Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat
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Sábado, 27 de Março de 2010. 17<br />
Opinião<br />
Carta aberta ao Sr. Reis Ventura (*)<br />
M.M. de Brito Júnior<br />
Pessoalmente não conheço<br />
o Sr. Reis Ventura.<br />
Disseram-me que o<br />
Sr. mora no Bairro Alvalade<br />
e é funcionário superior da<br />
Petrangol. Só sei que o sr. escreve<br />
para os jornais e também é escritor.<br />
Politicamente suponho que o<br />
Sr. Reis Ventura sabe como é conhecido<br />
no meio negro; O «CA-<br />
SAL RIBEIRO de Angola».<br />
Isto, devido à sua intransigente<br />
defesa do «salazarismo» e, nos<br />
últimos anos, do «caetanismo»,<br />
manifestada no Conselho Legislativo,<br />
nos discursos que tem<br />
proferido, nos romances e nos<br />
jornais. A comunidade negra<br />
esclarecida chegou ao ponto de<br />
evitar ler o que Sr. Reis Ventura<br />
escreve nos jornais, de tão revoltantes<br />
para a nossa dignidade.<br />
Contudo, alguns de nós temos<br />
tido a pachorra de ler as crónicas<br />
semanais – «conversa fiada». Eu,<br />
embora revoltado, também tenho<br />
lido as suas crónicas para saber<br />
até onde o Sr. pode chegar… porque,<br />
acredite, revolta a qualquer<br />
angolano negro a maneira como o<br />
Sr. Ventura exaltava as «virtudes»<br />
dos governantes fascistas portugueses<br />
depostos e achincalhava os<br />
governos e povos africanos independentes<br />
(com excepção do presidente<br />
Kamuzu Banda!). Porém,<br />
depois do 25 de Abril, o sr. tem<br />
demonstrado uma honestidade<br />
digna de realçar: mantém firme<br />
o seu salazarismo pois ainda não<br />
li a mais leve critica sua sobre os<br />
actos do antigo regime. Isto é que<br />
é ser honesto! O mesmo não fizeram<br />
muitos «salazaristas» que,<br />
vestindo agora peles de cordeiro,<br />
escondem o seu amor ao antigo<br />
«Estado Novo» e dizem-se democratas,<br />
sempre pretenderam a independência<br />
das colónias e mais<br />
baboseiras. Estes são nojentos.<br />
Não me quero debruçar agora<br />
sobre as «brilhantes» prosas saídas<br />
da sua «pena» até 25 de Abril.<br />
Esta carta vem a propósito da<br />
sua «conversa fiada», inserta no<br />
jornal «A Província de Angola»<br />
do dia 10/8/1974, sob o subtítulo<br />
«É isto a paz» depois do Sr. fazer<br />
varias considerações sobre os sangrentos<br />
e funestos acontecimentos<br />
que têm causado tanto pranto<br />
e dor na cidade negra de Luanda,<br />
segundo a sua óptica, claro, a seguinte<br />
passagem: «Vem a propósito<br />
lembrar que em Março e Abril<br />
de 1961, algumas centenas de<br />
civis com armas de ocasião, colaborando<br />
com os pouquíssimos<br />
soldados e polícias de que então<br />
dispúnhamos, conseguiram sufocar<br />
rapidamente a tentativa de<br />
guerrilha nos musseques de Luanda<br />
sem nada que se pareça com<br />
os mortos, feridos e prejuízos que,<br />
que desde o dia 11 de Julho findo,<br />
têm ensanguentado e enodoado<br />
esta bela cidade. Se for preciso,<br />
que as milícias civis, devidamente<br />
enquadradas, voltem a colaborar<br />
com as Forças Armadas, para que<br />
a paz seja imposta a todos aqueles<br />
que teimam em nos impor a guerra».<br />
(sic).<br />
Ao acabar de ler a dita crónica<br />
eu tremia de fúria. Será<br />
que o Sr. Reis Ventura ignora<br />
como em 1961 milhares de civis<br />
brancos (não algumas centenas<br />
como diz) com autenticas<br />
armas de fogo (não eram armas<br />
de ocasião porque depois de 4 de<br />
Fevereiro os brancos armaramse<br />
convenientemente) «conseguiram<br />
sufocar rapidamente» a<br />
pretensa tentativa de guerrilha<br />
nos musseques?<br />
Ou o Sr. é um fingido ou não<br />
estava em Luanda na altura.<br />
Pois saiba que o povo negro dos<br />
musseques ainda tem presente os<br />
horrores praticados pelas milícias<br />
brancas naquele ano e seguintes.<br />
Brancos armados entraram nos<br />
musseques a coberto da noite,<br />
muitas vezes de dia, assassinaram<br />
indiscriminadamente homens e<br />
rapazes e algumas vezes senhoras,<br />
raparigas e crianças. Aos negros<br />
apavorados, sem compreenderem<br />
a causa da chacina, só restava<br />
esconderem-se ou fugir. Muitos<br />
foram arrancados das cubatas e<br />
levados para sítios desconhecidos.<br />
Até hoje não apareceram os<br />
seus corpos! Foram dias, meses,<br />
anos, de horror. Mas a acção das<br />
milícias civis brancas não se limitou<br />
à cidade de Luanda, não<br />
senhor, espalhou-se pelo interior<br />
de Angola. Dezenas de milhar de<br />
negros foram fuzilados e enterrados<br />
em valas comuns, muitos ainda<br />
com vida. Não me diga que o<br />
Sr. nunca ouviu falar da chacina<br />
em Catete, Dondo, Golungo Alto,<br />
Salazar, Lucala, Quibala, Calulo,<br />
Gabela,Seles, Porto Amboim,<br />
Cacuso, Norte, Centro,Sul e Leste<br />
de Angola? O sr. não sabe das chacinas<br />
por esta Angola fora? Sabe<br />
sim, está é a fingir!!! Fui tropa de<br />
1960 a 1964 e como tal estou bem<br />
informado pois por duas vezes estive<br />
no norte. Digo mais, muitas<br />
chacinas perpetradas pela tropa<br />
expedicionária foram induzidas<br />
pelas milícias civis brancas. Claro<br />
que depois de desfeitas as ditas<br />
milícias não quer dizer que os<br />
civis brancos deixaram de assassinar<br />
pretos; nada disso; continuaram,<br />
isolados ou em grupos, «sufocando<br />
os negros que tentassem<br />
levantar a cabeça». Temos casos<br />
vividos tais como os bem conhecidos<br />
massacres do Cazenga em<br />
16 de Setembro de 1972 e desde 11<br />
de Julho de 1974. E não só!<br />
Portanto, Sr. Reis Ventura, é<br />
altamente criminoso preconizar<br />
o «regresso» da nefasta milícia civil.<br />
Os negros hoje já não se deixariam<br />
assassinar como foram desde<br />
1961.Hoje não fugiriam pois já<br />
sabem defender-se e também já<br />
sabem até onde pode chegar o espírito<br />
assassino das milícias civis<br />
brancas. Nós estamos vigilantes!<br />
Se o Sr. Reis Ventura é mesmo<br />
cristão espero que se penitencie<br />
do macabro pensamento que teve.<br />
As milícias civis cometeram crimes<br />
horrorosos, alguns imperdoáveis.<br />
A História de Angola narrará<br />
estes «feitos heróicos das milícias<br />
civis que conseguiram sufocar rapidamente»<br />
milhares e milhares<br />
de negros indefesos, em defesa<br />
dos seus interesses colonial-capitalista.<br />
Continue a escrever e nós, vigilantemente,<br />
continuaremos a ler.<br />
Vigilantes, não se esqueça.<br />
Estou a seu dispor para qualquer<br />
esclarecimento. ■<br />
(*) Publicado no Jornal «O<br />
<strong>Angolense</strong>» nº 3 de 27 de Setembro<br />
de 1974