22°C<br />
SEG 32°C 21°C<br />
TER 29°C 22°C<br />
QUA 28°C 24°C<br />
QUI 29°C 24°C<br />
SEX 28°C 24°C<br />
Numa reunião do secretariado do BP do MPLA disse que a dupla<br />
Idalina/Mutindi não funcionaria. JES fingiu não ter ouvido<br />
«RA» pressentiu a crise<br />
no Ministério do Comércio
2 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
em Foco<br />
Direitos & obrigações<br />
Graça Campos<br />
1. Não nos parece que o tom<br />
com que o governador da Huíla<br />
descreveu o programa de demolições<br />
em curso naquela província,<br />
a proibição que o governador de<br />
Benguela impôs a uma manifestação<br />
prevista para quinta-feira<br />
na qual se deveria contestar o uso<br />
do camartelo, e o lançamento de<br />
um abaixo assinado contra estes<br />
programas sejam apenas coincidências.<br />
Pessoas sem papas na língua,<br />
como parece ser o caso de Isaac<br />
dos Anjos, normalmente tendem<br />
a ser intempestivas, ou frontais,<br />
como também parece ser o caso<br />
do governador da Huíla.<br />
Pessoas sem papas na língua e<br />
frontais, como nos parece que é<br />
o caso de Isaac dos Anjos, invariavelmente<br />
provocam choques,<br />
e quem provoca choques, normalmente<br />
tem que se sujeitar às<br />
replicas.<br />
Lendo e ouvindo o que o governador<br />
da Huíla tem dito não nos<br />
surpreende o vendaval que se seguiu.<br />
A demolição, justa ou não,<br />
dói às pessoas que passam a viver<br />
numa tenda, ao invés de numa<br />
casa. No caso da Huíla após o<br />
choque resultante da «ordem pessoal»<br />
do governador para deitar<br />
abaixo o que - convenhamos - estava<br />
mal, seguiu-se um discurso<br />
igual ou tão arrasador quanto a<br />
acção do camartelo.<br />
Isaac disse que não tinha outra<br />
alternativa, explicou as várias<br />
etapas porque passou o processo,<br />
os custos, o impasse que vinha<br />
criando, os constrangimentos que<br />
sobram para as outras províncias,<br />
mas perdeu-se tremendamente ao<br />
explicar como a razão estava do<br />
seu lado.<br />
Razão, convenhamos, não é só<br />
estar do lado certo da lei. Quem<br />
anda em política sabe que os discursos<br />
políticos soam melhor<br />
quando impregnados de razoabilidade.<br />
Não nos parece que seja<br />
este o caso do governador, que,<br />
perante a vaga que se criou, colou<br />
o segundo secretário do MPLA<br />
na província à oposição. Quase<br />
que o colou à UNITA, que é pecado<br />
mortal para os militantes do<br />
MPLA.<br />
Isaac tem sobre ele também a<br />
circunstância de o poder exonerar<br />
a qualquer momento do posto de<br />
administrador municipal do Lubango.<br />
Não nos parece, todavia,<br />
que possa garantir que entre as<br />
cabeças que vão rolar uma delas<br />
seja a do vice-governador, que foi<br />
o que ele sugeriu ao Novo Jornal.<br />
Como sabemos, mesmo que se<br />
permita a um governador propor<br />
a equipa com que quer trabalhar,<br />
que foi o que sustentou a mudança<br />
observada em Malanje, a última<br />
palavra cabe ao presidente da<br />
Os mais de 30<br />
anos de poder a<br />
solo deram ao<br />
MPLA traquejo<br />
para imobilizar a<br />
oposição, asfixiar<br />
a imprensa, mas,<br />
pelos vistos, não<br />
o preparam para<br />
um exercício banal<br />
como é o direito à<br />
manifestação<br />
Director: Graça Campos Director-Adjunto: Silva Candembo<br />
Editores — Editor Chefe: Severino Carlos; Política: Severino Carlos; Economia: Cristóvão de Sousa Neto;<br />
Sociedade: Salas Neto; Cultura: Salas Neto; Desporto: Silva Candembo<br />
Redacção: Rui Albino, Baldino Miranda, Adriano de Sousa e Pascoal Mukuna<br />
Colaborades: Sousa Jamba, Fernando Macedo, Kanzala Filho, Manuel Rui,<br />
Luís Kandjimbo, Kenneth Muanji, Anastácio Ndunduma, Josué Sapalo, Kajim-Bangala, Peter James, Maurílio Luiele,<br />
Adriano Botelho de Vasconcelos e Celso Malavoloneke<br />
Paginação e Design: Sónia Júnior (Chefe) e Patrick Ferreira Fotografia: Nunes Ambriz e Virgílio Pinto<br />
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As opiniões expressas pelos colunistas e colaboradores do SA não engajam o Jornal.<br />
República, e o governador da Huíla<br />
não pode dizer com segurança<br />
que tem a exoneração de um dos<br />
seus vices assegurada.<br />
Isaac dos Anjos fala também de<br />
um programa de auto construção<br />
dirigida. A experiência no nosso<br />
país sobre esta matéria é péssima.<br />
Não inspira confiança a ninguém.<br />
Por essa razão se pede ao governador<br />
razoabilidade nas palavras<br />
e nos actos. Por exemplo, não nos<br />
parece que caiba a Isaac dos Anjos<br />
definir os limites da imprensa,<br />
com base no que ele entende que<br />
sejam o uso e abuso do sofrimento<br />
das pessoas.<br />
Nos últimos dias o governador<br />
da Huíla não cansou de falar. Falou<br />
à Voz da América duas vezes,<br />
falou ao Novo Jornal? Se ele fala<br />
quando quer, por que não permite<br />
que as pessoas desalojadas<br />
falem para a imprensa onde quer<br />
que estejam?<br />
De Benguela chegou a notícia<br />
de que o governador local tinha<br />
proibido a realização de uma manifestação<br />
prevista para a última<br />
quinta-feira.<br />
A decisão não nos surpreende.<br />
Apesar da lei não fazer depender<br />
a realização de manifestações da<br />
decisão de um governador, seja<br />
de Luanda, da Huíla, de Benguela<br />
ou de outra província qualquer, a<br />
verdade é que foi este o caminho<br />
seguido pelo general Armando da<br />
Cruz Neto.<br />
O MPLA apenas está a provar<br />
que toma o direito à manifestação<br />
como uma contrariedade de todo<br />
tamanho. O «track record» do<br />
MPLA nesta matéria é péssimo,<br />
o silêncio da justiça é conhecido.<br />
Mas seja como for nada nos inibe<br />
de colocar a pergunta mais uma<br />
vez: a quem devem recorrer os cidadãos<br />
que vêem recusados o seu<br />
Continua na pág.3<br />
QUI<br />
18<br />
MAr<br />
SeX<br />
19<br />
MAr<br />
SÁB<br />
20<br />
MAr<br />
DOM<br />
21<br />
MAr<br />
SeG<br />
22<br />
MAr<br />
Ter<br />
23<br />
MAr<br />
QUA<br />
24<br />
MAr<br />
QUI<br />
25<br />
MAr<br />
MAIS ACORDOS<br />
É de causar inveja (ao Ocidente) o modo como as<br />
relações entre Angola e a China se intensificam. O<br />
«namoro» entre ambos vai de vento em poupa e a visita<br />
de Ji Peiding, membro do Comité Consultivo da<br />
Política Externa da China, é prova disso. Vêm aí mais<br />
acordos de âmbito económico.<br />
MANIFESTAÇÃO À VISTA<br />
Passou o tempo de assistir calado a atrocidades de<br />
uns e outros neste país. Se alguns não concordam, a<br />
OMUNGA tem demonstrado isso mesmo. Aquela<br />
ONG pretende organizar uma manifestação em Benguela<br />
em protesto às demolições ordenadas por Isaac<br />
dos Anjos na província da Huila.<br />
PRODUTOS MALÉFICOS<br />
Falar de direito do consumidor entre nós é quase uma<br />
fraude. Um exemplo recente foi o escândalo das águas<br />
contaminadas da EPAL na Vila Alice. O INADEC, mesmo<br />
a minguar, tenta fazer a sua parte e desta vez alerta que<br />
o consumo da sobremesa «Ultra Mel» pode ser prejudicial.<br />
ÁGUA IMPRÓPRIA<br />
Tal como ocorreu na Vila Alice, o Bairro da Madeira,<br />
no Sambizanga, também teve água mal cheirosa<br />
mas suas torneiras. Os populares suspeitam que a origem<br />
esteja no campo Mário Santiago, onde se encontra<br />
uma conduta com tubos quebrados bem juntinha<br />
aos montões de lixo. O que a EPAL vai dizer agora?<br />
DURA LEX SED LEX?<br />
O Caso Frescura, como foi conhecido o processo<br />
judicial mais mediático dos últimos tempos teve o seu<br />
veredicto final. Os sete agentes da polícia foram condenados<br />
a uma pena de 24 anos de prisão maior. Os<br />
familiares das vítimas dizem ser pouco. Ainda assim<br />
sempre se pode «dura lex sed lex»?<br />
CONDENADOS RECORREM<br />
Como em toda peleja, o final não agrada aos contendores<br />
em simultâneo. O Caso Frescura não foi excepção.<br />
Agora são os familiares dos condenados que<br />
pretendem organizar uma marcha de protesto contra a<br />
sentença do Tribunal Provincial de Luanda ao mesmo<br />
tempo que os advogados recorrem ao Supremo.<br />
ANJOS DOS DIABOS<br />
A maka das demolições na província da Huíla está<br />
longe de ser resolvida conforme os populares almejam.<br />
Isaac dos Anjos chamou a imprensa para dizer<br />
que as demolições vão continuar até Junho e que 270<br />
casas estão na mira. Será por mero prazer de ver gente<br />
a sofrer que o governador huilano persiste?<br />
PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS<br />
A lei que permite a exploração de biocombustíveis<br />
já foi aprovada pela Assembleia Nacional. Isso significa<br />
que terras aráveis que podiam revitalizar a produção<br />
de alimentos no país serão engajadas em plantações<br />
para municiar a indústria de combustível. Ainda vale<br />
a velha discussão académica?
Sábado, 27 de Março de 2010. 3<br />
em Foco<br />
R. de Almeida pressentiu<br />
crise com Pedro Mutindi<br />
A<br />
crise que resultou da recusa de Pedro Mutindi em<br />
aceitar ser secretário de Estado da Hotelaria e do<br />
Turismo, subordinado à ministra do Comércio,<br />
Turismo e Hotelaria, Idalina Valente, depois dele<br />
próprio ter sido ministro do Turismo e Hotelaria durante 16<br />
meses, perturbou a actividade do Governo, a harmonia dentro<br />
do MPLA, mas não surpreendeu um dos membros da sua<br />
direcção.<br />
Roberto de Almeida, vice-presidente do MPLA desde Outubro<br />
de 2009, fez algumas observações quando o presidente<br />
da República levou a lista da composição do Governo ao secretariado<br />
do Bureau Político.<br />
O número dois do MPLA estaria preocupado com os<br />
constrangimentos porque passaria Mutindi tão logo passasse<br />
à condição de número dois num pelouro no qual tivera<br />
durante muito tempo a última palavra.<br />
Fontes familiarizadas com o processo disseram ao Semanário<br />
<strong>Angolense</strong> presidente do MPLA desvalorizou as observações<br />
de Roberto de Almeida, ‹‹matando›› a conversa logo<br />
à partida, como que sugerindo ao seu coadjutor para não ir<br />
por aí.<br />
A verdade é que consumada a despromoção, Mutindi começou<br />
a arrastar os pés, inviabilizando a actividade do ministério,<br />
faltando inclusive a algumas reuniões convocadas<br />
ROBERTO DE ALMEIDA pressentiu que ‹‹aquilo›› não<br />
iria dar certo. Não foi ouvido e o resultado é o que todos conhecemos<br />
pela sua nova chefe, Idalina Valente.<br />
Avisado da crise - pois Mutindi não escondeu o seu desencanto<br />
- o presidente da República não teve outra alternativa<br />
se não refazer a composição do Governo e para evitar<br />
estragos à sua imagem, José Eduardo dos Santos colocou o<br />
«caso» no mesmo «embrulho» em que nomeou a sua equipa<br />
de apoio. ■<br />
Conclusão da pág. 2<br />
direito à manifestação, previsto na lei?<br />
Pode o presidente da República falar com propriedade<br />
de respeito pelos direitos dos cidadãos, se dois<br />
meses após o famoso congresso que suposto era marcar<br />
o corte com o passado se proíbem manifestações?<br />
Resumindo: os mais de 30 anos de poder a solo<br />
deram ao MPLA traquejo para imobilizar a oposição,<br />
asfixiar a imprensa, mas, pelos vistos, não o preparam<br />
para um exercício banal como é o direito à manifestação.<br />
2. Apesar do fatalismo que rodeia aqueles que se viram<br />
desalojados, e impedidos de se manifestar, sabe<br />
bem saber que corre pelo país um abaixo assinado,<br />
iniciado pelo colunista e escritor Jacques dos Santos.<br />
Parece-nos que o MPLA apesar de impedir manifestações<br />
em Luanda, em Benguela e de impedir a<br />
imprensa de fazer caso das demolições na Huíla, não<br />
conseguiu evitar o que sempre temeu, ou seja, o efeito<br />
bola de neve.<br />
A iniciativa lançada por Jacques dos Santos é um<br />
exercício de cidadania que, ao contrário das manifestações,<br />
o MPLA não pode bloquear ou censurar. Não<br />
precisa do amparo da imprensa do Estado para circular.<br />
Já agora, seria bom também que quando o abaixo<br />
assinado chegasse ao Parlamento os deputados procurassem<br />
saber das razões porque nenhum projecto de<br />
construção auto dirigida tenha acabado bem, ou porque<br />
razão, experiência após experiência, o governo<br />
não consegue executar um programa de demolições<br />
que não atire as pessoas para o relento. ■
4 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
em Foco<br />
A traição da Constituição<br />
Se os manifestantes que na Quinta-feira, 25, se preparavam<br />
para sair às ruas da cidade de Benguela<br />
para protestar contra as demolições em curso nas<br />
principais cidades angolanas, não tivessem usado<br />
de toda a sua sensatez, o mais provável é que o país estivesse<br />
agora a anotar mais um banho de sangue na sua atribulada<br />
história.<br />
E ao fazê-lo, estariam também a discutir com que legitimidade<br />
um punhado de angolanos fardados teria ousado<br />
chacinar, apenas agredir ou molestar a um outro grupo de<br />
concidadãos que, independentemente da justeza da causa,<br />
tenha decidido manifestar publicamente os seus ideias.<br />
Nos acontecimentos que tiveram lugar nesta Quintafeira<br />
em Benguela, uma manifestação que haveria de juntar<br />
um número não definido de cidadãos em protesto contra as<br />
demolições, resultou anulada pela força dissuasora de um<br />
ameaçador aparato policial em antecipação colocado nas<br />
ruas por ordens que se diziam superiores, mas que não poderiam<br />
partir de um outro poder que não fosse o único, que<br />
é o do governador provincial.<br />
Com anterioridade, as autoridades locais declararam a<br />
manifestação ilegal e mandaram difundir um comunicado<br />
ameaçador, em que advertiam eventuais participantes a<br />
não comparecerem à manifestação, pois que não se responsabilizariam<br />
pelos danos que adviessem.<br />
Acontece, porém, que se os organizadores não tivessem<br />
evitado o confronto e tivessem partido para as ruas onde<br />
seriam recebidos a tiro e a baioneta, a cassetete, socos e<br />
pontapés, teriam sido antes de mais nada vítimas da ignorância<br />
do governador de Benguela e seus coadjutores.<br />
Teria sido o desconhecimento que o governador possui<br />
sobre matéria da Constituição que teria alimentado o massacre<br />
que esteve a momentos de acontecer, tendo os contendores<br />
separados apenas por metros.<br />
Efectivamente, o artigo 47º da Constituição, que consagra<br />
a Liberdade de Reunião e Manifestação, estabelece no<br />
seu número 1 que «é garantida a todos os cidadãos a liberdade<br />
de reunião e de manifestação pacífica sem armas, sem<br />
necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei».<br />
No seu número 2 o artigo 47º determina que «as reuniões<br />
e manifestações em lugares públicos [apenas] carecem de<br />
prévia comunicação à autoridade competente nos termos e<br />
para os efeitos estabelecidos por lei».<br />
Tivessem aqueles que tencionavam manifestar-se sido<br />
algo mais incautos, e ver-se-iam atirados para a mais vil das<br />
humilhações, a agressão ou o cárcere, com o sentimento de<br />
terem sido traídos pelo fino floreado de um texto constitucional<br />
em relação ao qual já se está a provar que existe uma<br />
flagrante inépcia dos representantes institucionais angolanos.<br />
Teriam sido traídos até mesmo pelas boas intenções do<br />
tipo daquelas que está o inferno cheio, como foram as declarações<br />
do secretário para a Informação do CC do MPLA,<br />
Rui Falcão Pinto de Andrade, que na semana em que se deram<br />
os acontecimentos de Benguela foi citado pelo Jornal<br />
de Angola a afirmar que a partir da adopção da Constituição,<br />
quem a violasse seria alvo de severa punição pelos seus<br />
actos.<br />
O desafio maior será agora ver o que acontece ao governador<br />
de Benguela à luz das declarações de Rui Falcão.<br />
Certamente, diz a evidência histórica, as decisões que<br />
emergirem mesmo quando for sobejamente sabido ter ele<br />
acometido de forma grosseira contra a Constituição e os<br />
direitos fundamentais dos manifestantes, deixarão com o<br />
sentimento de traição não só aqueles, mas a imensa maioria<br />
dos angolanos. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 5<br />
em Foco<br />
O<br />
Jornal dos Desportos,<br />
Por birra com Matias Adriano<br />
Manaças propõe mudanças<br />
no Jornal dos Desportos<br />
título especializado<br />
das Edições Novembro,<br />
pode registar mudanças<br />
na sua estrutura directiva.<br />
O actual director, Matias<br />
Adriano, poderá deixar o cargo<br />
por desavenças pessoais com Filomeno<br />
Manaças, director-geral<br />
adjunto para a Informação.<br />
Segundo apurou o Semanário<br />
<strong>Angolense</strong> de fonte limpa, Matias<br />
Adriano, apesar de continuar a<br />
fazer o seu trabalho num quadro<br />
de normalidade, incluindo a assinatura<br />
regular do editorial da publicação,<br />
está afinal suspenso do<br />
cargo a caminho de cinco meses.<br />
Em Outubro do ano passado,<br />
Manaças, vendo-se na condição<br />
de director-geral em exercício da<br />
empresa, por ausência do país<br />
de José Ribeiro, aproveitou-se<br />
de uma falha mínima de Matias<br />
Adriano, que poderia terminar<br />
numa conversa de segundos, para<br />
suspender o colega de quem já não<br />
morria de amores; uma rivalidade<br />
secular que, segundo insinuação<br />
do Club-K-Angola, a nossa pista<br />
para esta matéria, resulta de um<br />
«confronto numa novela de saias.<br />
Regressado entretanto ao país,<br />
Ribeiro avaliou o caso concluindo<br />
que era mais de foro pessoal do<br />
que laboral. Sem tomar partido,<br />
deixou que fosse o gabinete jurídico<br />
a encarregar-se da sua condução.<br />
Levantamento da suspensão<br />
foi o veredicto da instância<br />
jurídica da empresa.<br />
Porém, ainda de acordo com<br />
as nossas fontes, Manaças, insatisfeito<br />
com a decisão, escreveu a<br />
Ribeiro para que este propusesse<br />
ao Ministério da Comunicação<br />
Social a exoneração de Matias<br />
Adriano. O director-geral das<br />
Edições Novembro respondeu negativamente<br />
a esta solicitação, e<br />
mandou o seu adjunto «passear»<br />
por reconhecer haver injustiça<br />
na maneira ríspida e extravasada<br />
como este tomava a peito um caso<br />
que de gravidade não teve quase<br />
nada.<br />
Numa clara usurpação de poderes,<br />
Manaças faz então uma ultrapassagem<br />
à direita ao seu chefe<br />
imediato e «encomenda» directamente<br />
ao ministério a exoneração<br />
do seu inimigo de estimação. Manuel<br />
Rabelais, na altura o ministro,<br />
terá também ele ignorado o<br />
caso, não lhe dando importância.<br />
Porém, trocada a direcção do ministério,<br />
Manaças terá voltado a<br />
fazer novas investidas no sentido<br />
de consumar o seu objectivo.<br />
Ele, que dentro da Edições Novembro<br />
lidera uma ala conhecida<br />
por não se relacionar bem com o<br />
director-geral, quer, segundo dados<br />
ao nosso dispor, reconduzir<br />
Policarpo da Rosa, despromovido<br />
a adjunto em 2008 a pedido de Ribeiro,<br />
que tem em Matias Adriano<br />
o seu homem de confiança.<br />
Isto a acontecer, dizem os colegas<br />
do jornal, seria uma desonra<br />
ao director-geral e prova de uma<br />
gritante desordem administrativa<br />
nas Edições Novembro.<br />
Tentativas de contactar Filomeno<br />
Manaças redundaram em fracasso.<br />
Quanto a Matias Adriano,<br />
contactado ao telefone, disse que<br />
não se pronunciaria sobre o caso<br />
sem autorização de José Ribeiro.<br />
Mas o Semanário <strong>Angolense</strong> promete<br />
insistir no contacto aos visados<br />
para a próxima edição.<br />
O que se conclui aqui é que<br />
Matias Adriano, um dos mais<br />
notáveis escribas desportivos da<br />
praça, pode estar de saída de um<br />
jornal que serviu desde a sua fundação,<br />
se Carolina Cerqueira, ao<br />
contrário de José Ribeiro e Manuel<br />
Rabelais, anuir à pressão<br />
de Manaças. Mas, jurista que é,<br />
espera-se que saiba ouvir a voz da<br />
razão. ■<br />
A propósito de «Tropelias<br />
de dois expatriados»<br />
Por lamentáveis problemas técnicos, o Semanário <strong>Angolense</strong><br />
publicou na passada edição uma matéria sob o título<br />
«Tropelias de dois expatriados», que saiu «em bruto»,<br />
muito longe daquela que, em condições normais, seria a<br />
sua versão definitiva. Tal ocorrência retirou qualidade técnica ao<br />
texto, alterando grandemente o seu conteúdo.<br />
Este jornal não está em condições de confirmar a veracidade das<br />
acusações expendidas contra Patrícia Mano, engenheira civil de<br />
nacionalidade portuguesa, relativamente a supostas transferências<br />
ilegais para o estrangeiro de altas somas em divisas. Também não<br />
pôde apurar de supostas ligações entre ela e dignitários angolanos.<br />
Reportando-nos, agora, tão-somente aos factos temos que Leopoldo<br />
Penovano, um antigo segurança ao serviço de Patrícia Mano,<br />
veio ao Semanário <strong>Angolense</strong> denunciar um caso de supostas injustiças<br />
e arbitrariedades, cometidas sobre a sua pessoa, pela referida<br />
cidadã lusa e respectivo cônjuge, um médico cubano.<br />
De acordo com as denúncias de Leopoldo Penovano, ao fim de<br />
cinco anos de serviço, surgiram insanáveis problemas entre ele e os<br />
patrões, em casa dos quais chegou a viver com a família – mulher<br />
e filhas. Segundo o guarda, por instigação do cidadão cubano, o<br />
clima azedou-se ao ponto de culminar com o seu despedimento,<br />
depois de injustamente acusado pelos patrões de furtar da casa dinheiro<br />
e artigos domésticos.<br />
Por razões distintas das de Penovano, mas igualmente arbitrárias<br />
segundo a fonte, foi também despedido o motorista da casa,<br />
um cidadão angolano de nome Adilson. Quando os dois antigos<br />
empregados, segundo alegaram, procuraram junto dos ex-patrões<br />
simplesmente por uma indemnização, estes recusaram e a situação<br />
acabou degenerando em desacato entre as partes.<br />
O guarda Leopoldo Penovano seria depois preso pela polícia<br />
acusado e posteriormente julgado sob acusação de tentativa de assassinato<br />
e roubo. Segundo declarações do próprio o julgamento<br />
aconteceu a 8 de Fevereiro, mas Leopoldo foi absolvido por falta de<br />
provas. E é neste ponto que estavam as coisas quando se resolveu<br />
por fazer as denúncias ao Semanário <strong>Angolense</strong>.<br />
Contudo, ao cruzar a informação, o médico cubano assegurou a<br />
este jornal que o guarda foi sentenciado em pena suspensa, estando<br />
proibido de circular pela rua onde se situa a residência em que<br />
coabita com a portuguesa Patrícia Mano. Para mais informações, o<br />
cubano remeteu-nos ao investigador que instruiu o caso.<br />
De acordo entretanto com a opinião pericial emitida por um advogado<br />
ouvido pelo Semanário <strong>Angolense</strong>, se o cidadão já foi julgado,<br />
o investigador já nada tem a ver com o caso.<br />
No essencial seria apenas – e só – este o conteúdo da matéria publicada<br />
se não tivessem ocorrido imponderáveis problemas técnicos<br />
na sua edição, de que este jornal, sinceramente, se penitencia. Os<br />
problemas foram de tal ordem que, inclusivamente, foi trocada uma<br />
das fotos publicadas como sendo do guarda Leopoldo Penovano. ■<br />
O<br />
ministro para os Assuntos<br />
Parlamentares,<br />
Norberto Santos<br />
«Kwata Kanawa», foi<br />
internado de emergência numa<br />
clínica de Luanda, onde ao que<br />
consta recebe assistência médica<br />
para combater os efeitos de<br />
um ligeiro acidente vascular cerebral,<br />
disseram ao Semanário<br />
<strong>Angolense</strong> parentes próximos<br />
daquele político.<br />
Kwata Kanawa<br />
de baixa médica<br />
A ocorrência teria tido lugar<br />
no último fim de semana. Kwata<br />
Kanawa foi tomado pela moléstia<br />
numa altura em que estava a<br />
concluir a instalação do ministério<br />
para o qual foi nomeado em<br />
Fevereiro.<br />
O novo ministro vinha lidando<br />
também com o delicado<br />
problema de um filho, indiciado<br />
no arrombo feito aos cofres do<br />
BNA.<br />
«Kwata Kanawa» era até ao<br />
congresso do MPLA realizado<br />
em Dezembro passado era secretário<br />
do BP para a Informação.<br />
De cama também estará<br />
Henrique de Carvalho Santos,<br />
«Onambwé».<br />
Fontes fidedignas disseram ao<br />
Semanário <strong>Angolense</strong> que aquele<br />
antigo membro da direcção do<br />
MPLA teria igualmente sofrido<br />
um AVC. ■
6 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Capa<br />
Diante da persistente «afonia» do executivo<br />
Venha daí o porta-voz<br />
É convicção geral que o<br />
Governo precisa de se comunicar<br />
com as populações<br />
em moldes diferentes e sem<br />
manipulação. É altura dessa<br />
actividade de marketing e<br />
relações públicas ser exercida<br />
com mais realismo e por via<br />
de pessoas com nomes concretos<br />
que possam dar a cara<br />
pelo executivo, interagindo<br />
com os órgãos de informação<br />
Severino Carlos<br />
As mais recentes remodelações<br />
efectuadas<br />
na área de imprensa<br />
do corpo de<br />
colaboradores e assistentes do<br />
Presidente da República tiveram<br />
o condão de trazer à tona<br />
uma velha discussão que continua<br />
a fazer todo o sentido: a necessidade<br />
imperiosa de se erigir<br />
um porta-voz de facto não apenas<br />
para essa instituição como<br />
para todo o Governo de uma<br />
maneira geral.<br />
O mote foi sobretudo dado<br />
com a passagem de José [Manuel<br />
Feio] Mena Abrantes para<br />
o lugar antes ocupado por Aldemiro<br />
[Justino de Aguiar]<br />
Vaz da Conceição, que nunca<br />
desempenhou esse papel cabal<br />
e plenamente, já que limitado,<br />
reconheça-se, por sérios constrangimentos<br />
conjunturais e<br />
institucionais.<br />
À falta dessa importante figura<br />
na orgânica comunicacional<br />
do Estado tem resultado<br />
numa imagem opaca do executivo<br />
junto das populações.<br />
Frequentes vezes paira mesmo<br />
o que se pode considerar uma<br />
autêntica «afonia». Não há ninguém<br />
para comunicar ao público,<br />
por via da imprensa, as realizações<br />
do Governo em tempo<br />
real e obter-se o feedback dos<br />
cidadãos.<br />
O figurino comunicacional<br />
do executivo esgota-se, pelos<br />
vistos, em programas de marketing<br />
institucional desenvolvidos<br />
por brasileiros e portugueses,<br />
com os quais se tem<br />
dispendido uma pipa de massa,<br />
sem que isso impeça que a opinião<br />
pública tome tais exercícios<br />
como propaganda inútil.<br />
É assim mesmo que as pessoas<br />
têm apreendido programas do<br />
género «Angola em Movimento»,<br />
os quais, por mais voltas<br />
que dêem, vão sempre ter ao<br />
mesmo: propaganda balofa.<br />
É convicção geral que o Governo<br />
precisa de se comunicar<br />
com as populações de forma<br />
diferente e sem manipulação. É<br />
altura dessa actividade de marketing<br />
e relações públicas ser<br />
exercida com mais realismo e<br />
por via de pessoas com nomes<br />
concretos que possam dar a cara<br />
pelo executivo, interagindo com<br />
os órgãos de informação.<br />
Mas está visto que essa função<br />
não deve ser entregue a<br />
um órgão governamentalizado<br />
como é o Ministério da Comunicação<br />
Social. Daí a necessidade<br />
da criação de um porta-voz,<br />
cuja actividade favoreceria o<br />
direito à informação dos próprios<br />
cidadãos, sem se perder<br />
de vista desígnios de melhoria<br />
de imagem da administração.<br />
Agora que o executivo foi<br />
praticamente «absorvido» pela<br />
tutela presidencial faz todo o<br />
sentido que o papel seja exercido<br />
pelo recém-nomeado secretário<br />
para os Assuntos de Comunicação<br />
Institucional e Imprensa<br />
do Presidente da República, cuja<br />
actividade não se esgotaria na<br />
difusão de «press releases». Mas<br />
interagir directamente com os<br />
jornalistas com maior regularidade<br />
e frequência.<br />
Seria altura de vermos José<br />
Mena Abrantes, por exemplo,<br />
a partir de um púlpito, e tendo<br />
atrás de si um cenário composto<br />
pelos símbolos da República,<br />
a explicar a um batalhão de jornalistas<br />
as razões da derrapagem<br />
de um determinado programa<br />
governamental.<br />
Não seria nada de outra galáxia.<br />
Assim mesmo se passa em<br />
muitos outros países, onde há<br />
«meetings» regulares do portavoz<br />
com os jornalistas. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 7<br />
Capa<br />
Com amarras no PR<br />
DICAS<br />
A<br />
questão de um porta-voz<br />
efectivo em<br />
Angola tem amarras<br />
profundas que não<br />
têm a ver somente com a existência<br />
ou não de pessoas com potencial<br />
para exercer essa tarefa.<br />
É também um problema de mimetismo<br />
com raízes na própria<br />
personalidade do Presidente da<br />
República. Alguém se lembra,<br />
por exemplo, da última vez que<br />
José Eduardo dos Santos esteve<br />
numa província?<br />
No fundo, são a conduta e estilo<br />
opacos de José Eduardo dos<br />
Santos que dão azo a que outras<br />
pessoas e entidades públicas<br />
também se fechem em copas,<br />
evitando não somente os jornalistas<br />
como igualmente o contacto<br />
com as populações.<br />
Não é por acaso que exceptuando<br />
uns poucos ministros<br />
mais abertos e arrojados, em<br />
regra quase todos preferem<br />
deixar-se estar refastelados nos<br />
gabinetes em Luanda. Se o presidente<br />
em termos práticos não<br />
tem esse hábito por que carga<br />
de água terão de ser eles a darse<br />
a semelhante trabalho? Mas<br />
todos perdem de vista que essa<br />
é uma forma de empatia com os<br />
governados. ■<br />
1.Nos Estados Unidos<br />
da América o papel<br />
do porta-voz é exercido<br />
pelo secretário para a<br />
imprensa da Casa Branca,<br />
que dá conferências<br />
de imprensa frequentes<br />
(diariamente tem uma<br />
entrevista colectiva televisionada)<br />
e está autorizado<br />
a falar em nome do<br />
presidente. Inúmeras vezes<br />
é o próprio presidente<br />
norte-americano a fazer<br />
isso. Quantas vezes<br />
já vimos Barack Obama,<br />
formal ou informalmente,<br />
falando a jornalistas<br />
no jardim do palácio? ■<br />
Mena Abrantes<br />
Não tenhamos ilusões:<br />
nada impede que um<br />
porta-voz seja a «voz<br />
do dono». Mas tem<br />
de ser capaz de interagir com as<br />
populações através dos órgãos<br />
de comunicação social, explicando<br />
as políticas públicas.<br />
Voltando ao começo, esse<br />
papel pode ser perfeitamente<br />
exercido por José Mena Abrantes.<br />
Ao contrário do seu predecessor,<br />
Aldemiro Vaz da Conceição,<br />
comunica melhor quer<br />
verbalmente quer de forma escrita,<br />
ou não fosse o «man wrighter»<br />
do presidente José Eduardo<br />
dos Santos.<br />
Está visto que Mena Abrantes<br />
também está mais talhado<br />
para pôr-se em mangas de camisa<br />
e interagir com o público,<br />
característica glosada como<br />
dramaturgo que está habituado<br />
a ver o cerrar e descerrar do<br />
pano sobre a companhia teatral<br />
nacional «Elinga».<br />
Consabido que José Eduardo<br />
dos Santos é estruturalmente<br />
avesso a falar para os jornalistas<br />
do país, então cairia como<br />
uma luva passar essa missão a<br />
um porta-voz. ■<br />
2. Só nos três primeiros anos do seu consulado como presidente<br />
brasileiro, Lula da Silva saía do Palácio do Planalto, em Brasília,<br />
em missões por outras regiões do país em média sete vezes por<br />
mês. ■<br />
3. A mudança de figurino comunicacional do Estado pode trazer<br />
também, por arrasto, a oportunidade de se destrinçar, já agora,<br />
papeis e competências no executivo. Ao delimitar, como o fez,<br />
o «território» do vice-presidente da República, dever-se-ia fazer<br />
outro tanto com as funções dos ministros de Estado. Desconhecese<br />
praticamente, por exemplo, o papel acometido a Carlos Feijó<br />
(foto) fora das suas competências no âmbito da Casa Civil. Há<br />
uma bagunça sem tamanho no relacionamento entre ministros e<br />
secretários de Estado, sendo difusos os limites da autonomia destes<br />
últimos em relação à respectiva tutela. ■
8 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Política<br />
UNICER usa cerveja para<br />
corromper governantes<br />
Denúncia do investigador Rafael Marques desmascara actuação da cervejeira portuguesa na constituição<br />
de um empreendimento que, mesmo em violação dos preceitos legais, envolve o antigo PCA da ANIP, os ministros<br />
da Indústria e Minas e dos Petróleos, assim como o governador de Benguela<br />
A<br />
UNICER, a maior empresa<br />
de bebidas de Portugal,<br />
preparou a sua<br />
penetração no mercado<br />
angolano por via de uma associação<br />
a figuras poderosas do regime<br />
que conforma geralmente actos de<br />
corrupção, assim como pelo desrespeito<br />
de legislação que rege o ordenamento<br />
jurídico angolano, usando<br />
a impunidade dos dirigentes arregimentados<br />
para os seus negócios.<br />
Isso mesmo é denunciado numa<br />
investigação em que o jornalista e<br />
antigo activista dos Direitos Humanos<br />
Rafael Marques aborda a<br />
questão específica da introdução da<br />
cervejeira portuguesa em Angola,<br />
depois de numa outra «démarche»<br />
ter-se debruçado sobre a multinacional<br />
francesa do ramo cervejeiro<br />
Castel Group e sobre o braço sulafricano<br />
da Coca-Cola, SABMiller.<br />
Rafael Marques recorda que o<br />
representante da UNICER em Angola,<br />
José Teixeira, anunciou em<br />
Janeiro de 2009, em entrevista ao<br />
semanário O País, que a sua empresa<br />
tinha em curso a montagem de<br />
uma nova fábrica de cervejas designada<br />
União de Cervejas de Angola<br />
(UNICA), a qual deveria entrar em<br />
funcionamento em Maio de 2011, na<br />
província do Bengo.<br />
Quando, entretanto, Rafael Marques<br />
faz um inventário da constituição<br />
accionista da UNICA, chega<br />
rapidamente à conclusão de que se<br />
está em presença de um fenómeno<br />
de tráfico de influências, em que a<br />
UNICER cumpre o primeiro dos<br />
seus planos tácticos de penetração:<br />
a associação a figuras poderosas do<br />
regime que facilitem a tramitação<br />
das decisões do Conselho de Ministros<br />
e a própria política do Governo.<br />
Na UNICA, nota Rafael Marques,<br />
a UNICER, que subscreve 49<br />
por cento do capital, tem como parceiros<br />
as empresas angolanas EM-<br />
PROMINAS, GIASOPE e IMOSIL,<br />
que, em conjunto, titulam 51 por<br />
cento do capital, equitativamente<br />
repartido em 17 por cento para cada<br />
uma delas.<br />
Ora, a EMPROMINAS – Sociedade<br />
de Exploração Mineira, nota<br />
o investigador, é uma empresa de<br />
Carlos António Fernandes, que na<br />
altura em que se deu a assinatura<br />
do contrato de investimento exercia<br />
a função de presidente do Conselho<br />
de Administração da Agência<br />
Nacional de Investimento Privado<br />
(ANIP), a instituição governamental<br />
que sanciona as propostas de investimento<br />
submetidas por investidores<br />
nacionais e estrangeiros.<br />
Carlos Fernandes criou a EM-<br />
PROMINAS em Dezembro de 2005,<br />
subscrevendo 94,4 por cento das acções<br />
e destinando o resto, 5,6 por<br />
cento, ao seu filho Ricardo Ngangula<br />
Correia Fernandes. A empresa<br />
tem sede em Luanda, na residência<br />
dos seus proprietários, a família Fernandes,<br />
segundo Rafael Marques.<br />
Rafael Marques denunciou o facto<br />
flagrante de no acto de subscrição<br />
do contrato de investimento, Carlos<br />
Fernandes ter representado tanto a<br />
ANIP, em nome do Estado, quanto<br />
os seus próprios interesses privados,<br />
a EMPROMINAS.<br />
A GIASOPE - Sociedade Comercial<br />
Agrícola e Pecuária, por seu<br />
lado, é uma empresa titulada pelos<br />
ministros da Indústria e Minas e dos<br />
Petróleo, respectivamente Joaquim<br />
David e José Botelho de Vasconcelos.<br />
A empresa foi criada em Julho<br />
de 1994.<br />
Segundo Rafael Marques, os dois<br />
ministros tiveram direito de voto na<br />
reunião do Conselho de Ministro<br />
em que esse projecto foi aprovado,<br />
considerando o investigador que<br />
nem só ambos tiveram a oportunidade<br />
de votar a favor do seu próprio<br />
projecto privado, como, também,<br />
contaram com a «solidariedade» do<br />
Presidente da República, na qualidade<br />
de Chefe do Governo, e dos outros<br />
ministros.<br />
PRESIDENTE do Conselho de Administração da ANIP, Carlos Fernandes<br />
violou flagrantemente o n.º 10 da Lei dos Crimes Cometidos pelos<br />
Titulares de Cargos de Responsabilidade<br />
O investigador atribui à IMOSIL<br />
– Engenharia e Construções Ltda,<br />
uma empresa criada em Novembro<br />
de 2006, ao general Armando da<br />
Cruz Neto, actual governador da<br />
província de Benguela.<br />
A IMOSIL alterou o seu pacto<br />
Os números do negócio<br />
Segundo Rafael Marques, o mercado angolano<br />
«tem sido bastante cobiçado» pelas multinacionais<br />
do sector cervejeiro, sendo o terceiro maior<br />
de África.<br />
Segundo o representante da UNICER em Angola, Citado<br />
pel’O País em Janeiro de 2009, o representante da<br />
UNICER disse que em 2008 o gigante português do sector<br />
vendeu a Angola 125 milhões de litros.<br />
Os negócios estavam contados em 60 milhões de euros<br />
(um euro equivale a 102 kwanzas) e confirmaram a UNI-<br />
CER como líder do mercado de cervejas importadas, com<br />
social em Julho de 2008, antes da<br />
celebração do contrato de investimento.<br />
Com isso, três outros sócios<br />
da empresa cederam as suas participações<br />
a Armando da Cruz Neto,<br />
que passou a controlar a totalidade<br />
do capital da empresa.<br />
uma quota de 70 por cento. As marcas responsáveis por<br />
esse «score» eram a Cristal e a Super Bock, num mercado<br />
entretanto liderado pela cervejeira nacional Cuca.<br />
Na UNICA, onde a UNICER se associa a influentes<br />
decisores públicos angolanos, o investimento total previsto<br />
para que a fabrica comece a funcionar em Maio de 2011 é<br />
de 84,6 milhões de dólares (um dólar equivale a 93 kwanzas).<br />
O projecto de investimento para a construção da ÚNI-<br />
CA foi aprovado pelo Conselho de Ministros de 23 de Março<br />
de 2008.<br />
Com base nas atitudes e procedimentos<br />
adoptados pelos servidores<br />
públicos envolvidos na UNICA, Rafael<br />
Marques considera, no caso de<br />
Carlos Fernandes, ficar conformada<br />
uma violação ao estabelecido na Lei<br />
dos Crimes Cometidos pelos Titulares<br />
de Cargos de Responsabilidade,<br />
que, no seu artigo 10º, «proíbe o dirigente<br />
de participação económica<br />
em negócio sobre o qual tenha poder<br />
de influência ou decisão no exercício<br />
oficial das suas funções».<br />
Segundo o investigador, isso<br />
também é aplicável a Joaquim David<br />
e a José Botelho de Vasconcelos,<br />
havendo a agravar os factos do<br />
envolvimento destes dois membros<br />
do Governo o que ele diz ser o indício<br />
do Conselho de Ministros ser<br />
«um clube de sócios privados» e a<br />
explicação parcial do «factor cumplicidade<br />
que existe na provação de<br />
projectos corruptos».<br />
O governador de Benguela também<br />
violou o preceituado no nº 2<br />
artigo 10º da Lei dos Crimes Cometidos<br />
pelos Titulares de Cargos<br />
de Responsabilidade, de acordo<br />
com Rafael Marques.<br />
Mas, conclui o investigador quando<br />
se refere à actuação da UNICER,<br />
associações dessa natureza, para<br />
além das contravenções à legislação<br />
em vigor, podem servir para a lavagem<br />
de dinheiro e património saqueados<br />
do Estado por governantes.<br />
De acordo com Rafael Marques,<br />
ao estabelecer sociedade com o<br />
então presidente da ANIP, os ministros<br />
da Indústria e Petróleos,<br />
assim como com o governador de<br />
Benguela, a cervejeira portuguesa<br />
«incorre na prática de tráfico de<br />
influências e corrupção activa de<br />
dirigentes angolanos».<br />
O investigador declara poder<br />
afirmá-lo com base na Convenção<br />
das Nações Unidas contra<br />
a Corrupção, da qual Angola e<br />
Portugal são signatários. Enquanto<br />
Angola a incorporou no<br />
seu ordenamento jurídico em Junho<br />
de 2006, Portugal ratificou-a<br />
em Setembro de 2007.<br />
A Convenção das Nações Unidas<br />
contra a Corrupção define, no<br />
seu artigo 18, o tráfico de influência<br />
com um acto de corrupção,<br />
recorda Rafael Marques. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 9<br />
Política<br />
Falha de engenharia?<br />
Apontamentos<br />
Chuva pára comboio na capital do país<br />
Muitas das obras que se<br />
vão executando em<br />
Angola – por brasileiros,<br />
chineses, portugueses,<br />
etc. – têm apresentado<br />
deficiências de concepção que,<br />
obviamente, levam muitos cidadãos<br />
a questionarem a capacidade<br />
e competência das empresas<br />
daquelas origens que aqui trabalham.<br />
São caminhos-de-ferro, estradas,<br />
pontes, edifícios, jardins e<br />
outras empreitadas.<br />
Não raras vezes, as mazelas das<br />
obras vêm ao de cima quando a<br />
cidade recebe grandes enxurradas.<br />
Hoje, abordamos um defeito<br />
detectado no Caminho-de-Ferro<br />
de Luanda, reconstruído por uma<br />
empresa do país da Grande Muralha.<br />
Na passada segunda-feira, 22,<br />
o comboio Luanda/Viana e viceversa<br />
não circulou devido a estragos<br />
causados na linha pelas precipitações<br />
daquele mesmo dia. A<br />
linha férrea foi invadida pela areia<br />
e por pedregulhos.<br />
Mesmo qualquer leigo em matéria<br />
de engenharia não deixa de<br />
enxergar que houve uma falha<br />
dos especialistas que conceberam<br />
a obra, já que se tivessem alteado<br />
o nível dos carris relativamente à<br />
terra, talvez não ocorresse tamanho<br />
transtorno.<br />
Tal incidente certamente impediu<br />
inúmeros trabalhadores de<br />
irem aos empregos, estudantes de<br />
se deslocarem às escolas e outros<br />
cidadãos de resolverem assuntos<br />
correntes, mesmo domésticos. Somos<br />
forçados, mais uma vez, a aludir<br />
às fiscalizações a essas obras,<br />
que não parecem nada rigorosas.<br />
Uma associação técnico-profissionais<br />
como a Ordem dos Engenheiros<br />
é uma entidade a ter em<br />
conta pelo Governo na fiscalização<br />
das empreitadas que se realizam<br />
um pouco por todo o país, pois<br />
como instituição competente, ela<br />
não pode continuar a ser mantida<br />
à margem dos grandes, médios e<br />
mesmo pequenos empreendimentos<br />
que o Estado executa.<br />
Por isso, a organização desses<br />
especialistas tem o direito de ser<br />
incluída nas instituições que fiscalizam<br />
essas empreitadas, como forma<br />
de garantir rigor e qualidade.<br />
Cremos que não será pedir muito.<br />
Já agora, como estão os Caminhos-de-Ferro<br />
de Benguela,<br />
do Namibe e o comboio de Malange?<br />
Como vão as suas obras,<br />
não irá acontecer o mesmo que<br />
em Luanda? ■<br />
Ai a Estrada de Catete, ai... ai...<br />
Passagens aéreas precisam-se no «funil» dos congolenses<br />
A<br />
Avenida Deolinda Rodrigues,<br />
no troço entre o Mercado dos<br />
Congolenses e o Bairro Popular,<br />
tem registado uma azáfama,<br />
tanto de transeuntes quanto de viaturas,<br />
que se impõe a construção ali de passagens<br />
pedonais aéreas. Em horas de ponta, o<br />
afluxo de gente e o trânsito infernal que ali<br />
se verificam são um verdadeiro risco quer<br />
para os automobilistas quer para os peões.<br />
Esta situação é agravada pelo arrastamento<br />
dos trabalhos de que a estrada está a beneficiar<br />
presentemente, que parecem intermináveis.<br />
Três passagens aéreas ali seriam, na verdade,<br />
uma grande valia para transeuntes<br />
e automobilistas. Deste modo, os peões se<br />
veriam protegidos das viaturas, particularmente<br />
dos endiabrados candongueiros.<br />
E os automobilistas, por seu turno, não teriam<br />
nesse troço um autêntico «funil» de<br />
difícil transposição.<br />
Na extensão do Cemitério da Santana,<br />
por exemplo, onde já houve melhorias na<br />
via, o trânsito flui e as pessoas também<br />
passam com um relativo à vontade. Mas<br />
descendo-se depois para a Cimex, o cenário<br />
passa a ser dantesco.<br />
Ao Governo Provincial de Luanda, um<br />
recado: é urgente concluir o trabalho naquela<br />
estrada, mas eles deveriam ser acompanhados<br />
da construção das já referidas<br />
passagens pedonais aéreas, com vista a proteger<br />
os citadinos que ali circulam e agilizar<br />
o trafego automóvel.<br />
Aproveitamos o ensejo para aludir a algumas<br />
obras que parecem abandonadas.<br />
Por que as melhorias que se estenderam<br />
desde a Rua Ho Chi Min até exactamente<br />
às traseiras do comité provincial dos camaradas<br />
não prosseguiram por aí além?<br />
A mesma questão se põe em relação à<br />
rua Ngola Kiluanji, onde se arranjou do São<br />
Paulo até ao Park Hotel – ainda assim, essa<br />
obra não está concluída, tem esgotos abertos,<br />
por concluir, e a empreiteira, brasileira,<br />
já a abandonou –, mas da Cipal para a Cuca<br />
está uma vergonha. E a estrada que parte da<br />
Refinaria para a Viana, já está concluída?<br />
Por que não se dá às outras estradas a<br />
mesma qualidade que se conferiu à Avenida<br />
da Samba? A título de curiosidade, em<br />
que pé estão os projectos de requalificação<br />
do Sambizanga e do Cazenga? Já se transformaram<br />
em letra morta? ■
10 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
economia<br />
Para emitir títulos públicos no estrangeiro<br />
Angola procura classificação de crédito<br />
Representantes do Governo angolano têm estado a encontrarse<br />
com pelo menos uma agência de rating nas últimas semanas,<br />
revelou recentemente uma fonte oficial angolana que<br />
declarou estar o país à procura da sua primeira classificação<br />
de crédito antes de ir em frente com uma possível emissão de obrigações<br />
na ordem dos quatro biliões de dólares.<br />
Segundo maior produtor de petróleo de África, Angola espera que<br />
um rating de crédito vá ajudar a vender até quatro biliões de dólares<br />
em títulos a investidores estrangeiros. A emissão de obrigações estava<br />
prevista para Dezembro, mas foi adiada para permitir a obtenção de<br />
uma notação de rating.<br />
«O governo reuniu-se com representantes de pelo menos uma agência de<br />
notação de crédito», declarou uma fonte familiarizada com as negociações.<br />
«Só faz sentido realizar a venda de títulos com base numa classificação».<br />
Um porta-voz do Ministério da Economia não quis comentar, mas<br />
o ministro da Economia Manuel Nunes Júnior, disse no ano passado<br />
que o Governo angolano encarava com bons olhos a obtenção de uma<br />
classificação de crédito junto de uma agência mundial de topo.<br />
Os países com ratings da Moody’s Investors Service, Fitch Ratings e<br />
Standard and Poors obtêm geralmente as melhores ofertas nas suas vendas<br />
de títulos do que nações sem qualquer classificação. Quanto maior<br />
o rating de crédito, menor será a taxa de juros paga sobre os títulos.<br />
Um empréstimo de 1,4 bilião de dólares recentemente obtido no Fundo<br />
Monetário Internacional pode também ajudar a reforçar a confiança<br />
do investidor em Angola. Mas o negócio poderia também limitar o<br />
montante da dívida da segunda maior economia da África subsariana.<br />
«Ao contrário do anúncio público, entendemos que o governo está<br />
limitado a dois biliões de dólares sob as condições do acordo com o<br />
FMI», declara uma nota publicada em Janeiro pelo Standard Bank. ■<br />
NESTA CASA pretende-se ir buscar um “Kilapi” ao estrangeiro, em que os credores não receiem abrir os<br />
cordões á bolsa<br />
FIL prepara salão imobiliário com<br />
grande participação angolana<br />
Depois de um périplo<br />
por alguns países asiáticos,<br />
a Administração<br />
da Feira Internacional<br />
de Luanda (FIL) esteve, recentemente,<br />
a contactar os governos<br />
das províncias do Huambo, Benguela<br />
e Kwanza Sul para tratar<br />
de assuntos ligados com o Salão<br />
Imobiliário (SIMA) que deve<br />
ocorrer em Maio próximo.<br />
Factos dessa digressão relatam<br />
encontros entre o presidente do<br />
Conselho de Administração da<br />
FIL, Matos Cardoso, com o governador<br />
provincial da Benguela,<br />
Armando da Cruz Neto, onde,<br />
tal como nas outras duas provinciais,<br />
foi abordada a questão do<br />
SIMA se constituir num evento<br />
de dimensão «verdadeiramente<br />
nacional».<br />
As notícias dizem que em encontros<br />
com quadros dos Governos<br />
das três províncias, o<br />
presidente do Conselho de Administração<br />
aludiu ao facto de<br />
um dos principais estímulos<br />
para que as províncias angolanas<br />
estejam representadas é a<br />
total subvenção do espaço para<br />
a exposição do potencial de cada<br />
operador ou grupo<br />
Fontes que falaram sobre este<br />
assunto ao Semanário <strong>Angolense</strong><br />
disseram que a Administração<br />
da FIL pretende obter dos governos<br />
provinciais a garantia de que<br />
haverá, no SIMA, uma participação<br />
institucional de tal forma<br />
engajada, que consagre, até, que<br />
representantes dos executivos locais<br />
estejam à frente de cada uma<br />
das delegações.<br />
A ideia, disse uma fonte citando<br />
Matos Cardoso, é a de transformar<br />
a próxima feira imobiliária<br />
em negócios de monta para<br />
as empresas angolanas, algo para<br />
o que a própria FIL está disposta<br />
a contribuir com a disponibilização<br />
de «dois ou mais pavilhões».<br />
Em Benguela, por exemplo,<br />
Matos Cardoso notou no facto de<br />
ser aquela «uma das províncias<br />
com mais acentuado nível de desenvolvimento»<br />
«Benguela é uma das províncias<br />
com um acentuado nível de<br />
desenvolvimento», notou o PCA<br />
da FIL, referindo-se eventualidade<br />
da exposição de espaços<br />
reservados à autoconstrução dirigida<br />
e a projectos imobiliários<br />
já traçados.<br />
Para isso, propôs Matos Cardoso<br />
ao governador provincial<br />
de Benguela, a província não<br />
deve contar apenas com a sua<br />
participação na FILDA ou no<br />
SIMA, em Luanda, devendo, antes,<br />
projectar a promoção de feiras<br />
em que a concepção e gestão<br />
do espaço, fundamentalmente,<br />
contariam com as impressões digitais<br />
da FIL.<br />
«Devemos pensar em parques<br />
de feiras, uma vez que não basta,<br />
por exemplo, Benguela estar na<br />
FILDA, em Julho, com o projecto<br />
da refinaria», declarou.<br />
Em resposta, Armando da<br />
Cruz Neto garantiu a presença<br />
de Benguela no SIMA e o empenho<br />
do seu executivo na realização<br />
de feiras locais. «Vamos ver<br />
se surgem oportunidades para<br />
os nossos promotores imobiliários»,<br />
frisou.<br />
O SIMA constitui, este ano,<br />
a antecâmara da Feira Internacional<br />
de Luanda (FILDA),<br />
a maior importante de todas as<br />
realizações do calendário anual<br />
da FIL. Segundo soube o Semanário<br />
<strong>Angolense</strong>, na digressão<br />
asiática que acaba igualmente<br />
de realizar, a Administração da<br />
FIL obteve garantias da presença<br />
de investidores daquela região<br />
em iniciativas que tiverem<br />
lugar durante o ano em curso,<br />
principalmente as que estiverem<br />
relacionadas com os agronegócios.<br />
■
12 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Opinião<br />
Angolanidade só se consolida<br />
com a participação da mulher *<br />
Cornélio Caley<br />
Para quem tenha já lido<br />
o prefácio do presente<br />
livro, apercebe-se que<br />
contém alguns erros de<br />
ordem formal. Aceitei escrevêlo<br />
em apenas um dia. Primeiro,<br />
porque a autora foi minha colega<br />
durante muitos anos. Segundo e,<br />
sobretudo, porque ela me disse<br />
que gostaria fazer o lançamento<br />
do seu livro no dia 8 de Março,<br />
Dia Internacional da Mulher. Assim,<br />
não pude resistir ao convite,<br />
porque o dia da Mulher mexe com<br />
todos nós e eu desejava dizer alguma<br />
coisa.<br />
Ora, o presente livro tem por<br />
título O PROCESSO DE FOR-<br />
MAÇÃO DE UMA ELITE SO-<br />
CIAL FEMININA ANGOLANA<br />
ATRAVÉS DAS ACÇÕES DO<br />
GRUPO FEMININO DE SANTA<br />
CECILIA (1958-1968 ) e é uma<br />
tese de Licenciatura, defendida na<br />
Pontifícia Universita S. Tommaso<br />
De Aquino-Angelicum em Roma.<br />
A Autora apresenta, nesta obra, a<br />
sua própria experiência enquanto<br />
membro fundador e presidente do<br />
Grupo Feminino de Santa Cecília.<br />
Trata-se de um ensaio interessante<br />
que combina a metodologia<br />
da Sociologia com a da História.<br />
Inicia por apresentar o espaço<br />
geográfico de Angola para penetrar<br />
nas várias épocas de vida da<br />
mulher angolana e, então, entra<br />
numa análise geral de como a mulher<br />
actuou na história angolana,<br />
desde a chegada dos portugueses<br />
em Angola até aos nossos dias.<br />
Constata então que, no princípio,<br />
a situação da mulher na sociedade<br />
era pacífica, mas em pleno<br />
sistema colonial, esta situação é<br />
modificada pelo regime político.<br />
Pois, a mulher passou a assumir<br />
o lugar de, não só de sustentadora<br />
do lar, como também de substituto<br />
do homem, quando este é enviado<br />
para trabalhos forçados.<br />
Seguidamente, a autora enaltece<br />
o papel da mulher na luta de<br />
resistência contra o sistema colonial<br />
e apresenta exemplos das mulheres<br />
mais destacadas, entre elas,<br />
a Rainha Nzinga Bandi, símbolo<br />
de resistência de todos os tempos.<br />
Teoricamente, a autora assume<br />
as suas próprias ideias, apoiandose<br />
nos clássicos de Sociologia, tenta<br />
enquadrar a família dentro da<br />
sociedade angolana. Assim, apresenta<br />
conceitos de sociedades optimistas<br />
e pessimistas para situar<br />
o homem na sociedade e as funções<br />
institucionais e pessoais para<br />
situar a mulher.<br />
A participação da mulher na<br />
luta de libertação nacional aparece<br />
como outro capítulo interessante<br />
do presente livro, porque não<br />
deixa de lado a sua participação<br />
no campo literário, pois, ela está<br />
por natureza mais envolvida com<br />
as ideias de justiça. E cita Deolinda<br />
Rodrigues que, no seu Diário,<br />
escreve: ‹‹a solidariedade é vida,<br />
mas é preciso temperá-la com a<br />
verdade e justiça.››<br />
Finalmente, no terceiro capítulo<br />
apresenta a composição do<br />
próprio Grupo Feminino de Santa<br />
Cecília, descrevendo todas as etapas<br />
que atravessou, a contribuição<br />
que deu na promoção da jovem<br />
angolana quer no campo cultural,<br />
social e até na sua consciencialização<br />
para a luta de libertação<br />
nacional, referindo-se às fundadoras<br />
do Grupo mais destacadas,<br />
ANGOLA é o que é devido ao lugar dado à mulher<br />
entre elas, a Sra Eng. Albina Assis,<br />
Catarina de Sena Belo, Efigénia<br />
Mangueira e Irene Cohen, entre<br />
outras.<br />
O presente livro demonstra, assim,<br />
um contributo bastante claro<br />
do Grupo Feminino de Santa Cecília<br />
para a nossa História moderna,<br />
pois, foi impulsionado pelos<br />
padres nacionalistas como o Dr.<br />
Joaquim Pinto de Andrade e o Pe<br />
Vicente José Rafael, aqui presente,<br />
o maior impulsionador do Grupo.<br />
Os anexos são prova evidente da<br />
contribuição deste Grupo na luta<br />
de libertação nacional desenvolvida<br />
na clandestinidade.<br />
Como conclusão, vale a pena<br />
lembrar que Angola já deu provas<br />
firmes na promoção da Mulher,<br />
desde a Luta de Libertação Nacional<br />
conduzida pelo MPLA. Assim,<br />
o Governo hoje constituído pelo<br />
MPLA, não ficará, certamente,<br />
confinado às quotas internacionalmente<br />
aceites em relação à participação<br />
da mulher nos destinos<br />
do país.<br />
Pois, o homem e a mulher são<br />
cidadãos em pé de igualdade na<br />
nossa vida diária, ambos com a<br />
responsabilidade de se educarem<br />
para enfrentarem os desafios do<br />
futuro.<br />
Sabemos que em Angola, assim<br />
como em todo o mundo, apesar de<br />
satisfeitas as quotas internacionalmente<br />
aceites, as dificuldades de<br />
colocar a mulher em pé de igualdade<br />
ao Homem persistem.<br />
É que esta questão depende da<br />
mudança de mentalidades criadas<br />
no seio das sociedades há longos<br />
séculos. Falando particularmente<br />
do nosso país, o lugar que ocupamos<br />
hoje na arena internacional<br />
não se teria conseguido se o Governo<br />
e a sua a liderança não tivessem<br />
dado um lugar à mulher.<br />
Aquilo que denominámos de<br />
‹‹angolanidade››, ou seja, a própria<br />
identidade nacional que caracteriza<br />
os angolanos no seio dos países<br />
africanos e não só, só se consolidará,<br />
ainda mais, com a participação<br />
da mulher.<br />
Em poucas palavras, Angola é o<br />
que é, devido ao lugar dado à mulher.<br />
Por isso, Angola não precisa<br />
de estabelecer comparações com<br />
outros países, visto que, se calhar,<br />
nem sequer as famosas quotas nos<br />
são, assim, tão importantes. Em<br />
boa verdade, são bastante limitativas.<br />
Do meu ponto de vista, não se<br />
trata, também, de promover a mulher<br />
até chegar à célebre fórmula<br />
do ‹‹fifty fifty››. Nem sequer esta<br />
fórmula me parece válida. Pois,<br />
sem a participação da mulher na<br />
sociedade, em toda a plenitude e<br />
igualdade, não haverá desenvolvimento<br />
humano em nenhuma<br />
sociedade.<br />
Apesar da natureza da mulher<br />
na sua constituição física e da natureza<br />
do homem, também, na<br />
sua constituição física, desmentese<br />
filosoficamente falando, a superioridade<br />
de um em relação ao<br />
outro.<br />
Aproveito, aqui, a oportunidade<br />
para comentar ( e, por que<br />
não desmentir ? ) as escrituras de<br />
alguns livros, por mais antigos<br />
que sejam, que propagam a desigualdade<br />
do homem e da mulher<br />
a partir das suas origens. É que,<br />
Deus não seria assim, tão injusto<br />
para criar ‹‹ad eternum›› uma parte<br />
ao serviço da outra parte.<br />
O Homem e a mulher são, naturalmente,<br />
como o olho esquerdo<br />
e o olho direito no corpo humano.<br />
Na vida, esta complementaridade<br />
elimina qualquer tipo de superioridade.<br />
Ambos encontram a<br />
verdade da vida na ponta do nariz<br />
como diziam os velhos bantus.<br />
Ora, como costumo pensar,<br />
simplificando a evolução do pensamento<br />
humano, estamos a viver<br />
a 3ª revolução, depois da 1ª que foi<br />
a escravatura estruturada no racismo,<br />
seguida da 2ª revolução, que<br />
foi o colonialismo, também estruturado<br />
no racismo e na desigualdade<br />
entre o homem e a mulher.<br />
A Humanidade está agora a enfrentar<br />
a 3ª revolução, ou seja, a de<br />
colocar a Mulher como cidadã em<br />
pé de igualdade ao Homem. Com<br />
efeito, os países que mais rapidamente<br />
abraçarem esta nova etapa,<br />
mais rapidamente alcançarão o<br />
desenvolvimento humano.<br />
Esta nova etapa passa, necessariamente<br />
pela mudança de mentalidades<br />
dos homens e das mulheres.<br />
Porém, as mulheres terão<br />
que compreender que os lugares<br />
conquistam-se e nem sempre são<br />
cedidos. Mas esta conquista já não<br />
será, jamais, pela força. Mas, sim,<br />
usando uma arma que está à disposição<br />
de todos nós, homens e<br />
mulheres que é a Educação.<br />
Dito isto, está de parabéns a<br />
Dra Sylvia Belo por nos ter brindado<br />
com o presente ensaio. ■<br />
* Comunicação lida por ocasião da<br />
apresentação do livro de Sylvia Belo,<br />
na Liga Nacional Africana, no dia 8<br />
de Março de 2010
Sábado, 27 de Março de 2010. 13<br />
Opinião<br />
Haja coragem para<br />
respeitar a Constituição<br />
Como sempre acontece no<br />
nosso país, a realidade suplantou<br />
a teoria. As tristes<br />
histórias de Benguela e da<br />
Huíla vieram demonstrar que as eufóricas<br />
declarações sobre a terceira<br />
República não passaram de meras<br />
elucubrações dos políticos. Por ocasião<br />
da aprovação da Constituição<br />
ouvimos algumas das vozes do debate<br />
público ‹‹prenhas›› de um fantástico<br />
entusiasmo como se a lei magna<br />
fosse em si a varinha mágica. Alguns<br />
falaram até de uma grande revolução<br />
só comparável ao momento da<br />
independência. Volvidos menos de<br />
três meses, têm todos eles a resposta<br />
que mereciam. A prática, o diaa-dia,<br />
a acção humana demonstra<br />
que as mudanças não se fazem por<br />
decreto. Mais: Lubango e Benguela<br />
mostraram que há gente que faz<br />
absoluta tábua rasa da constituição.<br />
‹‹Estão nem aí››, diriam os brasileiros.<br />
Nada mudou. Quem leia alguns<br />
artigos da Constituição ainda que,<br />
absolutamente leigo como nós, não<br />
pode deixar de reconhecer a clareza<br />
de alguns postulados. Se nos socorrermos<br />
também de entrevistas dadas<br />
por alguns especialistas, como o Dr.<br />
Raul Araújo, formamos rapidamente<br />
a convicção de que não assiste aos<br />
governos o direito de proibir manifestações,<br />
nem de silenciar, censurar<br />
órgãos de comunicação nem de desalojar<br />
cidadãos sem a observância dos<br />
seus direitos.<br />
Agrava todas essas ocorrências a<br />
circunstância de se processarem à<br />
contra mão de um processo político<br />
que se pretendia estabelecer como o<br />
passo decisivo para uma nova Angola.<br />
Houve claramente no discurso<br />
apologético da nova Constituição<br />
uma mensagem subliminar da nova<br />
Angola, mais responsável para com<br />
os direitos dos cidadãos, mais aberta<br />
à comunicação social e à liberdade<br />
de imprensa, mais responsável e<br />
menos arrogante na gestão do bem<br />
público. Tudo isso vai por terra, ainda<br />
que não seja de forma irreversível.<br />
Mas vai tudo por terra porque afinal<br />
tanto oba-oba e está tudo na mesma.<br />
Vai por terra também porque afinal<br />
quem mesmo assim viola ostensivamente<br />
a lei tem a protecção, velada<br />
ou não, dos seus camaradas, excepção<br />
feita ao MPLA da Huíla que se<br />
demarcou e ficou muito, mas muito<br />
bem mesmo na fotografia.<br />
Na confiança dos cidadãos que<br />
sempre foi pouca, os acontecimentos<br />
de Benguela e da Huíla representaram,<br />
na verdade, cinco passos atrás<br />
em termos de esperança. Todos querem<br />
uma Angola sem esse tipo de<br />
abusos, com um estilo novo de resolver<br />
os problemas e, de certo modo,<br />
mesmo divergindo nalguns pontos,<br />
todos tínhamos a esperança de que<br />
a terceira República significasse um<br />
momento de viragem. E por isso, os<br />
discursos que falaram da viragem foram<br />
tão aplaudidos.<br />
Eis que levamos todos um murro<br />
no estômago e ficamos abismados<br />
não só com o que se fez mas com o<br />
desplante como em público ainda se<br />
defende o absurdo. Afinal, a terceira<br />
República não entrou mesmo porque<br />
o se se aplicasse tolerância zero contra<br />
os autores de abusos não haveria<br />
necessidade de explicar mais Constituição<br />
nenhuma. Seria a prática pela<br />
prática. À prática de desobedecer à<br />
lei e da administração arrogante responder-se-ia<br />
com a lei constitucional<br />
e com a terceira República, obrigando<br />
a quem abusa e viola a lei a retratarse,<br />
a concertar os sarilhos ou a ir para<br />
casa tratar dos bens privados.<br />
Todos sabemos que isso não vai<br />
acontecer e os deputados da Assembleia<br />
Nacional vão andar de conferência<br />
em conferência a explicar o<br />
quão bonito foi o seu trabalho de legislador,<br />
quando agora, o momento<br />
de agora, é de prática, acções práticas,<br />
respostas práticas perante a prática<br />
de fazer tábua rasa da Constituição,<br />
da novíssima Constituição que nem<br />
três meses tem.<br />
Não nos interessa mais entrar na<br />
discussão imediata. Para nós, o essencial<br />
é conseguirmos levar o governo<br />
e as entidades fiscalizadoras a<br />
actuarem em defesa da Constituição.<br />
Depois da fragmentação que o debate<br />
da Constituição criou na sociedade, o<br />
pior que poderia acontecer é vermos<br />
reabrir a discussão sobre a eficácia da<br />
lei magna. O pior é vermos instalar<br />
o descrédito geral quando a prática<br />
destes dias nos mostra que diga lá o<br />
É preciso preparar<br />
as pessoas para<br />
a nova realidade<br />
constitucional, nomeadamente<br />
ensinando<br />
a sociedade<br />
a não claudicar<br />
da defesa dos seus<br />
direitos, a administração<br />
pública a<br />
passar a respeitar<br />
mais os cidadãos<br />
para os quais trabalha<br />
e a justiça a<br />
não se fazer de surda,<br />
muda e morta<br />
sempre que a sociedade<br />
se agita<br />
que a lei disser, se for necessário censurar,<br />
censura-se, se for necessário<br />
despejar sem qualquer negociação,<br />
despeja-se e se for necessário proibir<br />
manifestações, proíbe-se mesmo.<br />
Não há lei que vingue se cada um<br />
continuar a fazer a sua própria lei ou<br />
a ver a lei segundo as suas conveniências.<br />
Se a Lei Constitucional era de<br />
certo modo ambígua em relação a casos<br />
como os ocorridos, a nova Constituição<br />
não podia ser mais clara.<br />
Sobre as manifestações por exemplo,<br />
o art. 47 assegura que é garantida a<br />
todos os cidadãos a liberdade de reunião<br />
e de manifestação pacífica e sem<br />
armas, sem necessidade de qualquer<br />
autorização e nos termos da lei detalhando<br />
que, no caso dessas reuniões e<br />
manifestações ocorrerem em lugares<br />
públicos, elas devem ser antecedidas<br />
de uma comunicação à autoridade<br />
competente. Ora confundir comunicação<br />
com pedido de autorização é<br />
mera manipulação. O mesmo se aplica<br />
aos casos da comunicação social e<br />
da expropriação dos cidadãos. A lei<br />
magna é claríssima.<br />
O outro aspecto é a celeridade da<br />
justiça. A procuradoria não deve defender<br />
os governadores mas o Estado.<br />
Toda a acção administrativa ilegal segundo<br />
a actual Constituição pode representar<br />
altos custos para a imagem<br />
e para os bolsos do Estado. De acordo<br />
com o art. 75, o Estado e outras pessoas<br />
colectivas públicas são solidária<br />
e civilmente responsáveis por acções<br />
de que resulte violação dos direitos, liberdades<br />
e garantias ou prejuízo para<br />
o titular destes ou para terceiros. A<br />
procuradoria como defensora do Estado<br />
deveria ser a primeira a solicitar<br />
providências cautelares aos tribunais<br />
nos casos em que medidas administrativas<br />
fossem susceptíveis de, mais<br />
tarde, dar lugar a indemnizações ou<br />
processos onerosos contra o Estado.<br />
Os próprios tribunais deveriam ter<br />
a capacidade para sumariamente<br />
analisar casos em que houvesse claramente<br />
um diferendo entre os cidadãos<br />
e as autoridades.<br />
É preciso, portanto, preparar as<br />
pessoas para a nova realidade constitucional,<br />
nomeadamente ensinando<br />
a sociedade a não claudicar da defesa<br />
dos seus direitos, a administração pública<br />
a passar a respeitar mais os cidadãos<br />
para os quais trabalha e a justiça<br />
a não se fazer de surda, muda e morta<br />
sempre que a sociedade se agita. A<br />
nossa justiça tem um medo terrível<br />
de decidir sobretudo quando estão<br />
envolvidos graúdos. É um caminho<br />
logo que passa desde já pelo primeiro<br />
passo da autoridade central não esconder<br />
a cabeça na areia e não pactuar<br />
com violações à Constituição.<br />
Se houver coragem para esse primeiro<br />
passo, tudo o resto será doravante<br />
mais fácil. Há coragem para<br />
isso? ■
14 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Opinião<br />
A modelação dos nossos desafios (I)<br />
À Igreja Católica<br />
cabe seguir a sua<br />
missão evangelizadora,<br />
sempre muito<br />
perto da agregação<br />
das consciências,<br />
e não se prestar à<br />
recriação do espírito<br />
da obediência<br />
servil, colando uns<br />
angolanos de um<br />
lado e outros angolanos<br />
de outro lado<br />
1. As duas últimas semanas<br />
foram dominadas por três<br />
questões que reputo importantes,<br />
a saber: a reconciliação<br />
nacional em período de Quaresma,<br />
(assim lhe chamou a Rádio<br />
Eclésia no seu programa Fórum);<br />
a conferência dos Parlamentares<br />
da CPLP, donde extraímos a assinatura<br />
do polémico acordo ortográfico<br />
e o desejado estatuto do<br />
cidadão Lusófono.<br />
Sobre a primeira, destaco o<br />
testemunho de ter ouvido o jornalista<br />
da Rádio Eclésia, apresentador<br />
do programa ‹‹Fórum››<br />
de quarta feira antepassada, cortar<br />
a ligação e a palavra a três<br />
dos ouvintes que se insurgiam<br />
claramente contra o que consideraram<br />
ser o posicionamento<br />
questionável da Igreja Católica,<br />
pela voz de alguns dos seus mais<br />
representativos membros. Afirmaram<br />
que os viam colar-se às<br />
posições governamentais e assim<br />
se prestando a ser instrumentos<br />
da mera vontade partidária, em<br />
contraposição com o que é a sua<br />
nobre missão, conciliadora. De<br />
resto, nos dias que se seguiriam,<br />
os noticiários mais destacados<br />
da rádio, da TV e dos jornais<br />
davam conta e mostravam-nos<br />
como os mesmos - e não apenas<br />
na pessoa de simples padres,<br />
vigários e cónegos mas até de<br />
Bispos e dentre eles o maior de<br />
todos - assumiam sem rodeios<br />
elogios à aprovação da Constituição,<br />
dizendo dela o melhor<br />
que se pudesse desejar, incluindo<br />
louvores a Deus acompanhados<br />
de pedidos de desculpas pelos<br />
seus erros, porque humanamente<br />
compreensíveis. Não muito<br />
depois, um dos seus mais destacados<br />
militantes ver-se-ia na<br />
necessidade de dar explicações<br />
públicas para pretender explicar<br />
o que não tem explicação. Eu<br />
mesmo viria a ser uma vez mais<br />
testemunha (por ocasião da missa<br />
por alma de um familiar meu<br />
na igreja de S. Paulo ) de um pronunciamento<br />
público, quando<br />
um dos padres que dizia a missa<br />
(estava presente o Sr. Cardeal)<br />
agradeceu ao microfone a honra<br />
da presença de Sua Excelência<br />
a Primeira Dama. Isto num<br />
ambiente em que a Igreja sabe,<br />
como todos nós sabemos, que a<br />
contestação à Constituição não<br />
foi desprezível e teve como fundamento<br />
os atropelos que, fora e<br />
dentro, viriam a ser identificados<br />
por alguns abalizados analistas<br />
independentes. E se a sua aprovação<br />
resultou em consequência<br />
natural do puro jogo democrático<br />
que fosse! Mas se assim foi<br />
à Igreja Católica cabe pôr-se de<br />
fora e seguir a sua missão evangelizadora,<br />
sempre muito perto<br />
da agregação das consciências<br />
e não se prestar à recriação do<br />
espírito da obediência servil,<br />
colando uns angolanos de um<br />
lado e outros angolanos de outro<br />
lado.<br />
A oposição à ideologia da exclusão<br />
tem de ser forte na Eclésia,<br />
como na consciência de todos<br />
quantos nela servem. Não<br />
pode permitir-se a que floresça<br />
no seu seio quem impeça o<br />
aparecimento de contribuições<br />
permanentes para o esforço da<br />
compreensão e, pelo contrário<br />
, surjam, hoje num programa,<br />
amanhã noutros crepúsculos,<br />
quem apenas vá servir novos<br />
escolhidos, novos eleitos de que<br />
já se conhece a identidade, num<br />
ambiente de mais domínio de<br />
presença, com mais demonstrações<br />
de mais força e de mais<br />
poder.<br />
Os jornalistas da Eclésia têm<br />
de cumprir o seu dever deontológico,<br />
junto com a responsabilidade<br />
da cidadania, com talento<br />
com grandeza e generosidade, a<br />
suficiente para não mais permitir<br />
que renasçam os movimentos<br />
retardados de rancores , mas<br />
pelo contrário, acreditando que<br />
um dia a obscuridade arrogante<br />
e a pequenez dos mentirosos vai<br />
ser exposta.<br />
2<br />
. Sobre a segunda questão,<br />
do polémico acordo<br />
ortográfico, nada<br />
saberei dizer. Não<br />
apenas por ter consciência da<br />
complexidade da sua ‹‹idiossincrasia››,<br />
mas também por nada<br />
saber sobre tais matérias. Dizem<br />
que o seu actual texto não atende<br />
às características do português<br />
falado no nosso País, mesmo<br />
porque não nos foi proporcionada<br />
a dignidade de alguma contribuição.<br />
Mas ouvir um embaixador<br />
de Angola ( programa A da<br />
RNA de sábado 13.03. às 08.30<br />
horas) com tiques de erudição,<br />
negar o acordo a pretexto de,<br />
em vez de incluir calões como<br />
‹‹bué e fixe››, dever contemplar<br />
as expressões ‹‹cuesas›› em vez<br />
de coisas e ‹‹se isse›› em vez de se<br />
fosse, como diz que os angolanos<br />
falam, é caso para ter receios de<br />
nos ver governados por gente tal.<br />
A esse Sr. embaixador passo um<br />
conselho: ‹‹Ó Só embaixador<br />
não se metas em assuntos que<br />
você não dominas, iá?›› ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 15<br />
Opinião<br />
Palavrões e política<br />
JOE BIDEN, vice-presidente dos EUA: ‹‹I tis a fucking good deal!››,<br />
Como milhares de pessoas<br />
nos Estados Unidos<br />
da América, aplaudi a<br />
aprovação, pelo Congresso,<br />
da lei sobre os serviços da<br />
saúde, que inclui também as empresas<br />
de seguro.<br />
E eu tenho bons motivos para<br />
aplaudir esta lei: como hipertenso,<br />
já me foi recusado o seguro de<br />
saúde. Esta recusa significa que<br />
todas as vezes que vou ao médico<br />
tenho que pôr a mão no bolso<br />
para pagar. O novo diploma aprovado<br />
pelo Congresso fará com<br />
que até mesmo as camadas menos<br />
favorecidas da população fiquem<br />
protegidas pela seguro de saúde.<br />
Como era de esperar, a nova lei,<br />
que é uma iniciativa do presidente<br />
Barack Obama, está a enfrentar<br />
uma feroz resistência por parte<br />
dos seus adversários do Partido<br />
Republicano.<br />
Os amplos debates que antecederam<br />
a aprovação da nova lei<br />
despertaram a atenção da opinião<br />
pública americana para a linguagem<br />
dos políticos.<br />
Em Setembro passado, por<br />
ocasião de um discurso no Congresso<br />
sobre a reforma da saúde,<br />
o representante republicano Joe<br />
Wilson acusou o presidente Obama<br />
de ser mentiroso.<br />
Nunca na história americana<br />
tal tinha acontecido. Por causa<br />
da ampla repercussão da sue declaração<br />
Wilson viu-se forçado<br />
a pedir desculpas. O Congresso<br />
criticou-o pela deselegância.<br />
No recente debate que antecedeu<br />
a aprovação da nova lei, Randy<br />
Neugebauer, um representante<br />
republicano ido do Texas, acusou<br />
um adversário democrata de ser<br />
‹‹assassino de bebés››. Muitos congressistas<br />
ficaram chocados com<br />
essa linguagem pouco decente.<br />
Em consequência, líderes do<br />
Partido Republicano apelaram<br />
mesmo aos seus colegas para serem<br />
mais comedidos.<br />
Mas, pelos vistos, bocas sujas não<br />
há apenas do lado dos republicanos.<br />
No momento em que o presidente<br />
Obama se aprestava a<br />
sancionar a nova lei o seu vicepresidente,<br />
Joe Biden convencido<br />
de que não havia por perto<br />
nenhum microfone, soltou esta<br />
‹‹preciosidade››: ‹‹I tis a fucking<br />
good deal!››, que pode ser traduzido<br />
como ‹‹Temos aqui um bom<br />
acordo. F...se!››<br />
Na América o presidente Obama<br />
é admirado pelo seu domínio<br />
do inglês e linguagem comedida.<br />
Já o seu vice é conhecido por<br />
optar, muitas vezes, por aquilo<br />
que em inglês é designado como<br />
‹‹colourful language››, ou seja palavrões.<br />
Diz-se que num debate<br />
bastante quente no Congresso<br />
Joe Biden atirou para o seu adversário:<br />
‹‹vai te f...er!››. O vicepresidente<br />
americano alude com<br />
frequência aos órgãos privados<br />
dos homens e mulheres. Mas as<br />
incontinências verbais do vicepresidente<br />
não parecem incomodar<br />
muito os americanos. Pelo<br />
contrário, elas suscitam mesmo<br />
algumas simpatias. De tal sorte<br />
que o seu ‹‹It is a fucking good<br />
deal!›› já se encontra estampado<br />
em camisolas legalmente comercializadas<br />
em cidades americanas.<br />
Na internet alguém já musicou<br />
a escorregadela verbal do<br />
vice-presidente americano.<br />
Quem está a apreciar o que<br />
parece ser uma a tolerância dos<br />
americanos por palavrões é John<br />
McCain, o adversário que Obama<br />
derrotou nas eleições presidenciais.<br />
Além de ter um fusível<br />
a menos, como ironizam os seus<br />
adversários, McCain também recorre<br />
com facilidade a palavrões<br />
sempre que está irritado.<br />
Na verdade, quando se trata de<br />
dizer palavras feias McCain não<br />
hesita. Em 1992, enfureceu-se<br />
diante de jornalistas e ‹‹descarregou››<br />
toda a ira sobre a sua esposa,<br />
a quem cobriu com palavrões<br />
muito feios.<br />
Em inglês é imperdoável referir-se<br />
a uma mulher usando uma<br />
expressão que se associe ao seu<br />
órgão privado. Foi isso o que Mc-<br />
Cain fez à sua esposa, Cindy.<br />
Nos Estados Unidos homem<br />
que use linguagem profana é visto<br />
como pessoa incapaz de manter o<br />
autodomínio.<br />
A sociedade americana é relativamente<br />
condescendente com<br />
as classes mais baixas: quando os<br />
palavrões são ditos por operários<br />
brancos ou negros são relativamente<br />
tolerados. Mas quando alguém<br />
ascende académica e socialmente<br />
espera-se que a sua linguagem também<br />
se ajuste a essa condição.<br />
A Grã-Bretanha é um país em<br />
que a compostura dos políticos<br />
e das figuras públicas sempre foi<br />
relevante. Em 1972, o então ministro<br />
da Defesa, Lord Lambton,<br />
foi forçado a demitir-se porque foi<br />
fotografado numa cama com duas<br />
prostitutas e a fumar liamba. Se<br />
fosse só pelo flagrante Lambton<br />
poderia perfeitamente continuar<br />
no cargo. Porém, a opinião pública<br />
britânica não tolerou o facto<br />
de ele ter dito ‹‹f...se!›› perante as<br />
câmaras de televisão.<br />
Em 1973 a mesma expressão<br />
quase custou o cargo de director do<br />
jornal ‹‹The Daily Telegraph›› a Peregrine<br />
Worthorne. O Parlamento<br />
reuniu-se expressamente para analisar<br />
a demissão de Worthorne por<br />
causa da maldita palavra. Passados<br />
20 anos, em 1993, numa entrevista<br />
ao jornal ‹‹The Observer›› o então<br />
primeiro-ministro John Major referiu-se<br />
aos seus adversários políticos<br />
como ‹‹fucking bastards››, isto<br />
é, filhos da p...!<br />
O céu quase desabou sobre a<br />
cabeça de John Major. Muitos<br />
britânicos lamentaram o facto de<br />
os seus políticos terem perdido a<br />
destreza linguística de um Winston<br />
Churchil. Este herói britânico<br />
da Segunda Guerra Mundial<br />
adorava o seu copinho. Diz-se que<br />
ele começava a beber whisky logo<br />
pela manhã. Uma vez, contase,<br />
Churchil estava embriagado<br />
quando uma senhora que não<br />
gostava dele lhe atirou na cara:<br />
‹‹Senhor Churchil, estás bêbado!››<br />
‹‹Sim, sim››, respondeu Churchil.<br />
‹‹Só que eu vou ficar sóbrio,<br />
mas a senhora vai continuar<br />
feia!›› Numa outra ocasião, dizse,<br />
uma mulher, que também não<br />
gostava do primeiro-ministro,<br />
disse-lhe: ‹‹Se eu fosse sua esposa<br />
meteria veneno no seu café!›› Ao<br />
que o Churchil respondeu: ‹‹E se<br />
eu fosse o seu esposo beberia este<br />
café imediatamente.››<br />
O Parlamento britânico é uma<br />
das instituições que mais preza o<br />
uso de linguagem urbana. Os seus<br />
membros são proibidos de utilizar<br />
o que é classificado como ‹‹unparliamentary<br />
language››, isto é, linguagem<br />
não apropriada. Este princípio<br />
é seguido elos parlamentos<br />
dos países da Comunidade Britânica,<br />
sobretudo aqueles que são<br />
muito próximos da Grã-Bretanha,<br />
nomeadamente a Austrália, Canadá<br />
e Nova Zelândia.<br />
No Parlamento neozelandês o<br />
grande problema é a bebida alcoólica.<br />
Depois de bem bebidos,<br />
muitos parlamentares passam por<br />
cima das regras e insultam-se reciprocamente.<br />
O parlamento que não tem<br />
compromisso nenhum com controlos<br />
verbais é o irlandês. Ali o<br />
vice-presidente Joe Biden sentirse-ia<br />
como peixe na água. No<br />
youtube é possível encontrar clipes<br />
em que deputados irlandeses<br />
usam palavrões pesadíssimos<br />
para ofenderem os seus adversários.<br />
Os internautas consideram<br />
esses clipes mais interessantes do<br />
que as imagens que frequentemente<br />
saem dos parlamentos da<br />
Tailândia e Coreia do Sul ou de<br />
países que integravam a antiga<br />
União Soviética em que, não raramente,<br />
os deputados impõem<br />
os seus pontos de vista pela via do<br />
soco, pontapé e cabeçadas.<br />
Em África, Jomo Kenyatta,<br />
primeiro presidente do Quénia, é<br />
visto como uma figura unificadora.<br />
Só que quando estivesse zangado<br />
o velho era capaz de utilizar<br />
palavrões bastante coloridos em<br />
kiswahili, sua língua natal<br />
Nos anos 60, logo depois da<br />
independência do Quénia, houve<br />
uma insurreição contra o regime<br />
de Kenyatta aparentemente liderada<br />
por Oginga Odinga (o pai de<br />
Raila Odinga). O velho Kenyatta<br />
pôs os seus adversários na cadeia<br />
e fez um discurso em kisumu que<br />
as autoridades quenianas não<br />
gostam de divulgar. Neste discurso,<br />
o ‹‹pai da nação›› manda<br />
os seus adversários para se irem<br />
deitar com as suas mães e diz-lhes<br />
que se não mudassem os seus hábitos<br />
reaccionários iriam apanhar<br />
nas nádegas.<br />
Na África do Sul, o chefe da<br />
secção da juventude do ANC,<br />
Julius Malema, tem uma imensa<br />
capacidade de utilizar linguagem<br />
altamente insultuosa. Recentemente,<br />
descreveu uma adversaria<br />
do ANC, Patricia de Lille, como<br />
sendo muito feia e perguntou se<br />
haveria algum homem na África<br />
do Sul disposto a casar com ela.<br />
Antes disso, Malema insultou a<br />
ministra de Ciência de Tecnologia<br />
dizendo que o seu sotaque,<br />
acentuadamente americano, era<br />
absurdo. Malema foi imediatamente<br />
corrigido: a ministra Naledi<br />
Pandor tem é um sotaque da<br />
classe alta britânica, que muitos<br />
britânicos achariam também estranho.<br />
No fundo, Julius Malema,<br />
como o vice-presidente Joe Biden,<br />
disse o que muita gente gostaria<br />
de poder dizer.<br />
É talvez por isso que republicanos<br />
não se mostram muito<br />
perturbados com os palavrões<br />
de Joe Biden. Eles sabem que<br />
muita muitos americanos se revêem<br />
no vice-presidente e não<br />
no léxico, demasiado higienizado,<br />
de Barack Obama. ■
16 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Opinião<br />
Inocência Mata<br />
inocenciamata2009@gmail.com<br />
E que mal há não gostar do diferente?<br />
Na regra, descubram o abuso.<br />
Bertold Brecht<br />
Conta-se que a antiga ministra<br />
britânica Margareth<br />
Thatcher, não sabendo o<br />
que significava a palavra<br />
xenofobia, referindo uma atitude que<br />
aparecia constantemente criticada<br />
pelos media, e, ao lhe terem dito que<br />
significava ‹‹ódio ao estrangeiro››,<br />
terá replicado: ‹‹ódio ao estrangeiro?<br />
E que mal é que isto tem?››.<br />
Este episódio é contando em jeito<br />
de piada sobre a ignorância dos políticos<br />
e sobre a sua responsabilidade<br />
– pois vale sempre repetir que há<br />
cidadãos com mais responsabilidade<br />
social do que outros: um político, por<br />
exemplo, não pode fazer determinadas<br />
afirmações.<br />
Nem alguém com estatuto que<br />
lhe confere um lugar visível na sociedade,<br />
como é um articulista num<br />
órgão de comunicação tão importante,<br />
como é, em Portugal, o Diário de<br />
Notícias, como é o sociólogo Alberto<br />
Gonçalves: não porei em causa o seu<br />
estatuto de sociólogo, como ele fez<br />
com o músico Snake, assassinado<br />
pela PSP, no dia 15, no seu artigo ‹‹O<br />
hip-hop também mata›› .<br />
Façamos, no entanto, alguns esclarecimentos:<br />
não me vou referir às<br />
circunstâncias em que ocorreu este<br />
acidente, não apenas porque não<br />
conheço os pormenores mas ainda<br />
porque este não é o local adequado;<br />
afirmarei também que não conhecia<br />
o MC Snake (cujo nome civil era<br />
Nuno Rodrigues), não conheço a sua<br />
música, nem posso falar sobre a qualidade<br />
da sua música, não sou amante<br />
desse tipo de música, que nunca<br />
oiço, embora reconheça – era só o<br />
que faltava não o fazer! – o seu lugar<br />
na cultura musical e social e na ideologia<br />
urbana. Resumindo: sou uma<br />
perfeita leiga nesta matéria. Porém,<br />
mesmo assim, digo abertamente que<br />
devo saber mais sobre esse tipo de<br />
música, como fenómeno urbano que<br />
é, do que a série de lugares-comuns<br />
cheios de preconceitos que o tal articulista<br />
Alberto Gonçalves debitou na<br />
sua crónica, revelando uma primária<br />
ignorância em relação a esse tipo de<br />
música – ignorância não por desconhecer,<br />
mas por ser tão arrogante que<br />
não reconhece que não sabe.<br />
Em todo caso, não é da ignorância<br />
de Alberto Gonçalves que quero<br />
falar – esta só o afecta a ele – mas das<br />
suas ideias sobre a diferença. Pareceme<br />
que em certa comunicação social<br />
é de uma impunidade destilarem-se<br />
preconceitos contra a diferença: lembro-me<br />
que, em 2005, por ocasião do<br />
incidente que custou a vida ao brasileiro<br />
Charles de Menezes, imigrante<br />
na Inglaterra, um articulista português,<br />
Ferreira Fernandes, afirmou,<br />
num artigo intitulado ‹‹O brasileiro<br />
de Londres››, na revista portuguesa<br />
Sábado (outro órgão de grande circulação<br />
em que também colabora o<br />
sociólogo Alberto Gonçalves), que a<br />
Polícia britânica tinha razão porque<br />
o rapaz correspondia ao estereótipo<br />
do bombista, justificando-se, deste<br />
modo, inevitabilidade de semelhante<br />
acto, porque segundo o autor,<br />
Os terroristas, no caso londrino, são jovens<br />
e com a pele mais escura que a dos ingleses<br />
médios. Isso não quer dizer que todos os<br />
jovens mais morenos devam ser considerados<br />
terroristas. Mas quer dizer que todos os jovens<br />
mais escuros podem ser olhados com maior<br />
atenção pela polícia.<br />
Não é racismo de polícia, é bom senso.<br />
Lembro-me de que ficara estupefacta!<br />
Sobretudo quando na própria<br />
terra dos ‹‹ingleses médios›› (entenda-se,<br />
brancos louros) a atitude do<br />
polícia, e da Polícia, foi fortemente<br />
criticada pela opinião pública e os<br />
perpetuadores desse acto tiveram<br />
que responder perante a Justiça. E,<br />
claro, reagi, numa crónica, com outra<br />
pergunta: ‹‹E se num país africano<br />
a média dos nacionais – provavelmente<br />
negra – resolvesse considerar<br />
os seus concidadãos “mais claros”<br />
como potenciais neocolonialistas,<br />
o que diria este articulista?›› (em<br />
determinado blogue, de um ‹‹angolês››<br />
doentiamente ressabiado, fui<br />
logo apelidada de racista). Agora, o<br />
sociólogo (sem aspas) Alberto Gonçalves,<br />
comentando as reacções ao<br />
caso do rapper baleado, afirma que<br />
‹‹a maioria repetiu a tese de que o<br />
sr. Rodrigues morreu por ser preto,<br />
pobre, rapper e, aos olhos da polícia,<br />
um estereótipo. É possível, embora<br />
a responsabilidade pelo estereótipo<br />
caiba inteirinha ao sr. Rodrigues.››<br />
Lembrei-me daquelas situações<br />
em que a mulher violada é responsabilizada<br />
porque, afinal, trazia uma<br />
indumentária pouco decente! Ou<br />
porque não devia andar sozinha<br />
Como posso eu<br />
pensar que é natural,<br />
por exemplo,<br />
que um jovem Rastafari<br />
seja preterido<br />
numa candidatura<br />
a um emprego<br />
em que o que conta<br />
são as qualidades<br />
técnicas, em favor<br />
de um outro, de<br />
fato e gravata, só<br />
por isso?<br />
àquela hora!<br />
Nova estupefacção minha! Apenas<br />
para me situar, entrei na internet<br />
e constatei que é elevada a quantidade<br />
de comentários apoiando esta visão<br />
discriminatória do outro. Porém,<br />
quem a evidencia é um sociólogo<br />
que tem o poder da visibilidade, o<br />
que faz acrescer a sua responsabilidade<br />
cultural e social! E que, portanto,<br />
funciona como um intermediário<br />
da ‹‹indústria das relações públicas››<br />
(Noam Chomsky).<br />
Como pode alguém considerar<br />
natural que uma opção de vida (no<br />
sentido de profissão, modo de vestir,<br />
de se relacionar, de produzir acção<br />
cultural e de olhar o mundo),<br />
aliada à sua condição de pertencer,<br />
inevitavelmente, a um grupo olhado<br />
pelas forças da ordem em particular<br />
como ‹‹de risco››, resulte na sua<br />
discriminação?! Então não é precisamente<br />
este mesmo o esquema de<br />
pensamento do racista? Foi precisamente<br />
com base nesse pressuposto,<br />
ainda que partilhado pela maioria,<br />
que uma vez um funcionário – um<br />
polícia, a bem dizer – dos Serviços<br />
de Estrangeiros se sentiu à vontade<br />
para me considerar uma ‹‹potencial<br />
criminosa››, interrogando no<br />
Aeroporto da Portela, em Lisboa!<br />
É que, dizia ele, havia documentos<br />
falsos entre os africanos (entendase,<br />
negros) e, por isso era necessário<br />
vigiar todos os africanos residentes<br />
em Portugal, a fim de ‹‹apanhar os<br />
prevaricadores››. É óbvio que, como<br />
costumo dizer, este funcionário se<br />
enganou na negra e nunca mais trabalhará<br />
com base nesta lógica, mas o<br />
que me espanta é a ligeireza com que<br />
alguém pretensamente esclarecido<br />
defende, no século XXI, um pensamento<br />
tão discriminatório. Como<br />
posso eu pensar que é natural, por<br />
exemplo, que um jovem Rastafari<br />
seja preterido numa candidatura<br />
a um emprego em que o que conta<br />
são as qualidades técnicas, em favor<br />
de um outro, de fato e gravata, só<br />
por isso?! Então o sociólogo – que<br />
aparenta, pela sua indumentária e<br />
pelo discurso, ser um viajado, um<br />
‹‹cosmopolita›› – não conhece outros<br />
mundos, por exemplo, Londres<br />
(a começar pela ‹‹sala de visitas›› que<br />
é qualquer aeroporto internacional),<br />
ou mesmo Nova Iorque, a ‹‹catedral››<br />
do cosmopolitismo?! A discriminação<br />
não se justifica – combate-se!<br />
Não se compreende – condena-se! O<br />
máximo que se pode fazer é explicar<br />
– o que não me parece acontecer na<br />
afirmação de Alberto Gonçalves.<br />
Realmente, este mundo rege-se<br />
por dois pesos e duas medidas e enquanto<br />
umas coisas tomam proporções<br />
fenomenais, todos os abusos<br />
se tornam regra quando o que está<br />
em causa é a ‹‹vítima natural›› – até<br />
acaba por ser responsabilizado pela<br />
situação de discriminado! E é verdade,<br />
para que conste, que nem é<br />
preciso sair de África para constatar<br />
isto: a África está cheia de naturalizações<br />
de discriminações! Com a<br />
passividade, e a cumplicidade, geral.<br />
A constatação deste facto não me<br />
inibe para falar do que se passa em<br />
outras partes do mundo. Neste caso,<br />
a questão que me move, agora, nem<br />
sequer é já o acontecido, mas a sua<br />
justificação, a ideia peregrina de que<br />
quem assume a diferença tem de assumir<br />
que é natural que venha a ser<br />
discriminado.<br />
E isto dito por um sociólogo!
Sábado, 27 de Março de 2010. 17<br />
Opinião<br />
Carta aberta ao Sr. Reis Ventura (*)<br />
M.M. de Brito Júnior<br />
Pessoalmente não conheço<br />
o Sr. Reis Ventura.<br />
Disseram-me que o<br />
Sr. mora no Bairro Alvalade<br />
e é funcionário superior da<br />
Petrangol. Só sei que o sr. escreve<br />
para os jornais e também é escritor.<br />
Politicamente suponho que o<br />
Sr. Reis Ventura sabe como é conhecido<br />
no meio negro; O «CA-<br />
SAL RIBEIRO de Angola».<br />
Isto, devido à sua intransigente<br />
defesa do «salazarismo» e, nos<br />
últimos anos, do «caetanismo»,<br />
manifestada no Conselho Legislativo,<br />
nos discursos que tem<br />
proferido, nos romances e nos<br />
jornais. A comunidade negra<br />
esclarecida chegou ao ponto de<br />
evitar ler o que Sr. Reis Ventura<br />
escreve nos jornais, de tão revoltantes<br />
para a nossa dignidade.<br />
Contudo, alguns de nós temos<br />
tido a pachorra de ler as crónicas<br />
semanais – «conversa fiada». Eu,<br />
embora revoltado, também tenho<br />
lido as suas crónicas para saber<br />
até onde o Sr. pode chegar… porque,<br />
acredite, revolta a qualquer<br />
angolano negro a maneira como o<br />
Sr. Ventura exaltava as «virtudes»<br />
dos governantes fascistas portugueses<br />
depostos e achincalhava os<br />
governos e povos africanos independentes<br />
(com excepção do presidente<br />
Kamuzu Banda!). Porém,<br />
depois do 25 de Abril, o sr. tem<br />
demonstrado uma honestidade<br />
digna de realçar: mantém firme<br />
o seu salazarismo pois ainda não<br />
li a mais leve critica sua sobre os<br />
actos do antigo regime. Isto é que<br />
é ser honesto! O mesmo não fizeram<br />
muitos «salazaristas» que,<br />
vestindo agora peles de cordeiro,<br />
escondem o seu amor ao antigo<br />
«Estado Novo» e dizem-se democratas,<br />
sempre pretenderam a independência<br />
das colónias e mais<br />
baboseiras. Estes são nojentos.<br />
Não me quero debruçar agora<br />
sobre as «brilhantes» prosas saídas<br />
da sua «pena» até 25 de Abril.<br />
Esta carta vem a propósito da<br />
sua «conversa fiada», inserta no<br />
jornal «A Província de Angola»<br />
do dia 10/8/1974, sob o subtítulo<br />
«É isto a paz» depois do Sr. fazer<br />
varias considerações sobre os sangrentos<br />
e funestos acontecimentos<br />
que têm causado tanto pranto<br />
e dor na cidade negra de Luanda,<br />
segundo a sua óptica, claro, a seguinte<br />
passagem: «Vem a propósito<br />
lembrar que em Março e Abril<br />
de 1961, algumas centenas de<br />
civis com armas de ocasião, colaborando<br />
com os pouquíssimos<br />
soldados e polícias de que então<br />
dispúnhamos, conseguiram sufocar<br />
rapidamente a tentativa de<br />
guerrilha nos musseques de Luanda<br />
sem nada que se pareça com<br />
os mortos, feridos e prejuízos que,<br />
que desde o dia 11 de Julho findo,<br />
têm ensanguentado e enodoado<br />
esta bela cidade. Se for preciso,<br />
que as milícias civis, devidamente<br />
enquadradas, voltem a colaborar<br />
com as Forças Armadas, para que<br />
a paz seja imposta a todos aqueles<br />
que teimam em nos impor a guerra».<br />
(sic).<br />
Ao acabar de ler a dita crónica<br />
eu tremia de fúria. Será<br />
que o Sr. Reis Ventura ignora<br />
como em 1961 milhares de civis<br />
brancos (não algumas centenas<br />
como diz) com autenticas<br />
armas de fogo (não eram armas<br />
de ocasião porque depois de 4 de<br />
Fevereiro os brancos armaramse<br />
convenientemente) «conseguiram<br />
sufocar rapidamente» a<br />
pretensa tentativa de guerrilha<br />
nos musseques?<br />
Ou o Sr. é um fingido ou não<br />
estava em Luanda na altura.<br />
Pois saiba que o povo negro dos<br />
musseques ainda tem presente os<br />
horrores praticados pelas milícias<br />
brancas naquele ano e seguintes.<br />
Brancos armados entraram nos<br />
musseques a coberto da noite,<br />
muitas vezes de dia, assassinaram<br />
indiscriminadamente homens e<br />
rapazes e algumas vezes senhoras,<br />
raparigas e crianças. Aos negros<br />
apavorados, sem compreenderem<br />
a causa da chacina, só restava<br />
esconderem-se ou fugir. Muitos<br />
foram arrancados das cubatas e<br />
levados para sítios desconhecidos.<br />
Até hoje não apareceram os<br />
seus corpos! Foram dias, meses,<br />
anos, de horror. Mas a acção das<br />
milícias civis brancas não se limitou<br />
à cidade de Luanda, não<br />
senhor, espalhou-se pelo interior<br />
de Angola. Dezenas de milhar de<br />
negros foram fuzilados e enterrados<br />
em valas comuns, muitos ainda<br />
com vida. Não me diga que o<br />
Sr. nunca ouviu falar da chacina<br />
em Catete, Dondo, Golungo Alto,<br />
Salazar, Lucala, Quibala, Calulo,<br />
Gabela,Seles, Porto Amboim,<br />
Cacuso, Norte, Centro,Sul e Leste<br />
de Angola? O sr. não sabe das chacinas<br />
por esta Angola fora? Sabe<br />
sim, está é a fingir!!! Fui tropa de<br />
1960 a 1964 e como tal estou bem<br />
informado pois por duas vezes estive<br />
no norte. Digo mais, muitas<br />
chacinas perpetradas pela tropa<br />
expedicionária foram induzidas<br />
pelas milícias civis brancas. Claro<br />
que depois de desfeitas as ditas<br />
milícias não quer dizer que os<br />
civis brancos deixaram de assassinar<br />
pretos; nada disso; continuaram,<br />
isolados ou em grupos, «sufocando<br />
os negros que tentassem<br />
levantar a cabeça». Temos casos<br />
vividos tais como os bem conhecidos<br />
massacres do Cazenga em<br />
16 de Setembro de 1972 e desde 11<br />
de Julho de 1974. E não só!<br />
Portanto, Sr. Reis Ventura, é<br />
altamente criminoso preconizar<br />
o «regresso» da nefasta milícia civil.<br />
Os negros hoje já não se deixariam<br />
assassinar como foram desde<br />
1961.Hoje não fugiriam pois já<br />
sabem defender-se e também já<br />
sabem até onde pode chegar o espírito<br />
assassino das milícias civis<br />
brancas. Nós estamos vigilantes!<br />
Se o Sr. Reis Ventura é mesmo<br />
cristão espero que se penitencie<br />
do macabro pensamento que teve.<br />
As milícias civis cometeram crimes<br />
horrorosos, alguns imperdoáveis.<br />
A História de Angola narrará<br />
estes «feitos heróicos das milícias<br />
civis que conseguiram sufocar rapidamente»<br />
milhares e milhares<br />
de negros indefesos, em defesa<br />
dos seus interesses colonial-capitalista.<br />
Continue a escrever e nós, vigilantemente,<br />
continuaremos a ler.<br />
Vigilantes, não se esqueça.<br />
Estou a seu dispor para qualquer<br />
esclarecimento. ■<br />
(*) Publicado no Jornal «O<br />
<strong>Angolense</strong>» nº 3 de 27 de Setembro<br />
de 1974
Sábado, 27 de Março de 2010. 19<br />
Crónica<br />
n o 81<br />
Conversa fiada, telemóveis & pistolas<br />
Chegado de mais um<br />
congresso de escritores,<br />
comecei logo a ser<br />
actualizado em matéria<br />
de conversa fiada que é qualquer<br />
coisa parecida com boatos com a<br />
diferença que a pessoa ou pessoas<br />
que nos transmitem a falação<br />
não invocam que ouviram dizer<br />
ou que dizem mas desenrolam o<br />
papo com tal convicção afirmativa<br />
e de forma tão reiterada que nem<br />
nos dá tempo de perguntarmos<br />
como é que sabe, que na telenovela<br />
bancária entra uma senhora da<br />
limpeza que tem conta bancária<br />
para cima de um milhão de dólares<br />
e como é possível? Aí eu só tive<br />
que responder que de costas para<br />
as tê-lé de segurança alguém embrulhava<br />
notas em papel, amassava<br />
com as mãos à guisa de lixo,<br />
atirava para o cesto dos papéis e<br />
de combina com a da limpeza…<br />
depois dividiam, ah!ah!ah! riu-se<br />
a interlocutora mas depois fez-me<br />
gramar mais uma hora de conversa<br />
e, não duvido que a brincadeira<br />
já chegou aos internautas que<br />
devem estar a passá-la como algo<br />
de real já que a realidade é sempre<br />
mais de sonho que o imaginário,<br />
de repente mudou-se a conversa<br />
pois o muçulmano da Guiné Conakry<br />
havia sido assaltado. Entraram<br />
dois na lojeca que parece um<br />
corredor, tão estreito que quando<br />
o homem se fecha à chave para as<br />
orações, pelo vidro os miúdos desatam<br />
à gargalhada inocente por<br />
só conseguirem ver as nádegas do<br />
rezante. Sim, entraram dois e um<br />
ficou cá fora. Os dois esperaram<br />
que saísse um cliente. Fecharam<br />
a porta à chave, apontaram uma<br />
pistola na cabeça do homem e passa<br />
para cá tudo o que era cartões<br />
para abastecer de saldo telefones<br />
celulares e dinheiro, qual latas de<br />
chouriço ou rebuçados, aviaramse<br />
rápido e cá fora nenhum dos seguranças<br />
que se plantam defronte<br />
das vivendas se apercebeu. A graça<br />
é que afinal o homem nem sequer<br />
é dono. É empregado de um<br />
conterrâneo que, ao que parece,<br />
tomou de arrendamento a loja a<br />
um angolano, comércio internacional!<br />
Ninguém se preocupou em chamar<br />
a polícia e eu estranhei o que<br />
era tão simples, quer o lojista quer<br />
A estagiária ficou de cara feia. Que já sofria de um sindroma<br />
de pavor quando parava nos engarrafamentos. Tinha sido assaltada<br />
por três vezes e por três vezes lhe haviam levado o telemóvel<br />
e agora ia defender um gatuno de telemóveis<br />
o patrão estariam indocumentados<br />
e comentava um vizinho que<br />
esta hora são esses cartões que os<br />
miúdos andam a vender na rua. E<br />
eu fui consolar o desgraçado que<br />
estava com os olhos quase a sair<br />
das órbitas com outro vizinho a<br />
falar que o problema é que ainda<br />
se vendem pistolas nos mercados<br />
e os bandidos abastecem-se aí de<br />
armas e munições, e outro é e não<br />
é porque outros palmam muito<br />
mais e nem sequer precisam de<br />
pistola, pistola é para roubo de<br />
pobre, e outro adendou que era<br />
verdade pois os que palmam por<br />
cima só usam boas águas-de-colónia,<br />
bons fatos e boas gravatas e<br />
foi uma gargalhada geral e depois,<br />
quando me retirava verifiquei que<br />
a conversa transitava para a polícia<br />
e uma recente condenação por homicídios,<br />
nessa altura ainda quis<br />
perguntar a um da televisão sobre<br />
uma conversa que estava a passar<br />
em Lisboa no assunto em que uma<br />
senhora portuguesa mais outros<br />
compatriotas haviam palmado<br />
um monte de massa na Zimbo,<br />
deixava isso para depois, de contrário,<br />
tinha que ficar ali bué de<br />
tempo e concordar que o muçulmano<br />
foi castigado por não vender<br />
nem vinho nem cerveja obrigando<br />
as pessoas a deslocarem-se um<br />
bom pedaço pois as três lojas mais<br />
perto também estavam sob a alçada<br />
de Maomé.<br />
No escritório, encontrei guias<br />
do tribunal. Chegaram as duas<br />
estagiárias. Contaram-me sobre<br />
as defesas oficiosas, makas de<br />
candongueiros e por aí. Uma estava<br />
a preparar um trabalho sobre<br />
direito de família em matéria de<br />
alimentos, sugeri-lhe uma introdução<br />
com base numa sociedade<br />
tradicional e em caso de abandono<br />
da mulher e filhos como é que<br />
acontecia a prestação de alimentos<br />
por parte do pai, levou a sério e tomou<br />
nota. Depois sobre um divórcio<br />
proposto em nome da mulher<br />
e que elas quase garantiam a vitória.<br />
E afinal, os papéis do tribunal,<br />
a que chamam guias, era para<br />
‹‹alguém›› pagar dez mil kwanzas<br />
para a libertação do detido que<br />
havia sido flagrantado após ter<br />
palmado um telemóvel e uma das<br />
estagiárias era a defensora oficiosa.<br />
Ficou de cara feia. Que já sofria<br />
de um sindroma de pavor quando<br />
parava nos engarrafamentos. Tinha<br />
sido assaltada por três vezes e<br />
por três vezes lhe haviam levado o<br />
telemóvel e agora ia defender um<br />
gatuno de telemóveis e desatámos<br />
todos à gargalhada e eu ainda lhes<br />
contei a do guineense, quem sabe<br />
se não é o mesmo ou do mesmo<br />
clube… mas é sempre chato para<br />
um gatuno falhar uma operação!<br />
Não diga isso doutor!, nada, eu é<br />
que lhe pergunto como é que foi<br />
isso de três vezes, claro que não há<br />
duas sem três, foram todas iguais,<br />
eu com o carro parado num engarrafamento,<br />
vidros todos fechados,<br />
aparece do lado direito, com<br />
a mãos direita cobre toda a pistola<br />
e só vejo o cano apontado no vidro<br />
e com a mão esquerda, polegar<br />
na orelha e mindinho na boca,<br />
claro, é telefone, e então nem uma<br />
buzinadela para ele se assustar e<br />
mostrar a pistola aos transeuntes?<br />
nada doutor, eu quando é assim<br />
é dinheiro é telefone, nem queira<br />
saber o pânico, quando é assim<br />
dou tudo.<br />
É? Dá tudo? Então também vou<br />
ver se arranjo uma pistola!| E desatámos<br />
os três a rir.<br />
23/3/2010
20 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Crónica<br />
Huanga & Nomeações<br />
‹‹É um conto››, aviso.<br />
Hoje, as claques de futebol africanas<br />
já não escondem os seus<br />
amuletos quando têm pela frente<br />
os grandes derbies, quer no equilíbrio<br />
de forças táticas, mesmo no<br />
físico e no historial de vitórias.<br />
‹‹Chegam numa boa altura.<br />
No ponto doce››, terá suspirado<br />
o Prof. Dr. Kinguana, ministro.<br />
“É a grande vantagem do CAN,<br />
termos no terreno grande presença<br />
de feiticeiros”, explicou ao<br />
assistente e amigo. ‹‹É só escolher<br />
o que nos parece ser melhor e infalível››,<br />
esfregou as mãos de contente.<br />
O momento político era de<br />
‹‹muita indecisão e incertezas››,<br />
todos os governantes estavam à<br />
porta de mais uma grande remodelação:<br />
‹‹Quem fica e quem sai?››,<br />
era a interrogação mais comum<br />
nas rodas de conversas, mesmo<br />
nas rolotes de cerveja, a política<br />
era chamada para aumentar as<br />
gargalhadas.<br />
Quanto mais cervejas geladas<br />
nos tambores eram destiladas<br />
nos bares de rua, maiores eram os<br />
palpites dos bêbados e delirantes<br />
os seus diagnósticos à volta das<br />
prováveis exonerações e seus vales<br />
de lágrimas.<br />
‹‹Os editores privados, para aumentarem<br />
as tiragens, ultrapassavam<br />
o vaticínio e as especulações<br />
da rua e repetiam as mesmas<br />
manchetes››, escreveu um politólogo:<br />
‹‹Varredela››, pediam os<br />
mais animados. ‹‹Me parece que a<br />
política a exemplo do que acontece<br />
com a maior parte das partidas<br />
de futebol, tem sempre muitos<br />
treinadores de bancada prontos<br />
só para desancar››, escreveu.<br />
‹‹Existe muita gente infeliz, só<br />
gosta de desejar e assistir o mal<br />
dos outros››, explicou o mais famoso<br />
barbeiro da Vila-Alice, ‹‹o<br />
mais informado››, reconhecem.<br />
‹‹O pior é que alguns Ministros<br />
pensam, e mal, que podem mudar<br />
a direção do punho do Presidente<br />
pelo punho de um bom feiticeiro,<br />
para os seus intentos aí virados.<br />
Ah, ah, ah, ah››, desatou aos risos<br />
e com o olhar apontado aos políticos<br />
à espera da sua tesoura continuou<br />
com algum desdém:<br />
‹‹Meus senhores, digam lá, e<br />
Para adensarem a euforia dos espetáculos no intuído das audiências,<br />
apanharem os instantâneos de alegria exuberante e<br />
térrea dos políticos e dirigentes da FIFA, as objetivas dos realizadores<br />
demoravam-se alguns segundos mais nas refulgentes<br />
figuras de feiticeiros, pomposamente rodeados de amuletos<br />
onde fica a vontade de Deus e que<br />
tudo pode?››, deixou a pergunta<br />
propositadamente no ar para que<br />
os clientes voltassem à casa com<br />
alguma preocupação que lhes<br />
ocupasse o seu dia-a-dia até ao<br />
sábado seguinte. ‹‹Até lá, que os<br />
botões falem mais alto em juízo››,<br />
o barbeiro sorriu para dentro de<br />
si próprio.<br />
Os espetáculos do CAN que a<br />
TPA passava não se resumiam e<br />
só ao show de golos, defesas, fintas<br />
e repetição em câmara lenta<br />
dos erros dos árbitros e seus coadjuvantes<br />
de linha. Realço que<br />
um outro espetáculo foi sempre<br />
alvo dos visionamentos, acontecia<br />
nas bancadas, como se as<br />
claques fossem o verdadeiro 12º<br />
jogador para cada uma das equipas<br />
em contenda, assim pediam<br />
os treinadores sem descurarem a<br />
paixão e o discurso patriótico.<br />
As objetivas dos realizadores<br />
de imagem, para adensarem a<br />
euforia dos espetáculos no intuído<br />
das audiências, para além de<br />
apanharem os instantâneos de<br />
alegria exuberante e térrea dos<br />
políticos e dirigentes da FIFA,<br />
demoravam-se alguns segundos<br />
mais nas refulgentes figuras de<br />
feiticeiros, pomposamente rodeados<br />
de amuletos: crânios de leão,<br />
rabos de elefante e de animais<br />
embalsamados, ‹‹estranhos no<br />
aspecto››, comentavam os mais<br />
atentos.<br />
‹‹Os do Gana, esses não brincam<br />
em serviço. Nota-se até pela<br />
exuberância e colorido dos trajes.<br />
É mesmo para impressionar até<br />
os menos atentos››, disse o amigo<br />
do ministro.<br />
‹‹Olha, como a equipa têm passado?<br />
Só com um golito e tem<br />
bastado. Só pode ser graças à ajuda<br />
e empurrão do feiticeiro››, exclamou<br />
o ministro. Depois de um<br />
longo silêncio e o olhar demorado<br />
na janela que tinha como pano de<br />
fundo o Bairro Alvalade, decidira-se<br />
pelo plano que tinha engendrado<br />
durante a noite que passara<br />
em claro e com muita enxaqueca<br />
a mistura. ‹‹Uma tenção incurável<br />
que quase pifou a minha cabeça››,<br />
cogitou.<br />
‹‹É pá, como as coisas andam,<br />
não posso ficar de braços cruzados.<br />
Não tenho melhor saída, e a<br />
vida não é uma ficção, não posso<br />
corromper o seu desfecho. Deves<br />
contactar o homem do Gana,<br />
nosso escolhido. Preciso dos seus<br />
melhores serviços. Amigo, trate<br />
de negociar sem choramingar<br />
pelo preço, o dinheiro é para gastar<br />
nos objetivos. Não podemos<br />
vacilar››, pediu o ministro com<br />
um timbre de voz quase apagado.<br />
‹‹Amigo ministro, achas que<br />
valerá mesmo a pena tentar com<br />
a prata de fora? Será que o grande<br />
feiticeiro sabe entrar no mistério<br />
da alta política com a mesma<br />
habilidade com que lida com os<br />
golos?››, deixara de rajada duas<br />
incómodas perguntas porque<br />
acreditava, tinha mesmo a certeza<br />
que a lista nominal dos que<br />
sairiam do governo não constava<br />
o seu nome, ‹‹É, pelo menos, o
Sábado, 27 de Março de 2010. 21<br />
Crónica<br />
que garantem as minhas fontes.<br />
Não te esqueças que é com ela que<br />
temos lidado esses anos todos››,<br />
esclareceu dando importância ao<br />
seu indecifrável serviço junto do<br />
Gabinete do Ministro.<br />
‹‹Não me interessam as tuas<br />
interrogações, traz resultados que<br />
mereçam o meu aplauso e recompensa.<br />
Uma mão lava a outra, não<br />
te esqueças››, disse o Ministro<br />
com convicção e pediu que o amigo<br />
se retirasse da sala. Tinha na<br />
agenda o encontro com a Delegação<br />
de investidores chineses, mas<br />
de nada valeria esse seu esforço<br />
e contatos já que há ‹‹muito que<br />
não despachava nada››, estavam<br />
condicionados por ordens muito<br />
claras e que não deixavam dúvidas:<br />
‹‹É só cumprir››, disparavam<br />
todos.<br />
No hotel Alvalade, apesar de<br />
uma certa resistência pelas discrepâncias<br />
dos montantes, o amigo<br />
do ministro ardilosamente<br />
convencera o emissário do feiticeiro<br />
a celebrarem um acordo que<br />
não poderia ficar escrito:<br />
‹‹Ok, aceitamos o montante<br />
de cem mil dólares, mas devem<br />
ainda incluir as despesas do hotel,<br />
porque vamos ter de prolongar<br />
a nossa estadia››, acrescentou:<br />
‹‹Regresso em jato particular››,<br />
apresentou as exigências sem pestanejar:<br />
‹‹Não queria dizer-lhe<br />
tudo, mas gostaria que soubesse<br />
que outros ministros procuraram<br />
os nossos serviços››, ameaçou o<br />
emissário que até ao meio-dia<br />
esperava que o dinheiro fosse depositado<br />
na conta do feiticeiro,<br />
‹‹Numa só tranche››, determinou.<br />
Dois dias depois de confirmada<br />
a OT, o feiticeiro, apesar do<br />
seu aspecto originar curiosidades,<br />
mesmo assim, em pleno dia,<br />
foi varrer os maus olhados no Gabinete<br />
do ministro:<br />
‹‹Ohhhhh, Xéeee, Forra com<br />
azaar. Zambi vai dar reino pawer.<br />
Xangô Bamba››, gritou num mau<br />
português. A dança que acompanhava<br />
essas expressões deixou<br />
o ministro e o seu amigo cientes<br />
que o feiticeiro ‹‹amarrara››<br />
e bem o seu lugar para mais dez<br />
anos.<br />
‹‹Ministro, esses homens que<br />
saíram vieram segurar o seu lugar?››,<br />
perguntou de forma sarcástica<br />
a secretária.<br />
‹‹Porra, eu exonero-te, não<br />
brinques. Ponha-se no seu devido<br />
e merecido lugar, mas não brinque<br />
com o fogo. Por acaso, a senhora,<br />
minha secretária, alguma<br />
vez ouviu-me falar dessa prática,<br />
própria dos ignorantes?››, perguntou.<br />
‹‹Não, não, desculpa. Deram<br />
muito nas vistas, porque vinham<br />
vestidos de uma maneira folclórica››,<br />
tentou justificar-se.<br />
‹‹Saiba que vieram por questões<br />
de negócios e o país não pode<br />
escolher o fato europeu para os<br />
vestir. Era o que faltava, senhora<br />
Josefa, ameaçar a identidade cultural<br />
dessa gente. Fique no seu lugarzinho,<br />
é melhor. Não se arme<br />
em bonita››, ameaçou o ministro.<br />
Nem eram bem dez dias depois<br />
do contrato, tudo lhe parecia girar<br />
conforme previra o ‹‹Papá››<br />
feiticeiro do Gana. Tratava-o com<br />
essa deferência, porque tinha<br />
mais certezas do que nunca que<br />
o ‹‹lugar continuaria eternamente››<br />
seu. Por isso mesmo, quando<br />
entrasse ou saísse do seu gabinete<br />
cuidadosamente decorado pelos<br />
chineses, mais concretamente na<br />
antessala onde recebia o apoio de<br />
seis secretárias, exibia uma confiança<br />
nunca vista, uma altivez<br />
que assustava os colaboradores<br />
mais céticos e que tinham apanhado<br />
nos salões das intrigas algo<br />
como ‹‹Ele vai cair››.<br />
Eram, aproximadamente, onze<br />
horas da manhã, o sol estava alto<br />
e quase vertical, um dia bom de<br />
fazer praia, quando o feiticeiro do<br />
Gana entrou em convulsões, estatelou-se<br />
na sala de visita do ministro,<br />
lugar muito bem decorado<br />
e cómodo onde o velho aguardava<br />
há já algum bom tempo.<br />
‹‹Urrrrr, uá, uté, tinga-dondom››,<br />
tentava articular algum<br />
pensamento de todo indecifrável<br />
para os que assistiam o sofrimento<br />
do feiticeiro. Os vómitos fétidos<br />
sujaram a alcatifa felpuda, e essa<br />
miséria deixou a ‹‹senhora possessa››,<br />
a situação de saúde pouco<br />
lhe interessava, ‹‹Que morra, não<br />
me diz nada, nadinha mesmo››.<br />
Estava bastante preocupada, mas<br />
pelo valor da peça comprada no<br />
Egipto, ‹‹Uma relíquia que marca<br />
a decoração e estilo da sala. Devia<br />
tê-lo deixado abandonado no<br />
quintal, é o que essa gentalha bem<br />
merece››, resmungou.<br />
O marido chegou arfando e<br />
apressado pela chamada de urgência,<br />
agora só pensava em como<br />
retirar de casa o corpo pesado do<br />
feiticeiro, ‹‹Não posso ficar na<br />
boca dos vizinhos››, falou com os<br />
seus botões enquanto se dirigia à<br />
estante para abrir o Plasma e ouviria<br />
o noticiário da Televisão pública<br />
já com 12 minutos de atraso,<br />
com a atenção virada para duas<br />
situações; o doente e o noticiário.<br />
Depois de uns instantes de<br />
ecrã com chuva, a imagem do<br />
pivô dominou o plasma e a atenção<br />
do ministro: ‹‹O último Decreto<br />
Presidencial, exonera o digníssimo<br />
senhor Ministro, Prof.<br />
Dr Kingolo Tagta Duarte››, leu o<br />
locutor tentando imitar a dicção<br />
e estilo do Amílcar Xavier, agora<br />
em serviço na concorrente da<br />
TPA para mostrar o seu potencial.<br />
O grande feiticeiro, não se<br />
sabe por que mágica ou milagre,<br />
simplesmente deixou de ter convulsões<br />
que o tinham combalido<br />
até ao chão. Desatou aos choros<br />
desbragados, ‹‹Ai, ai tatá››, foram<br />
choros de muitas lágrimas e ranhos,<br />
como se algo estivesse mal<br />
no seu coração e necessitasse dessas<br />
lágrimas para se ver livre de<br />
algum pesadelo.<br />
‹‹Aiiiiiiiii, socorrrrro››, gritou a<br />
filha, que presenciara com alguma<br />
proximidade a queda do pai<br />
atacado por um fulminante aperto<br />
cardíaco. Os olhares da mulher<br />
e da filha e dos guardas que ocorreram<br />
à sala, foram dirigidos ao<br />
feiticeiro que acabara de sair do<br />
desmaio, uma situação nada confortante.<br />
‹‹Oh, Papá, faça alguma coisa,<br />
se não daqui não sai com vida››,<br />
ameaçou em língua francesa o<br />
guarda mais antigo. ‹‹Era um pai,<br />
um amigo››, confessou o seu afeto<br />
e chorava como ninguém.<br />
‹‹Filha, corre, corre. Fechate<br />
a sete chaves no escritório do<br />
papá e só sais com os números<br />
das contas offshores. Vá, seca as<br />
lágrimas››, gritou a mulher do<br />
ministro.<br />
‹‹As crianças pá cama. Vamos<br />
tratar do pêlo do feiticeiro acordado<br />
da sua matreirice», disse<br />
com voz seca e deu um soco no<br />
peito do guarda, «mexe-te», ordenou.<br />
‹‹Aiiiiiiiiiii, paiiiiiii, meu ministro››,<br />
gritou enquanto com<br />
descuido poisava no chão a cabeça<br />
do pai. ‹‹Onde estará esse<br />
maldito PIN››, pensou na forma<br />
e perfeição da revista. ‹‹Não ficaste<br />
de me oferecer um BMW,<br />
oh papá?», perguntou aos gritos<br />
enquanto subia as escadas.<br />
O que aconteceu em seguida,<br />
é, até hoje, assunto de grande especulação<br />
e controvérsia: o Ministro<br />
da Cultura da Costa do<br />
Marfim, Prof. Dr. Bongo-Bongo,<br />
informou aos seus cidadãos que o<br />
grande feiticeiro «ao contrário da<br />
informação reacionária que corria<br />
em Luanda de que teria sido<br />
assassinado em casa do malogrado<br />
Ministro exonerado, creiam,<br />
não passa de pura mentira dos<br />
jornais privados» e garantiu que<br />
o morto, Papá, como era tratado<br />
pela esposa do ministro, felizmente,<br />
já se encontrava na África<br />
do Sul, vivendo debaixo das balizas<br />
«onde a equipa Nacional violará<br />
as redes com grandes golos»,<br />
tudo pelo brilho do continente,<br />
disse com orgulho. ■
22 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Crónica<br />
Os espelhos da tia Fefa (II)<br />
NO ÚLTIMO fim-de-semana do<br />
mês inteiramente dedicado às mulheres,<br />
Março, o marido da tia Fefa<br />
descobriu a melhor oportunidade<br />
para levantar o embargo e suspender<br />
as sanções unilaterais contra a<br />
esposa. A tia Fefa voltou a sorrir e<br />
teve muitos motivos para festejar a<br />
sua alegria, antes que viesse o dia<br />
das mentiras...<br />
O marido, Tijójó, como também<br />
é chamado no bairro, não teve muitas<br />
dificuldades em convencer a<br />
mulher de que o espelho do quarto<br />
do casal nada tinha a ver com a péssima<br />
imagem que ela escondia entre<br />
as almofadas. Bastou surpreendê-la<br />
com um enorme arranjo de flores,<br />
enquanto soluçava no quarto. O<br />
efeito do perfume natural das rosas,<br />
orquídeas, e cravos apoderou-se<br />
dela. A tia Fefa era doida por fantasias<br />
e aquele «bouquet» havia sido<br />
propositadamente encomendado,<br />
até ao último detalhe.<br />
«Porque partiste o nosso espelho?»,<br />
perguntou Tijójó: «Ele tinha<br />
alguma culpa, meu amor…?», voltou<br />
a perguntar, sem obter resposta.<br />
A tia Fefa continuava a não conseguir<br />
responder.<br />
Já se tinha dado conta de que<br />
mudar os espelhos não era solução.<br />
Apesar de ter colocado um espelho<br />
novo no quarto, tudo esteve na<br />
mesma até o marido sorrir para ela,<br />
com as flores nas mãos! Os lençóis<br />
estavam amarrotados; o ar condicionado<br />
continuava avariado e o<br />
ambiente contaminado por fantasmas<br />
inexistentes. A senhora acordava<br />
de manhã sem pinturas nem<br />
maquilhagem, e, uma vez mais, não<br />
se sentia bem. Era irritante aquela<br />
angústia permanente de se sentir<br />
rejeitada pelo próprio marido, por<br />
causa de um conflito que poderia<br />
ser sanado por qualquer um deles.<br />
Mas, a birra dele e o orgulho dela<br />
emperravam tudo. Ninguém queria<br />
ceder facilmente, nem dar o braço a<br />
torcer, num terreno em que o machismo<br />
e vigor masculino jogavam<br />
contra o capricho e a astúcia feminina.<br />
Disfarçadamente, ambos queriam<br />
vencer.<br />
O tio Jorge só compreendeu a crise<br />
e a profunda frustração da mulher<br />
quando viu os pedaços de vidro<br />
O TIO JORGE só compreendeu a crise e a profunda frustração da mulher quando viu os pedaços de vidro espalhados pelo chão<br />
espalhados pelo chão. Por breves<br />
instantes, olhou para a moldura do<br />
casamento e verificou que a imagem<br />
da mulher já não era a mesma.<br />
O espelho confidente, que ela tanto<br />
gostara, estava completamente<br />
destruído aos seus pés, perdendo a<br />
utilidade. Então, num golpe de magia,<br />
voltou a transformar-se no conquistador<br />
que ela tão bem conheceu<br />
e por quem se vergou, aos bocados.<br />
Com a tia Fefa, o desejo de reconciliação<br />
também não foi diferente.<br />
Apenas sentia-se feia e deformada<br />
porque não lhe apareciam iniciativas;<br />
nem soluções, nem oportunidades<br />
para ultrapassar a crise no lar.<br />
E, por falta de imaginação, distraíase<br />
sem criatividade, ocupava o espírito<br />
sem tirar proveito e refugiava-se<br />
em futilidades, até voltar a dormir.<br />
Dia após dia, foi a maior caricatura<br />
de si mesma: «Também hoje, não me<br />
tocou…», sofria em silêncio. O implacável<br />
conflito conjugal mostravalhe<br />
uma outra face, nua e crua. O<br />
matrimónio em risco, sem o calor<br />
dos carinhos e elogios; uma imagem<br />
até então desconhecida.<br />
«Porque me partiste o nosso espelho,<br />
amor…?». O experiente Tijójó<br />
repetiu a pergunta com as flores no<br />
colo da esposa que amava em segundas<br />
núpcias. O que se passou a<br />
seguir é assunto de quatro paredes!<br />
Mas…, ao sair do quarto, a tia<br />
Fefa já não notou diferenças nenhumas<br />
entre as imagens dos espelhos<br />
que tinha em casa. Já era noite.<br />
Deixava de haver um espelho bom<br />
e um espelho infiel à sua beleza.<br />
Deu-se conta disso quando desligou<br />
completamente as luzes da sala de<br />
visitas e fechou a TV. No escuro, o<br />
enorme espelho de dois metros de<br />
largura nada reflectia. À sua volta,<br />
nada mais se alterava. A elegante tia<br />
Fefa voltou a sorrir como dantes...■
Sábado, 27 de Março de 2010. 23<br />
Edição AngolA<br />
Apple corre contra o relógio para<br />
garantir conteúdo para o iPad<br />
Yukari Iwatani Kane<br />
e Sam Schechner<br />
The Wall Street Journal<br />
A Apple Inc. ainda está trabalhando<br />
para conseguir conteúdo<br />
para o iPad a somente poucos dias<br />
do lançamento do novo aparelho,<br />
disseram pessoas a par do assunto,<br />
enquanto a empresa diminui um<br />
pouco suas ambições iniciais em relação<br />
ao badalado minicomputador.<br />
Desde que o iPad tornou-se disponível<br />
para pré-venda, no passado<br />
dia 12, a Apple já vendeu centenas<br />
de milhares de aparelhos, disseram<br />
pessoas a par do assunto. Uma dessas<br />
pessoas disse que a Apple pode<br />
vender mais iPads nos primeiros<br />
três meses do que vendeu iPhones<br />
em igual período após o lançamento<br />
do celular.<br />
Mas a Apple ainda está negociando<br />
com empresas de mídia um<br />
desconto para os programas de TV<br />
que as pessoas vão poder baixar no<br />
aparelho, disseram pessoas familiarizadas<br />
com o assunto. A Apple<br />
também tinha esperança de trabalhar<br />
de perto com jornais, revistas<br />
e editoras de livros escolares para<br />
descobrir novas maneiras de apresentar<br />
digitalmente conteúdo impresso<br />
no iPad, mas por ora colocou<br />
esse esforço em banho-maria para<br />
se focar em outros conteúdos, disse<br />
uma dessas pessoas.<br />
A Apple está correndo para concluir<br />
algumas discussões com potenciais<br />
parceiros de conteúdo antes<br />
da data prevista do começo das<br />
vendas do iPad nos Estados Unidos,<br />
3 de abril, disseram pessoas a par<br />
do assunto. Mas fechar acordos de<br />
conteúdo tem se mostrado difícil<br />
porque alguns potenciais colaboradores<br />
ainda ponderam as vantagens<br />
de trabalhar com a Apple contra as<br />
potenciais ameaças a suas atuais<br />
fontes de receita, disseram essas<br />
pessoas.<br />
Uma porta-voz da Apple não quis<br />
O ‘tablet’ já vendeu ‘centenas de milhares’ de unidades, mas sairá com escopo reduzido em relação ao anunciado<br />
comentar.<br />
As discussões de última hora revelam<br />
as complexidades que a Apple<br />
e seu diretor-presidente, Steve Jobs,<br />
estão enfrentando para criar um<br />
aparelho de multimídia conectado<br />
em rede, o que pressionou a empresa<br />
a recuar em algumas de suas intenções<br />
iniciais para o lançamento<br />
do iPad.<br />
Quando a Apple apresentou o “tablet”,<br />
em janeiro, Jobs o promoveu<br />
como um produto “mágico e revolucionário”<br />
que permitiria às pessoas<br />
jogar games, assistir a vídeo e ler<br />
livros e jornais numa tela colorida<br />
sensível ao toque de 9,7 polegadas.<br />
O aparelho roda no mesmo sistema<br />
operacional usado no iPhone e é<br />
vendido nos Estados Unidos a partir<br />
de US$ 499 para a versão com<br />
somente uma conexão Wi-Fi ou US$<br />
629 para os que queiram também o<br />
serviço de celular.<br />
A Apple estreitou o escopo do<br />
aparelho. A empresa engavetou<br />
por ora sua ideia de oferecer assinaturas<br />
nos EUA de programas de<br />
televisão que seriam exibidos pelo<br />
iPad. Em vez disso, está discutindo<br />
com empresas de mídia um corte<br />
no preço dos programas de TV, dos<br />
atuais US$1,99 e US$ 2,99 para US$<br />
0,99, em sua loja virtual iTunes, disseram<br />
pessoas familiarizadas com a<br />
situação.<br />
O iTunes atualmente oferece uns<br />
poucos programas por US$ 0,99 em<br />
promoções limitadas, mas a Apple<br />
espera que, se conseguir ampliar<br />
esse desconto a tempo do lançamento<br />
do iPad, venha a tornar o aparelho<br />
mais atraente, e isso poderia ser<br />
um passo provisório até que possa<br />
ofertar pacotes de assinatura de TV.<br />
Mas pessoas familiarizadas com<br />
o assunto dizem que a Apple ainda<br />
não fechou acordos com muitos dos<br />
EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY<br />
maiores produtores de televisão em<br />
relação à redução de preço. Alguns<br />
deles temem que um corte no preço<br />
possa prejudicar seus atuais negócios,<br />
disseram essas pessoas, e até<br />
pôr em risco as dezenas de bilhões<br />
de dólares em receita de assinaturas<br />
que recebem de empresas de cabo e<br />
satélite pela programação de suas<br />
redes tradicionais de TV.<br />
Nos últimos meses, gigantes de<br />
mídia se tornaram mais confiantes<br />
em conseguir bilhões em receita extra<br />
pela programação de suas redes<br />
de sinal aberto. Eles ficaram animados<br />
por batalhas como uma que<br />
aconteceu este mês entre a Walt Disney<br />
Co. e a operadora de TV a cabo<br />
Cablevision Systems Corp. que levou<br />
a Disney a cortar a programação<br />
de suas estações da rede ABC para<br />
assinantes da Cablevision durante<br />
quase 21 horas, enquanto aguardava<br />
pagamentos antecipados.<br />
Pessoas a par do assunto disseram<br />
que a Apple está tentando reduzir<br />
essas preocupações com o argumento<br />
de que a redução dos preços<br />
no iTunes pode criar um novo mercado.<br />
Pessoas a par do assunto disseram<br />
que ainda acreditam que a<br />
Apple possa conseguir fechar um<br />
acordo com pelo menos algumas<br />
empresas de mídia para vender seus<br />
programas a US$ 0,99 a tempo da<br />
chegada do iPad às lojas.<br />
Também é possível que empresas<br />
de televisão possam oferecer acesso<br />
a seus programas de TV no iPad por<br />
meio de aplicativos que exibiriam os<br />
programas, em vez de vendê-los no<br />
iTunes. Esses aplicativos podem potencialmente<br />
mostrar propaganda<br />
junto com os programas de TV. Os<br />
programas vendidos no iTunes geralmente<br />
não incluem propaganda.<br />
Ao mesmo tempo, algumas editoras<br />
de jornais e revistas informaram<br />
que estão espremidas por<br />
vários fatores que podem atrasar os<br />
aplicativos que estão desenvolvendo<br />
para o iPad.<br />
Muitas editoras de revistas e<br />
jornais estão preocupadas porque<br />
o iPad não oferece suporte para a<br />
tecnologia de vídeo Flash, da Adobe<br />
Systems Inc., que muitas editoras<br />
usam para exibir seu conteúdo<br />
multimídia, bem como para exibir<br />
anúncios online.<br />
Uma área que parece estar dentro<br />
do cronograma é a nova livraria<br />
virtual da Apple, iBooks, que permite<br />
aos donos de iPad comprar e<br />
ler livros digitais. Pessoas a par do<br />
assunto disseram que as maiores<br />
editoras devem entregar a maioria<br />
de seu catálogo, e a livraria deve ter<br />
quase todos os livros à disposição<br />
de leitores que usam os aparelhos<br />
Kindle, da Amazon.com Inc., e Nook,<br />
da Barnes & Noble Inc.<br />
(Colaboraram Jeffrey A. Trachtenberg,<br />
Russell Adams e Shira<br />
Ovide)
24 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
The Wall Street Journal<br />
Prada opera ao ritmo de um relacionamento vulcânico<br />
Patrizio Bertelli é a cabeça e Miuccia Prada, os braços<br />
Patrizio Bertelli e Miuccia Prada, o casal de maior sucesso da indústria de artigos de luxo, estão juntos<br />
desde os anos 70<br />
Bertelli e uma escultura do artista Michael Heizer na Fundação Prada<br />
Por Alessandra Galloni,<br />
com fotos de Brigitte<br />
Lacombe<br />
Patrizio Bertelli, o diretor-presidente<br />
da casa de moda italiana Prada,<br />
é um homem grisalho de 1,80<br />
m de altura que grita bastante, e<br />
naquela tarde os gritos estavam<br />
dirigidos à rede americana de lojas<br />
de departamento Neiman Marcus.<br />
Bertelli havia acabado de se reunir<br />
com o presidente do conselho<br />
da Neiman, Burton Tansky, de 72<br />
anos, que voou de Dallas a Milão<br />
para tentar aparar as diferenças<br />
sobre como a cadeia expõe roupas,<br />
bolsas, sapatos e perfumes Prada<br />
em suas lojas.<br />
“Disse a Tansky: não venha aqui<br />
querendo bancar o texano comigo.<br />
Tô me lixando pro seu jeitão John<br />
Wayne”, fala Bertelli em tom exaltado,<br />
o grande nariz aquilino se<br />
mexendo entre os aros negros de<br />
seus óculos, enquanto solta o “c”<br />
carregado que marca seu sotaque<br />
tipicamente toscano. (Tansky depois<br />
descreveu a conversa como<br />
um diálogo “acalorado” entre<br />
duas pessoas que são “orgulhosas<br />
e intensas em relação a seus negócios”.)<br />
Como administrador de<br />
uma das maiores grifes do mundo,<br />
Bertelli ainda lambe as feridas que<br />
surgiram quando varejistas americanos<br />
cortaram os preços dos<br />
produtos de luxo no fim de 2008 em<br />
resposta à crise econômica. Para se<br />
livrar do estoque, a Neiman Marcus,<br />
a Saks e outras ofereceram<br />
descontos de até 70% para bolsas<br />
de US$ 1.500 e sapatos de US$ 750,<br />
e isso levou as empresas de luxo europeias<br />
a temer que seus clientes<br />
nunca mais fossem pagar por produtos<br />
caros. Agora que a economia<br />
começa a se recuperar, muitos executivos<br />
do setor estão tentando garantir<br />
mais controle sobre as vendas<br />
em lojas de departamento — e<br />
Bertelli está assumindo o desafio<br />
com particular interesse. “Gosto<br />
de Tansky. O verdadeiro problema<br />
é que a América é uma egocêntrica<br />
da po...”<br />
Bertelli, de 63 anos, é o cérebro<br />
por trás de uma grife que a maioria<br />
das pessoas associa com a mulher<br />
dele, Miuccia Prada, a estilista<br />
avant-garde que ao longo dos anos<br />
criou sensações mundiais com mochilas<br />
de náilon industrial pretas,<br />
saias xadrez com motivos de papel<br />
de parede, vestidos tingidos e<br />
sapatos com grossos saltos altos,<br />
para citar só alguns.<br />
Se Prada é uma das mais influentes<br />
estilistas do mundo, Bertelli é a<br />
grande influência dela. Desde 1977,<br />
quando o casal se conheceu numa<br />
exposição em Milão, Bertelli tem<br />
encorajado sua mulher a assumir<br />
riscos que transformaram a empresa<br />
num conglomerado mundial<br />
da moda com US$ 2,4 bilhões em<br />
faturamento, quatro grifes — Prada,<br />
Miu Miu e as marcas de calçados<br />
Church’s e Car Shoe — e 267 lojas<br />
de San Francisco a Seul. Bertelli<br />
pressionou Prada a abrir a primeira<br />
loja da marca em Nova York em<br />
1986. Dois anos depois, fez com que<br />
ela começasse a desenhar roupas<br />
femininas e cinco anos mais tarde<br />
colocou-a no vestuário masculino.<br />
“Ele é muito mais provocador do<br />
que eu”, diz Prada. “Com ele, você<br />
sempre se questiona. Ele e eu temos<br />
uma pequena regra de três.<br />
Se ele diz algo mais de três vezes,<br />
preciso pensar a respeito. Às vezes<br />
não quero ouvir, mas ouço.” Agora,<br />
por exemplo, ele está insistindo<br />
que ela dê mais atenção ao marketing<br />
via celebridades de Hollywood<br />
— algo que ela sempre ignorou.<br />
“Ele diz que somos esnobes e que<br />
não entendemos cultura pop”, diz<br />
Prada a respeito dela mesma e de<br />
sua equipe de criação. “Ele é a cabeça,<br />
nós somos os braços.”<br />
A parceria Bertelli-Prada é o<br />
coração de uma empresa que prosperou<br />
nos últimos 25 anos como<br />
um empreendimento tipicamente<br />
familiar — com Bertelli como o<br />
chefe. Bertelli, Prada e os irmãos<br />
dela têm perto de 95% da empresa.<br />
Bertelli e Prada atuam como<br />
diretor-presidente e presidente<br />
do conselho, respectivamente. Ele<br />
imbui o lado empresarial da marca<br />
com a mesma intensidade que ela<br />
faz no criativo. Antigos e atuais<br />
executivos o descrevem como um<br />
chefe infatigável e carismático,<br />
com conhecimento íntimo da empresa,<br />
da costura dos sapatos à cor<br />
das paredes das butiques Prada.<br />
Mas eles dizem que Bertelli pode<br />
assumir coisas demais. Ele dá a última<br />
palavra para todas as coisas,<br />
de contratações a quantas peles<br />
preciosas encomendar para uma<br />
linha de bolsas. Quando um executivo<br />
sai — e vários saíram depois<br />
de atritos com o chefe —, Bertelli<br />
normalmente assume a função interinamente.<br />
Executivos temem<br />
tomar decisões sem a aprovação<br />
dele, e poucos ousam contradizêlo.<br />
“É a lei da selva”, diz Gian Giacomo<br />
Ferraris, diretor-presidente da<br />
Versace, que trabalhou no grupo<br />
Prada há alguns anos. “Ele cobra<br />
muito de si mesmo, e portanto dos<br />
outros. Ou você joga no nível dele,<br />
ou ele o escanteia.”<br />
Bertelli é conhecido por seu temperamento<br />
forte, que é em parte<br />
pose. “Sempre digo a Bertelli: você<br />
gosta desta reputação, porque se<br />
não a mudaria”, diz Prada, que costuma<br />
se referir ao marido pelo sobrenome.<br />
Quando supervisionava<br />
a decoração de uma nova loja Miu<br />
Miu em Manhattan em 1997, ele<br />
não gostou de um espelho e o destruiu.<br />
“Ele deixava as pessoas parecendo<br />
gordas”, recorda-se. Ficou<br />
famoso o episódio em que quebrou<br />
as lanternas traseiras de vários<br />
carros que estavam estacionados<br />
nas vagas erradas no estacionamento<br />
da Prada. “Senti prazer naquilo”,<br />
diz rindo.<br />
A personalidade extravagante<br />
vai além do escritório. Ele gosta<br />
de carro, por isso tem oito, com<br />
alguns Porsches. Ávido velejador<br />
que competiu internacionalmente<br />
nos anos 70, Bertelli comprou<br />
um veleiro de 22 metros em 1997.<br />
Três anos e US$ 55 milhões depois,<br />
o Luna Rossa entrou na mais<br />
importante competição de vela<br />
do mundo, a Copa América, sendo<br />
derrotado. Ele diz que seu temperamento<br />
é normalmente usado<br />
como desculpa pelas pessoas que<br />
saem da empresa porque elas não<br />
aguentam o ambiente de panela de<br />
pressão. “É verdade que fico furioso<br />
com coisas que são banais”, diz.<br />
“Mas dizer que sou irascível é também<br />
um álibi para as pessoas que<br />
não servem. Meu comportamento<br />
é sempre correto, e sempre tento<br />
motivar as pessoas.”<br />
O relacionamento de Bertelli e<br />
Prada é o mais vulcânico de todos,<br />
e os dois são notórios por suas discussões<br />
violentas. “Trabalhamos<br />
duro. É sempre um relacionamento<br />
intenso, e é exaustivo ter de trabalhar<br />
com ele. Mas eu o admiro e<br />
respeito”, diz Prada. “É uma guerra<br />
aqui a cada minuto, e para ser<br />
parte desta empresa é preciso ser<br />
treinado.”<br />
Ambos concordam num aspecto<br />
crucial: que as necessidades criativas<br />
e comerciais precisam estar<br />
em pé de igualdade para que a empresa<br />
seja um verdadeiro sucesso.<br />
Em muitas casas de moda, os estilistas<br />
têm dificuldade para atender<br />
às exigências impostas a eles por<br />
diretores para que façam roupas<br />
que vendam bem ou possam ter um<br />
certo preço. Conflitos entre os lados<br />
criativo e de negócios levaram<br />
a brigas lendárias, como a saída<br />
do celebrado estilista americano<br />
Tom Ford da Gucci em 2004 ou a<br />
da alemã Jil Sander da firma que<br />
leva seu nome quando a Prada a<br />
comprou, em 1999. (Sander voltou<br />
depois, mas a Prada vendeu a empresa<br />
anos mais tarde.) Sander não<br />
respondeu a repetidos pedidos de<br />
comentário e sua empresa se negou<br />
a comentar.<br />
“Para Miuccia e para mim, fazer<br />
um produto que faça a moda avançar<br />
é tão importante quanto vendêlo.<br />
Se não vendemos, há alguma<br />
coisa errada. Essa é nossa filosofia<br />
fundamental”, diz Bertelli. “O dinheiro<br />
não é um fim para nós, mas<br />
sempre dissemos que para tudo<br />
isso funcionar precisamos vender,<br />
e Bertelli acha o mesmo”, acrescenta<br />
Prada. “Ele tem um incrível<br />
senso do que funciona e do que não<br />
funciona. E quando a estratégia é<br />
certa, você vende muito.”<br />
A dupla Bertelli-Prada é tão<br />
importante para a empresa que<br />
quando ela estava preparando um<br />
ingresso no mercado acionário,<br />
nove anos atrás — abertura de capital<br />
que nunca aconteceu —, os assessores<br />
bancários mencionaram<br />
como um “fator de risco” para os<br />
investidores qualquer possibilidade<br />
de que os dois decidissem não<br />
trabalhar juntos mais, segundo<br />
uma pessoa que estava envolvida<br />
nas preparações da oferta pública.<br />
“Eles não são administradores,<br />
são donos e empreendedores”, diz<br />
o diretor de operações da Prada,
Sábado, 27 de Março de 2010. 25<br />
The Wall Street Journal<br />
Sebastian Suhl. “Eles são a<br />
marca.”<br />
Ainda assim, o jeito de fazer<br />
negócios de um dos mais importantes<br />
grupos de moda do<br />
mundo pode em breve ficar sob<br />
pressão se Bertelli e Prada ressuscitarem,<br />
como ambos dizem<br />
que pretendem fazer, os planos<br />
de vender parte da empresa<br />
no mercado para captar recursos<br />
para o crescimento futuro.<br />
“Acho que qualquer pessoa estaria<br />
interessada em comprar<br />
uma participação na Prada”,<br />
diz Bertelli. “Mas para dar à<br />
empresa um verdadeiro futuro,<br />
o mercado acionário é a melhor<br />
opção.” O ingresso de investidores<br />
externos — por meio de<br />
uma oferta pública de ações ou<br />
uma colocação particular —<br />
poderia, por exemplo, pôr pressão<br />
para que Bertelli contrate<br />
mais diretores de fora para<br />
ajudá-lo a administrar a firma.<br />
“Depois de uma abertura de<br />
capital, as coisas ficariam mais<br />
complicadas. E nesse momento<br />
a questão administrativa vai<br />
emergir”, diz um banqueiro<br />
que trabalha com a Prada.<br />
As mega-ambições de Bertelli<br />
deixaram a empresa com<br />
necessidade de recursos. Durante<br />
os anos de rápido crescimento<br />
na década de 90, Bertelli<br />
— da mesma maneira que outros<br />
executivos da indústria de<br />
luxo, como Bernard Arnaut, da<br />
Louis Vuitton Moët Hennessy<br />
— gastou mais de meio bilhão<br />
de dólares para comprar várias<br />
pequenas grifes com a intenção<br />
de transformá-las em marcas<br />
globais. A compra da Jil Sander,<br />
da Helmut Lang e de outras<br />
fez com que a Prada acumulasse<br />
mais de US$ 1 bilhão em<br />
dívida ao fim da década (com<br />
vendas em torno de US$ 1,5 bilhão<br />
na época) — um fardo com<br />
que a Prada vem lutando desde<br />
então.<br />
O casal também gasta muito<br />
com imóveis, dispendendo<br />
mais de US$ 137 milhões por<br />
ano para abrir novas butiques<br />
com design de arquitetos proeminentes<br />
como o holandês<br />
Rem Koolhaas ou a dupla suíça<br />
Jacques Herzog e Pierre de<br />
Meuron. Bertelli e Prada contrataram<br />
recentemente Koolhaas<br />
para construir o “Transformer”,<br />
um enorme espaço de<br />
exibições que muda de formato<br />
e foi aberto em Seul no ano<br />
passado. Nos próximos dois ou<br />
três anos, Bertelli planeja outra<br />
onda de expansão de lojas<br />
— 30 novas devem ser abertas<br />
só este ano, muitas nos EUA. O<br />
aumento das lojas tem em parte<br />
o objetivo de tornar a Prada<br />
menos dependente de sua operação<br />
de atacado, como o que<br />
vende a lojas de departamento<br />
americanas, para comercializar<br />
seus produtos.<br />
James T. Areddy e Alex Wilson<br />
The Wall Street Journal, de Xangai<br />
O surpreendente reconhecimento,<br />
por parte de quatro funcionários<br />
da mineradora anglo-holandesa<br />
Rio Tinto PLC, de que aceitaram<br />
propinas, deu destaque ao confuso<br />
mundo do comércio de minério de<br />
ferro na China, o qual oferece amplas<br />
oportunidades para atividades<br />
inescrupulosas.<br />
Em países ricos em recursos, as<br />
empresas de exploração por vezes<br />
sofrem pressão para dar propinas<br />
— com frequência em troca dos<br />
direitos de extração. Na China a<br />
corrupção costuma agir no sentido<br />
oposto. Os funcionários do caso<br />
Rio Tinto, inclusive Stern Hu, que<br />
tem nacionalidade australiana,<br />
estão sendo acusados de receber<br />
suborno. O julgamento terminou<br />
quarta-feira, sem imediata divulgação<br />
de um veredicto.<br />
Há pouca oferta no momento de<br />
minério de alto teor de ferro na<br />
China, os preços do frete são extremamente<br />
voláteis e mais de 800<br />
pequenas siderúrgicas chinesas<br />
competem para comprar o metal e<br />
atingir suas elevadas metas de produção.<br />
A dificuldade de garantir<br />
suprimentos a preços previsíveis<br />
abre a porta para o suborno.<br />
A Rio Tinto negou irregularidades<br />
de seus empregados, mas não<br />
tratou de detalhes do caso. Ela solicitou<br />
de maneira genérica que o<br />
julgamento fosse transparente.<br />
Poucos detalhes vieram a público<br />
sobre a maneira como o suposto<br />
suborno foi organizado, tais como<br />
a identidade de quaisquer co-conspiradores<br />
dos executivos, ou quando<br />
as atividades ocorreram.<br />
O que se sabe é que no primeiro<br />
dia do julgamento, segunda-feira,<br />
os promotores alegaram que o<br />
equivalente a US$ 11,25 milhões<br />
em propinas foram aceitos pelos<br />
funcionários da Rio Tinto, segundo<br />
advogados que assistiram às sessões.<br />
Esse número corresponde a<br />
um terço das vendas de um único<br />
dia em 2009 na China, onde a Rio<br />
Tinto obteve, segundo divulgou,<br />
US$ 10,69 bilhões em faturamento,<br />
ou 24% do seu total mundial.<br />
A China também acusa os executivos<br />
de roubarem segredos comerciais.<br />
Esse aspecto do caso, que<br />
deve ser concluído hoje, é fechado<br />
ao público.<br />
Entre os quatro réus está Hu, que<br />
nasceu em Tianjin, na China. Ele<br />
foi contratado para administrar as<br />
vendas de minério de ferro da Rio<br />
Tinto no norte do país em meados<br />
dos anos 90, tornou-se cidadão australiano<br />
em 1997 e cerca de quatro<br />
anos depois assumiu o comando da<br />
Caso Rio Tinto ressalta obscuro<br />
mundo da negociação do ferro<br />
equipe nacional de vendas da mineradora.<br />
Dois dos outros três cidadãos<br />
chineses, tais como Hu, questionaram<br />
as acusações, inclusive as<br />
quantias dos supostos subornos e a<br />
caracterização das ações, segundo<br />
advogados. O quarto e último executivo<br />
não questionou as alegações,<br />
disse seu advogado<br />
Membros da equipe de vendas<br />
de minério da Rio Tinto recebem<br />
salários fixos e bônus com base no<br />
desempenho da empresa, e não o<br />
individual.<br />
Declarações de culpa por parte<br />
dos executivos podem ser uma tática<br />
usada no tribunal a fim de ganhar<br />
a simpatia, segundo analistas<br />
legais. Estes afirmam ser improvável<br />
que os quatro escapem de uma<br />
punição. Poucos casos na China<br />
que chegam a julgamento terminam<br />
em absolvição, e o máximo<br />
que o acusado pode esperar é menos<br />
severidade na sentença.<br />
Os negócios da Rio Tinto na China<br />
colocam seus executivos face a<br />
face com a maior indústria mundial<br />
do aço — são mais de 800 empresas<br />
que produzem, juntas, cerca<br />
de 40% do total mundial. Nenhuma<br />
delas tem mais de 5% do mercado<br />
nem tem muito poder de fogo<br />
para negociar com fornecedores<br />
de minério de ferro — uma rocha<br />
metálica negra ou vermelha que é<br />
a matéria-prima básica do setor. O<br />
minério extraído na Austrália pela<br />
Rio Tinto tem elevado teor de ferro<br />
e está em grande demanda.<br />
A China gastou US$ 50,14 bilhões<br />
importando minério no ano<br />
passado, mais que qualquer outro<br />
país. O governo reconhece que não<br />
tem sido capaz de negociar preços,<br />
comprar de maneira sistemática<br />
nem alocar o minério com eficiência.<br />
EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY<br />
Escritório da Rio Tinto em Xangai: quatro executivos dali estão em julgamento<br />
Até recentemente, os preços<br />
mundiais do minério eram fixados<br />
em negociações anuais bem<br />
estabelecidas, com altas quantias<br />
em jogo, entre os vendedores e<br />
seus principais clientes no Japão<br />
e na Coréia do Sul. Esse sistema<br />
de preços de referência foi prejudicado<br />
pela explosão da demanda<br />
por parte da indústria siderúrgica<br />
chinesa, muito difusa. Hoje muitas<br />
siderúrgicas chinesas procuram<br />
os vendedores diretamente para<br />
negociar preços, e já frustraram<br />
várias estratégias por parte do governo<br />
de transformar a demanda<br />
nacional em poder de barganha.<br />
Há esforços para reestruturar o<br />
sistema global de fixação de preços.<br />
Mas na China a competição brutal e<br />
a incerteza quanto aos preços deixam<br />
as siderúrgicas lutando entre<br />
si pelo acesso ao minério.<br />
Diante das pressões relacionadas,<br />
os fornecedores e seus agentes<br />
estão interessados em garantir que<br />
os contratos de vendas sejam, de<br />
fato, honrados.<br />
O minério pode demorar 45 dias<br />
para chegar à China vindo da Austrália,<br />
Brasil, Índia, Mauritânia e<br />
um punhado de outros países onde<br />
é extraído. Durante esse período<br />
o preço fica sujeito à volatilidade,<br />
inclusive no custo do frete e dos<br />
atrasos inesperados na descarga<br />
nos portos. Uma carga de 150.000<br />
toneladas pode ficar sujeita a negociações<br />
enquanto é levada de porto<br />
em porto, e os pequenos acréscimos<br />
em dólar por tonelada acabam<br />
constituindo quantias vultosas.<br />
Nesse sistema caótico, os compradores<br />
às vezes recorrem ao suborno<br />
dos vendedores<br />
“Você paga ao comprador para<br />
comprar a mercadoria, mas o<br />
comprador também vai cuidar de<br />
você”, diz um corretor de minérios<br />
baseado em Xangai que negociou<br />
bastante com minério de ferro e<br />
diz que já testemunhou numerosos<br />
acordos corruptos.<br />
Em uma situação de suborno<br />
descrita pelo corretor, um possível<br />
comprador pode dizer ao representante<br />
de um possível fornecedor<br />
que vai lhe pagar, pessoalmente,<br />
US$ 2 por tonelada que for vendida<br />
a um certo preço. “Isso é, em essência,<br />
um suborno”, diz o corretor.<br />
Em outros casos os agentes podem<br />
concordar em alterar as faturas,<br />
ou oferecer mais minério do<br />
que o comprador pediu, dando ao<br />
funcionário uma chance de negociar<br />
o produto privativamente.<br />
No Índice de Percepção da Corrupção<br />
de 2009 elaborado pelo<br />
grupo de vigilância Transparência<br />
Internacional, a China ficou em 79o<br />
lugar em uma lista de 180 países,<br />
atrás do Brasil e do Peru, mas à<br />
frente da Índia e da Tailândia.<br />
Situações legais nebulosas não<br />
são novidade para a mineração<br />
mundial. Agora que os recursos em<br />
países tradicionais de mineração<br />
estão começando a diminuir, as<br />
empresas vêm procurando novas<br />
fronteiras para seu próximo projeto<br />
de grande escala. Essa procura<br />
aumentou os riscos associados a<br />
governos instáveis: conflitos étnicos,<br />
fraqueza do estado de direito e<br />
regulamentos ambientais permissivos.<br />
Todos esses fatores já envolveram<br />
as mineradoras em polêmicas<br />
e conflitos.<br />
Nos últimos anos a Rio Tinto e<br />
sua principal concorrente, a também<br />
anglo-australiana BHP Billiton<br />
Ltd., vêm procurando modificar<br />
sua cultura corporativa para<br />
protegê-la de subornos, em parte<br />
ao dar ênfase às melhores práticas.<br />
Durante o julgamento desta<br />
semana, executivos da Rio Tinto<br />
ressaltaram um código de ética,<br />
exibido com destaque no site da<br />
empresa, que inclui normas contra<br />
o suborno, incluindo traduções<br />
para o chinês. Mas além das idiossincrasias<br />
do comércio de minério<br />
de ferro, a China é um país difícil<br />
para se monitorar os executivos.<br />
“Companhias como a Rio Tinto<br />
dependem muito de pessoas como<br />
Stern Hu, que foram educados na<br />
China ou são cidadãos chineses,<br />
que compreendem a complexidade<br />
cultural do sistema”, disse Pradeep<br />
Taneja, que leciona negócios e<br />
política chinesa na Universidade<br />
de Melbourne, na Austrália, e é exconsultor<br />
da indústria siderúrgica<br />
chinesa.<br />
(Colaborou Devon Maylie, de<br />
Genebra)
26 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
The Wall Street Journal<br />
Ex-crítico turbina transformação da Sony<br />
Daisuke Wakabayashi<br />
The Wall Street Journal<br />
Um executivo que já previu a derrocada da<br />
indústria japonesa de eletrônicos é agora uma<br />
força que impulsiona a busca de mudanças na<br />
Sony Corp., pressionando a empresa a confrontar<br />
problemas de custo e eficiência que têm raízes<br />
profundas.<br />
Como ex-executivo da International Business<br />
Machines Corp., George Bailey escreveu<br />
um relatório em 2007 prevendo que as<br />
fabricantes japonesas de eletrônicos seriam<br />
em breve superadas por concorrentes globais,<br />
da China aos Estados Unidos. Ele entrou<br />
para a Sony dois anos depois com um<br />
mandato para injetar uma disciplina fiscal<br />
ao estilo da IBM.<br />
A Sony ainda está longe de reconquistar seu<br />
status de outrora. Mas a nomeação de Bailey<br />
em junho passado para o novo cargo de diretor<br />
de transformação — um papel que ele descreve<br />
como o “turbinador” dos esforços de reestruturação<br />
da empresa — está começando a dar<br />
resultado.<br />
A Sony, que tem sede em Tóquio, está a caminho<br />
de atingir sua meta de reduzir os custos<br />
administrativos em US$ 3,7 bilhões no ano<br />
fiscal que se encerra em 31 de março. Os níveis<br />
de estoque estão perto dos mais baixos na história<br />
da empresa e ela superou as expectativas<br />
de analistas com um aumento de sete vezes do<br />
lucro, para 79 bilhões de ienes, ou cerca de US$<br />
880 milhões, no trimestre encerrado em 31 de<br />
dezembro de 2009.<br />
Mesmo antes da chegada de Bailey, a nova<br />
diretoria da Sony prometeu fechar cerca de<br />
um quinto de suas fábricas pelo mundo, cortar<br />
20.000 vagas e enxugar uma cadeia de suprimentos<br />
repleta de estoque. Mas é na reunião<br />
mensal de Bailey com o diretor-presidente,<br />
Howard Stringer, e executivos de alto escalão<br />
George Bailey descreve-se como o ‘turbinador’ da reestruturação na Sony<br />
REUTERS<br />
que ele diz que tenta manter a Sony focada em<br />
enxugar.<br />
“Não há onde se esconder”, disse Bailey, que<br />
chefiava a divisão de semicondutores da IBM<br />
antes de entrar para a Sony, ao Wall Street<br />
Journal na semana passada. “Quando estamos<br />
atrasados, falamos sobre o problema e damos<br />
um jeito.”<br />
Bailey estava a par dos problemas da Sony<br />
antes de entrar para a empresa. Como chefe do<br />
serviço de consultoria da IBM para empresas<br />
de eletrônicos, ele via uma perspectiva sombria<br />
para o setor no Japão. Num relatório de<br />
2007, intitulado “Vencendo o desafio global: a<br />
corrida das empresas japonesas de eletrônicos<br />
para inovar”, Bailey disse que as firmas japonesas<br />
estavam apanhando de concorrentes globais<br />
em termos de produtividade, desempenho<br />
financeiro e valorização de marca.<br />
“No decorrer dos últimos anos, os concorrentes<br />
globais aprenderam a observar as forças<br />
— e fraquezas — das rivais japonesas. É<br />
hora de as empresas japonesas de eletrônicos<br />
também aprenderem com as forças e fraquezas<br />
de suas concorrentes globais”, concluiu o relatório<br />
de 20 páginas.<br />
Embora a Sony não tenha sido apontada diretamente<br />
no relatório, a crítica se aplicava ao<br />
futuro empregador de Bailey. Mas quando a<br />
Sony anunciou o maior programa de reestruturação<br />
de sua história e encarregou um quarteto<br />
de jovens executivos de liderar a reforma,<br />
Bailey tornou-se um adepto e pediu o emprego<br />
a Stringer.<br />
Um homem magro de 53 anos e fala amena,<br />
Bailey disse que estava receoso que os funcionários<br />
fossem vê-lo como um “espião” de<br />
Stringer ou que ele receberia uma sala, uma<br />
secretária e depois disso “ninguém voltaria a<br />
falar comigo”.<br />
Ele admite ter encontrado alguma resistência,<br />
mas diz que não foi problema. Ele é efusivo<br />
em seu elogio à abertura da direção da Sony a<br />
novas ideias. E assina seus e-mails com a frase<br />
japonesa “nasebanaru”, ou “quem acredita<br />
consegue fazer”.<br />
De seus dias na IBM, Bailey conhecia a merecida<br />
reputação da Sony de ser “legal demais”<br />
com os fornecedores. Por isso não se surpreendeu<br />
ao descobrir que a empresa fechava contratos<br />
de serviços de tecnologia sem solicitar<br />
ofertas rivais. Só por começar a fazê-lo, disse<br />
Bailey, a empresa derrubou até 40% dos custos<br />
de contratos de serviço.<br />
A Sony também está cortando o número de<br />
fornecedores à metade, para 2.500 empresas,<br />
enviando um sinal de que a empresa, segundo<br />
Bailey, vai passar a ser “um pouco mais durona”<br />
para assegurar que os contratos sejam<br />
competitivos.<br />
Bailey está descobrindo que a Sony é repleta<br />
de ineficiências. Por exemplo, ela está consolidando<br />
60 centros de dados nos Estados Unidos<br />
e Europa numa só instalação. Em muitos casos,<br />
a Sony era dona do prédio e dos equipamentos<br />
de informática nas instalações, mas agora ela<br />
planeja terceirizar a gestão de seu único centro<br />
de dados.<br />
Atul Goyal, um analista da corretora CLSA,<br />
divulgou um relatório em maio intitulado<br />
“George, socorra-os”. No relatório, publicado<br />
depois do começo de Bailey na Sony, Goyal<br />
escreve: “Ele pode não fazer mágica já no primeiro<br />
dia, mas como diretor de transformação<br />
da Sony há maiores probabilidades de ele fazer<br />
as perguntas que o mercado vem fazendo há<br />
anos.”<br />
Goyal, um crítico aberto da direção da Sony<br />
no passado, disse na semana passada: “Ele<br />
pelo menos compreende os problemas. Vai tomar<br />
atitudes de bom senso e é disso que a Sony<br />
precisa.”<br />
Shai Oster<br />
The Wall Street Journal, de Pequim<br />
Gás não convencional da China atrai a Shell<br />
Multinacionais petrolíferas como a Royal Dutch Shell PLC<br />
estão apostando que conseguirão explorar fontes não convencionais<br />
de gás natural na China e copiar o sucesso que<br />
tiveram nos Estados Unidos, onde novas técnicas revelaram<br />
vastos depósitos domésticos e estão reduzindo a dependência<br />
das importações para as próximas décadas.<br />
“Há grandes expectativas, sem dúvida, em vista da mudança<br />
fundamental no mercado de gás doméstico da América<br />
do Norte”, disse Peter Voser, diretor-presidente da Shell,<br />
a repórteres ontem. Novas fontes de gás natural acrescentaram<br />
reservas na América do Norte equivalentes a cerca de<br />
um século de uso, disse. “A China tem uma geologia semelhante,<br />
e portanto pode ter um potencial significativo.”<br />
Ontem a Shell anunciou planos para explorar e produzir<br />
gás natural na bacia de Sichuan, no oeste da China, em conjunto<br />
com a estatal Corporação Nacional de Petróleo da China<br />
(CNPC).<br />
Segundo esse contrato de 30 anos, a Shell e a CNPC vão<br />
avaliar e, potencialmente, explorar reservatórios de um certo<br />
tipo de gás não convencional, chamado “tight gas” (gás<br />
difícil de extrair), em uma área de cerca de 4.000 km2 na<br />
região de Jinqiu, na província central de Sichuan, segundo<br />
comunicado da Shell. O “tight gas” é gás natural contido em<br />
rochas, que devem ser quebradas para que o gás possa fluir<br />
facilmente aos poços de produção.<br />
O desenvolvimento de reservas não convencionais de gás,<br />
tais como o “tight gas”, o gás de xisto e o gás de metano do<br />
leito de carvão, abriu as portas para novas e imensas fontes<br />
domésticas de energia na América do Norte, causando<br />
um profundo reequilíbrio na equação global de energia. Os<br />
maiores campos mundiais de gás natural no Oriente Médio<br />
e em outras partes do globo, que esperavam que os Estados<br />
Unidos fossem seu principal cliente, precisam encontrar outros<br />
compradores. Esse efeito dominó tem consequências<br />
na Rússia, que enfrenta essa nova concorrência ao seu gás<br />
natural.<br />
BLOOMBERG NEWS<br />
Peter Voser, presidente da Shell, fala a jornalistas em Pequim no último<br />
dia 23. A petrolífera está trabalhando com empresas chinesas<br />
em vários países, disse ele.<br />
Um comprador vem sendo a China, onde a demanda pelo<br />
gás natural vem superando a oferta doméstica vinda de<br />
campos de gás convencional. A China quer utilizar mais gás,<br />
como alternativa mais limpa à queima de carvão, fonte de<br />
três quartos da sua energia e grande poluidora. O país sofreu<br />
escassez de gás generalizada no último inverno no hemisfério<br />
norte.<br />
Este é o segundo acordo entre a Shell e a CNPC anunciado<br />
esta semana, demonstrando a crescente colaboração entre<br />
as petrolíferas chinesas e suas concorrentes internacionais,<br />
assim como o forte interesse pelos fornecedores de gás não<br />
convencional.<br />
Na segunda-feira, a Shell e a PetroChina Co., divisão da<br />
CNPC listada na bolsa de Hong Kong, fizeram acordo para<br />
comprar a australiana Arrow Energy Ltd., produtora de gás<br />
extraído das camadas de carvão, por US$ 3,15 bilhões, dependendo<br />
da aprovação dos acionistas e das autoridaudes<br />
reguladoras. Esse é outro tipo de gás não convencional.<br />
Ontem uma pessoa familiarizada com assunto disse que<br />
o BG Group PLC e a petrolífera chinesa Cnooc planejam assinar<br />
um acordo hoje para comprar gás natural liquefeito<br />
(GNL) da Austrália. O acordo ocorre quase um ano depois<br />
que a Cnooc concordou com os termos iniciais para a compra,<br />
por 20 anos, de 3,6 milhões de toneladas de GNL por ano.<br />
O gás viria do terminal de exportação da BG proposto para<br />
ser construído no estado australiano de Queensland, que<br />
será alimentado por gás natural de carvão.<br />
(Colaboraram David Winning e Wan Xu)
28 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Internacional<br />
Obama consegue<br />
proeza histórica<br />
Barack Obama já tinha<br />
feito história ao ter sido<br />
o primeiro negro a ser<br />
eleito presidente dos<br />
Estados Unidos.<br />
Na terça-feira conseguiu a sua<br />
maior vitória desde que foi eleito.<br />
Conseguiu que a Câmara dos<br />
Representantes aprovasse, sem<br />
emendas, o plano de reforma do<br />
sistema se saúde que ele enviou ao<br />
Senado.<br />
Tratado com uma verdadeira<br />
revolução, o novo plano de saúde<br />
tem o mesmo impacto político<br />
que tiveram o lançamento o programa<br />
de segurança, lançado por<br />
Frank Delano Roosevelt, (FDR), e<br />
a lei dos direitos cívicos, concebida<br />
por John Kennedy, e promulgada<br />
pelo seu substituto, Lindon<br />
Johnson.<br />
Promulgada por Obama na<br />
terça-feira, um dia após uma votação<br />
histórica na Câmara dos<br />
Representantes, a nova lei garante<br />
seguros de saúde a 32 milhões de<br />
norte-americanos que até aqui assumiam<br />
integralmente os custos<br />
de todas as despesas médicas.<br />
A caminhada até aqui foi penosa.<br />
O anúncio, em Janeiro de<br />
2008, de que esta seria uma das<br />
prioridades do seu mandato foi<br />
respondido com forte resistência<br />
dos republicanos, que retomaram<br />
alegações de que Obama queria<br />
levar a América para o socialismo.<br />
Sectores mais conservadores do<br />
Partido Republicano promoveram<br />
uma vaga de eventos que resultaram<br />
em vitórias nas eleições<br />
para a escolha dos governadores<br />
de Virgínia e de New Jersey, estados<br />
onde Obama ganhou com algum<br />
conforto. O maior susto veio<br />
em Janeiro, quando o republicano<br />
Scott Brown foi eleito para ocupar<br />
o lugar ocupado até Agosto<br />
passado por Edward Kennedy. A<br />
vitória de Brown retirou aos democratas<br />
imunidade ao bloqueio<br />
dos republicanos, apenas possível<br />
com o controlo de 62 dos 100 assentos<br />
do Senado.<br />
Amarrados a Obama, os democratas<br />
fizeram uma inflexão que à<br />
primeira vista parecia condenada<br />
ao fracasso: convencer os membros<br />
da Câmara dos Representantes,<br />
a câmara baixa do Congresso,<br />
a aprovarem, sem emendas, a proposta<br />
do Senado, o que, a acontecer,<br />
dispensava uma nova votação<br />
e a reconciliação total das duas<br />
BARACK OBAMA em Fevereiro: «Eu não serei o primeiro presidente a<br />
tentar fazer passar um plano de reforma, mas espero ser o último»<br />
versões. Após aturado pressing<br />
sobre vários congressistas , sobretudo<br />
aqueles em cujos estados se<br />
sente um ascendente republicano<br />
que marcou o início da reviravolta<br />
para as eleições intercalares de<br />
Novembro, o presidente dos Estados<br />
Unidos conseguiu convencer<br />
a presidente da Câmara dos Representantes<br />
a levar à discussão<br />
a proposta aprovada pelo Senado.<br />
No sábado Obama foi ao Congresso,<br />
onde fez um último apelo<br />
aos congressistas que continuavam<br />
reticentes. Neste dia o era<br />
suposto que presidente partisse<br />
para a Austrália e para a Indonésia,<br />
país onde passou parte da sua<br />
infância. Porém, sem a garantia<br />
de que na sua ausência o problema<br />
seria resolvido, Obama decidiu<br />
adiar a viajar, do que eventualmente<br />
não se arrependerá.<br />
No domingo à noite a Câmara<br />
dos Representantes aprovou por<br />
219 votos a favor e 213 contra o<br />
seu plano de reforma de saúde, o<br />
que faz jus à promessa que fizera<br />
em Fevereiro do ano passado<br />
quando tomou posse, ou seja, «Eu<br />
não serei o primeiro presidente a<br />
tentar fazer passar um plano de<br />
reforma, mas espero ser o último».<br />
Antes dele, Richard Nixon ,<br />
republicano, e Bill Clinton, democrata,<br />
tentaram sem sucesso<br />
alterar um dos mais complexos<br />
instrumentos da sociedade norteamericana.<br />
De acordo com gabinete de estudos<br />
económicos do Congresso,<br />
um órgão apartidário, o plano<br />
que Obama promulgou na terçafeira<br />
deverá reduzir o deficit orçamental,<br />
porém o alargamento do<br />
seguro de saúde a 36 milhões de<br />
pessoas promete registar um défice<br />
em relação ao pessoal médico.<br />
Nos dias que antecederam a<br />
votação as seguradoras gastaram<br />
em lobbies e na compra de tempos<br />
de antena cerca de 10 milhões de<br />
dólares. Os grupos que apoiavam<br />
o presidente dos Estados Unidos<br />
terão aplicado qualquer coisa<br />
como 5 milhões de dólares.<br />
Por outro lado e embora tivesse<br />
conseguido uma vitória histórica<br />
no Senado, Obama ainda<br />
não foi capaz de convencer 50 por<br />
cento dos americanos de que a decisão<br />
que tomou é sensata.<br />
As últimas sondagens dão 46<br />
por cento contra 44 por cento dos<br />
que se opõem. Na quinta-feira foi<br />
ao estado de Iowa, no que foi entendido<br />
como o primeiro esforço<br />
para ganhar a simpatia de milhões<br />
de americanos que se viram<br />
bombardeados pela forte acutilância<br />
de estrategas republicanos.<br />
A aprovação do plano de saúde<br />
pela Câmara dos Representantes<br />
foi de imediato contestada por 14<br />
governos estaduais, que prometem<br />
discutir na justiça a constitucionalidade<br />
de uma dos postulados<br />
da lei segundo o qual todo o<br />
cidadão é obrigado a comprar um<br />
seguro de saúde. O caso deverá<br />
subir ao Tribunal Supremo.<br />
Entretanto dez congressistas<br />
que votaram a favor do projecto<br />
de lei receberam ameaças de grupos<br />
radicais, pelo que pediram à<br />
policia do Capitólio mais protecção<br />
para eles e para as respectivas<br />
famílias. O FBI está a investigar o<br />
caso. ■<br />
Etiópia bloqueia<br />
sinal da VOA<br />
O<br />
primeiro-ministro da Etiópia, Melles Zenawi, disse à imprensa<br />
que o seu governo vai bloquear as emissões da Voz<br />
da América em Amharic, a principal língua do país.<br />
De acordo com o líder do governo etíope, o serviço de<br />
língua Ahmaric da Voz da América faz um trabalho de agitação<br />
idêntico ao da Rádio Mille Collines do Ruanda, responsabilizada<br />
em parte pelo genocídio ocorrido naquele país em 1994.<br />
As emissões da Voz da América em Ahmaric e noutras línguas<br />
locais já foram bloqueadas mais de uma vez pelo governo da Etiópia.<br />
Porém em nenhuma ocasião Addis Abeba assumiu qualquer<br />
responsabilidade.<br />
Desta vez o chefe do governo etíope não teve problemas em dizer<br />
o que está em andamento. «Ainda não temos esta capacidade, mas<br />
posso garantir-lhe que tão logo tenhamos os meios, eu darei instruções<br />
sobre o que fazer».<br />
Melles Zenawi respondia a perguntas de jornalistas que queriam<br />
saber se a perda de qualidade das emissões da VOA era resultado de<br />
interferências do seu governo.<br />
«O que os ouvintes vêm experimentado nas últimas semanas é<br />
o resultado dos testes que vimos fazendo. Isto é uma coisa que tem<br />
que ser feita», acrescentou.<br />
A Etiópia, disse, «está convencida de que o serviço em língua<br />
Amharic da Voz da América copiou os piores vícios da Rádio Milles<br />
Collines. Não tem nenhuma noção de ética.››<br />
A observação de Melles Zenawi provocou um protesto do director<br />
da Voz da América, Danforth Austin, para quem a comparação<br />
não só não tem nenhum fundamento, como é infeliz.<br />
Danforth disse que o bloqueio do sinal da Voz da América, agora<br />
ou mais tarde, será sempre um acto de censura. Acrescentou que o<br />
serviço em Ahmaric da Voz da América é obrigado por lei a produzir<br />
r informação verdadeira, objectiva e compreensiva. Disse igualmente<br />
que embora a Voz da América esteja sempre disponível para<br />
responder a todo tipo de queixas, o governo da Etiópia há dois anos<br />
que eliminou todos os contactos.<br />
A Voz da América transmite também em Afan Oromo, assim<br />
com em Tigrinya. Porém embora sejam transmitidas nas mesmas<br />
frequências estas emissões nunca foram sujeitas a qualquer tipo de<br />
interferência.<br />
A Etiópia vai a eleições dentro de dois meses e a interferência que<br />
se regista desde 22 de Fevereiro retoma de alguma forma situações<br />
idênticas registadas por altura da realização das últimas eleições. ■<br />
MELLES ZENAWI, primeiro-ministro etíope: ‹‹o serviço em língua<br />
Amharic da Voz da América copiou os piores vícios da Rádio Milles<br />
Collines.››
Sábado, 27 de Março de 2010. 29<br />
Internacional<br />
Cisão ameaça estabilidade no Botswana<br />
Partido no poder parte-se em dois<br />
Nenhum outro partido<br />
político da África<br />
Austral preparou tão<br />
bem - e sem manipulações<br />
-a gestão do poder como o<br />
Partido Democrático do Botswana,<br />
PDB.<br />
No poder desde a independência<br />
do país, em 1966, o PDB<br />
adoptou o princípio da renúncia<br />
do presidente da República no último<br />
ano do seu mandato, o que<br />
permite que um membro do partido<br />
exerça a presidência durante<br />
um ano sem que tenha que se<br />
submeter a votos.<br />
Foi assim com Festus Mogae,<br />
que chegou ao poder substituindo<br />
Quett Masire, responsável pelo<br />
processo de abertura democrática.<br />
Festus Mogae viria a ganhar<br />
as eleições em duas ocasiões tendo<br />
renunciado ao poder em 2008<br />
para permitir que Ian Khama,<br />
então chefe das forças militares,<br />
assumisse a liderança, e se preparasse<br />
para as eleições de 2009, as<br />
quais ganhou sem qualquer dificuldade.<br />
A harmonia que marcou o PDB<br />
desde a sua fundação está ameaçada,<br />
com que também fica comprometido<br />
o poder do presidente<br />
Ian Khama.<br />
A eclosão de cisão no partido,<br />
promete tornar a vida difícil ao<br />
presidente Ian Khama, que corre<br />
o risco de perder votos suficientes<br />
para fazer passar os seus programas.<br />
Um número considerável de<br />
militantes, calculados em mais de<br />
300, alguns dos quais dão corpo<br />
à maioria que o partido detém no<br />
Parlamento, decidiram romper e<br />
criar uma nova força política.<br />
A ruptura com o actual presidente<br />
é uma resposta à vaga de<br />
suspensões ditadas por Ian Khama<br />
que atingem alguns «históricos».<br />
Militar de carreira formado na<br />
Grã-Bretanha, homem de poucas<br />
palavras, solteirão, Ian Khama é<br />
acusado de ter instalado medo no<br />
país, e de ter fechado os olhos à<br />
crescente vaga de corrupção que<br />
assola o país. Khama é igualmente<br />
acusado de não ouvir ninguém,<br />
e de liderar tanto o país como o<br />
partido como propriedade privada.<br />
Ian Khama vive também sob<br />
a ameaça de uma segunda dissidência,<br />
liderada por Kgosi Tawana<br />
Moremi, que, independentemente<br />
do que venha a acontecer<br />
com a outra facção, já decidiu<br />
«enfrentar» o presidente nas próximas<br />
eleições para a presidência<br />
do partido.<br />
«Eu próprio disse-lhe isso. Ele<br />
tem que perceber que há outras<br />
pessoas em condições de desempenhar<br />
o papel que ele está a fazer<br />
hoje. Não pode ficar acomodado,<br />
nem parecer que é insubstituível».<br />
À semelhança da África do Sul,<br />
no Botswana o presidente também<br />
é eleito pelo Parlamento. ■<br />
DIAS DIFÍCEIS para o presidente Ian Khama<br />
Homem que enterrou viva<br />
uma menina<br />
Caçador é devorado<br />
Condenado à<br />
prisão perpétua<br />
O<br />
tribunal provincial de Augsburgo, no<br />
sul da Alemanha, condenou esta semana<br />
à prisão perpétua um homem que,<br />
há quase 30 anos, sequestrou e enterrou<br />
viva uma menina de dez anos.<br />
O tribunal considerou o réu, de 59 anos e cujo<br />
nome não foi revelado, culpado pelo assassinato de<br />
Ursula, em 1981. A menina morreu asfixiada cerca<br />
de uma hora após ser enterrada viva num caixão<br />
de madeira, em um bosque.<br />
A polícia só encontrou o caixão 19 dias após<br />
o sequestro, em meio a uma grande operação de<br />
busca.<br />
A menina foi sequestrada enquanto passeava<br />
de bicicleta. Pouco depois, os seus pais receberam<br />
ameaças gravadas numa fita e numa carta, na qual<br />
pedia um resgate de 1 milhão de marcos.<br />
A mulher do réu, que era acusada como cúmplice<br />
do assassinato, foi inocentada por falta de<br />
provas.<br />
O condenado foi um dos primeiros suspeitos<br />
interrogados em 1981, mas não havia provas suficientes<br />
à época para uma acusação formal. ■<br />
por leões<br />
Um caçador ilegal foi devorado<br />
por leões numa reserva ou deixar os veículos fora das áreas de-<br />
estarem ligados a casos anteriores de<br />
dores e turistas para o perigo de andar tão actualmente detidos, acusadas de<br />
na África do Sul, depois de signadas como seguras dentro do parque.<br />
O parque vem investindo no comba-<br />
caça ilegal.<br />
ser atacado por hipopótamos.<br />
‹‹Muitas vidas foram perdidas porque<br />
as pessoas não tomaram as precaulhamento<br />
dentro de suas fronteiras. Os<br />
te à caça ilegal, aumentando o patru-<br />
Segundo administradores do Parque<br />
Nacional Kruge, a vítima e mais dois ções necessárias››, afirmou Wasaba. rinocerontes são o principal alvo dos<br />
companheiros entraram à noite na reserva<br />
para verificar se haviam captu-<br />
Os dois caçadores sobreviventes es-<br />
caçadores. ■<br />
rado algum animal numa das armadilhas<br />
que haviam montado ilegalmente,<br />
quando foram atacados por um grupo<br />
de hipopótamos.<br />
Os três homens saíram a correr em<br />
diferentes direcções. Dois deles conseguiram<br />
sair da reserva. O terceiro foi<br />
morto e devorado pelos leões.<br />
O crânio e alguns pedaços de roupa<br />
do homem que estava a caçar ilegalmente<br />
foram encontrados pelos guardas-florestais<br />
do parque, a maior reserva<br />
de vida selvagem do país.<br />
Os dois caçadores que conseguiram<br />
escapar avisaram a família da vítima,<br />
que notificou a polícia.<br />
Wiliam Mabasa, relações públicas do<br />
parque Nacional Kruger, alertou caça-
Sábado, 27 de Março de 2010. 31<br />
Sociedade<br />
Apoio governamental a «velhas» vítimas de calamidades naturais<br />
Não será pura provocação?<br />
A<br />
direcção provincial da<br />
Assistência e Reinserção<br />
Social, como que a<br />
responder ao «grito de<br />
socorro» de mais de 300 famílias<br />
que vivem em tendas na zona do<br />
Zango, por terem sido desalojadas<br />
pelas calemas na Ilha de Luanda<br />
no ano passado, ofereceu, pasmem,<br />
três chapas de zinco e um<br />
barrote a cada uma, em jeito de<br />
apoio em materiais de construção<br />
para substituir as tendas degradadas,<br />
segundo noticiou a rádio<br />
Ecclesia.<br />
Os sinistrados das calemas da<br />
Ilha de Luanda dizem não ter dinheiro<br />
para comprar mais chapas<br />
e juntar ao número reduzido que<br />
lhes foi entregue. Por isso, decidiram<br />
encostar, por detrás das suas<br />
tendas, as chapas de zinco e continuar<br />
nelas.<br />
«Três chapas não chegam para<br />
construir uma casa. As chapas<br />
estão encostadas», disse a cidadã<br />
Benvinda Inocência. «Três chapas:<br />
vou fazer o quê com elas?<br />
Nós queremos as nossas casas»,<br />
reclamou, por seu lado, Filomena<br />
Chilombo.<br />
«Aquelas três chapas só são<br />
para minimizar um pouquinho»,<br />
justificou-se uma responsável do<br />
ministério da Reinserção Social.<br />
«O que fizemos foi repartir o mal<br />
pelas aldeias», acrescentou.<br />
Os coordenadores do «centro<br />
de desalojados» no Zango afirmam<br />
que esta foi a distribuição<br />
possível. «É a quantidade que nos<br />
deram. Só deu três chapas para<br />
cada família», disse um deles.<br />
Na vila chinesa, o cenário foi<br />
diferente: os populares rejeitaram<br />
as chapas entregues pelo Minars.<br />
«Somos 80 famílias. Trazer 90<br />
folhas de chapas, quantas chapas<br />
as pessoas vão repartir? Então,<br />
cada família vai levar apenas uma<br />
folha de chapa?», interrogou-se<br />
uma moradora.<br />
A atitude da população em não<br />
receber as chapas foi reprovada<br />
pelo ministério da Reinserção<br />
Social. «É uma atitude má. Porque<br />
foi no tempo de chuva e nós<br />
tínhamos as chapas para entregar<br />
às [pessoas] que tem as tendas degradadas»,<br />
disse uma responsável<br />
do Minars no local.<br />
Os populares afirmam que não<br />
tiveram alternativa. «Vão nos trazer<br />
mais folhas de chapas para<br />
quantos anos mais aqui? Estão a<br />
trazer tendas, para quantos anos<br />
mais aqui?», reclamou, interrogando-se,<br />
outra moradora das<br />
tendas da vila chinesa ouvida pela<br />
Rádio Ecclesia.<br />
O presidente da comissão de<br />
moradores pede mais celeridade<br />
ao Governo Provincial de Luanda<br />
na resolução do problema.<br />
«Eles, no dia-a-dia, sofrem as<br />
consequências. Uma pessoa que<br />
está na tenda está sempre incomodada<br />
e o seu desabafo é só para<br />
o responsável», referiu.<br />
Observadores da cena política angolana<br />
consideram que o governo já<br />
passou da fase do desprezo aos seus<br />
cidadãos para a da mera provocação<br />
com fins inconfessos. ■<br />
Sugestão da UNITA em face das demolições no Lubango<br />
Exoneração de Dos Anjos<br />
Água podre<br />
no «Sambila»<br />
A<br />
UNITA acentua os<br />
protestos contra as<br />
demolições verificadas<br />
no Lubango, sugerindo<br />
mesmo o afastamento do<br />
governador provincial da Huíla,<br />
Isaac dos Anjos. O maior partido<br />
da oposição avançou com a ideia<br />
num comunicado de imprensa<br />
do Comité Permanente da sua<br />
Comissão Política, publicado no<br />
último fim-de-semana.<br />
De acordo com o comunicado,<br />
a Comissão Política do «Galo<br />
Negro» analisou «a crise social<br />
que assola o país, sobretudo a<br />
resultante da política de demolições<br />
de casas de pobres, praticada<br />
pelo Executivo e o impacto do<br />
preço das propinas escolares no<br />
orçamento das famílias».<br />
A direcção da UNITA considera<br />
que «o titular do poder<br />
executivo do Estado continua a<br />
violar os direitos sociais e económicos<br />
dos angolanos, por via<br />
da expropriação das suas terras<br />
e das demolições arbitrárias das<br />
suas casas».<br />
«O Governo do MPLA na<br />
província da Huíla levou a cabo,<br />
na cidade do Lubango, mais um<br />
acto de demolições arbitrárias<br />
de casas dos pobres, colocando<br />
milhares de famílias à chuva,<br />
sem abrigo adequado, sem comida<br />
e sem mantas, num atentado<br />
à dignidade da pessoa humana,<br />
violando a Constituição<br />
e a Resolução aprovada pela<br />
Assembleia Nacional sobre as<br />
requalificações territoriais e as<br />
demolições», lê-se, ainda, no comunicado.<br />
Em face disso, insta assim «o<br />
MPLA que sustenta o Governo,<br />
a assumir as responsabilidades<br />
e as consequências dos actos resultantes<br />
das suas decisões, que<br />
tanto tem penalizado as populações,<br />
ou então, demitir o governador<br />
provincial da Huíla».<br />
De acordo com o próprio governador<br />
da Huila, Isaac Dos<br />
Anjos, as operações de demolições<br />
vão continuar, apesar da<br />
onda de protestos, a que se juntou<br />
a influente Igreja Católica,<br />
no final da última semana.<br />
Dos Anjos já reafirmou esta<br />
intenção em diferentes ocasiões,<br />
a última das quais, na quartafeira,<br />
em conferência de imprensa<br />
que concedeu no Lubango.<br />
Uma comissão de deputados<br />
do MPLA foi criada, entretanto,<br />
para acompanhar o projecto de<br />
restruturação dos Caminhos de<br />
Ferro de Moçãmedes, à pala do<br />
qual o governador da Huíla tem<br />
estado a proceder as contestadas<br />
demolições. ■<br />
Populares da área da Madeira no município do Sambizanga<br />
estão também a consumir água contaminada por infiltrações<br />
que se estão a registar numa ruptura provocada pela<br />
empresa Rangol nas condutas que que levam o precioso<br />
líquido aos fontanários locais, noticiou a rádio Ecclesia.<br />
O administrador comunal da zona da Madeia, David Costa, diz<br />
que já fez a competente reclamação à direcção técnica da empresa de<br />
distribuição de águas de Luanda, estando à espera de uma resposta<br />
da EPAL.<br />
«Recebi essa informação da Comissão de Moradores que no fontanário<br />
do bairro da Madeira está a sair água imprópria e fiz presente<br />
esta reclamação à Direcção Técnica da EPAL», disse o edil.<br />
«Estou à espera que eles se pronunciem, porque é que a água vem<br />
dessa forma. De princípio, eles suspeitam que, junto aos fontanários<br />
do campo Mário Santiago, há ali um foco de lixo e há uma ruptura<br />
provocada pela Rangol, que quebrou um dos tubos da EPAL», acrescentou<br />
David Costa.<br />
Entretanto, na Vila Alice continua por solucionar o problema<br />
idêntico nas ruas Pedro Benge, João de Deus e Aníbal de Melo.<br />
Em relação ao caso das pessoas que ficaram com problemas de<br />
saúde, depois de terem consumido água contaminada por infiltrações<br />
de fluídos da rede de esgotos, há promessas do director-geral da<br />
Elisal, Lúcio Martins, em como a sua empresa haveria de apoiar os<br />
cidadãos afectados. «Se acontecer alguma coisa, naturalmente, nós<br />
vamos ter que tratar dessas pessoas», sublinhou, embora tenha referido<br />
também que esta é uma possibilidade muito remota. ■
Virgílio Pinto<br />
32 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Sociedade<br />
1.ª parte do «Caso Frescura» chegou ao fim<br />
Familiares dos réus prometem manifestar-se<br />
Os familiares dos sete<br />
réus do «Caso Frescura»,<br />
cuja primeira<br />
parte chegou ao fim na<br />
última segunda-feira, com a leitura<br />
da sentença, que reservou a<br />
cada um deles a pena de 24 anos<br />
de prisão maior, por homicídio<br />
qualificado, prometem realizar<br />
uma manifestação de protesto<br />
contra a decisão do Tribunal Provincial<br />
de Luanda, como noticiou<br />
o jornal «O Apostolado» a meio<br />
da semana.<br />
A publicação da Igreja Católica<br />
não faz referência, no entanto,<br />
onde foi buscar tal informação,<br />
nem quando a manifestação se realizará,<br />
sendo, contudo, a última<br />
grande novidade deste mediatizado<br />
julgamento, depois de sabido já<br />
que a defesa dos agentes condenados<br />
em primeira instância haveria<br />
de interpor recurso ao Tribunal<br />
Supremo, que tanto pode confirmar<br />
a sentença, como revogâ-la.<br />
«O juiz chegou, a dada altura,<br />
a dizer que não tinha, efectivamente,<br />
elementos de prova no<br />
processo. Logo, tudo que veio foi<br />
presumido», disse o advogado<br />
João Damião, assistente da defesa<br />
dos sete agentes da polícia condenados<br />
pelo massacre.<br />
«Para se condenar alguém é<br />
preciso que haja elementos de<br />
prova material no processo»,<br />
acrescentou João Damião, para<br />
quem isso não sucedeu com os<br />
seus constituídos.<br />
Quem também se manifestou<br />
contra a sentença foi Idelfonso<br />
Manico, advogado da defesa. Ouvido<br />
pelo Semanário <strong>Angolense</strong><br />
na segunda-feira, após a leitura<br />
do acórdão do tribunal, ele disse<br />
que os réus deviam ser absolvidos,<br />
uma vez que as provas apresentadas<br />
contra eles não são suficientemente<br />
claras para sustentar<br />
a condenação.<br />
«Falou-se da confissão do faustino<br />
e do Euquias, mas aquilo não<br />
constitui prova bastante para incriminar<br />
os acusados. Uma prova<br />
indiciária não é uma prova concreta,<br />
pelo que, a nível das regras<br />
processuais, não devia proceder.<br />
Nós vamos interpor recurso, esperando<br />
que o Tribunal Supremo,<br />
como instância máxima, se pronuncie<br />
em melhores condições»,<br />
sublinhou Idelfonso Manico ao<br />
Semanário <strong>Angolense</strong>.<br />
Por seu turno, Francisco Cruz,<br />
parente do réu Euquias Cruz Bartolomeu,<br />
considera que o tribunal<br />
não procedeu com lisura, uma<br />
vez que ditou a sentença fundamentalmente<br />
baseado em simples<br />
alegações. «O tribunal não devia<br />
ter agido com impulso», disse,<br />
referindo ainda que muita coisa<br />
ficou por esclarecer, como, por<br />
exemplo, quem foi o mandante do<br />
crime, uma vez que há indícios de<br />
que eles terão agido a mando de<br />
algum dos seus superiores.<br />
Porém, há quem defenda precisamente<br />
o contrário, exigindo<br />
que as penas sejam efectivamente<br />
cumpridas. É o caso da Associação<br />
Justiça, Paz e Democracia<br />
(AJPD). «Vamos esperar que o<br />
processo da execução da pena<br />
hora aplicado seja um facto e que<br />
esses agentes da polícia vão de<br />
facto à cadeia, cumpram as sanções,<br />
e que lhes sejam também<br />
assistidos todos os direitos», disse<br />
o presidente da AJPD, António<br />
Ventura, quando instado pelo «O<br />
Apostolado» a comentar a decisão<br />
do juiz Salomão Tito Filipe.<br />
Por seu lado, o Conselho de<br />
Coordenação de Direitos Humanos<br />
afirma que o Tribunal foi<br />
pouco profundo nas suas investigações<br />
sobre os verdadeiros autores<br />
do massacre da Frescura.<br />
Para Tunga Alberto, membro<br />
dessa organização, faltou condenar<br />
também o mandante, uma<br />
vez que tudo indica que os executores<br />
terão agido a mando de<br />
alguém, dada a sua qualidade de<br />
agentes da polícia em serviço.<br />
Já o jurista Alexandre Sebastião<br />
questiona o facto do tribunal aplicar<br />
a mesma pena para cada um<br />
dos oficiais da polícia, sem que se<br />
tivesse provado que todos eles foram<br />
executores do massacre. ■<br />
Tribunal Provincial de Luanda sem contemplações<br />
Vinte e quatro para todos<br />
Romão Brandão<br />
Vinte e quatro anos de<br />
prisão maior, sem tirar<br />
nem pôr, é o castigo<br />
que coube a cada<br />
um dos sete réus do famigerado<br />
«Caso Frescura», segundo decisão<br />
da 5.ª secção dos crimes comuns<br />
do Tribunal Provincial de<br />
Luanda, que deu como provada<br />
a sua participação no homicídio<br />
de oito jovens no município do<br />
Sambizanga.<br />
Eram 11 horas e 25 minutos<br />
de segunda-feira, quando o juiz<br />
da causa, Salomão Filipe, viu-se<br />
livre do «peso nas costas» ditando<br />
a sentença tão esperada pelo<br />
público que vem acompanhado o<br />
julgamento dos sete agentes policiais<br />
acusados de serem autores<br />
do massacre da Frescura.<br />
O espaço reservado no Palácio<br />
Ana Joaquina era pequeno<br />
para as pessoas que acorreram<br />
para a última sessão do julgamento,<br />
um público ansioso pelo<br />
desfecho do caso.<br />
Depois de se reunir com os seus<br />
Virgílio Pinto
Sábado, 27 de Março de 2010. 33<br />
Sociedade<br />
assistentes, o juiz Salomão Tito<br />
Filipe, leu o acórdão, que atribuía<br />
por igual aos réus a condenação<br />
máxima: 24 anos de prisão.<br />
Faustino Alberto (42 anos),<br />
Simão Ferreira Pedro (30), Manuel<br />
de Barros André (39), Euquias<br />
Cruz Bartolomeu (36);<br />
João Miguel Florêncio Francisco<br />
«Djudju» (40), Miguel Domingos<br />
Inácio Francisco « Micha» (40) e<br />
João Raposo Almeida «Pai grande»<br />
(30) são os agentes e oficiais<br />
da polícia condenados, como coautores<br />
do massacre (homicídio<br />
qualificado), previsto e punível<br />
nos termos do artigo 351, n.º 4, do<br />
Código Penal.<br />
Salomão Tito Filipe disse ainda<br />
que cada réu deve pagar 80 mil<br />
kwanzas de taxa de justiça e que<br />
o ministério do Interior ficava na<br />
obrigação de indemnizar as famílias<br />
das oito vítimas no valor de<br />
12 milhões de kwanzas a repartir<br />
por igual entre todas elas.<br />
O acórdão refere que os réus foram<br />
condenados pelo circunstancialismo<br />
que precedeu à prática do<br />
crime, ou seja, o patrulhamento<br />
no local aonde as vítimas se encontravam,<br />
a prontidão com que<br />
os executores saíram da viatura<br />
que os transportou, a forma oculta<br />
como se apresentaram, a imposição<br />
feita às vítimas, a produção<br />
dos disparos, assim como o tipo de<br />
armas utilizadas para consumação<br />
do crime, revelando tudo isso que<br />
a intenção era mesmo de matar,<br />
não se podendo falar sequer de excesso<br />
de legítima defesa.<br />
A finalizar a leitura do acórdão,<br />
Salomão Tito Filipe disse: «Não<br />
se tendo comprovada que as mortes<br />
tenham sido mandatatas, fica<br />
circunscrita a responsabilidade<br />
criminal apenas aos réus. Embora<br />
agindo de modo e por iniciativa<br />
própria, civilmente a responsabilidade<br />
não é aplicada apenas aos<br />
réus, uma vez que eles estavam superiormente<br />
orientados para a realização<br />
de acções de combate à delinquência<br />
dentro dos parâmetros.<br />
Se bem que agindo de motivação<br />
própria, a conduta dos réus não<br />
deixou de estar inserida no exercício<br />
das suas funções enquanto e<br />
como subordinados que eram».<br />
Quando interrogados a propósito<br />
das penas que lhes haviam<br />
sido aplicadas, todos os réus declararam-se<br />
inocentes.<br />
O julgamento do «Caso Frescura»,<br />
cuja primeira parte terminou<br />
na segunda-feira, após cerca<br />
de cinco meses de intensa batalha<br />
judicial, foi presidido pelo juiz Salomão<br />
Tito Filipe, que foi coadjuvado<br />
pelos vogais Fortunato Feijó<br />
e Anastácia de Melo. O Ministério<br />
Público esteve representado pelas<br />
magistradas Isabel das Neves Rebelo<br />
e Carla Nogueira. Os advogados<br />
de defesa foram os senhores<br />
Idelfonso Manico e Mariano Gomes,<br />
já o de acusação(pela parte<br />
das famílias das vítimas) foi o senhor<br />
David Mendes. ■<br />
Parentes das vítimas descontentes<br />
Depois de ditada a sentença,<br />
as atenções dos<br />
jornalistas partiram<br />
para as famílias das<br />
vítimas, cuja reacção ficou dividida<br />
entre o sentimento de que<br />
justiça foi feita e o descontentamento<br />
pela exiguidade da indeminização,<br />
embora houvesse<br />
quem dissesse que as penas deviam<br />
ser mais duras, se calhar<br />
sem saber que isto é o máximo,<br />
e que não precisava de dinheiro.<br />
Alguém pediu mesmo que os<br />
réus fossem também mortos.<br />
«Devia ser mais de 24 anos.<br />
Nós não queremos dinheiro<br />
nenhum. O que queremos é que<br />
eles sejam mortos conforme o<br />
meu filho foi. Tinha que ser a<br />
morte para que os seus familiares<br />
sentissem a dor que nós<br />
também sentimos na pele com<br />
a perda do meu filho», disse Vitória<br />
da Paixão Borges, mãe de<br />
Elias Borges Pedro, um dos oito<br />
Pouco antes do final da<br />
tarde do dia 23 julho<br />
de 2008, os cidadãos<br />
que enquanto em vida<br />
se chamaram Ereckson Carlos<br />
Varanda Francisco, Elias Borges<br />
Pedro, André Luís Marques<br />
Ganga, Johnson André Van-<br />
Dúnem, Paulo Fábio Caricoco<br />
Neto, Aguinaldo de Azevedo Simões,<br />
Ismael Escórcio da Silva,<br />
Fernando Cristóvão Manuel e<br />
alguns amigos acomodavam-se<br />
debaixo de uma árvore frondosa<br />
existente num lugar vulgarmente<br />
conhecido por «Largo da Frescura»,<br />
no chamado Muceque Mota,<br />
ao município do Sambizanga.<br />
Em pleno curso da confraternização,<br />
em meio ao consumo<br />
de bebidas (gasosas e cerveja),<br />
surgem inicialmente dois patrulheiros<br />
da polícia, em jeito de<br />
patrulhamento da zona. Entre as<br />
18H30 e as 19H30, surgiu outra<br />
viatura de marca Toyota Hiace,<br />
de cor azul e branca, de que não<br />
foi possível na altura reconhecer<br />
a matrícula.<br />
Da viatura em referência desceram<br />
7 indivíduos à paisana,<br />
com casacos escuros, que repentinamente<br />
obrigaram os oito jovens<br />
que lá se encontravam a encostar<br />
a uma parede ali existente,<br />
de costa para eles e seguidamente<br />
a deitarem-se ao chão como<br />
jovens executados no Largo da<br />
Frescura a 23 de Junho de 2008.<br />
«Eu não quero dinheiro, quero<br />
o meu filho. Vinte e quatro<br />
anos não. Quero que eles sejam<br />
mortos também. Não deveria<br />
ser assim, não devia ser 24<br />
anos, porque 24 anos é 24 dias<br />
para eles que são polícias. Daqui<br />
a pouco eles saem. Tinha<br />
Histórico do caso<br />
lhes foi também exigido. De forma<br />
impiedosa, os indivíduos em<br />
referencia provavelmente agentes<br />
da policia nacional, portando armas<br />
automáticas do tipo AKM e<br />
pistolas de marcas desconhecidas,<br />
puseram-se a disparar contra<br />
as vítimas, ponde-se seguidamente<br />
em fuga.<br />
Dos disparos produzidos, registou-se<br />
a morte imediata de 5<br />
dos oitos jovens, ao passo que os<br />
restantes acabariam por falecer a<br />
caminho do hospital.<br />
Hélio de Azevedo Simões,<br />
irmão de Aguinaldo e primo<br />
de Ereckson, ambos vítimas do<br />
sucedido, escapou por pouco,<br />
por a escassos instantes antes<br />
da consumação do crime, ter<br />
decidido ir beber água à casa,<br />
ali próximo. Ele declara ter assistido<br />
à chacina e a retirada dos<br />
executores do crime. Diz que,<br />
embora não tivesse conseguido<br />
identificá-los, ouviu o seu irmão,<br />
no momento em que era<br />
assistido, a confirmar que entre<br />
os autores do massacre estariam<br />
os agentes Faustino, Djudju e<br />
Virgílio Pinto<br />
que ser prisão perpétua», disse,<br />
chorando, Joana Caricoco, mãe<br />
de Paulo Fábio Caricoco Neto,<br />
outra das vítimas. ■<br />
R B<br />
Micha, seus conhecidos.<br />
Pouco depois da execução do<br />
crime, Faustino Alberto terá telefonado<br />
ao então comandante da<br />
9.ª esquadra, dando a conhecer<br />
que no Largo da Frescura ocorreram<br />
mortes, com o argumento<br />
de que era resultante de um confronto<br />
armado que opusera os<br />
grupos de marginais conhecidos<br />
por «Mana Bela» e «100 tropas».<br />
Faustino e o resto do pessoal<br />
deixaram de marcar presença na<br />
unidade, na sequência da ocorrência<br />
da chacina e mantiveram<br />
seus telefones desligados. Os oito<br />
jovens faleceram em consequência<br />
de ferimentos perfurantes no<br />
tórax e abdômen por disparo de<br />
arma de fogo, conforme os exames<br />
de cadáver de autópsia e relatórios<br />
médico confirmam.<br />
Contudo, dias depois, a 27 de<br />
Agosto de 2008, dando sentido<br />
às coisas, a própria polícia, através<br />
do seu comandante provincial,<br />
comissário Joaquim Ribeiro,<br />
vem a terreiro para apresentar<br />
sete agentes seus, colocados na<br />
Divisão do Sambizanga, como<br />
alegados autores do crime: No<br />
mesmo dia, Faustino e Euquias<br />
assumiram, diante da imprensa,<br />
a autoria do crime.<br />
O resto é o que se sabe. Seguiu-se<br />
o julgamento, o primeiro<br />
do género no país. ■
34 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Sociedade<br />
Sobre os quesitos provados…<br />
FAUSTINO ALBERTO, o homem que terá comandado a execução<br />
Segundo o Tribunal Provincial<br />
de Luanda, entre<br />
os quesitos «recolhidos»<br />
de todos os passos do<br />
processo, ficaram provados essencialmente<br />
os seguintes:<br />
- Que nos meados de mês de Julho<br />
de 2008, ao comando da Divisão<br />
do município do Sambizanga<br />
chegaram informações do reconhecimento<br />
da criminalidade de<br />
carácter violento de algumas áreas<br />
da referida circunscrição. E que tais<br />
acções eram predominantemente<br />
imputadas às associações criminosas<br />
identificadas por Mana bela e<br />
100 tropas.<br />
- Que as acções delituosas incidiam<br />
pelos bairros Madeira, Mota,<br />
Santa Rosa e Lixeira, cuja actividade<br />
era supervisionada pela 9.ª esquadra<br />
da referida divisão.<br />
- Que no dia 20 do mesmo mês<br />
e ano o comandante da divisão<br />
reuniu com parte dos seus efectivos<br />
narrando a situação criminosa<br />
reinante na área sob sua jurisdição.<br />
E na reunião estiveram presentes<br />
o segundo comandante da divisão,<br />
intendente Eduardo Diogo, o<br />
comandante interino da 9.ª esquadra<br />
Miguel Domingos Francisco<br />
«Meganha», o chefe dos serviços<br />
de sector do comando, os oficiais<br />
do departamento de investigação<br />
criminal do comando da divisão e<br />
todos os efectivos da 9.ª esquadra.<br />
- Que, na mesma reunião, o comandante<br />
de divisão orientou ao<br />
comandante da 9.ª esquadra para<br />
elaborar um plano de operação urgente,<br />
com vista a inverter, no prazo<br />
de 5 dias, o quadro delituoso prevalecente<br />
no território. E o mesmo<br />
plano foi submetido a apreciação do<br />
comandante provincial de Luanda<br />
da polícia nacional que o aprovou.<br />
- Que o comandante da divisão<br />
recomendou aos presentes<br />
na reunião, que os participantes<br />
na operação teriam que proceder<br />
ao desmantelamento dos grupos<br />
marginais, a detenção de seus integrante<br />
e a apreensão das armas<br />
de fogo que fossem encontradas.<br />
Tal operação teve início no dia 21<br />
e sequência no dia 22 do mesmo<br />
mês e ano (…).<br />
- Que na sequência da operação,<br />
em hora imprecisa do período da<br />
manhã do dia 23 do mesmo mês<br />
e ano, uma brigada da 9.ª esquadra<br />
da divisão do Sambizanga,<br />
liderada pelo réu Faustino e integrada<br />
pelos demais réus e o oficial<br />
do mesmo comando, de nome<br />
Mateus Dias Agostinho «Mateuszinho»,<br />
transportada por uma<br />
viatura de marca Toyota, modelo<br />
Hiace de cor azul e branca, com<br />
vidros fumados, emboscou alguns<br />
integrantes da associação criminosa<br />
denominada 100 tropas. Da<br />
emboscada resultou a detenção de<br />
cinco indivíduos do mesmo grupo,<br />
que foram conduzidos à mesma<br />
esquadra e apresentados ao mesmo<br />
comandante.<br />
- Que tinha sido programado<br />
a continuação da operação para<br />
as primeiras horas da manhã do<br />
dia seguinte, com a integração dos<br />
cincos marginais detidos que iriam<br />
servir de guia para localização e detenção<br />
de outros marginais.<br />
- Que de forma concertada e sob<br />
liderança do réu Faustino, os demais<br />
réus e também o oficial Mateuszinho,<br />
transportados na viatura<br />
supracitada e escoltados por um<br />
patrulheiro da corporação, aportaram<br />
pouco antes das 19 e 30 minutos<br />
no mesmo dia, próximo ao local<br />
…E os não provados<br />
aonde os jovens confraternizavam.<br />
- Que os réus portavam arma<br />
de fogo do tipo AKM e pistolas de<br />
calibre 9mm que variava entre as<br />
marcas Garijos, Star, TTI e Barack.<br />
E que estavam trajados a civil<br />
e coberto de casacos pretos e azuisescuros.(…)<br />
O oficial Mateuszinho<br />
permaneceu na viatura.<br />
- Que a viatura em referencia<br />
foi conduzida pelo réu Simão<br />
Ferreira Pedro.<br />
- Que na sequência do envolvimento<br />
ao local da confraternização,<br />
os réus ordenaram aos oito<br />
jovens que se colocassem de pé,<br />
virados para uma parede ali existente<br />
e de mãos ao alto, e seguidamente<br />
a deitarem-se ao chão com<br />
o rosto para o baixo. (…) De forma<br />
desalmada, os réus dispararam<br />
Que entre as 19 horas e 30min e as 20 horas no mesmo dia<br />
registrou-se no Largo da Frescura um confronto armado<br />
entre grupos de marginais denominados 100 tropas e<br />
Mana Bela de que resultou a morte de oito integrante do<br />
grupo Mana Bela.<br />
Que pouco antes daquele espaço de tempo, ou seja entre as 19 horas e<br />
30 minutos e 20 horas do dia 23 de Julho de 2008, através de uma fonte<br />
informativa chegou ao conhecimento do efectivo da 9ª esquadra, a ocorrência<br />
no Largo da Frescura de assalto à mão armada de um telemóvel e<br />
carteira com dinheiro.<br />
Que na ocasião os jovens que confraternizavam no Largo da Frescura<br />
tinham armas de fogo.<br />
Que no momento da ocorrência da chacina, os referidos réus se encontravam<br />
na escola Don Bosco assistindo aulas.<br />
Que a chacina foi superiormente ordenada.<br />
Que a probabilidade e improbabilidade das referidas armas terem<br />
produzido disparos no momento da chacina fosse exclusivamente imputável<br />
à falta de meios para realização de exames químicos.<br />
E também não ficou provado que as duas armas apreendidas dispararam<br />
no dia da ocorrência dos factos.<br />
Virgílio Pinto<br />
contra os jovens, causando morte<br />
imediata a cinco dos oito cidadãos<br />
e ferimentos graves aos restantes,<br />
que depois faleceram no hospital.<br />
Logo depois de cessar os disparos,<br />
puseram-se em fuga.<br />
- Que entre os populares constavam<br />
familiares dos cidadãos<br />
que sobreviveram aos disparos,<br />
que por seu turno deram a conhecer<br />
que entre os autores da<br />
chacina reconheceram os réus<br />
Micha e Djudju.<br />
- Que alguns instantes depois<br />
da ocorrência, o réu Faustino Alberto<br />
ligou então para o comandante<br />
da 9.ª esquadra, chefe «Meganha»,<br />
dando conhecimento<br />
que no Largo da Frescura havia<br />
cadáveres, resultante de um conforto<br />
armado entre os grupos de<br />
marginais referidos.<br />
- Que a viatura utilizada para a<br />
operação da chacina foi posteriormente<br />
encontrada em posse do réu<br />
Faustino Alberto. E na sequência<br />
do trabalho investigativo, foram<br />
apreendidas aos réus 4 armas de<br />
fogo do tipo AKM. Que das 4, duas<br />
detonaram 6 dos 17 invólucros<br />
apreendido no local do crime. (…)<br />
- Que os réus agiram com a intenção<br />
de matar.<br />
- Que os réus Faustino Alberto<br />
e Euquias Bartolomeu, no dia 27<br />
de Agosto de 2008 confessaram<br />
a autoria do crime, no pátio da<br />
Unidade Operativa de Luanda,<br />
sem qualquer pressão e perante<br />
os representantes dos distintos<br />
órgãos de comunicação social.<br />
- E também ficou provado que<br />
todos os réus confessaram ao declarante<br />
Miguel Ferreira Londa<br />
que são os autores do crime. ■<br />
Os massacrados<br />
Apresentados inicialmente<br />
como<br />
supostos marginais,<br />
na sequência<br />
das atabalhoadas justificações<br />
da polícia sobre o ocorrido,<br />
acabou por se confirmar que<br />
os jovens executados não tinham<br />
«ficha» na corporação,<br />
sendo que a maior, nem de<br />
longe, podia serem considerados<br />
delinquentes. E talvez seja<br />
isso o que motivou a ida dos<br />
alegados executores do crime<br />
a julgamento.<br />
Recordemos, entretanto,<br />
quem eram as vítimas do massacre:<br />
- Ereckson Carlos Varanda<br />
Francisco, também conhecido<br />
por«Ereckson», tinha 22 anos.<br />
Era funcionário da TV Cabo.<br />
Religioso, chegou a ser acólito<br />
da paróquia do São Paulo.<br />
- Elias Borges Pedro, o<br />
«Mano Velho», como o tratavam<br />
os mais chegados, tinha<br />
22 anos e era pedreiro.<br />
É o único que deixou esposa<br />
e filha.<br />
- André Luís Marques Ganga,<br />
o «André», tinha 21 anos.<br />
Antes de o matarem como<br />
o fizeram, vivia de biscates<br />
como pedreiro e ladrilhador.<br />
- Johnson André Vandúnem,<br />
o «Johnson», como o<br />
tratavam, tinha 22 anos. Vivia<br />
da música, como «kudurista»<br />
em vários locais de diversão<br />
do bairro.<br />
-Paulo Fábio Caricoco<br />
Neto, também conhecido por<br />
«Lito», tinha 19 anos e era finalista<br />
do curso de ciências<br />
sociais do ensino pré-universitário.<br />
- Aguinaldo de Azevedo<br />
Simão, o «Dadão», como era<br />
conhecido no bairro, tinha<br />
20 anos. Também não tinha<br />
emprego fixo, mas safava-se<br />
como pedreiro.<br />
-Ismael Escórcio da Silva,<br />
mais conhecido por «Santinho»,<br />
tinha 21 anos. Estava a<br />
fazer contabilidade e gestão<br />
no Instituo Médio de Economia<br />
de Luanda, o IMEL.<br />
- Fernando Cristóvão Manuel,<br />
o «Nandinho», tem 22<br />
anos. Não tinha emprego fixo,<br />
mas fazia uns biscates como<br />
pintor e ladrilhador. ■
Direito de resposta<br />
Sábado, 27 de Março de 2010. 35<br />
Patrícia Mano defende-se<br />
Excelentíssimo Senhor Director Geral<br />
do Semanário <strong>Angolense</strong>,<br />
Patrícia Mano, Engenheira de Construção<br />
Civil, vem, nos termos do disposto<br />
no nº 1 do artigo 64° da Lei de Imprensa<br />
vigente, e tendo em conta a noticia publicada<br />
neste Semanário, edição 359, Ano<br />
VII, dia 20103/2010, página 32 sob o titulo<br />
‹‹Tropelias de dois expatriados››, em que é<br />
gravemente difamada na sua pessoa e bom<br />
nome, vem por isso exercer aqui o seu direito<br />
de resposta e de rectificação, solicitando<br />
a publicação do seguinte teor com o<br />
mesmo destaque.<br />
A visada teve ao seu serviço Leopoldo<br />
Penovano como seu segurança durante 3<br />
anos consecutivos e, na altura em que lhe<br />
foi apresentado estava vestido de militar,<br />
usava uma arma que manteve sempre e referiu<br />
ter sido segurança particular de pessoas<br />
que desempenharam altos cargos no<br />
Estado Angolano.<br />
Assim sendo a visada permitiu que Leopoldo<br />
Penovano lhe prestasse serviços<br />
de segurança, tendo procedido a obras na<br />
parte de baixo da sua casa de modo a que<br />
o mesmo ficasse comodamente instalado, o<br />
que aconteceu.<br />
Mais tarde o mencionado segurança<br />
apresentou-lhe a sua actual mulher, de seu<br />
nome Rosa, dizendo que a mesma estava<br />
grávida de um n filho seu e tinha uma filha<br />
menor de uma anterior relação. Por outro<br />
lado, Leopoldo pediu-lhe para que a família<br />
passasse a viver com ele nas instalações que<br />
a visada lhe tinha cedido.<br />
De imediato, e porque não conseguiu<br />
ficar indiferente ao pedido de Leopoldo<br />
Penovano, Patrícia Mano acomodou toda<br />
a família do Leopoldo na sua casa, procedendo<br />
novamente a obras de remodelação<br />
para que toda a família pudesse viver confortavelmente,<br />
o que também aconteceu.<br />
Acresce o facto de ter colocado a menor Estefânia<br />
(filha da esposa do Leopoldo e com<br />
eles residente) num colégio que a mesma<br />
pagava mensalmente.<br />
Acontece que nos últimos tempos em<br />
que Leopoldo prestou serviços de segurança<br />
para a aqui visada, começou insistentemente<br />
a pedir-lhe dinheiro para despesas<br />
que inventava, nomeadamente quando a<br />
mesma se encontrasse em Portugal. Assim,<br />
e porque começou a desconfiar da lealdade<br />
do seu segurança a visada solicitou ao<br />
seu amigo Emento, médico e cubano, que<br />
já conhecia bem o Leopoldo e sua família<br />
porquanto lhes prestava, a pedido da visada,<br />
frequentemente assistência médica que,<br />
nos períodos em que se encontrasse em<br />
Portugal e sempre que Leopoldo a contactasse<br />
telefonicamente a pedir mais dinheiro,<br />
se ele pudesse antes confirmar a origem<br />
da despesa que alegava.<br />
Perante este controlo que se mostrou indispensável,<br />
a visada veio a descobrir que<br />
Leopoldo frequentemente inventava despesas<br />
para lhe subtrair algumas quantias em<br />
dinheiro.<br />
Refira-se que, mesmo nos períodos em<br />
que a visada se encontrava em Portugal todas<br />
as pessoas que lhe prestavam serviços,<br />
e apesar de nesses períodos de tempo nada<br />
fazerem, recebiam as respectivas remunerações<br />
na íntegra.<br />
Da última vez que a visada regressou a<br />
Luanda, deparou-se com a sua casa completamente<br />
abandonada, até infestada de<br />
ratos.<br />
Por outro lado, o seu motorista Adilson,<br />
não só não a foi buscar ao aeroporto como<br />
devia, como também não compareceu ao<br />
trabalho durante alguns dias, sem nada<br />
dizer.<br />
Perante os factos relatados a visada despediu<br />
o motorista e repreendeu Leopoldo<br />
pelo estado de degradação em que encontrou<br />
a sua casa.<br />
Leopoldo começou então a ausentar-se<br />
de casa sem nada dizer; por várias vezes a<br />
desobedeceu, sendo que a visada face a esta<br />
súbita mudança de comportamento, outra<br />
alternativa não teve do que dizer-lhe que<br />
não pretendia mais continuar a receber os<br />
seus serviços de segurança.<br />
Leopoldo, numa atitude de retaliação<br />
ameaçou mata-la, alegando sempre que<br />
nada tinha a perder. A visada, assustada de<br />
imediato telefonou ao seu já mencionado<br />
amigo cubano pedindo-lhe para a ir buscar<br />
o mais depressa possível a fim de apresentar<br />
queixa do Leopoldo na Esquadra da<br />
Policia, o que aconteceu.<br />
Após o relato destes acontecimentos a<br />
policia deteve Leopoldo, tendo o mesmo<br />
sido julgado no dia 08 de Fevereiro de 2010<br />
no Tribunal de Policia de Luanda no processo<br />
n° 739/010, processo este que culminou<br />
com a sua condenação por 6 meses de<br />
pena de prisão, tendo a respectiva pena ficado<br />
suspensa.<br />
Para que não haja duvidas acerca da veracidade<br />
dos factos remete-se também a<br />
sentença em causa.<br />
Uma vez que o cumprimento da pena<br />
de prisão a que Leopoldo foi condenado se<br />
encontra suspensa pelo período de 2 anos,<br />
Leopoldo tem telefonado e perseguido a visada<br />
pedindo-lhe elevadas quantias em dinheiro,<br />
bem como uma casa e um terreno<br />
sob pena de, não o fazendo, ‹‹lhe desgraçar<br />
a vida››.<br />
A visada ignorou tal chantagem. No entanto,<br />
diariamente recebe telefonemas de<br />
números que desconhece com ameaças de<br />
morte por parte do mesmo, caso não lhe dê<br />
dinheiro, uma casa e um terreno, o que a<br />
obrigou a efectuar novas queixas na Policia.<br />
Por outro lado, a visada tem sido contactada<br />
por vários jornalistas a quem Leopoldo<br />
recorre no sentido de ver publicadas<br />
calúnias, tendo apenas obtido sucesso neste<br />
semanário.<br />
Pretende a visada deixar bem claro que<br />
na noticia em apreço não correspondem<br />
à verdade os seguintes factos: de a visada<br />
‹‹cometer atropelos›› ; de alguma vez Leopoldo<br />
ter ‹‹levantado dinheiro nos Ministérios<br />
das Obras Publicas e do Comercio››;<br />
de alguma vez lhe ter mandado levantar<br />
dinheiro no banco - que alias só cabe na<br />
cabeça de quem não conhece a burocracia<br />
e o controlo bancário a este respeito ; de<br />
‹‹enganar o serviço de migração e estrangeiros››;<br />
de alguma vez ‹‹ter transportado<br />
70.000,00 USD para Portugal››; de ter contactado<br />
a família de Leopoldo, com a qual<br />
nunca falou nem conhece, muito menos<br />
para alegar que tinha pago a policia para<br />
que Leopoldo ficasse preso durante 4 anos;<br />
jamais alegou ter pago a policia para bater à<br />
Leopoldo; jamais a esposa do actual<br />
governador do BNA entregou à<br />
aqui visada qualquer quantia em<br />
dinheiro; enfim, Leopoldo não poupou<br />
calúnias à aqui visada.<br />
Por fim, na qualidade de engenheira de<br />
construção civil estabeleceu relações de<br />
trabalho com muitas pessoas e empresas, o<br />
que é natural.<br />
Uma vez que Leopoldo não obteve qualquer<br />
sucesso na chantagem que diariamente<br />
faz à aqui visada, recorreu, numa atitude<br />
desesperada, a este semanário , caluniando-a<br />
e difamando-a.<br />
Esta ideia do Leopoldo de chantagear a<br />
aqui visada foi devida e atempadamente<br />
pensada, já que subtraiu de sua casa a fotografia<br />
que usou nesta publicação.<br />
Pelo contrário, publica uma fotografia<br />
que diz ser sua, mas que não é. Por isso, a<br />
aqui visada publica a verdadeira fotografia<br />
de Leopoldo para assim poder ser devidamente<br />
identificado e se poder aferir o seu<br />
verdadeiro carácter.<br />
Assim é absolutamente Lamentável<br />
que esse semanário não tenha efectuado<br />
um n trabalho prévio de investigação<br />
relativamente as declarações prestadas<br />
por Leopoldo Penovano, nomeadamente<br />
consultando o processo judicial no qual<br />
foi recentemente condenado pelos factos<br />
que propositadamente omite, sendo que,<br />
a indiferença quanta à verdade por parte<br />
desse semanário é tal que nem verificou<br />
que a fotografia que publica do declarante<br />
nada tem a ver com ele, tratando-se,<br />
como já foi referido, de uma fotografia<br />
falsa.<br />
Ora é mais do que legitimo, neste caso,<br />
questionar a credibilidade das declarações<br />
de uma pessoa que ameaça outra,<br />
que a chantageia e que em virtude desses<br />
factos se encontra condenado ao cumprimento<br />
de urna pena de prisão, embora<br />
suspensa, num processo judicial!!<br />
E lamentável que esse semanário ,<br />
mais preocupado com a publicação de<br />
notícias sensacionalistas, difamatórias e<br />
caluniosas não tenha observado em detalhes<br />
tão importantes, pelo que fica aqui,<br />
devidamente documentada, a verdade<br />
dos factos.<br />
De V. Exa., atentamente,<br />
Patrícia Mano
36 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Leituras<br />
A vida sexual dos ditadores (7)<br />
Na cama com Mussolini (fim)<br />
O caso particular de Clara Petacci, a jovem senhora que se apaixonou perdidamente pelo «Duce», a ponto de o seguir sem condições<br />
até à morte. Foi a amante que mais tempo (13 anos) passou ao lado do ditador italiano. Seriam executados a 28 de Abril de 1945<br />
Embora tivesse várias<br />
amantes passageiras,<br />
não se pode afirmar,<br />
porém, que Mussolini<br />
era incapaz de manter uma relação<br />
duradoura «fora de casa». Em<br />
1932, ele viajava para Ostia, no<br />
seu carro oficial, um Alfa Romeo,<br />
quando se deparou com uma linda<br />
jovem, no acostamento, que<br />
acenava e gritava «Duce! Duce!»<br />
ao vê-lo passar. Mussolini mandou<br />
o motorista parar o carro,<br />
desceu e foi ao seu encontro.<br />
Quando ele lhe dirigiu a palavra,<br />
a moça ficou trémula de entusiasmo.<br />
Chamava-se Clara Petacci<br />
e era esposa de um oficial da<br />
Força Aérea italiana – de quem se<br />
divorciaria mais tarde. Mussolini<br />
transferiu para o Japão, para tirálo<br />
do caminho.<br />
Clara estava com 24 anos (ele<br />
com 54), tinha olhos verdes, pernas<br />
esbeltas e longas, seios fartos,<br />
enfim, tudo como Il Duce adorava.<br />
A sua voz era rouca.<br />
Era hipocondríaca, sentimental,<br />
um tanto simplória e absolutamente<br />
devotada ao ditador<br />
italiano – que lhe retribuía da<br />
mesma moeda, chegando a obrigar<br />
os trens a acelerar o ritmo só<br />
para ficar na sua cabeceira, quando<br />
ela extraiu o apêndice após<br />
uma peritonite quase fatal.<br />
Mas, quando se tratava de sexo,<br />
não era mais gentil, nem mostrava<br />
mais consideração com Clara do<br />
que com qualquer outra das suas<br />
amantes. Mussolini deu-lhe um<br />
apartamento no Palazzo Venezia,<br />
onde faziam amor entre uma<br />
reunião e outra. Perversamente, o<br />
relacionamento deu certo. Clara<br />
continuou com ele nos treze anos<br />
seguintes e, quando teve a oportunidade<br />
de fugir, preferiu morrer<br />
ao seu lado, em 1945.<br />
Não ignorava que ele não deixaria<br />
a esposa e a família por ela<br />
e sabia da sua infidelidade. Esperava-o<br />
no seu apartamento horas<br />
e horas, lendo romances, desenhando<br />
novas roupas, pintando<br />
as unhas, olhando-se no espelho<br />
ou contemplando a paisagem pela<br />
janela.<br />
Velhas condessas<br />
Mussolini, em regra, só aparecia<br />
pelas dez das noites, quando<br />
aparecia. Ela amaldiçoava as<br />
velhas condessas com quem ele<br />
estaria a fazer amor num sofá do<br />
andar inferior. Embora tolerasse<br />
estes pecadilhos, vivia com medo<br />
de perder o seu amor. Temia que<br />
ele voltasse para alguma amante<br />
antiga ou se apaixonasse por uma<br />
nova. Angela Curti ou Margherita<br />
Sarfatti eram dois nomes que<br />
surgiam constantemente.<br />
Havia ocasiões em que repreendia<br />
Mussolini pelas outras amantes.<br />
Ele enfurecia-se e a insultava.<br />
Ela chorava, o que irritava ainda<br />
mais.<br />
Na verdade, por volta de 1939,<br />
Mussolini tentou livrar-se dela.<br />
Disse à princesa di Gangi, da Sicília,<br />
que achava Clara «repulsiva».<br />
Na primavera de 1943, a polícia<br />
que guardava a entrada do Palazzo<br />
Venezia recebeu ordens para<br />
barrar a sua entrada - ,as ela entrou<br />
à força e encontrou o seu<br />
amado frio e inflexível.<br />
«Dou o nosso caso por encerrado»,<br />
declarou ele. Era o bilhete<br />
azul que havia usado centena de<br />
vezes antes com outras mulheres.<br />
Porém, recuou ao vê-la chorar.<br />
Tentou mandá-la embora em várias<br />
ocasiões, mas o resultado era<br />
sempre o mesmo. A guerra estava<br />
indo mal, costumava dizer, e<br />
a sua ligação com Clara o fazia<br />
parecer fraco. Não importava que<br />
tivesse centenas de amantes, a sua<br />
devoção a apenas uma provocava<br />
falatórios perigosos. Um dos seus<br />
oficiais disse que ela causava mais<br />
prejuízos a Il Duce que a perda de<br />
quinze batalhas.<br />
Embora ele não desse praticamente<br />
nada a Clara – um pequeno<br />
presente de quando em vez e<br />
ocasionalmente 500 liras para<br />
comprar vestidos, pensava-se que<br />
Mussolini lançava mão dos impostos<br />
arrecadados para sustentar<br />
os luxos da amante, enquanto<br />
os sobrecarregados contribuintes<br />
italianos sofriam as privações da<br />
guerra. Na verdade, eram lojistas<br />
e empresários de Roma que a presenteavam<br />
com roupas e perfumes<br />
caros, na tentativa de caírem<br />
nas boas graças de Il Duce.<br />
Sem escândalos<br />
«Nunca mais sairei à luz do<br />
sol», prometia Clara. «Só depois<br />
de escurecer. E apenas por alguns<br />
minutos: o suficiente para ver<br />
você e lhe dar um beijo. Não quero<br />
causar escândalos».<br />
O verdadeiro escândalo, porém,<br />
vinha dos seus parentes.<br />
Antes da guerra, eles haviam<br />
construído uma villa luxuosa no<br />
elegante bairro de Camilluccia. A<br />
mansão tinha banheiro de mármore<br />
negro. Sabendo bem em que<br />
lado do pão estava a manteiga deram<br />
atenção especial ao quarto de<br />
Clara: cobriram as paredes de espelhos<br />
e colocaram o imenso leito<br />
forrado de seda sobre um tablado.<br />
Contudo, quando perguntaram a<br />
Mussolini, numa das suas visitas<br />
ao palacete, se havia gostado da<br />
casa, a resposta foi: «Não muito»:<br />
Quando a mãe lhe sugeriu que<br />
pedisse ao amante dinheiro para<br />
pagar a villa, Clara recusou-se<br />
sequer a insinuar isso. Mesmo assim,<br />
todos acharam que Il Duce<br />
havia aberto os cordões à bolsa.<br />
Embora não recebesse patrocínio<br />
directo de Mussolini, a família<br />
Petacci era esperta o bastante<br />
para usar a sua posição como um<br />
trunfo. Como exemplo, pode-se<br />
citar o irmão de Clara, Marcello,<br />
que era médico da marinha e fez<br />
fortuna a contrabandear ouro<br />
através da mala diplomática.<br />
Em Julho de 1943, quando os<br />
aliados desembarcaram na Sicília,<br />
Mussolini foi destituído do<br />
Grande Conselho Fascista. No<br />
dia seguinte, foi preso por ordem<br />
do rei Victor Emmanuel III. Clara<br />
também foi presa e levada para o<br />
castelo Visconti, em Novara. Lá<br />
passou o tempo escrevendo cartas<br />
de amor a seu querido Benito – a<br />
quem chamava de «Bem» - e enchendo<br />
diários com lembranças<br />
dos momentos maravilhosos que<br />
passaram juntos. As cartas jamais<br />
chegaram ao seu destino. Foram<br />
interceptadas pelos censores.<br />
Estado fantoche<br />
Libertado pelos alemães, Mussolini<br />
criou um estado fantoche<br />
no norte da Itália. Clara, determinada<br />
a reunir-se a ele, persuadiu<br />
as freiras que a vigiavam a<br />
contrabandear uma carta para o<br />
quartel-general alemão em Novara,<br />
que mandou um carro para<br />
apanhá-la.<br />
Apesar de não confiarem nela,<br />
os alemães não descartavam a<br />
possibilidade de usá-la. Então,<br />
arranjaram-lhe um palacete à<br />
beira do lago Garda, onde Mussolini<br />
podia visitá-la todos os dias.<br />
O seu segurança no palacete era<br />
o jovem e charmoso major Franz<br />
Spogler, que se reportava directamente<br />
ao quartel-general da Gestapo<br />
em Viena.<br />
Contudo, os planos dos alemães<br />
ficaram um tanto prejudicados<br />
quando Rachele (a esposa de<br />
Mussolini) descobriu que Clara<br />
estava por perto. As suas crises de<br />
ciúmes acabaram por impedir que<br />
o marido encontrasse a amante<br />
com frequência. Mas, ocasionalmente,<br />
de noite, ele deixava o Alfa<br />
Romeo oficial na porta do escritório,<br />
para não levantar suspeitas,<br />
e ia visitá-la de Fiat. Os encontros<br />
eram frios e tristonhos. Em duas<br />
ocasiões, Mussolini declarou que<br />
nunca mais queria vê-la. Nas duas<br />
vezes, ela chorou e conseguiu demover<br />
o amante.<br />
Por fim, Rachele não suportou
Sábado, 27 de Março de 2010. 37<br />
Leituras<br />
mais e foi pessoalmente procurar<br />
a rival, que permaneceu sentada,<br />
ouvindo a repreensão em silêncio.<br />
Depois, quando o discurso de<br />
Rachele terminou, Clara replicou<br />
com serenidade: «Il Duce a ama,<br />
senhora. Jamais tive permissão<br />
para dizer uma palavra contra a<br />
senhora».<br />
Essa resposta aplacou a ira de<br />
Rachele por um momento. Então<br />
Clara lhe ofereceu as cópias dactilografadas<br />
das cartas que Mussolini<br />
lhe enviara.<br />
«Não quero cópias dactilografadas.<br />
Não foi para isso que vim»,<br />
voltou a enfurecer-se a esposa de<br />
Il Duce. Clara telefonou para o<br />
amante: «’Ben’, a sua esposa está<br />
aqui. O que devo fazer?».<br />
Rachele arrancou-lhe o telefone<br />
das mãos e obrigou o marido a<br />
dizer à amante que já sabia da sua<br />
intenção de visitá-la. Não satisfeita,<br />
disse à Clara que os fascistas a<br />
odiavam tanto quanto os membros<br />
da resistência – os partisans.<br />
Por fim, as duas mulheres acabaram<br />
chorando. Quando finalmente<br />
Rachele partiu, despediuse<br />
rogando-lhe uma praga: «Eles<br />
a levarão para a Piazzale Loreto»,<br />
que era uma praça em Milão onde<br />
só havia prostitutas decadentes. E<br />
foi exactamente o que aconteceu.<br />
O início do fim<br />
Quando os aliados avançaram<br />
pela península da Itália, Mussolini<br />
deixou Rachele para fazer um<br />
último esforço em Valtellina. Então,<br />
ele disse à esposa que estava<br />
pronto para «entrar no grande silêncio<br />
da morte».<br />
Os seus conselheiros ponderaram<br />
que seria melhor voar para<br />
um lugar seguro – Suíça ou Espanha.<br />
Uma antiga amante, Francesca<br />
Lavagnini, convidou-o a<br />
encontrá-la na Argentina; Clara<br />
sugeriu que encenassem um acidente<br />
de carro e anunciassem a<br />
sua morte. Mussolini rejeitou as<br />
duas propostas.<br />
Depois de garantir a segurança<br />
de Rachele e da família, insistiu<br />
para que Clara voasse para a Espanha.<br />
A família Petacci embarcou,<br />
mas ela recusou-se a ir. «Sigo<br />
o meu destino», escreveu Clara a<br />
uma amiga. «Não sei o que acontecerá<br />
comigo, mas não posso<br />
questionar o meu fado».<br />
Juntos, Mussolini e Clara, fugiram<br />
para Como, no norte. Lá,<br />
Elena Curti Cucciate, a bela e loira<br />
filha da sua antiga amante Ângela<br />
Curti, reuniu-se aos dois. Mussolini<br />
saiu para passear com ela, o<br />
que deixou Clara enlouquecida<br />
de ciúmes. «O que esta mulher<br />
está fazendo aqui?», berrava com<br />
histeria. «Você deve livrar-se dela<br />
imediatamente», insistia Clara.<br />
Mussolini não obedeceu. Em<br />
vez disso, viajou com Elena num<br />
comboio alemão, mas Clara os<br />
alcançou graças a um bloqueio<br />
dos membros da resistência na<br />
estrada para a Suíça. Os partisans<br />
disseram que, para evitar um<br />
derramamento de sangue desnecessário,<br />
deixariam os alemães<br />
passarem, mas não os fascistas<br />
italianos. Clara instou para que<br />
Il Duce se disfarçasse de alemão<br />
e fugisse. Ele vestiu sobretudo e<br />
capacete alemães e subiu para um<br />
camião germânico.<br />
Intransigência<br />
Quando o camião se pôs em<br />
marcha, Clara tentou subir também,<br />
mas um dos ministros de<br />
Mussolini a impediu. Foi preciso<br />
muita força para segurá-la.<br />
Contudo, alguém vira Mussolini,<br />
pelo que o comboio alemão<br />
voltou a ser interceptado num outro<br />
controlo na cidade seguinte.<br />
A formidável Clara, entretanto,<br />
conseguira voltar a alcançar o seu<br />
amante, tendo sido novamente<br />
apanhada. A princípio fingiu ser<br />
uma espanhola. Teve até o desplante<br />
de perguntar aos partisans<br />
o que eles fariam se apanhassem a<br />
Clara Petacci. Porém, não tardou<br />
a confessar.<br />
«Todos vocês me odeiam»,<br />
gritou ela aos seu inquiridores.<br />
«Pensam que só estava com ele<br />
por causa do dinheiro e do poder.<br />
Não é verdade. O meu amor não é<br />
egoísta. Eu me sacrifiquei por esse<br />
homem», bradou, suplicando que<br />
a prendessem na mesma cela que<br />
Mussolini. «Se o matarem, terão<br />
de me matar também», sentenciou.<br />
Mussolini e Clara foram levados<br />
para Milão em carros separados.<br />
Quando os dois carros se<br />
cruzaram, permitiram-lhes que<br />
conversassem por alguns momentos.<br />
Clara mostrou-se exageradamente<br />
formal.<br />
«Boa noite excelência», disse<br />
ela. Mussolini zangou-se ao vêla.<br />
«Signora, porque é que está<br />
aqui?», interrogou. «Porque desejo<br />
ficar com o senhor», replicou<br />
Clara.<br />
Os prisioneiros e as respectivas<br />
escoltas chegaram a Azzano<br />
às três e quinze da madrugada.<br />
Ficariam hospedados na casa da<br />
Família de um partisan chamado<br />
De Marias.<br />
Mais ou menos às quatro da<br />
madrugada seguinte, apareceu<br />
um homem chamado Audisio,<br />
que disse ter a incumbência de libertá-los.<br />
Eles foram levados para<br />
uma vila aí perto, onde os mandaram<br />
descer do carro. Os «libertadores»<br />
eram partisans comunistas<br />
que tinham recebido ordens<br />
para executar Mussolini, além de<br />
outros quinze líderes fascistas.<br />
Juntos até à morte<br />
Clara abraçou Mussolini e gritou:<br />
«Não façam isso. Não, não,<br />
não».<br />
«Afasta-te dele, senão levarás<br />
um tiro também», avisou Audisio.<br />
Em reposta, Clara agarrou-se<br />
ainda mais ao seu amado. Se o<br />
matassem, ela também morreria.<br />
Audisio ergueu a arma e puxou<br />
o gatilho, mas errou o alvo. Clara<br />
correu para ele e segurou no cano.<br />
Em meio à luta, Audisio premiu<br />
o gatilho novamente. «Você não<br />
pode nos matar assim», gritou<br />
Clara. Audisio voltou a premir o<br />
gatilho: a arma estava emperrada.<br />
Então, pediu uma metralhadora<br />
emprestada a um companheiro<br />
e desfechou uma saraivada em<br />
cima deles. A primeira bala matou<br />
Clara. A segunda derrubou<br />
Mussolini. A terceira matou-o.<br />
Estava acabado.<br />
Os dois corpos foram atirados<br />
na traseira do camião, em cima<br />
dos cadáveres dos outros fascistas<br />
executados, e levados para Milão.<br />
Na Piazzale Loreto, foram dependurados<br />
pelos pés num poste. A<br />
saia de Clara desceu sobre a sua<br />
cabeça, desnudando-a. Um partisan<br />
subiu num caixote a amarrou<br />
a barra da sua saia entre as pernas,<br />
para preservá-la um pouco.<br />
Curiosamente, embora a<br />
amante de Mussolini fosse odiada<br />
por todos, muitos homens ali<br />
presentes naquele dia repararam<br />
no rosto dela. Mesmo sob toda<br />
sujeira e sangue, todos comentaram<br />
que Clara Petacci era incrivelmente<br />
bonita.<br />
In «A vida sexual dos ditadores», do<br />
britânico Nigel Cawthorne. Edição<br />
em português da Prestígio Editora,<br />
2002.
Sábado, 27 de Março de 2010. 39<br />
Cultura<br />
Narrativas do médico e escritor Paulo Campos<br />
«E o Rio Kwanza criou a Mulher…»<br />
Sob a chancela da Editorial Kilombelombe, a obra, lançado no âmbito da jornada «Março-Mulher», tem prefácio do falecido poeta e<br />
ensaísta Jorge Macedo. A apresentação foi de Filomena Delgado<br />
O<br />
escritor (e médico)<br />
Paulo Campos lançou,<br />
nesta semana, na sede<br />
da «União», um conjunto<br />
de narrativas sobre a mulher,<br />
a que deu o título «E o Rio<br />
Kwanza Criou a Mulher», um volumoso<br />
livro de 334 páginas, que<br />
tem a chancela da editora «Kilombelombe»<br />
.<br />
Inserida na colecção «Cruzeiro<br />
do Sul» desta conceituada editora,<br />
a obra tem prefácio de Jorge<br />
Macedo, poeta, ensaísta, crítico<br />
literário, jornalista e etnomusicólogo<br />
de créditos firmados, recentemente<br />
falecido.<br />
A apresentação do livro, que<br />
se inseriu nas comemorações da<br />
jornada «Março Mulher», numa<br />
organização do ministério da Família<br />
e Promoção da Mulher, foi<br />
feita por Filomena Delgada, viceministra<br />
da Agricultura e Desenvolvimento<br />
Rural.<br />
«Nessa obra, o autor homenageia<br />
a Mulher Angolana, retratada<br />
como mulher edificadora<br />
e nutriente, ao mesmo tempo<br />
cúmplice e combativa, onde o seu<br />
papel de mãe é sacralizado como<br />
gestora responsável pela vida humana;<br />
mulher como símbolo da<br />
paz e da harmonia no lar, na família<br />
e na sociedade; enfim, mulher<br />
como símbolo da transmissão dos<br />
valores positivos, éticos, morais e<br />
cívicos», diz Filomena Delgado.<br />
«É este tipo de mulher que o Rio<br />
Kwanza criou, personificado em<br />
Dona Marta, a matriarca que nasceu<br />
e cresceu no seio da sociedade<br />
nas margens desse grandioso rio, e<br />
que é também o resultado feliz de<br />
dois estágios civilizacionais, o moderno<br />
e o tradicional, distintos de<br />
duas mentalidades, uma controlando<br />
a outra numa primeira fase,<br />
e que, a posteriori, tendo deixado<br />
de ser antagónicas, tornaram-se<br />
complementares, criando o modelo<br />
ideal de mulher africana/angolana,<br />
para catapultar os filhos para<br />
patamares nunca antes alcançados»,<br />
acrescenta a apresentadora.<br />
Ela diz ainda que «E o Rio<br />
Kwanza criou a Mulher» será assim<br />
«uma é, pois, uma viagem de<br />
retorno ao reencontro com a vida<br />
e com a terra dos antepassados,<br />
das gentes de Kalumbu, um lugar<br />
paradisíaco» que, como conta<br />
o autor, «Deus nunca abandonou!…».<br />
«Analisando a obra numa<br />
perspectiva etnográfica, observamos<br />
que nas 54 narrativas<br />
que a compõem, o Autor expõe<br />
a cosmovisão dos habitantes de<br />
Kalumbu, através de distintas<br />
vertentes: desde a família nuclear<br />
como núcleo fundamental da<br />
sociedade kalumbense, aos papéis<br />
instrumentais que os homens desempenham;<br />
os papéis expressivos<br />
das mulheres; os amores e os<br />
desamores dos jovens; as estórias<br />
educativas e as de maldizer; dos<br />
ngombidi; dos akwamaka; os sonhos<br />
das jovens e o seu jeito de<br />
seduzir os rapazes; as intrigas; o<br />
papel dos curandeiros e dos sobas;<br />
a justificação das anomalias<br />
e das mortes; a convivência entre<br />
os habitantes; os comerciantes e a<br />
classe emergente dos naturais; os<br />
casamentos exógenos; a importância<br />
do caminho-de-ferro para<br />
as trocas comerciais na época colonial,<br />
enfim...», discorre ainda a<br />
apresentadora da obra.<br />
Adiantando: «Figuras como<br />
Dona Marta, Dona Eduarda,<br />
esposa do senhor Clemente, comerciante<br />
luso amigo dos negros;<br />
da família do senhor Kakweta<br />
ou das estórias do «mais velho»<br />
Mbolôndua, são extraordinariamente<br />
escalpelizadas e servem<br />
de exemplo de famílias sólidas e<br />
harmoniosas, fundadas em princípios<br />
do respeito e da moral,<br />
pois, os candidatos a esposos e<br />
«Forno Feminino» de João Tala<br />
Uma nova proposta poética de João Tala foi lançada na última<br />
sexta-feira na sede do Banco de Poupança e Crédito, um dos<br />
parceiros da Editorial Kilombelombe, responsável por mais<br />
esta obra que se insere na sua colecção «Os Nossos Poetas».<br />
Também médico de profissão, João Tala, um dos mais produtivos escritores<br />
da nova geração, diz nas notas preliminares do poemário que muitos<br />
poemas apresentados transportam formas de um delírio, consubstanciado<br />
no calor feminino que copiou de uma tradição de grandeza, onde a mulher<br />
recria o mundo, retorna aos partos que renovam a nossa frágil existência.<br />
«Desse tema (o fogo), busco e rebusco, a sangue frio, o poemário que<br />
sempre quis e, para minha sorte, ei-lo aqui», diz João Tala.<br />
O escritor tem já uma vasta obra, tanto em poesia, como em prosa, com<br />
destaque para «Os dias e os tumultos», de 2004, um conjunto de contos<br />
que lhe valeu a vitória no «Grande Prémio de ficção» da União dos Escritores<br />
angolanos. Também já teve uma menção honrosa do prémio «Sagrada<br />
Esperança», com o poemário «O Gasto da Semente», de 2000. ■<br />
esposas eram avaliados pelos futuros<br />
sogros e só quem reunisse<br />
os requisitos passava no teste. O<br />
homem que não tivesse capacidade<br />
de sustentar a sua família não<br />
merecia ser pai nem marido, sob<br />
pena dos «mais velhos» reunirem<br />
em assembleia e entregar a mulher<br />
a outro homem que a pudesse<br />
sustentar. Por isso, os rapazes<br />
envidavam esforços no sentido de<br />
possuírem as condições necessárias<br />
ao casamento, enquanto que<br />
as raparigas sonhavam com uma<br />
boa educação, susceptíveis de as<br />
tornar boas esposas, boas mães<br />
e boas donas de casa, tal como a<br />
Ngongo dya Phasu (Martinha,<br />
posteriormente), que cresceu em<br />
casa de Dona Eduarda, que teve<br />
a missão de a preparar para ser<br />
uma boa esposa, primando sempre<br />
pela decência».<br />
Para Filomena Delgado, estáse<br />
perante uma obra literária de<br />
muito interesse, que, pelo seu<br />
conteúdo, poderá servir aos antropólogos,<br />
aos sociólogos, ou até<br />
aos historiadores, enquanto analistas<br />
das questões sociais, mas<br />
também, obviamente, a todos os<br />
amantes da rica cultura angolana.<br />
A finalizar, transmite ao autor<br />
os agradecimentos por ter proporcionado<br />
uma viagem de resgate<br />
aos valores culturais, aos hábitos<br />
e costumes dos kalumbenses.<br />
«Entendemos que Kalumbu é só<br />
pretexto para podermos testemunhar<br />
o sonho do poeta maior de<br />
que «às nossas tradições havemos<br />
de voltar», e esperar que o sonho<br />
de Kadizeba, e de sua esposa, possa<br />
traduzir-se em realidade, isto é,<br />
o ressurgir de Kalumbu das cinzas<br />
do passado para voltar a ser<br />
a princesa de outrora e o alfobre<br />
de intelectuais que, influenciados<br />
pelo sopro propício, definiram linhas<br />
mestras que nos levariam à<br />
liberdade, à paz e ao progresso do<br />
nosso País», remata.<br />
Médico de profissão, Paulo<br />
Campos nasceu em Luanda em<br />
Maio de 1944, tendo iniciado a<br />
sua actividade literária aos 20<br />
anos. Na sua bibliografia, além<br />
desta obra, consta já «Os meus<br />
outros filhos», pela Nzila, em<br />
2000, e «Um kangundu excepcional»,<br />
também pela Nzila, em<br />
2005. Tem ainda vários artigos<br />
dispersos por jornais e revistas<br />
angolanos. ■
40 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Cultura<br />
Decidido quarta-feira em assembleia ordinária<br />
Nova direcção da UEA em Abril<br />
Foi para marcar a data da<br />
eleição do próximo corpo<br />
directivo e apresentar as<br />
contas da instituição que<br />
a direcção em fim de mandato da<br />
União dos Escritores Angolanos<br />
convocou os seus filiados para a<br />
assembleia-geral ordinária realizada<br />
nesta quarta-feira na sua sede.<br />
O conclave, que foi dirigido<br />
pelo vice-presidente da assembleia-geral,<br />
Roderick Nehome,<br />
serviu também para a aprovação<br />
das linhas gerais das estratégias<br />
institucionais da associação.<br />
Os estatutos da União dos Escritores<br />
Angolanos estabelecem que as<br />
eleições devem acontecer nos 15 dias<br />
depois da última assembleia-geral do<br />
mandato cessante. Assim, foi marcado<br />
para o dia 17 de Abril a escolha<br />
dos membros do próximo corpo directivo.<br />
Victor Kagibanga é quem vai<br />
presidir a comissão eleitoral.<br />
A agenda de trabalho prosseguiu<br />
com a apresentação das contas da<br />
União pelo seu secretário-geral,<br />
Adriano Botelho de Vasconcelos,<br />
que logo depois debruçou-se sobre<br />
a estratégia institucional que é uma<br />
espécie de «baliza» e visa proteger<br />
e garantir que nenhuma direcção<br />
futura altere questões consideradas<br />
nucleares e ganhos da instituição.<br />
É assim que no domínio da saúde<br />
a próxima direcção continuará<br />
com o «programa saúde» canalizando<br />
dinheiro para suportar os<br />
custos de diagnósticos mais avançados<br />
e nas situações de as crises<br />
do escritor acontecerem no exterior<br />
do país deve-se garantir a devida<br />
comparticipação nos custos<br />
hospitalares e em medicamentos.<br />
Ainda neste capitulo recomendouse<br />
também uma melhor assistência<br />
aos escritores isolados nas outras<br />
províncias e que se estude a possibilidade<br />
de se manter contactos<br />
com outras clínicas além da clínica<br />
do Alvalade, actualmente a única<br />
parceira da união dos escritores.<br />
É vontade dos membros da<br />
União dos Escritores Angolano<br />
expressa na estratégia institucional<br />
apelar ao Governo para que<br />
conceba um programa integrado<br />
que acelere o ritmo de edificação<br />
de equipamentos multimodais<br />
em rede: bibliotecas, espaços de<br />
música e artes plásticas, salas de<br />
teatro e áreas de uso de novas tecnologias,<br />
já que as comunidades<br />
sentem falta de espaços para ocupação<br />
de tempos livres.<br />
Foram ainda aprovadas estratégias<br />
nos domínios Imobiliário,<br />
dos Conteúdos, Política de Patrocínios,<br />
e do Programa «Quem Me<br />
Dera Ser Onda».<br />
Na cerimónia que foi presenciada<br />
por muitos dos prestigiados membros<br />
da agremiação foi homenageado<br />
com uma moção de reconhecimento<br />
o escritor Dário de Melo, presidente<br />
da mesa de assembleia-geral, ausente<br />
por motivos de doença. ■<br />
Adriano de Sousa<br />
Renovação do «site» é ganho<br />
A<br />
par do aumento do número de títulos publicados<br />
(25 livros por ano em média), o<br />
secretário-geral da União dos Escritores<br />
angolanos, Adriano Botelho de Vasconcelos,<br />
considera a modernização do site da instituição<br />
um ganho alcançado pela direcção cessante.<br />
O novo local da UEA na Internet foi produzida pela<br />
empresa brasileira Dikania, tendo Botelho de Vasconcelos<br />
garantido que foi uma aposta acertada. «Só na primeira<br />
fase do site tivemos cerca de um milhão de acessos<br />
só no link entrevistas, lá onde os escritores demonstram<br />
o seu verbo, a sua visão sobre o mundo», disse.<br />
O escritor referiu que durante a sua existência e<br />
principalmente nos últimos tempos a maior projecção<br />
da união dos escritores tem sido através do seu site por<br />
isso foi tratado com cuidado e ao pormenor as modificações<br />
no sitio. «Nós tivemos o cuidado de estabelecer<br />
contrato com uma empresa brasileira que modificou<br />
o site, uma vez que o anterior tinha muita cor o que<br />
tornava moroso as buscas no site. A questão do tempo<br />
é determinante para muitos internautas. Tivemos que<br />
alterar para um com menos cor com a finalidade de<br />
diminuir o tempo de buscas», explicou.<br />
Outra boa nova é que em breve os livros poderão ser<br />
vendidos a partir do site da união dos escritores angolanos.<br />
Nele está integrado uma loja virtual que só não<br />
funciona ainda porque o sector bancário angolano ainda<br />
não conseguiu dar suporte a essa modalidade de vendas.<br />
A questão da formação no domínio das novas tecnologias<br />
é outra preocupação. Estão já duas funcionárias<br />
da instituição capacitadas para fazer as actualizações<br />
no site. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 41<br />
Cultura<br />
Estratégia institucional da «União»<br />
Os escritores angolanos,<br />
reunidos em Assembleia-Geral,<br />
no passado<br />
dia 23 deste mês de<br />
Marçp, aprovaram, por aclamação,<br />
a «Estratégias Institucional» adoptada<br />
pela UEA para os próximos<br />
tempos, tendo antes aprovado uma<br />
moção de reconhecimento ao escritor<br />
Dário de Melo, presidente<br />
cessante da AG durante os últimos<br />
oito anos, e outra de louvor aos órgãos<br />
sociais prestes a terminar o seu<br />
mandato.<br />
É estabelecida a «Estratégia institucional»<br />
que permitirá que os<br />
planos e visões de gestão e sinergias<br />
que marcam profundamente as necessidades<br />
políticas da instituição,<br />
possam ter em conta os grandes desígnios<br />
nos domínios considerados<br />
nucleares.<br />
A fim de enfrentarem um ambiente<br />
crescentemente competitivo,<br />
baseado na sociedade de mercado,<br />
as organizações sociais de utilidade<br />
pública sentem-se pressionadas<br />
a promoverem mudanças estratégicas<br />
em ritmo cada vez mais acelerado.<br />
Neste contexto de públicos<br />
afastados, a mudança organizacional<br />
como guardiã das boas causas,<br />
configura-se, não como fenómeno<br />
excepcional, mas como expressão<br />
dos compromissos, muitas vezes de<br />
difícil assimilação, e nesse contexto,<br />
a postura voluntarista não será<br />
suficiente para satisfazer as expectativas.<br />
Essa estratégia necessitará sempre<br />
de um forte complemento, a<br />
«Diplomacia de influência», capaz<br />
de tornar menos difícil o processo<br />
de condução dos destinos x< instituição,<br />
aglutinação de esforços que<br />
não pode ser dispensada porque serão<br />
insuficientes todas as boas vontades<br />
dos membros que queiram<br />
oferecer o seu prestígio.<br />
A «Estratégia institucional»,<br />
agora desenvolvida conceptualmente,<br />
em virtude da sua substância,<br />
ultrapassará o período temporal<br />
de um consulado, já que os<br />
seus propósitos são estruturantes e<br />
independentes da vontade dos executivos<br />
que vivem o seu quotidiano.<br />
Os membros entendem que a sua<br />
expressão corresponde aos imperativos<br />
e interesses corporativos que<br />
convergem as vontades dos seus<br />
membros, e até da própria comunidade<br />
na condição de leitores, ou de<br />
beneficiários dos debates de ideias<br />
que enriquecem a pluralidade, e até<br />
no livre acesso e uso do seu espaço<br />
físico da biblioteca e jardins aberto<br />
aos estudantes e demais cidadãos.<br />
Aos órgãos da AG, seu presidente<br />
e vice-presidente coadjuvados por<br />
um vogal, naturalmente, caberá<br />
manter estáveis essas visões e balizas<br />
programáticas, estimulando o<br />
frequente debate colegial do Board<br />
para que a direcção torne efectivos<br />
os processos de implementação e<br />
materialização dos desideratos sufragados.<br />
Segue uma súmula das principais<br />
estratégias institucionais<br />
adoptadas pela UEA:<br />
Saúde - Os escritores, em Assembleia-Geral,<br />
orientam a Direcção<br />
que sair do pleito eleitoral, para<br />
que os processos de gestão mantenham<br />
estáveis as transferências de<br />
recursos ao «Programa saúde». Esses<br />
recursos financeiros devem melhorar<br />
os programas preventivos,<br />
suportar os custos de diagnósticos<br />
mais avançados e nas situações de<br />
as crises do escritor acontecerem no<br />
exterior do país deve-se garantir a<br />
devida comparticipação nos custos<br />
hospitalares e em medicamentos.<br />
Os membros constataram ainda<br />
que o “Programa Saúde” tem oferecido<br />
uma maior dignidade aos<br />
escritores que mais precisam desse<br />
apoio e permite ainda que se valorize<br />
os vínculos afectivos e corporativos<br />
e se tenha, portanto, uma opção<br />
política do social em detrimento do<br />
puro materialismo.<br />
Projecto Imobiliário - O potencial<br />
imobiliário da Instituição<br />
deve levar os actos de gestão<br />
estratégica a uma parceria com<br />
o sector privado, ou mesmo público,<br />
na construção de edifícios<br />
cuja partilha aumente, de forma<br />
significativa, os recursos financeiros<br />
tendo em vista o sucesso<br />
nas políticas editoriais, bolsas de<br />
criação, de saúde, e fomento à habitação.<br />
Em Assembleia Geral, os<br />
escritores incentivam os Órgãos<br />
Sociais para que tenham em conta<br />
as oportunidades de mercado,<br />
estabeleçam, com rigor, as potenciais<br />
estratégias de negócios<br />
dentro dos padrões e paradigmas<br />
modernos de parcerias, cientes<br />
de que a experiência negocial dos<br />
últimos anos, naturalmente, reforçará<br />
o poder negocial para que<br />
sejam alcançados os objectivos de<br />
desafogo orçamental.<br />
Conteúdos - Os escritores,<br />
em Assembleia Geral, constatam<br />
que os Centros de Estudos não<br />
têm publicado anais, ou divulgado<br />
e incentivado, nos espaços de<br />
aprendizagem, o estudo da literatura<br />
angolana e seus protagonistas,<br />
atitude de ausência que empobrece<br />
a visão endógena sobre<br />
a nossa criação quando em confronto<br />
com a grande pujança de<br />
visões que chegam das Cátedras<br />
de outros países muito mais pródigas<br />
na divulgação científica e de<br />
CARMO NETO pode ser o 1.º executor da nova estratégia da UEA<br />
resenha dos conteúdos ficcionais<br />
e poéticos editados com as chancelas<br />
das editoras angolanas.<br />
Os escritores não podem deixar<br />
de recomendar uma efectiva alteração<br />
desses défices, para que os<br />
«Centros de Estudo da Cátedra de<br />
Angola” e o próprio Ministério da<br />
Educação possam tornar em ato<br />
de leitura obrigatória o conjunto<br />
das sete antologias editadas nas colecções<br />
«Guaches da Vida» e «Sete<br />
Egos», conteúdos sistematizados,<br />
tendo em conta a pluralidade estética,<br />
força telúrica e conteudística,<br />
acervos que hoje são referências<br />
obrigatórias nas prestigiadas e seculares<br />
cátedras de Portugal e Brasil<br />
(…).<br />
Desenvolvimento - Os escritores<br />
reconhecem que a cultura deve<br />
fazer parte ativa do nosso crescimento,<br />
assim, apelam ao Governo<br />
para que conceba um programa<br />
integrado que acelere o ritmo de<br />
edificação de equipamentos multimodais<br />
em rede: bibliotecas, espaços<br />
de música e artes plásticas, salas<br />
de teatro e áreas de uso de novas<br />
tecnologias, já que as comunidades<br />
sentem falta desses espaços de OTL<br />
―, Ocupação de Tempos Livres ―<br />
estratégia política que poderia melhorar<br />
o seu meio social.<br />
Os escritores entendem ainda<br />
que deverá ser reforçada a estratégia<br />
de contratualização com as<br />
tradicionais associações, concretamente<br />
a UEA, UNAC e UNAP<br />
e os novos corpos vivos da cultura<br />
baseada em «contrato-programas»,<br />
acções que deverão ser complementadas<br />
com mais recursos para que<br />
exista uma política mais eficiente<br />
de apoio à criação.<br />
Auto-construção - Os escritores,<br />
reunidos em Assembleia-Geral,<br />
reconhecem que o país vive uma<br />
grande odisseia na construção de<br />
um milhão de casas. Promessa que<br />
só será exequível num tempo recorde,<br />
se, obrigatoriamente, o Governo<br />
integrar as iniciativas dos cidadãos,<br />
suas poupanças, e engenho construtivo,<br />
há muito demonstrado no<br />
empenho, como fizeram surgir os<br />
bairros periféricos à busca de alguma<br />
dignidade.<br />
Nessa perspectiva, asseguram<br />
que o défice habitacional, ao atingir<br />
muitos dos seus membros, se<br />
torna razão suficiente para que<br />
decidam orientar os Órgãos Sociais<br />
para a elaboração do projecto<br />
da casa modelo, no intuito de<br />
que, em regime de autoconstrução,<br />
as moradias sejam edificadas<br />
num quarteirão integrado, podendo<br />
ter a designação de «Aldeia<br />
dos criadores». Para materialização<br />
de tão nobre objectivo, deve<br />
ser criada uma estrutura interna<br />
que seja capaz de negociar os espaços<br />
loteados para a autoconstrução<br />
(…).<br />
Patrocínios - Os escritores, em<br />
Assembleia-Geral, entendem por<br />
bem reconhecer publicamente o<br />
Alto Patrocínio da Sonangol Holding,<br />
atribuído com regularidade e<br />
sempre no início de cada ano económico<br />
da empresa, são montantes<br />
que têm sido dedicados à edição de<br />
inéditos dos nossos membros, livros<br />
que enriquecem o imaginário<br />
da sociedade angolana.<br />
À Odebrechet vão os mesmos<br />
votos, já que permite que os respectivos<br />
livros tenham preços<br />
mais atractivos ao suportar os<br />
custos de transporte marítimo e<br />
desalfandegamento das obras impressas<br />
no Brasil. ■
42 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Por: Makiadi<br />
Refrigerante de urina de vaca<br />
Os indianos devem vir<br />
a ter um novo refresco<br />
nos próximos meses.<br />
O serviço indiano de<br />
Protecção de Vacas está a criar<br />
em laboratório um sumo à base<br />
da urina desse animal.<br />
O refrigerante, que foi baptizado<br />
com a designação “água de<br />
vaca”, deverá chegar ao mercado<br />
indiano antes do final deste ano.<br />
A notícia, difundida pelo jornal<br />
“Times”, adianta que se vai tratar<br />
de uma bebida deliciosa e muito<br />
saudável, que não vai ter odor a<br />
urina.<br />
Está programada uma forte<br />
campanha publicitária para difundir<br />
o produto, que vai ter preço<br />
competitivo e vai concorrer<br />
com as marcas tradicionais.<br />
A iniciativa é uma forma de difundir<br />
ainda mais a adoração que<br />
a população da Índia tem pelas<br />
vacas. ■<br />
76 mil dólares gastos<br />
na saúde de papagaio<br />
A<br />
americana Anne Lowery gastou<br />
mais de 76 mil dólares (cerca de 7<br />
milhões de kwanzas) em clínicas<br />
veterinárias, para manter viva a sua<br />
papagaia de estimação de nome Areba, que tinha<br />
cancro.<br />
Depois de lutar 18 meses contra a<br />
doença, a ave morreu na semana passada contando<br />
42 anos de idade, em Tampa (estado da<br />
Flórida). A doença foi diagnosticada em Outubro<br />
de 2008 e a ave viveu mais um ano e meio,<br />
graças ao empenho e ao dinheiro despendido<br />
por Anne. ■<br />
Sexo por<br />
telefone com<br />
presidiários<br />
A<br />
britânica Alice Belton,<br />
de 23 anos, que<br />
trabalhava como<br />
monitora numa<br />
cadeia, pode ser presa por ter<br />
feito sexo por telefone com<br />
três presidiários e por lhes ter<br />
enviado fotos provocadoras<br />
durante seis meses.<br />
De acordo com o jornal<br />
“The Sun”, Alice trabalhava<br />
como voluntária na prisão<br />
Parkhurst, localizada na Ilha<br />
de Wight (sul de Inglaterra).<br />
A jovem tinha a função de verificar<br />
se eram cumpridos na<br />
cadeia os padrões de atendimento<br />
e decência.<br />
Durante uma audiência no<br />
tribunal, Alice admitiu que<br />
manteve relações pessoais e<br />
inapropriadas com os presos.<br />
O tribunal vai anunciar o veredicto<br />
no dia 30 de Março. O<br />
crime de que foi indiciada tem<br />
como pena máxima a prisão<br />
perpétua. ■<br />
Casas anti-terramoto para o Haiti<br />
Estando a discutir-se a reconstrução do Haiti durante o Fórum<br />
Urbano Mundial (Rio de Janeiro 2010), foi na passada<br />
terça-feira apresentado um projecto de casas populares inteligentes,<br />
pré-fabricadas, com sistema anti-terramoto e antifuracão,<br />
e ainda com baixo consumo energético.<br />
O projecto, denominado “Home4Haiti” (Casas para o Haiti), foi<br />
criado por arquitectos e designers brasileiros, com o apoio de profissionais<br />
italianos. O objectivo é pré-fabricar e exportar casas resistentes<br />
a desastres como o que assolou recentemente a ilha caribenha.<br />
A ideia é utilizar a madeira descartada em indústrias e serrações<br />
brasileiras, que normalmente é usada para produzir carvão doméstico.<br />
E a utilização de energia solar e eólica vai proporcionar 70% de<br />
economia no consumo energético.<br />
O projecto utiliza o chamado Sistema Amortecedor de Movimentos<br />
Baseados em Abalos Sísmicos (SAMBA), inspirado na Grande<br />
Muralha da China e que aproveita tijolos de solo-cimento no local de<br />
destino das casas, além de utilizar restos de pneus usados para amortização<br />
dos abalos (veja-se a foto). ■<br />
O mais flexível é indiano<br />
O<br />
jovem Vijay Sharma,<br />
de 27 anos, residente<br />
no estado indiano de<br />
Rajasthan, é o homem<br />
mais flexível da Índia. Ele consegue<br />
dobrar a perna até 180 graus,<br />
tanto para a frente, como para<br />
trás.<br />
Devido à sua grande flexibilidade,<br />
Sharma consegue girar<br />
a perna sobre a cabeça e tomar<br />
refrigerante segurando a garrafa<br />
com os dedos dos pés. A foto ilustra<br />
a grande capacidade de Sharma.<br />
■<br />
Tem ratos como<br />
animais de estimação<br />
A<br />
norte-americana Karen<br />
Robbins é presidente<br />
de uma associação que<br />
reúne pessoas que mantêm<br />
ratos e ratazanas como animais<br />
de estimação.<br />
A agência Associated Press<br />
adianta que, para Karen e seus pares,<br />
o rato é um companheiro encantador.<br />
É considerado tão leal<br />
como os cães e (contrariamente à<br />
ideia sobre si difundida) mais limpo<br />
que os gatos. ■
44 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Silva Candembo<br />
Apesar de o seu histórico<br />
nas «Afrotaças»<br />
não inspirar grandes<br />
euforias, porque tantas<br />
foram as vezes que os clubes<br />
angolanos deixaram escapar<br />
eliminatórias praticamente resolvidas<br />
com bons resultados na<br />
primeira «mão», a prestação dos<br />
nossos embaixadores no último<br />
fim-de-semana das provas continentais<br />
de clubes não pode deixar<br />
ninguém indiferente. Foi simplesmente<br />
extraordinária a forma<br />
como abordaram o primeiro<br />
desafio dos 16 avos de ambas as<br />
competições, conseguindo placards<br />
que a todos faz sonhar alto.<br />
A maior surpresa da ronda<br />
foi protagonizada pela Académica<br />
do Soyo, estreante absoluta<br />
em «Afrotaças». Na recepção do<br />
Enyimba FC de Aba (Nigéria)<br />
para a primeira «mão» dos 16<br />
avos de final da Taça da Confederação,<br />
os comandados de Romeu<br />
Filemon conseguiram um importante<br />
triunfo de 2-0, diante de um<br />
fortíssimo oponente que no passado<br />
recente foi duas vezes campeão<br />
africano (2005 e 2006).<br />
À partida, pelas suas credenciais<br />
no cenário futebolístico africano<br />
e pelo facto de a Académica<br />
do Soyo fazer a sua primeira viagem<br />
nessas lides, o Enyimba era<br />
mais do favorito ao triunfo. Esse<br />
favoritismo, assentava também<br />
em duas bases fundamentais: a<br />
formação angolana não é propriamente<br />
do topo continental e<br />
ainda, por cima, jogou em casa<br />
emprestada, o Estádio do Tchiaze,<br />
em Cabinda, podendo-se dizer<br />
que praticamente actuou em<br />
terreno neutro.<br />
Ainda assim, conseguiu uma<br />
boa vitória. Não sendo robusta –<br />
ninguém em sã consciência poderia<br />
exigir mais – é suficientemente<br />
vantajosa para ser defendida com<br />
unhas e destes, quando dentro de<br />
uma semana se disputar a partida<br />
da segunda «mão». Obviamente<br />
que uma equipa experiente como<br />
a do Enyimba pode anular o placard<br />
de 2-0. Mas, não será fácil,<br />
pois tendo toda a pressão do seu<br />
lado pode ver a sua pretensão traída<br />
pela ansiedade e a obrigação<br />
de vencer.<br />
Angolanos nas «Afrotaças»<br />
Boa safra no início da segunda ronda<br />
Há um dito popular, segundo o qual «o primeiro milho é para os pardais» que muitas vezes se aplica<br />
ao futebol. Só que no caso da prestação das equipas angolanas na primeira «mão» do 16 avos<br />
de final das «Afrotaças», a história pode não ser bem assim. A ver vamos...<br />
A obrigatoriedade de o Enyimba<br />
vencer pode constituir-se em<br />
vantagem para a formação da<br />
base do Kwanda. Afinal, sobre<br />
si não pesa pressão nenhuma e<br />
quem tem de provar à África que<br />
o resultado da primeira «mão» foi<br />
um acidente de percurso é o seu<br />
adversário. Nisso, pode ser que a<br />
Académica colha gordos dividendos.<br />
Não menos bom foi o resultado<br />
alcançado pelo 1.º de Agosto,<br />
também na Taça da Confederação.<br />
Na sua deslocação a Bamako<br />
para defrontar o Clube Olympique<br />
local (Mali), os «militares» do<br />
Rio Seco conseguiram de forma<br />
brava um empate sem golos. É lógico<br />
em provas a eliminar os empates<br />
fora de casa sabem melhor<br />
quando são com golos. Mas, o 0-0<br />
confere extraordinárias doses de<br />
confiança a equipa que disputa a<br />
segunda «mão» em casa.<br />
Na verdade, com excepção do<br />
que aconteceu o ano passado na<br />
fase de grupo desta prova quando<br />
teve por adversário o Stade Malien,<br />
o 1.º de Agosto costuma sairse<br />
quase sempre bem no confronto<br />
com adversários do Mali. No<br />
caso concreto da segunda «mão»,<br />
que terá lugar dentro de uma semana,<br />
é ponto assente que o «rubro-negro»<br />
é favorito ao triunfo e<br />
consequentemente à passagem à<br />
eliminatória seguinte.<br />
Mesmo não podendo contar<br />
ainda com os reforços Kali e<br />
Stélvio Cruz, o que a formação<br />
militar logrou fazer em Bamako<br />
é algo bastante positivo. Isto porque<br />
o futebol maliano ao nível de<br />
clubes tem estado a subir a olhos<br />
vistos nos últimos tempos, sendo<br />
que o Stade Malien conquistou<br />
o ano passado a Taça da Confederação,<br />
o que contagia outros<br />
parceiros locais nas «Afrotaças».<br />
Assim, conseguir um empate fora<br />
de portas com um dos melhores<br />
emblemas do Mali não deixa de<br />
ser importante, na medida que<br />
abre boas perspectivas para o desafio<br />
seguinte, mesmo tendo em<br />
atenção que o 0-0 é sempre um<br />
resultado traiçoeiro.<br />
Já na Liga dos Campeões da<br />
CAF, o Petro-Atlético de Luanda<br />
também não deixou os seus<br />
créditos por mãos alheias. Foi ao<br />
campo do Raja Casablanca (Marrocos)<br />
impor um empate a um<br />
golo, resultado também considerado<br />
bom face à natureza da prova.<br />
Este placard deixa o «tricolor»<br />
numa situação confortável, de tal<br />
sorte que até um empate sem golos<br />
o qualifica para os oitavos de<br />
final.<br />
Na partida de Casablanca, a<br />
formação dirigida por Bernardino<br />
Pedroto teve alma e atitude<br />
de um verdadeiro campeão, com<br />
Lamá a ser o herói da tarde de<br />
Sábado passado, 17, defendendo<br />
tudo o tinha para defender e<br />
mais alguma coisa. Em abono da<br />
verdade, não tendo literalmente<br />
encontrado a equipa caseira às<br />
cordas, o campeão nacional teve<br />
personalidade e forte e actuou de<br />
forma desinibida, o que terá, de<br />
certo modo, surpreendido o oponente.<br />
O resultado que o Petro-Atlético<br />
construiu em casa desse temível<br />
adversário ganha em substância<br />
e importância porque esteve<br />
na posição de vencedor durante<br />
largos minutos e podia inclusivamente<br />
sonhar com a vitória,<br />
apesar das insistentes investidas<br />
contrárias. A forma como fez o<br />
seu papel em campo augura uma<br />
segunda «mão» melhor, mesmo<br />
tendo em conta que o Raja é uma<br />
equipa de topo continental, com<br />
provas mais do que dadas nas<br />
«Afrotaças».<br />
Portanto, o momento parece<br />
bom para os nossos «embaixadores»<br />
nas provas africanas de clubes<br />
e só um azar que fala lembrar<br />
o Diabo poderá deixar o país sem<br />
nenhum representante, quando se<br />
atingir os oitavos de final. ■<br />
Oitavos á vista<br />
Em frente<br />
é o caminho<br />
Caso os três emblemas<br />
angolanos<br />
passem à eliminatória<br />
seguinte, não<br />
lhes está reservado propriamente<br />
um passeio turístico.<br />
Antes pelo contrario, até<br />
porque nesta etapa de ambas<br />
as competições tudo começa<br />
a ficar mais difícil e já não<br />
equipas «acessíveis».<br />
Desse modo, na eventualidade<br />
de o Petro-Atlético conseguir<br />
seguir em frente na<br />
Liga dos Campeões, terá pela<br />
frente o vencedor do duplo<br />
embate entre o Club Africain<br />
(Tunísia) e o JS Kabylie (Argélia),<br />
com a particularidade<br />
de resolver a eliminatória em<br />
casa alheia, o que neste tipo<br />
de provas representa sempre<br />
uma pequena desvantagem,<br />
ainda que teórica.<br />
Ambas as equipas que podem<br />
cruzar o caminho «tricolor»<br />
têm muito prestígio<br />
nas «Afrotaças». A formação<br />
tunisina foi uma vez campeão<br />
de África (1991. Por<br />
seu turno a turma argelina<br />
ergueu o troféu de campeão<br />
continental em 1981 e 1990,<br />
tendo ganho também as extintas<br />
Taça das Taças (1995)<br />
e Taça CAF (2000, 2001 e<br />
2002).<br />
Se a Académica do Soyo<br />
passar, nos oitavos de final<br />
da Taça da Confederação<br />
vai medir forças com o vencedor<br />
da eliminatória que<br />
neste momento coloca frente<br />
a frente o Panthete (Camarões)<br />
e o AS Vita Clube<br />
de Kinshasa (RD Congo),<br />
sendo que este último já foi<br />
campeão africano em 1973,<br />
embora hoje já não ostente o<br />
fulgor dos idos de 70 e 80.<br />
Ainda na Taça da Confederação,<br />
em caso de passagem<br />
á etapa seguinte esperam<br />
pelo 1.º de Agosto o<br />
Leopards (RD Congo) ou<br />
o CotonSport Camarões.<br />
Desses dois adversários, só<br />
a equipa camaronesa conseguiu<br />
chegar longe nas competições<br />
africanas de clubes.<br />
Foi em 2008, quando disputou<br />
e perdeu a final com o Al<br />
Ahly (Egipto).<br />
Como se pode depreender,<br />
na próxima esquina há escolhos<br />
de difícil ultrapassagem.<br />
Mas, em futebol nada é<br />
impossível. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 45<br />
Desporto<br />
«Afrotaças»<br />
Fase de grupos<br />
em perspectiva<br />
Os placards construídos<br />
pelas formações<br />
angolanas<br />
na primeira «mão»<br />
dos 16 avos de final das «Afrotaças»<br />
abrem perspectivas<br />
animadoras para o futebol<br />
angolano nas duas principais<br />
provas de clubes do calendário<br />
continental. Pelo que o trio<br />
composto por Académica do<br />
Soyo, 1.º de Agosto e Petro-<br />
Atlético de Luanda fez, é legítimo<br />
pensar-se que podem<br />
passar aos oitavos de final.<br />
Pelo menos é isso o que a lógica<br />
«diz», embora seja consabido<br />
que aquela nem sempre<br />
vinga no desporto.<br />
Na eventualidade de os três<br />
conseguirem o desiderato dos<br />
oitavos de final, há grandes<br />
probabilidades de o futebol<br />
angolano chegar a fase de<br />
grupos de uma das provas. É<br />
certo que na Taça da Confederação<br />
há ainda duas eliminatórias<br />
para se chegar à derradeira<br />
etapa e nessa caminhada<br />
tudo pode acontecer. Mas, não<br />
é menos verdade que se, por<br />
exemplo, o «tricolor» for afastado<br />
nos «oitavos» da Liga dos<br />
Campeões, ainda terá uma<br />
repescagem para chegar à fase<br />
de grupos da Taça da Confederação.<br />
Pelo número de equipas<br />
angolanas engajadas, as possibilidades<br />
de o futebol angolano<br />
chegar à fase de grupos<br />
de uma ou de outra prova são<br />
enormes. Ou seja, pelo menos<br />
uma das equipas pode consegui-lo.<br />
Isto seria muito bom,<br />
na medida em que só facto<br />
de se atingir esse patamar já<br />
se assegura um preciosíssimo<br />
ponto para a importante classificação<br />
do G-12, o selecto<br />
grupo de países que competem<br />
com quatro representantes<br />
nas «Afrotaças».<br />
Note-se que Angola integra<br />
essa elite desde 2004, altura<br />
em que o figurino de disputa<br />
das provas africanas de clubes<br />
foi alterado pela CAF. ■<br />
Credores preocupadíssimos<br />
Dirigentes do COCAN não atendem telefones<br />
Ao contrário do que o ministro da<br />
Juventude e Desportos, Gonçalves<br />
Muandumba, tinha anunciado<br />
após a disputa da fase final do<br />
CAN’2010 já não será criada uma empresa<br />
estatal para a gestão dos quatro estádios<br />
construídos para servir a competição e outros<br />
tantos pavilhões multiuso erguidos para<br />
o Afrobasket’2007, eventos disputados em<br />
Angola.<br />
A informação foi avançada ao Semanário<br />
<strong>Angolense</strong> por fonte do ministério da Juventude<br />
e Desportos (MJD).<br />
Esta revelou que ao invés<br />
da tal empresa, será criada<br />
uma estrutura composta<br />
por alguns directores da<br />
instituição, a qual vai cuidar<br />
desses recintos e de<br />
outros recentemente recuperados<br />
pelo governo.<br />
Ainda não se sabe efectivamente<br />
qual será a composição<br />
desse órgão, mas o<br />
Passados quase 60 dias<br />
sobre o fim da 27.ª<br />
edição do CAN, disputado<br />
entre 1 e 31<br />
de Janeiro passado nas cidades<br />
angolanas de Benguela, Cabinda,<br />
Luanda e Lubango, e a dois<br />
meses da apresentação de contas<br />
às autoridades do país, o<br />
Comité Organizador do evento<br />
(COCAN) continua a fazer comprometedores<br />
ziguezagues, que<br />
estão a agastar profundamente<br />
as pessoas colectivas e singulares<br />
que serviram a instituição antes,<br />
durante e depois da competição.<br />
Depois de todas a borradas<br />
protagonizadas na preparação da<br />
fase final do CAN e também durante<br />
a disputa da prova, outros<br />
problemas de monta surgiram.<br />
Um deles é a volumosa dívida<br />
decorrente de bens e serviços adquiridos<br />
no mercado angolano.<br />
Não se sabe ainda qual a real dimensão<br />
do «kilapi», mas estimase<br />
em alguns milhões de dólares<br />
americanos, moeda tida como<br />
referencia para transacções em<br />
Angola.<br />
Para os credores que denunciaram<br />
o facto ao Semanário <strong>Angolense</strong>,<br />
o problema maior não é<br />
a dívida em si porque têm consciência<br />
que o governo angolano,<br />
cujo símbolo apareceu associado<br />
a toda a publicidade do evento,<br />
honra sempre os seus compromissos,<br />
embora quase sempre<br />
tardiamente. Segundo nos<br />
adiantou o director executivo de<br />
uma empresa nessas condições, a<br />
dívida do COCAN já se arrasta<br />
há muito tempo e isto será prejudicial<br />
para as empresas credoras,<br />
que também têm contas para pagar<br />
e ficam assim «penduradas».<br />
O problema maior, segundo<br />
assinalaram alguns credores que<br />
contactaram o nosso jornal tem<br />
a ver com o facto de que nos últimos<br />
tempos nenhum dirigente<br />
do COCAN atende às insistente<br />
chamadas telefónicas do credores<br />
que pretendem saber quando<br />
é que verão a cor do dinheiro.<br />
«Já ninguém responde às nossas<br />
chamadas para dizer pelo menos<br />
que por enquanto não há dinheiro<br />
e que, por isso, aguardem<br />
mais um pouco. A resposta tem<br />
sido o silêncio», disse o proprietário<br />
de uma das empresas com a<br />
qual o COCAN tem dívida.<br />
Empresa para gerir estádios não passa de intenção<br />
MJD criará comissão<br />
de gestão de infra-estruturas<br />
Semanário <strong>Angolense</strong> está na posse de informações<br />
segundo as quais deverão integrar o<br />
mesmo os directores do Plano e Finanças,<br />
dos Desportos e do Gabinete Jurídico. Ainda<br />
assim, será nomeado um administrador<br />
geral das infra-estruturas desportivas, que<br />
deverá prestar contas à comissão que vier a<br />
ser nomeada.<br />
Na verdade, a decisão da criação dessa<br />
comissão configura a materialização de um<br />
plano B. É que a expectativa no MJD era que<br />
fosse criada uma pasta de vice-ministro para<br />
as infra-estruturas, como<br />
houve até há bem pouco<br />
tempo. Porém, na pequena<br />
alteração governamental<br />
acontecida no princípio<br />
da semana o Presidente<br />
da República deixou tudo<br />
como estava no pelouro<br />
governamental do desporto.<br />
■<br />
S.C.<br />
Segundo apurou o Semanário<br />
<strong>Angolense</strong>, só os funcionários<br />
intermédios do COCAN (sem<br />
nenhum poder de decisão, portanto)<br />
é que atendem as chamadas<br />
telefónicas dos credores. Só<br />
que estes nada têm de concreto<br />
para dizer, já que eles próprios<br />
praticamente há muito tempo<br />
que não têm contacto com os<br />
seus superiores hierárquicos.<br />
Mas esse problema não se coloca<br />
apenas ao nível de empresas.<br />
Milhares de voluntários em<br />
todo o país (des)esperam pelos<br />
seus prémios e todos os dias ligam<br />
para funcionário das chefias<br />
intermédias do COCAN para<br />
saber em que pé está a situação,<br />
mas estes nada têm para lhes dizer.<br />
Das quatro cidades-sede do<br />
CAN’2010 «chovem» diariamente<br />
centenas de chamadas telefónicas,<br />
mas poucas pessoas que<br />
respondem não têm respostas.<br />
A preocupação é ainda maior,<br />
sobretudo entre os empresários<br />
que serviram o COCAN, porque<br />
todos sabem que o governo<br />
já disponibilizou as necessárias<br />
verbas para pagar os bens e serviços<br />
adquiridos pela Organização<br />
do evento. «É do conhecimento<br />
de todos que o governo<br />
deu o dinheiro pedido pelo CO-<br />
CAN para fazer as despesas que<br />
se impunham. De tal sorte que<br />
todas as empresas estrangeiras<br />
e mesmo pessoas individuais<br />
não angolanas receberam o que<br />
lhes era devido tão logo acabou o<br />
CAN. Daí a nossa preocupação,<br />
porque não sabemos donde é que<br />
sairá mais dinheiro para pagar<br />
as dívidas existentes», disse um<br />
lesado na condição de não ser<br />
identificado.<br />
O COCAN foi criado por despacho<br />
presidencial de 9 de Janeiro<br />
de 2008, tendo sido indicado<br />
para director-geral Justino José<br />
Fernandes, à época igualmente<br />
assessor do PR para a área social.<br />
De acordo com o documento,<br />
que dá um prazo de 120 dias<br />
após o termo do campeonato<br />
para a apresentação de contas, o<br />
também presidente da Federação<br />
Angolana de Futebol (FAF) é coadjuvado<br />
por António Mangueira,<br />
que ocupa o cargo de director<br />
executivo. ■<br />
Do COCAN<br />
Regulamento<br />
vilipendiado<br />
S.C.<br />
Foram muitas os atropelos cometidos<br />
pelo Comité Organizador da Copa de<br />
África das Nações (COCAN), chegando<br />
inclusivamente a mandar às urtigas<br />
o seu próprio regulamento. Por exemplo, no artigo<br />
2.º (sede) do Capítulo I (Disposições Gerais)<br />
desse documento lê-se que « O COCAN-2010<br />
tem a sua sede em Luanda, no Complexo da Cidadela<br />
Desportiva, podendo ter representações<br />
nas cidades que acolham jogos do evento.»<br />
Só que não foi isso que aconteceu e o CO-<br />
CAN teve duas sedes diferentes, ambas fora do<br />
Complexo da Cidadela Desportiva. A primeira<br />
esteve no bairro Alvalade, numa vivenda que<br />
é propriedade de alguém do... COCAN. A segunda<br />
e última está no mal urbanizado Rocha<br />
Pinto (onde as ruas sequer têm nome ou números)<br />
e é propriedade de um actual secretário de<br />
Estado.<br />
Note-se que de acordo com o desenho original<br />
do COCAN, a sua sede deveria ser erguida<br />
em Talatona (Sul de Luanda) para depois servir<br />
a FAF. Mas até agora as obras ainda não estão<br />
concluídas, o que levou a se «queimar» verdadeiras<br />
fortunas com o aluguer de casas para a<br />
Organização do CAN funcionar. ■
46 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Desporto<br />
Angola-Madagáscar para as eliminatórias do CHAN<br />
Simplesmente para ganhar ou... ganhar<br />
Silva Candembo<br />
Angola defronta hoje<br />
no estádio 11 de Novembro<br />
a sua similar<br />
do Madagáscar em<br />
partida de conclusão da primeira<br />
ronda eliminatória da Zona<br />
VI de acesso à fase final do<br />
CHAN, o Campeonato Africano<br />
das Nações reservado a jogadores<br />
que actuam nas Ligas dos<br />
respectivos países. É uma partida<br />
em que e equipa treinada<br />
por Zeca Amaral é claramente<br />
favorita e só tem duas hipóteses<br />
e nada mais: vencer ou... vencer.<br />
Mesmo não perdendo de vista<br />
que hoje por hoje não há equipas<br />
fáceis no panorama futebolístico<br />
mundial e que os jogos ganhamse<br />
em campo, é quase certo que<br />
as «Palancas Negras» têm tudo<br />
para vencer e continuar em prova,<br />
esperando depois pelo adversário<br />
que sairá da contenda<br />
entre o Malawi e Moçambique.<br />
Colocando na balança o valor<br />
de ambas as selecções, está claro<br />
que Angola, que se viu «reforçada»<br />
por alguns jogadores de boa<br />
qualidade vindos de campeonatos<br />
europeus, está muitos furos<br />
acima do Madagáscar. Por isso,<br />
estima-se que com maiores ou<br />
menores dificuldades as «Palancas<br />
Negras» vão levar de vencida<br />
este embate, que apesar do aparente<br />
desnível não deixa de ser<br />
difícil para a selecção nacional<br />
que tem sobre si todo o peso da<br />
pressão.<br />
Além da superioridade natural<br />
da selecção de Angola relativamente<br />
a do Madagáscar há<br />
o «tónico» do resultado obtido<br />
na primeira «mão» em casa do<br />
adversário. Foi um empate (0-<br />
0) com sabor. Não por ter sido<br />
arrancado em casa alheia, mas<br />
sobretudo pelas incidências do<br />
jogo que teve um árbitro com<br />
uma indisfarçada tendência caseira,<br />
que não só fez «vista grossa»<br />
a um claro penaltie cometido<br />
pelo Madagáscar, mas invalidou<br />
um golo limpo de Angola.<br />
Se bem que em alta competição<br />
não pode haver lugar ao<br />
espírito de desforra, muito comum<br />
em trumunus de bairro, a<br />
partida hoje terá um saborzinho<br />
à desforra. Depois da roubalheira<br />
da primeira «mão», é mais do<br />
que natural que os jogadores interiorizem<br />
que têm a obrigação<br />
de mostrarem aos seus adeptos<br />
e ao continente, que em casa do<br />
adversário o resultado teria sido<br />
favorável a si, caso a arbitragem<br />
não fosse descaradamente caseira.<br />
Por isso, associando todos<br />
esses factores, teoricamente favoritismo<br />
absoluto para Angola,<br />
que deverá vencer a partida.<br />
Resta apenas saber por que números.<br />
■<br />
Histórico<br />
Madagáscar em vantagem<br />
Um galardão para Angola...<br />
Jesus premiado na Gala da CAF<br />
As selecções de Angola e do Madagáscar já se encontraram em quatro<br />
ocasiões, incluindo o desafio realizado há duas semanas para a primeira<br />
«mão» do CHAN. Curiosamente e apesar da teórica superioridade de<br />
Angola, o fiel da balança pende favoravelmente para o lado dos «Escorpiões»,<br />
sendo que o resultado mais frequente foi o 0-0. Eis o histórico<br />
das partidas disputadas desde 1981, ano do primeiro jogo entre ambas<br />
as selecções:<br />
Data Resultado Cidade Prova<br />
23/06/81 Angola, 0 - Madagáscar, 0 Maputo Amistoso<br />
17/08/10 Angola, 0 - Madagáscar, 1 Luanda CAN<br />
28/04/91 Madagáscar, 0 - Angola, 0 Antan. CAN<br />
14/03/10 Madagáscar, 0 - Angola, 0 Mayajang CHAN<br />
Depois da soberba<br />
campanha do futebol<br />
angolano em<br />
2001, ano referente<br />
ao qual Angola conseguiu<br />
uma mão cheia de prémios<br />
na Gala da Confederação<br />
Africana de Futebol (CAF),<br />
o nosso pais voltou a constar<br />
da lista de premiados. Desta<br />
feita, o galardão coube a Osvaldo<br />
Saturnino de Oliveira,<br />
conhecido nas lides futebolísticas<br />
como «Jesus», ele que<br />
partilhou o Prémio Lenda do<br />
Futebol com Jean-François<br />
Bocandé (Senegal) e Stephen<br />
Keshi (Nigéria).<br />
«Jesus» foi uma referencia<br />
do futebol africano nos anos<br />
80, tanto em representação<br />
da equipa nacional como do<br />
«seu» Petro-Atlético de Luanda,<br />
sendo bastante admirado<br />
em todo o continente.<br />
Actualmente vice-presidente<br />
da Federação Angolana de<br />
Futebol, Osvaldo Saturnino<br />
de Oliveira viu assim reconhecido<br />
o seu contributo<br />
para o futebol continental<br />
na Gala que na sexta-feira<br />
da semana passada, 12, premiou<br />
várias categorias.<br />
O prémio maior, o de Futebolista<br />
do Ano (de 2009)<br />
foi para o marfinense Didier<br />
Drogba (Chelsea/Inglaterra),<br />
que disputou o galardão<br />
com o seu companheiro de<br />
equipa Michael Essien, do<br />
Ghana, e o camaronês Samuel<br />
Eto’o. Também conhecido<br />
como Bola de Ouro,<br />
esta distinção. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 47<br />
Desporto<br />
Temos seleccionador...<br />
É mesmo Boloni<br />
A<br />
questão do seleccionador nacional está praticamente<br />
acertada, sendo que a partir dos próximos dias o novo líder<br />
técnico das «Palancas Negras» atende pelo apodo de<br />
Laszlo Boloni, romeno de naturalidade e nacionalidade,<br />
tendo também a cidadania francesa. Tudo foi «arrumado» a semana<br />
passada em Lisboa pelo presidente da Federação Angolana de Futebol<br />
(FAF), Justino Fernandes, e o treinado, estando prevista a assinatura<br />
do contrato para os próximos tempos.<br />
A informação foi prestada por fonte da FAF ao Semanário <strong>Angolense</strong>.<br />
Segundo a mesma, entre os três nomes que estavam à mesa<br />
de Justino Fernandes, este e os seus pares da federação optaram por<br />
Laszlo Boloni, que em princípio deverá assinar um contrato de dois<br />
anos, referente ao ciclo do CAN, entretanto, renováveis por mais<br />
dois, caso os resultados sejam positivos.<br />
Paulo Duarte, que no CAN de Angola orientou a selecção do<br />
Burkina-Faso «caiu» por ser essencialmente uma indicação de... Manuel<br />
José. Para os dirigentes do futebol angolano, caso se apostasse<br />
nesse técnico o anterior seleccionador poderia continuar a ter forte<br />
influência dentro da equipa, perspectiva que em nada os agradou,<br />
visto que a saída do último técnico da selecção nacional não foi nada<br />
pacífica. Por seu turno, Herve, que levou a Zâmbia aos quartos de<br />
final do CAN’2010, perdeu terreno e acabou afastado por causa do...<br />
idioma.<br />
A nossa fonte não soube precisar qual será o salário do novo seleccionador,<br />
mas garantiu que está longe da «loucura» de € 250 mil<br />
que auferia mensalmente o português Manuel José. «Nem o Jorge de<br />
Jesus no Benfica de Lisboa ganha tanto como ganhou o antigo seleccionador<br />
de Angola. As circunstâncias ditaram aquele ordenado<br />
estratosférico, porque mal como estava ninguém mais quis segurar<br />
na selecção nacional», explicou.<br />
Laszlo Boloni deverá apresentar-se em finais de Abril, depois de<br />
terminada a temporada europeia, e possivelmente traga um adjunto<br />
seu, assunto que está ainda em estudo pela direcção da FAF. Enquanto<br />
quanto isso, Zeca Amaral deverá continuar a integrar a comissão<br />
técnica nacional.<br />
Há dois anos no Standard Liege, da I Divisão Belga, Laszlo Boloni<br />
teve passagens pelo Nancy, Rennes e Mónaco, todo do principal escalão<br />
francês, bem como pelo Sporting de Portugal, onde foi campeão<br />
luso em 2001/03. Nascido a 11 de Março de 1953 (tem 57 anos) também<br />
esteve uma época do Al-Jazira, da Arábia Saudita. ■<br />
CAF distingue os melhores<br />
Drogba é o maior de África<br />
Anualmente a Confederação Africana de Futebol (CAF) distingue<br />
com prémios os futebolistas, clubes e selecções que mais se<br />
tenham destacado em cada época desportiva. Eis os vencedores<br />
das diversas classes, referente ao ano de 2009:<br />
Bola de Ouro: Didier Drogba (Chelsea/Costa do Marfim)<br />
Melhor Jogador em África: Trésor Mputu Mabi (T.P. Mazembe/RDC)<br />
Selecção do Ano: Argélia<br />
Clube do Ano: TP Mazembe (RDC)<br />
Jogador Revelação: Dominic Adiyiah (AC Milan e Ghana S-20)<br />
Técnico do Ano: Sellas Tetteh (Ghana S-20)<br />
Fair-Play: Adeptos do Al Hilal (Sudão)<br />
Adeptos do Ano: De Clubes da África do Sul<br />
Legendas do futebol Africano: Stephen Keshi (Nigéria), Jules-François<br />
Bocandé (Senegal), Osvaldo Saturnino de Oliveira «Jesus» (Angola)<br />
Troféu de Platina: Prof. John Evans Atta Mills (Presidente do Ghana)<br />
Equipa Ideal do Ano: Guarda-redes – Muteba Kidiaba (RD Congo e TP<br />
Mazembe); Defesas – John Pantsil (Ghana e Fulham/Inglaterra), Nadir Belhadj<br />
(Argélia e Portsmouth/Inglaterra), Wael Gomaa (Egipto e Al-Ahly);<br />
Médios – Alexandre Song (Camarões e Arsenal/Inglaterra), Michael Essien<br />
(Ghana e Chelsea/Inglaterra), Seydou Keita (Mali e FC Barcelona/Espanha),<br />
Yaya Touré (Costa do Marfim e FC Barcelona/Espanha); Atacantes – Trésor<br />
Mputu Mabi (RD Congo e TP Mazembe), Samuel Eto’o (Camarões e Inter<br />
Milão/Itália) e Didier Drogba (Costa do Marfim e Chelsea/Inglaterra). ■<br />
Nasce a nova «Catedral»<br />
Construído para acolher<br />
jogos do CAN’2010,<br />
o novel estádio 11 de<br />
Novembro, na Camama,<br />
volta a ganhar vida este fimde-semana,<br />
ao receber a selecção<br />
nacional num desafio de suma<br />
importância, desta feita diante<br />
do Madagáscar para a segunda<br />
«mão» a primeira eliminatória Zonal<br />
VI de apuramento à fase final<br />
do CHAN.<br />
Depois que terminou o<br />
CAN’2010, a 31 de Janeiro passado,<br />
a selecção disputou no «11<br />
de Novembro» a sua única partida<br />
pós-CAN, diante da Letónia,<br />
tendo empatado a um golo. Agora<br />
voltará ao magnífico estádio que<br />
pouco a pouco se vai transformando<br />
em sua casa e na nova<br />
«Catedral» do futebol nacional,<br />
depois do «cartão vermelho» que<br />
o estádio da Cidadela recebeu da<br />
Federação Internacional de Futebol<br />
Associado (FIFA).<br />
É verdade que no seu primeiro<br />
jogo no «11 de Novembro» a selecção<br />
nacional não foi muito<br />
feliz, tendo empatado a quatro<br />
golos com o Mali, na abertura do<br />
CAN’2010. Depois dessa partida<br />
os angolanos venceram uma (2-0<br />
frente ao Malawi), perderam outra<br />
(0-1 diante do Ghana) e empataram<br />
a última sem golos no amistoso<br />
com a Letónia. Em termos<br />
numéricos a prestação de Angola<br />
nesse novo recinto não é famosa,<br />
ficando-se pelos 40 % em termos<br />
de eficácia.<br />
Aos poucos, porém, o «11 de<br />
Novembro» se vai tornando numa<br />
referência para a selecção nacional,<br />
no seu «habitat natural». E o<br />
desafio com o Madagáscar, que se<br />
espera obviamente vitorioso para<br />
Angola, vem mesmo a calhar para<br />
começar a dar do estádio a imagem<br />
de uma fortaleza inexpugnável<br />
das «Palanca Negras».<br />
Caso Angola vença, melhora<br />
um pouco a sua eficácia neste estádio<br />
que doravante passará a ser<br />
a sua «primeira casa», sem menosprezo<br />
para outras como o «Tchiaze»<br />
de Cabinda, o «Ombaka»<br />
de Benguela e a «Tundavala» do<br />
Lubango, além de outros estádios<br />
em províncias como o Huambo,<br />
Namibe, Moxico e Lunda Norte,<br />
onde há futebol domestico de<br />
primeira e os adeptos estão sedentos<br />
de ver a sua selecção evoluir.<br />
Apesar dos preços acessíveis dos<br />
bilhetes de ingresso, seguramente<br />
o estádio 11 de Novembro não vai<br />
ter «casa» tão bem composta como<br />
aconteceu nos quatro desafios que<br />
disputou para o CAN’2010, quando<br />
os 50 mil lugares do recinto<br />
foram completamente lotados nessas<br />
ocasiões. E isto é perfeitamente<br />
normal porque a importância da<br />
fase final de um CAN não é comparável<br />
com um jogo eliminatório<br />
do CHAN. Portanto, se registar<br />
meia casa já será muito bom.<br />
Mas esse quadro pode ser invertido<br />
pelas autoridades desportivas<br />
angolanas, se efectivamente<br />
quiserem. Ou seja, sempre que a<br />
selecção actuar no «11 de Novembro»<br />
o estádio pode sim encher<br />
completamente, algo que seguramente<br />
acontecia em qualquer<br />
outra cidade, não só pelo tamanho<br />
dos estádios, mas também pela<br />
«sede» que as pessoas têm de ver a<br />
sua equipa nacional.<br />
Para que a nova «Catedral» registe<br />
lotação esgotada em partidas<br />
como a de hoje, faz-se necessário<br />
um conjunto de acções, a começar<br />
pelos atractivos, como acontece,<br />
por exemplo, noutros países. Nos<br />
EUA quando há um jogo de futebol<br />
americano (é diferente do<br />
nosso futebol, que lá chamam soccer),<br />
independentemente da sua<br />
importância, a jornada transforma-se<br />
num evento social da maior<br />
relevância.<br />
Se o jogo começa, por exemplo,<br />
às 17h00, oito ou sete horas antes<br />
já há gente ao redor do estádio. Essas<br />
pessoas, que geralmente vão<br />
em núcleo familiar (pai, mãe, filhos,<br />
primos, sobrinhos e às vezes<br />
até avôs), «queimam» o tempo<br />
debaixo de amplos alpendres colocados<br />
no quintalão do estádio<br />
e transformados em restaurante,<br />
onde devoram centenas de quilos<br />
de hambúrgueres, cachorros<br />
quentes e outras comidas. Como<br />
é tradição lá, consomem cerveja à<br />
potes e discute-se acaloradamente<br />
o jogo.<br />
Além dos restaurantes, nos pátios<br />
há lojas móveis de conveniências,<br />
onde se vende de tudo um<br />
pouco com destaque para material<br />
de merchandising (camisolas,<br />
bonés, cachecóis, bandeiras, etc.)<br />
das equipas envolvidas. Também<br />
há bancas de jornais, caixas electrónicos<br />
de bancos e outros tipos<br />
de negócios, quase todos correlacionados<br />
com o evento. Depois de<br />
devidamente «papados», entram<br />
no estádio para puxarem pelas<br />
suas equipas.<br />
Todos esses atractivos, fazem da<br />
actividade desportiva nos Estados<br />
Unidos da América um programa<br />
de divertimento para toda a família.<br />
Isto é algo que acontece também<br />
na Argentina e muitos mais<br />
países. Dados ao lazer como os angolanos<br />
são, essa fórmula também<br />
pode vingar no nosso país. Para<br />
tanto, basta que as autoridades<br />
desportivas metam mãos á obra e<br />
coloquem no amplo pátio do «11<br />
de Novembro» (e outros estádios<br />
novos, é claro) os necessários equipamentos<br />
para que o recinto passe<br />
a fazer parte do roteiro do citadino<br />
sempre que há jogo. ■
Sábado, 27 de Março de 2010. 48<br />
Salomão<br />
Filipe<br />
Bento<br />
Kangamba<br />
Joaquim<br />
Ribeiro<br />
Presidente<br />
da República<br />
Issac<br />
dos Anjos<br />
GPL<br />
Embora contestado por<br />
alguns sectores da sociedade,<br />
por alegada falta de<br />
provas irrefutáveis para a<br />
incriminação dos réus do<br />
«Caso Frescura», Salomão<br />
Filipe, o juiz da causa, foi<br />
de opinião contrária: ele e<br />
os seus coadjutores deram<br />
como provada a esmagadora<br />
maioria dos quesitos<br />
produzidos ao longo do julgamento,<br />
tidos como suficientes<br />
para se ter a certeza<br />
de que os acusados foram<br />
efectivamente os autores do<br />
massacre. E tudo indica que<br />
não há dúvidas por aí além,<br />
pelo que a reacção dos que<br />
aplaudem a sentença ditada<br />
(24 anos de prisão) são<br />
de longe superiores aos do<br />
grupo do «contra». O Tribunal<br />
Supremo tratará de<br />
confirmar ou não a justeza<br />
da pesada pena. ■<br />
O homem será, entre os<br />
novos-ricos do país, dos que<br />
mais se preocupa com causas<br />
sociais. Da última vez<br />
que entrou em cena, há dias,<br />
Bento Kangamba deslocouse<br />
à chamada vila dos chineses<br />
(ali mesmo onde poucos<br />
dias depois a doação das<br />
três chapas de zinco e um<br />
barrote do MINARS seria<br />
rechaçada), para levar bens<br />
de primeira necessidade e<br />
conforto moral às cerca de<br />
80 famílias sinistradas pela<br />
grande enxurrada de Janeiro<br />
de 2007, que lá vivem em<br />
tendas, à espera (sentadas)<br />
que o governo lhes arranje<br />
casa. Ao contrário do que<br />
aconteceria depois, o seu<br />
gesto foi muito bem aceite,<br />
em meio a uma conversa<br />
demorada, que terá servido<br />
também para os reconfortar<br />
de algum modo.■<br />
Dada a sua condição de<br />
comandante provincial da<br />
Polícia, não faltaram vozes<br />
a atribuírem-lhe responsabilidades<br />
no massacre da<br />
Frescura. Com alguma lógica,<br />
diga-se. Contudo, foi<br />
ele quem deu o primeiro<br />
passo para que os agentes<br />
que se terão excedido no<br />
cumprimento de uma «ordem<br />
superior» para se combater<br />
com mais dinamismo<br />
a criminalidade no Sambizanga,<br />
fossem levados a<br />
tribunal. Afinal, os agora<br />
condenados não tinham<br />
qualquer mandato para se<br />
porem aí a matar desalmadamente<br />
como o fizeram<br />
naquele dia. Disciplinador,<br />
como é conhecido, Joaquim<br />
Ribeiro fez questão que os<br />
prevaricadores tivessem o<br />
castigo merecido. Que sirva<br />
de lição. ■<br />
Afinal, não foi por falta<br />
de aviso que o Presidente<br />
da República se viu obrigado<br />
a recuar da forma inglória<br />
como o fez no caso<br />
de Pedro Mutindi, ao ter<br />
de reconstituir o ministério<br />
da Hotelaria e Turismo,<br />
para acomodar o antigo<br />
«soba do Cunene», que se<br />
rebelara depois de ter sido<br />
rebaixado à condição de<br />
secretário de Estado, sob<br />
as ordens de uma mulher.<br />
Numa das reuniões do secretariado<br />
do Bureau Político<br />
do MPLA, em que<br />
se estava a esboçar a composição<br />
do 1.º governo da<br />
III República, Roberto de<br />
Almeida avisou o «Chefe»<br />
da imprudência em que se<br />
constituiria o rebaixamento<br />
de Pedro Mutindi. O PR<br />
desconsiderou o aviso e o<br />
resultado foi o que se viu. ■<br />
Se errar humano é, persistir<br />
no erro é diabólico – assim<br />
diz a sabedoria popular.<br />
E é isto precisamente o que<br />
Isaac dos Anjos se predispõe<br />
a fazer, ao não pretender<br />
recuar na sua cruzada<br />
contra pobres cidadãos do<br />
Lubango, a quem tem remetido<br />
a condições humilhantes<br />
em «centros de acolhimento»,<br />
depois de lhes<br />
partir as casas, no quadro<br />
de um alegado projecto de<br />
desenvolvimento económico.<br />
Embora contestado de<br />
vários quadrantes, incluindo<br />
do seu próprio partido,<br />
o governador huilano, colocando<br />
a carroça em frente<br />
dos bois, já fez saber que irá<br />
continuar com as precipitadas<br />
e, sobretudo, desumanas<br />
demolições. E se construísse<br />
primeiro as casas para os realojar,<br />
não seria melhor? ■<br />
Sabido que o GPL quase<br />
não dá conta de nada, já se<br />
supunha que, em circunstância<br />
alguma, o gabinete da<br />
governadora iria tratar com<br />
dignidade as centenas de<br />
desalojados das muitas contendas<br />
que povoam os arredores<br />
de Luanda. Porém,<br />
quando, no início da semana,<br />
se anunciou em hossanas<br />
o envio de assistência<br />
para os desalojados das calemas<br />
do ano passado, nem<br />
ao diabo ocorreria que a tal<br />
ajuda se circunscreveria,<br />
afinal, a algumas chapas de<br />
zinco. Será que se acreditava<br />
no GPL que os desalojados<br />
se fossem cobrir das chuvas<br />
colocando as chapas sobre a<br />
cabeça? Pelo que tudo indica,<br />
depois do desprezo com<br />
que os expulsou dos seus lares,<br />
o GPL optou agora pela<br />
mera provocação. ■<br />
Papa acusado de ignorar sevícias contra menores<br />
Quando mais procura se distanciar da polémica,<br />
mais o seu nome aparece vinculado à trama<br />
sexual que vem sacudindo a Igreja Católica.<br />
Na quinta-feira última, 25, o Papa Bento<br />
XVI foi acusado de ter ignorado as denúncias de várias<br />
famílias norte-americanas segundo as quais um conhecido<br />
padre do estado de Wisconsin, EUA, abusava sexualmente<br />
vários garotos.<br />
De acordo com o jornal diário norte-americano The<br />
New York Times, que publicou uma extensa reportagem<br />
sobre a matéria, a alegada «vista grossa» do chefe da Igreja<br />
Católica, ao tempo, apenas, cardeal Joseph Ratzinger<br />
resultou que durante 24 anos, o padre Lawrence Murphy<br />
molestasse mais de 200 meninos registados num colégio<br />
interno para rapazes surdos.<br />
Na altura, Joseph Ratzinger, chefiava um departamento<br />
do Vaticano que lidava com casos de abuso sexual.<br />
Durante mais de 20 anos antes de ser eleito sumo pontífice,<br />
o Cardeal Ratzinger liderou a Doutrina da Fé, um<br />
departamento do Vaticano que tinha como responsabilidade,<br />
entre outras, lidar com casos de abuso de crianças.<br />
O The New York Times teve acesso aos documentos do<br />
processo que vítimas apresentaram na Justiça. Entre eles<br />
estão correspondências entre os bispos do Estado e altas<br />
autoridades do Vaticano, inclusive algumas endereçadas<br />
ao cardeal Joseph Ratzinger, actual papa Bento XVI, na<br />
época em que era chefe da Congregação para Doutrina<br />
da Fé, responsável por tratar questões disciplinares na<br />
Igreja.<br />
O reverendo Lawrence Murphy, trabalhou na dita escola<br />
para jovens surdos entre 1950 e 1974.<br />
As denúncias só começaram a ser investigadas em<br />
1993, quando as alegações contra o padre começaram<br />
a chegar ao arcebispo de Milwaukee à época, Rembert<br />
Weakland.<br />
«O arcebispo Weakland contratou um assistente social<br />
especializado no tratamento de crimes sexuais para<br />
avaliar (o padre Murphy). Após quatro dias de entrevistas,<br />
o assistente social afirmou que o padre admitiu os<br />
actos de que era acusado, ou seja que ele tinha molestado<br />
cerca de 200 garotos e que não tinha remorsos», relata o<br />
The New York Times.<br />
Na altura, escreve o jornal, o arcebispo Weakland escreveu<br />
cartas ao cardeal Ratzinger pedindo a suspensão<br />
do padre Murphy em 1996, com o objectivo de «neutralizar<br />
a indignação entre a comunidade surda e restaurar<br />
a confiança na Igreja.» Ratzinger aparentemente não respondeu<br />
a nenhuma das duas cartas que recebeu do arcebispo<br />
norte-americano.<br />
O diário norte-americano diz que o caso passou pelas<br />
mãos de outros funcionários de alto escalão do Vaticano,<br />
mas que os procedimentos foram interrompidos depois<br />
que o próprio padre Murphy escreveu ao cardeal Ratzinger<br />
alegando saúde frágil e pedindo que o caso fosse<br />
abandonado. Ele morreu quatro meses depois e foi enterrado<br />
em vestimentas da Igreja.<br />
Em resposta às acusações colocadas pelo jornal, o porta-voz<br />
do Vaticano, Frederico Lombardi, reconheceu que<br />
o padre havia violado a lei e crianças «particularmente<br />
vulneráveis», e que o caso é «trágico».<br />
Entretanto, ele disse que o Vaticano só tomou conhecimento<br />
do caso em 1996 e que, àquela altura, a<br />
saúde frágil e a ausência de casos recentes envolvendo<br />
o padre pesaram na decisão de suspender o julgamento<br />
contra ele. ■