27.10.2014 Views

Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat

Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat

Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Sábado, 27 de Março de 2010. 15<br />

Opinião<br />

Palavrões e política<br />

JOE BIDEN, vice-presidente dos EUA: ‹‹I tis a fucking good deal!››,<br />

Como milhares de pessoas<br />

nos Estados Unidos<br />

da América, aplaudi a<br />

aprovação, pelo Congresso,<br />

da lei sobre os serviços da<br />

saúde, que inclui também as empresas<br />

de seguro.<br />

E eu tenho bons motivos para<br />

aplaudir esta lei: como hipertenso,<br />

já me foi recusado o seguro de<br />

saúde. Esta recusa significa que<br />

todas as vezes que vou ao médico<br />

tenho que pôr a mão no bolso<br />

para pagar. O novo diploma aprovado<br />

pelo Congresso fará com<br />

que até mesmo as camadas menos<br />

favorecidas da população fiquem<br />

protegidas pela seguro de saúde.<br />

Como era de esperar, a nova lei,<br />

que é uma iniciativa do presidente<br />

Barack Obama, está a enfrentar<br />

uma feroz resistência por parte<br />

dos seus adversários do Partido<br />

Republicano.<br />

Os amplos debates que antecederam<br />

a aprovação da nova lei<br />

despertaram a atenção da opinião<br />

pública americana para a linguagem<br />

dos políticos.<br />

Em Setembro passado, por<br />

ocasião de um discurso no Congresso<br />

sobre a reforma da saúde,<br />

o representante republicano Joe<br />

Wilson acusou o presidente Obama<br />

de ser mentiroso.<br />

Nunca na história americana<br />

tal tinha acontecido. Por causa<br />

da ampla repercussão da sue declaração<br />

Wilson viu-se forçado<br />

a pedir desculpas. O Congresso<br />

criticou-o pela deselegância.<br />

No recente debate que antecedeu<br />

a aprovação da nova lei, Randy<br />

Neugebauer, um representante<br />

republicano ido do Texas, acusou<br />

um adversário democrata de ser<br />

‹‹assassino de bebés››. Muitos congressistas<br />

ficaram chocados com<br />

essa linguagem pouco decente.<br />

Em consequência, líderes do<br />

Partido Republicano apelaram<br />

mesmo aos seus colegas para serem<br />

mais comedidos.<br />

Mas, pelos vistos, bocas sujas não<br />

há apenas do lado dos republicanos.<br />

No momento em que o presidente<br />

Obama se aprestava a<br />

sancionar a nova lei o seu vicepresidente,<br />

Joe Biden convencido<br />

de que não havia por perto<br />

nenhum microfone, soltou esta<br />

‹‹preciosidade››: ‹‹I tis a fucking<br />

good deal!››, que pode ser traduzido<br />

como ‹‹Temos aqui um bom<br />

acordo. F...se!››<br />

Na América o presidente Obama<br />

é admirado pelo seu domínio<br />

do inglês e linguagem comedida.<br />

Já o seu vice é conhecido por<br />

optar, muitas vezes, por aquilo<br />

que em inglês é designado como<br />

‹‹colourful language››, ou seja palavrões.<br />

Diz-se que num debate<br />

bastante quente no Congresso<br />

Joe Biden atirou para o seu adversário:<br />

‹‹vai te f...er!››. O vicepresidente<br />

americano alude com<br />

frequência aos órgãos privados<br />

dos homens e mulheres. Mas as<br />

incontinências verbais do vicepresidente<br />

não parecem incomodar<br />

muito os americanos. Pelo<br />

contrário, elas suscitam mesmo<br />

algumas simpatias. De tal sorte<br />

que o seu ‹‹It is a fucking good<br />

deal!›› já se encontra estampado<br />

em camisolas legalmente comercializadas<br />

em cidades americanas.<br />

Na internet alguém já musicou<br />

a escorregadela verbal do<br />

vice-presidente americano.<br />

Quem está a apreciar o que<br />

parece ser uma a tolerância dos<br />

americanos por palavrões é John<br />

McCain, o adversário que Obama<br />

derrotou nas eleições presidenciais.<br />

Além de ter um fusível<br />

a menos, como ironizam os seus<br />

adversários, McCain também recorre<br />

com facilidade a palavrões<br />

sempre que está irritado.<br />

Na verdade, quando se trata de<br />

dizer palavras feias McCain não<br />

hesita. Em 1992, enfureceu-se<br />

diante de jornalistas e ‹‹descarregou››<br />

toda a ira sobre a sua esposa,<br />

a quem cobriu com palavrões<br />

muito feios.<br />

Em inglês é imperdoável referir-se<br />

a uma mulher usando uma<br />

expressão que se associe ao seu<br />

órgão privado. Foi isso o que Mc-<br />

Cain fez à sua esposa, Cindy.<br />

Nos Estados Unidos homem<br />

que use linguagem profana é visto<br />

como pessoa incapaz de manter o<br />

autodomínio.<br />

A sociedade americana é relativamente<br />

condescendente com<br />

as classes mais baixas: quando os<br />

palavrões são ditos por operários<br />

brancos ou negros são relativamente<br />

tolerados. Mas quando alguém<br />

ascende académica e socialmente<br />

espera-se que a sua linguagem também<br />

se ajuste a essa condição.<br />

A Grã-Bretanha é um país em<br />

que a compostura dos políticos<br />

e das figuras públicas sempre foi<br />

relevante. Em 1972, o então ministro<br />

da Defesa, Lord Lambton,<br />

foi forçado a demitir-se porque foi<br />

fotografado numa cama com duas<br />

prostitutas e a fumar liamba. Se<br />

fosse só pelo flagrante Lambton<br />

poderia perfeitamente continuar<br />

no cargo. Porém, a opinião pública<br />

britânica não tolerou o facto<br />

de ele ter dito ‹‹f...se!›› perante as<br />

câmaras de televisão.<br />

Em 1973 a mesma expressão<br />

quase custou o cargo de director do<br />

jornal ‹‹The Daily Telegraph›› a Peregrine<br />

Worthorne. O Parlamento<br />

reuniu-se expressamente para analisar<br />

a demissão de Worthorne por<br />

causa da maldita palavra. Passados<br />

20 anos, em 1993, numa entrevista<br />

ao jornal ‹‹The Observer›› o então<br />

primeiro-ministro John Major referiu-se<br />

aos seus adversários políticos<br />

como ‹‹fucking bastards››, isto<br />

é, filhos da p...!<br />

O céu quase desabou sobre a<br />

cabeça de John Major. Muitos<br />

britânicos lamentaram o facto de<br />

os seus políticos terem perdido a<br />

destreza linguística de um Winston<br />

Churchil. Este herói britânico<br />

da Segunda Guerra Mundial<br />

adorava o seu copinho. Diz-se que<br />

ele começava a beber whisky logo<br />

pela manhã. Uma vez, contase,<br />

Churchil estava embriagado<br />

quando uma senhora que não<br />

gostava dele lhe atirou na cara:<br />

‹‹Senhor Churchil, estás bêbado!››<br />

‹‹Sim, sim››, respondeu Churchil.<br />

‹‹Só que eu vou ficar sóbrio,<br />

mas a senhora vai continuar<br />

feia!›› Numa outra ocasião, dizse,<br />

uma mulher, que também não<br />

gostava do primeiro-ministro,<br />

disse-lhe: ‹‹Se eu fosse sua esposa<br />

meteria veneno no seu café!›› Ao<br />

que o Churchil respondeu: ‹‹E se<br />

eu fosse o seu esposo beberia este<br />

café imediatamente.››<br />

O Parlamento britânico é uma<br />

das instituições que mais preza o<br />

uso de linguagem urbana. Os seus<br />

membros são proibidos de utilizar<br />

o que é classificado como ‹‹unparliamentary<br />

language››, isto é, linguagem<br />

não apropriada. Este princípio<br />

é seguido elos parlamentos<br />

dos países da Comunidade Britânica,<br />

sobretudo aqueles que são<br />

muito próximos da Grã-Bretanha,<br />

nomeadamente a Austrália, Canadá<br />

e Nova Zelândia.<br />

No Parlamento neozelandês o<br />

grande problema é a bebida alcoólica.<br />

Depois de bem bebidos,<br />

muitos parlamentares passam por<br />

cima das regras e insultam-se reciprocamente.<br />

O parlamento que não tem<br />

compromisso nenhum com controlos<br />

verbais é o irlandês. Ali o<br />

vice-presidente Joe Biden sentirse-ia<br />

como peixe na água. No<br />

youtube é possível encontrar clipes<br />

em que deputados irlandeses<br />

usam palavrões pesadíssimos<br />

para ofenderem os seus adversários.<br />

Os internautas consideram<br />

esses clipes mais interessantes do<br />

que as imagens que frequentemente<br />

saem dos parlamentos da<br />

Tailândia e Coreia do Sul ou de<br />

países que integravam a antiga<br />

União Soviética em que, não raramente,<br />

os deputados impõem<br />

os seus pontos de vista pela via do<br />

soco, pontapé e cabeçadas.<br />

Em África, Jomo Kenyatta,<br />

primeiro presidente do Quénia, é<br />

visto como uma figura unificadora.<br />

Só que quando estivesse zangado<br />

o velho era capaz de utilizar<br />

palavrões bastante coloridos em<br />

kiswahili, sua língua natal<br />

Nos anos 60, logo depois da<br />

independência do Quénia, houve<br />

uma insurreição contra o regime<br />

de Kenyatta aparentemente liderada<br />

por Oginga Odinga (o pai de<br />

Raila Odinga). O velho Kenyatta<br />

pôs os seus adversários na cadeia<br />

e fez um discurso em kisumu que<br />

as autoridades quenianas não<br />

gostam de divulgar. Neste discurso,<br />

o ‹‹pai da nação›› manda<br />

os seus adversários para se irem<br />

deitar com as suas mães e diz-lhes<br />

que se não mudassem os seus hábitos<br />

reaccionários iriam apanhar<br />

nas nádegas.<br />

Na África do Sul, o chefe da<br />

secção da juventude do ANC,<br />

Julius Malema, tem uma imensa<br />

capacidade de utilizar linguagem<br />

altamente insultuosa. Recentemente,<br />

descreveu uma adversaria<br />

do ANC, Patricia de Lille, como<br />

sendo muito feia e perguntou se<br />

haveria algum homem na África<br />

do Sul disposto a casar com ela.<br />

Antes disso, Malema insultou a<br />

ministra de Ciência de Tecnologia<br />

dizendo que o seu sotaque,<br />

acentuadamente americano, era<br />

absurdo. Malema foi imediatamente<br />

corrigido: a ministra Naledi<br />

Pandor tem é um sotaque da<br />

classe alta britânica, que muitos<br />

britânicos achariam também estranho.<br />

No fundo, Julius Malema,<br />

como o vice-presidente Joe Biden,<br />

disse o que muita gente gostaria<br />

de poder dizer.<br />

É talvez por isso que republicanos<br />

não se mostram muito<br />

perturbados com os palavrões<br />

de Joe Biden. Eles sabem que<br />

muita muitos americanos se revêem<br />

no vice-presidente e não<br />

no léxico, demasiado higienizado,<br />

de Barack Obama. ■

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!