Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat
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22 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Crónica<br />
Os espelhos da tia Fefa (II)<br />
NO ÚLTIMO fim-de-semana do<br />
mês inteiramente dedicado às mulheres,<br />
Março, o marido da tia Fefa<br />
descobriu a melhor oportunidade<br />
para levantar o embargo e suspender<br />
as sanções unilaterais contra a<br />
esposa. A tia Fefa voltou a sorrir e<br />
teve muitos motivos para festejar a<br />
sua alegria, antes que viesse o dia<br />
das mentiras...<br />
O marido, Tijójó, como também<br />
é chamado no bairro, não teve muitas<br />
dificuldades em convencer a<br />
mulher de que o espelho do quarto<br />
do casal nada tinha a ver com a péssima<br />
imagem que ela escondia entre<br />
as almofadas. Bastou surpreendê-la<br />
com um enorme arranjo de flores,<br />
enquanto soluçava no quarto. O<br />
efeito do perfume natural das rosas,<br />
orquídeas, e cravos apoderou-se<br />
dela. A tia Fefa era doida por fantasias<br />
e aquele «bouquet» havia sido<br />
propositadamente encomendado,<br />
até ao último detalhe.<br />
«Porque partiste o nosso espelho?»,<br />
perguntou Tijójó: «Ele tinha<br />
alguma culpa, meu amor…?», voltou<br />
a perguntar, sem obter resposta.<br />
A tia Fefa continuava a não conseguir<br />
responder.<br />
Já se tinha dado conta de que<br />
mudar os espelhos não era solução.<br />
Apesar de ter colocado um espelho<br />
novo no quarto, tudo esteve na<br />
mesma até o marido sorrir para ela,<br />
com as flores nas mãos! Os lençóis<br />
estavam amarrotados; o ar condicionado<br />
continuava avariado e o<br />
ambiente contaminado por fantasmas<br />
inexistentes. A senhora acordava<br />
de manhã sem pinturas nem<br />
maquilhagem, e, uma vez mais, não<br />
se sentia bem. Era irritante aquela<br />
angústia permanente de se sentir<br />
rejeitada pelo próprio marido, por<br />
causa de um conflito que poderia<br />
ser sanado por qualquer um deles.<br />
Mas, a birra dele e o orgulho dela<br />
emperravam tudo. Ninguém queria<br />
ceder facilmente, nem dar o braço a<br />
torcer, num terreno em que o machismo<br />
e vigor masculino jogavam<br />
contra o capricho e a astúcia feminina.<br />
Disfarçadamente, ambos queriam<br />
vencer.<br />
O tio Jorge só compreendeu a crise<br />
e a profunda frustração da mulher<br />
quando viu os pedaços de vidro<br />
O TIO JORGE só compreendeu a crise e a profunda frustração da mulher quando viu os pedaços de vidro espalhados pelo chão<br />
espalhados pelo chão. Por breves<br />
instantes, olhou para a moldura do<br />
casamento e verificou que a imagem<br />
da mulher já não era a mesma.<br />
O espelho confidente, que ela tanto<br />
gostara, estava completamente<br />
destruído aos seus pés, perdendo a<br />
utilidade. Então, num golpe de magia,<br />
voltou a transformar-se no conquistador<br />
que ela tão bem conheceu<br />
e por quem se vergou, aos bocados.<br />
Com a tia Fefa, o desejo de reconciliação<br />
também não foi diferente.<br />
Apenas sentia-se feia e deformada<br />
porque não lhe apareciam iniciativas;<br />
nem soluções, nem oportunidades<br />
para ultrapassar a crise no lar.<br />
E, por falta de imaginação, distraíase<br />
sem criatividade, ocupava o espírito<br />
sem tirar proveito e refugiava-se<br />
em futilidades, até voltar a dormir.<br />
Dia após dia, foi a maior caricatura<br />
de si mesma: «Também hoje, não me<br />
tocou…», sofria em silêncio. O implacável<br />
conflito conjugal mostravalhe<br />
uma outra face, nua e crua. O<br />
matrimónio em risco, sem o calor<br />
dos carinhos e elogios; uma imagem<br />
até então desconhecida.<br />
«Porque me partiste o nosso espelho,<br />
amor…?». O experiente Tijójó<br />
repetiu a pergunta com as flores no<br />
colo da esposa que amava em segundas<br />
núpcias. O que se passou a<br />
seguir é assunto de quatro paredes!<br />
Mas…, ao sair do quarto, a tia<br />
Fefa já não notou diferenças nenhumas<br />
entre as imagens dos espelhos<br />
que tinha em casa. Já era noite.<br />
Deixava de haver um espelho bom<br />
e um espelho infiel à sua beleza.<br />
Deu-se conta disso quando desligou<br />
completamente as luzes da sala de<br />
visitas e fechou a TV. No escuro, o<br />
enorme espelho de dois metros de<br />
largura nada reflectia. À sua volta,<br />
nada mais se alterava. A elegante tia<br />
Fefa voltou a sorrir como dantes...■