Semanário Angolense 360 edição - Falambora-Chat
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8 Sábado, 27 de Março de 2010.<br />
Política<br />
UNICER usa cerveja para<br />
corromper governantes<br />
Denúncia do investigador Rafael Marques desmascara actuação da cervejeira portuguesa na constituição<br />
de um empreendimento que, mesmo em violação dos preceitos legais, envolve o antigo PCA da ANIP, os ministros<br />
da Indústria e Minas e dos Petróleos, assim como o governador de Benguela<br />
A<br />
UNICER, a maior empresa<br />
de bebidas de Portugal,<br />
preparou a sua<br />
penetração no mercado<br />
angolano por via de uma associação<br />
a figuras poderosas do regime<br />
que conforma geralmente actos de<br />
corrupção, assim como pelo desrespeito<br />
de legislação que rege o ordenamento<br />
jurídico angolano, usando<br />
a impunidade dos dirigentes arregimentados<br />
para os seus negócios.<br />
Isso mesmo é denunciado numa<br />
investigação em que o jornalista e<br />
antigo activista dos Direitos Humanos<br />
Rafael Marques aborda a<br />
questão específica da introdução da<br />
cervejeira portuguesa em Angola,<br />
depois de numa outra «démarche»<br />
ter-se debruçado sobre a multinacional<br />
francesa do ramo cervejeiro<br />
Castel Group e sobre o braço sulafricano<br />
da Coca-Cola, SABMiller.<br />
Rafael Marques recorda que o<br />
representante da UNICER em Angola,<br />
José Teixeira, anunciou em<br />
Janeiro de 2009, em entrevista ao<br />
semanário O País, que a sua empresa<br />
tinha em curso a montagem de<br />
uma nova fábrica de cervejas designada<br />
União de Cervejas de Angola<br />
(UNICA), a qual deveria entrar em<br />
funcionamento em Maio de 2011, na<br />
província do Bengo.<br />
Quando, entretanto, Rafael Marques<br />
faz um inventário da constituição<br />
accionista da UNICA, chega<br />
rapidamente à conclusão de que se<br />
está em presença de um fenómeno<br />
de tráfico de influências, em que a<br />
UNICER cumpre o primeiro dos<br />
seus planos tácticos de penetração:<br />
a associação a figuras poderosas do<br />
regime que facilitem a tramitação<br />
das decisões do Conselho de Ministros<br />
e a própria política do Governo.<br />
Na UNICA, nota Rafael Marques,<br />
a UNICER, que subscreve 49<br />
por cento do capital, tem como parceiros<br />
as empresas angolanas EM-<br />
PROMINAS, GIASOPE e IMOSIL,<br />
que, em conjunto, titulam 51 por<br />
cento do capital, equitativamente<br />
repartido em 17 por cento para cada<br />
uma delas.<br />
Ora, a EMPROMINAS – Sociedade<br />
de Exploração Mineira, nota<br />
o investigador, é uma empresa de<br />
Carlos António Fernandes, que na<br />
altura em que se deu a assinatura<br />
do contrato de investimento exercia<br />
a função de presidente do Conselho<br />
de Administração da Agência<br />
Nacional de Investimento Privado<br />
(ANIP), a instituição governamental<br />
que sanciona as propostas de investimento<br />
submetidas por investidores<br />
nacionais e estrangeiros.<br />
Carlos Fernandes criou a EM-<br />
PROMINAS em Dezembro de 2005,<br />
subscrevendo 94,4 por cento das acções<br />
e destinando o resto, 5,6 por<br />
cento, ao seu filho Ricardo Ngangula<br />
Correia Fernandes. A empresa<br />
tem sede em Luanda, na residência<br />
dos seus proprietários, a família Fernandes,<br />
segundo Rafael Marques.<br />
Rafael Marques denunciou o facto<br />
flagrante de no acto de subscrição<br />
do contrato de investimento, Carlos<br />
Fernandes ter representado tanto a<br />
ANIP, em nome do Estado, quanto<br />
os seus próprios interesses privados,<br />
a EMPROMINAS.<br />
A GIASOPE - Sociedade Comercial<br />
Agrícola e Pecuária, por seu<br />
lado, é uma empresa titulada pelos<br />
ministros da Indústria e Minas e dos<br />
Petróleo, respectivamente Joaquim<br />
David e José Botelho de Vasconcelos.<br />
A empresa foi criada em Julho<br />
de 1994.<br />
Segundo Rafael Marques, os dois<br />
ministros tiveram direito de voto na<br />
reunião do Conselho de Ministro<br />
em que esse projecto foi aprovado,<br />
considerando o investigador que<br />
nem só ambos tiveram a oportunidade<br />
de votar a favor do seu próprio<br />
projecto privado, como, também,<br />
contaram com a «solidariedade» do<br />
Presidente da República, na qualidade<br />
de Chefe do Governo, e dos outros<br />
ministros.<br />
PRESIDENTE do Conselho de Administração da ANIP, Carlos Fernandes<br />
violou flagrantemente o n.º 10 da Lei dos Crimes Cometidos pelos<br />
Titulares de Cargos de Responsabilidade<br />
O investigador atribui à IMOSIL<br />
– Engenharia e Construções Ltda,<br />
uma empresa criada em Novembro<br />
de 2006, ao general Armando da<br />
Cruz Neto, actual governador da<br />
província de Benguela.<br />
A IMOSIL alterou o seu pacto<br />
Os números do negócio<br />
Segundo Rafael Marques, o mercado angolano<br />
«tem sido bastante cobiçado» pelas multinacionais<br />
do sector cervejeiro, sendo o terceiro maior<br />
de África.<br />
Segundo o representante da UNICER em Angola, Citado<br />
pel’O País em Janeiro de 2009, o representante da<br />
UNICER disse que em 2008 o gigante português do sector<br />
vendeu a Angola 125 milhões de litros.<br />
Os negócios estavam contados em 60 milhões de euros<br />
(um euro equivale a 102 kwanzas) e confirmaram a UNI-<br />
CER como líder do mercado de cervejas importadas, com<br />
social em Julho de 2008, antes da<br />
celebração do contrato de investimento.<br />
Com isso, três outros sócios<br />
da empresa cederam as suas participações<br />
a Armando da Cruz Neto,<br />
que passou a controlar a totalidade<br />
do capital da empresa.<br />
uma quota de 70 por cento. As marcas responsáveis por<br />
esse «score» eram a Cristal e a Super Bock, num mercado<br />
entretanto liderado pela cervejeira nacional Cuca.<br />
Na UNICA, onde a UNICER se associa a influentes<br />
decisores públicos angolanos, o investimento total previsto<br />
para que a fabrica comece a funcionar em Maio de 2011 é<br />
de 84,6 milhões de dólares (um dólar equivale a 93 kwanzas).<br />
O projecto de investimento para a construção da ÚNI-<br />
CA foi aprovado pelo Conselho de Ministros de 23 de Março<br />
de 2008.<br />
Com base nas atitudes e procedimentos<br />
adoptados pelos servidores<br />
públicos envolvidos na UNICA, Rafael<br />
Marques considera, no caso de<br />
Carlos Fernandes, ficar conformada<br />
uma violação ao estabelecido na Lei<br />
dos Crimes Cometidos pelos Titulares<br />
de Cargos de Responsabilidade,<br />
que, no seu artigo 10º, «proíbe o dirigente<br />
de participação económica<br />
em negócio sobre o qual tenha poder<br />
de influência ou decisão no exercício<br />
oficial das suas funções».<br />
Segundo o investigador, isso<br />
também é aplicável a Joaquim David<br />
e a José Botelho de Vasconcelos,<br />
havendo a agravar os factos do<br />
envolvimento destes dois membros<br />
do Governo o que ele diz ser o indício<br />
do Conselho de Ministros ser<br />
«um clube de sócios privados» e a<br />
explicação parcial do «factor cumplicidade<br />
que existe na provação de<br />
projectos corruptos».<br />
O governador de Benguela também<br />
violou o preceituado no nº 2<br />
artigo 10º da Lei dos Crimes Cometidos<br />
pelos Titulares de Cargos<br />
de Responsabilidade, de acordo<br />
com Rafael Marques.<br />
Mas, conclui o investigador quando<br />
se refere à actuação da UNICER,<br />
associações dessa natureza, para<br />
além das contravenções à legislação<br />
em vigor, podem servir para a lavagem<br />
de dinheiro e património saqueados<br />
do Estado por governantes.<br />
De acordo com Rafael Marques,<br />
ao estabelecer sociedade com o<br />
então presidente da ANIP, os ministros<br />
da Indústria e Petróleos,<br />
assim como com o governador de<br />
Benguela, a cervejeira portuguesa<br />
«incorre na prática de tráfico de<br />
influências e corrupção activa de<br />
dirigentes angolanos».<br />
O investigador declara poder<br />
afirmá-lo com base na Convenção<br />
das Nações Unidas contra<br />
a Corrupção, da qual Angola e<br />
Portugal são signatários. Enquanto<br />
Angola a incorporou no<br />
seu ordenamento jurídico em Junho<br />
de 2006, Portugal ratificou-a<br />
em Setembro de 2007.<br />
A Convenção das Nações Unidas<br />
contra a Corrupção define, no<br />
seu artigo 18, o tráfico de influência<br />
com um acto de corrupção,<br />
recorda Rafael Marques. ■