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Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat

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Sábado, 27 de Março de 2010. 13<br />

Opinião<br />

Haja coragem para<br />

respeitar a Constituição<br />

Como sempre acontece no<br />

nosso país, a realidade suplantou<br />

a teoria. As tristes<br />

histórias de Benguela e da<br />

Huíla vieram demonstrar que as eufóricas<br />

declarações sobre a terceira<br />

República não passaram de meras<br />

elucubrações dos políticos. Por ocasião<br />

da aprovação da Constituição<br />

ouvimos algumas das vozes do debate<br />

público ‹‹prenhas›› de um fantástico<br />

entusiasmo como se a lei magna<br />

fosse em si a varinha mágica. Alguns<br />

falaram até de uma grande revolução<br />

só comparável ao momento da<br />

independência. Volvidos menos de<br />

três meses, têm todos eles a resposta<br />

que mereciam. A prática, o diaa-dia,<br />

a acção humana demonstra<br />

que as mudanças não se fazem por<br />

decreto. Mais: Lubango e Benguela<br />

mostraram que há gente que faz<br />

absoluta tábua rasa da constituição.<br />

‹‹Estão nem aí››, diriam os brasileiros.<br />

Nada mudou. Quem leia alguns<br />

artigos da Constituição ainda que,<br />

absolutamente leigo como nós, não<br />

pode deixar de reconhecer a clareza<br />

de alguns postulados. Se nos socorrermos<br />

também de entrevistas dadas<br />

por alguns especialistas, como o Dr.<br />

Raul Araújo, formamos rapidamente<br />

a convicção de que não assiste aos<br />

governos o direito de proibir manifestações,<br />

nem de silenciar, censurar<br />

órgãos de comunicação nem de desalojar<br />

cidadãos sem a observância dos<br />

seus direitos.<br />

Agrava todas essas ocorrências a<br />

circunstância de se processarem à<br />

contra mão de um processo político<br />

que se pretendia estabelecer como o<br />

passo decisivo para uma nova Angola.<br />

Houve claramente no discurso<br />

apologético da nova Constituição<br />

uma mensagem subliminar da nova<br />

Angola, mais responsável para com<br />

os direitos dos cidadãos, mais aberta<br />

à comunicação social e à liberdade<br />

de imprensa, mais responsável e<br />

menos arrogante na gestão do bem<br />

público. Tudo isso vai por terra, ainda<br />

que não seja de forma irreversível.<br />

Mas vai tudo por terra porque afinal<br />

tanto oba-oba e está tudo na mesma.<br />

Vai por terra também porque afinal<br />

quem mesmo assim viola ostensivamente<br />

a lei tem a protecção, velada<br />

ou não, dos seus camaradas, excepção<br />

feita ao MPLA da Huíla que se<br />

demarcou e ficou muito, mas muito<br />

bem mesmo na fotografia.<br />

Na confiança dos cidadãos que<br />

sempre foi pouca, os acontecimentos<br />

de Benguela e da Huíla representaram,<br />

na verdade, cinco passos atrás<br />

em termos de esperança. Todos querem<br />

uma Angola sem esse tipo de<br />

abusos, com um estilo novo de resolver<br />

os problemas e, de certo modo,<br />

mesmo divergindo nalguns pontos,<br />

todos tínhamos a esperança de que<br />

a terceira República significasse um<br />

momento de viragem. E por isso, os<br />

discursos que falaram da viragem foram<br />

tão aplaudidos.<br />

Eis que levamos todos um murro<br />

no estômago e ficamos abismados<br />

não só com o que se fez mas com o<br />

desplante como em público ainda se<br />

defende o absurdo. Afinal, a terceira<br />

República não entrou mesmo porque<br />

o se se aplicasse tolerância zero contra<br />

os autores de abusos não haveria<br />

necessidade de explicar mais Constituição<br />

nenhuma. Seria a prática pela<br />

prática. À prática de desobedecer à<br />

lei e da administração arrogante responder-se-ia<br />

com a lei constitucional<br />

e com a terceira República, obrigando<br />

a quem abusa e viola a lei a retratarse,<br />

a concertar os sarilhos ou a ir para<br />

casa tratar dos bens privados.<br />

Todos sabemos que isso não vai<br />

acontecer e os deputados da Assembleia<br />

Nacional vão andar de conferência<br />

em conferência a explicar o<br />

quão bonito foi o seu trabalho de legislador,<br />

quando agora, o momento<br />

de agora, é de prática, acções práticas,<br />

respostas práticas perante a prática<br />

de fazer tábua rasa da Constituição,<br />

da novíssima Constituição que nem<br />

três meses tem.<br />

Não nos interessa mais entrar na<br />

discussão imediata. Para nós, o essencial<br />

é conseguirmos levar o governo<br />

e as entidades fiscalizadoras a<br />

actuarem em defesa da Constituição.<br />

Depois da fragmentação que o debate<br />

da Constituição criou na sociedade, o<br />

pior que poderia acontecer é vermos<br />

reabrir a discussão sobre a eficácia da<br />

lei magna. O pior é vermos instalar<br />

o descrédito geral quando a prática<br />

destes dias nos mostra que diga lá o<br />

É preciso preparar<br />

as pessoas para<br />

a nova realidade<br />

constitucional, nomeadamente<br />

ensinando<br />

a sociedade<br />

a não claudicar<br />

da defesa dos seus<br />

direitos, a administração<br />

pública a<br />

passar a respeitar<br />

mais os cidadãos<br />

para os quais trabalha<br />

e a justiça a<br />

não se fazer de surda,<br />

muda e morta<br />

sempre que a sociedade<br />

se agita<br />

que a lei disser, se for necessário censurar,<br />

censura-se, se for necessário<br />

despejar sem qualquer negociação,<br />

despeja-se e se for necessário proibir<br />

manifestações, proíbe-se mesmo.<br />

Não há lei que vingue se cada um<br />

continuar a fazer a sua própria lei ou<br />

a ver a lei segundo as suas conveniências.<br />

Se a Lei Constitucional era de<br />

certo modo ambígua em relação a casos<br />

como os ocorridos, a nova Constituição<br />

não podia ser mais clara.<br />

Sobre as manifestações por exemplo,<br />

o art. 47 assegura que é garantida a<br />

todos os cidadãos a liberdade de reunião<br />

e de manifestação pacífica e sem<br />

armas, sem necessidade de qualquer<br />

autorização e nos termos da lei detalhando<br />

que, no caso dessas reuniões e<br />

manifestações ocorrerem em lugares<br />

públicos, elas devem ser antecedidas<br />

de uma comunicação à autoridade<br />

competente. Ora confundir comunicação<br />

com pedido de autorização é<br />

mera manipulação. O mesmo se aplica<br />

aos casos da comunicação social e<br />

da expropriação dos cidadãos. A lei<br />

magna é claríssima.<br />

O outro aspecto é a celeridade da<br />

justiça. A procuradoria não deve defender<br />

os governadores mas o Estado.<br />

Toda a acção administrativa ilegal segundo<br />

a actual Constituição pode representar<br />

altos custos para a imagem<br />

e para os bolsos do Estado. De acordo<br />

com o art. 75, o Estado e outras pessoas<br />

colectivas públicas são solidária<br />

e civilmente responsáveis por acções<br />

de que resulte violação dos direitos, liberdades<br />

e garantias ou prejuízo para<br />

o titular destes ou para terceiros. A<br />

procuradoria como defensora do Estado<br />

deveria ser a primeira a solicitar<br />

providências cautelares aos tribunais<br />

nos casos em que medidas administrativas<br />

fossem susceptíveis de, mais<br />

tarde, dar lugar a indemnizações ou<br />

processos onerosos contra o Estado.<br />

Os próprios tribunais deveriam ter<br />

a capacidade para sumariamente<br />

analisar casos em que houvesse claramente<br />

um diferendo entre os cidadãos<br />

e as autoridades.<br />

É preciso, portanto, preparar as<br />

pessoas para a nova realidade constitucional,<br />

nomeadamente ensinando<br />

a sociedade a não claudicar da defesa<br />

dos seus direitos, a administração pública<br />

a passar a respeitar mais os cidadãos<br />

para os quais trabalha e a justiça<br />

a não se fazer de surda, muda e morta<br />

sempre que a sociedade se agita. A<br />

nossa justiça tem um medo terrível<br />

de decidir sobretudo quando estão<br />

envolvidos graúdos. É um caminho<br />

logo que passa desde já pelo primeiro<br />

passo da autoridade central não esconder<br />

a cabeça na areia e não pactuar<br />

com violações à Constituição.<br />

Se houver coragem para esse primeiro<br />

passo, tudo o resto será doravante<br />

mais fácil. Há coragem para<br />

isso? ■

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