3. A importância das traduções e retraduçõesToury (1995) afirma que a cultura-alvo <strong>de</strong>termina a necessida<strong>de</strong> da tradução,seja para que a tradução preencha certa lacuna na cultura <strong>de</strong> chegada seja paraafirmar a posição <strong>de</strong> uma cultura estrangeira na cultura <strong>de</strong> chegada. Portanto, épossível assumir que uma obra consi<strong>de</strong>rada universal como O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray,<strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>, possui papel relevante na cultura <strong>de</strong> chegada, já que existem mais <strong>de</strong><strong>de</strong>z retraduções <strong>do</strong> título, surgidas após a pioneira tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio, <strong>de</strong> 1923.Gentzler analisa a contribuição <strong>de</strong> Toury e seu foco no sistema da cultura-alvo,comentan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> comparativo que aqui realizamos:<strong>As</strong>sim, em termos <strong>de</strong> tradução, se quisermos distinguir tendênciasregulares, precisamos estudar não apenas textos individuais, massim traduções múltiplas <strong>do</strong> mesmo texto original, à medida queocorrem em uma cultura receptora em diferentes épocas da história.(GENTZLER, 2009, p.163)<strong>As</strong>sim, po<strong>de</strong>mos justificar o estu<strong>do</strong> e a existência das retraduções, pois cadaépoca da história <strong>de</strong>ixa refletir na sua tradução as normas tradutórias coletivas <strong>de</strong>cada tempo, o que cada época tem como a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> em termos <strong>de</strong> tradução. Por meiodas análises, po<strong>de</strong>mos igualmente i<strong>de</strong>ntificar características individuais <strong>de</strong> cadatradução, um estilo próprio <strong>de</strong> cada tradutor.3.1 A tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> RioJoão Paulo Coelho Barreto, mais conheci<strong>do</strong> como João <strong>do</strong> Rio, nasceu emagosto <strong>de</strong> 1881 e foi notável jornalista, crítico, escritor e tradutor. Começou atrabalhar ainda a<strong>do</strong>lescente e logo ascen<strong>de</strong>u profissionalmente. Sua escritarevolucionou o campo jornalístico e por muitos foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o primeiro gran<strong>de</strong>repórter brasileiro <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século, principalmente após a publicação <strong>de</strong> <strong>As</strong>Religiões <strong>do</strong> Rio, uma compilação <strong>de</strong> reportagens investigativas que mostravam umRio <strong>de</strong> Janeiro oculta<strong>do</strong> pelo governo.A influência <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> em sua obra também é notável. O escritor foigran<strong>de</strong> inspiração para João <strong>do</strong> Rio, que incorporou a figura <strong>do</strong> dândi wil<strong>de</strong>ano em suavida e obra. A presença <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong> na produção literária <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio é mais evi<strong>de</strong>nte,como, por exemplo, a semelhança entre seus personagens, a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> cenários e a4
importância <strong>do</strong> perfume para seus personagens e ambientes. No entanto, segun<strong>do</strong>Faria (1988), o escritor irlandês também está presente no trabalho jornalístico <strong>do</strong>carioca, que utilizava a estética wil<strong>de</strong>ana para <strong>de</strong>screver ambientes reais.A sua admiração por Wil<strong>de</strong> o levou a traduzir duas outras obras <strong>do</strong> autor(Intenções, <strong>de</strong> 1891, e Salomé, <strong>de</strong> 1893), além <strong>de</strong> O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray. No caso <strong>de</strong>Dorian Gray e Salomé, o título sugeri<strong>do</strong> pela tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio foi manti<strong>do</strong> nasretraduções, já os ensaios compila<strong>do</strong>s em Intenções só foram publica<strong>do</strong>s comoconjunto na tradução <strong>do</strong> escritor carioca.Na primeira edição <strong>do</strong> romance, publicada pela Livraria Garnier em 1923, João<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>ixa clara sua admiração pela obra <strong>do</strong> escritor irlandês em uma notaapresentada após o prefácio <strong>do</strong> autor:O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray é há trinta anos o livro <strong>de</strong> ficção maissensacional da terra. A sua sedução persiste, é cada vez maior. Hojepassou a ser o cre<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma estética nova, na terra inteira.O prefácio <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong>, por consistir em frases curtas e expressas em linguagemsimples e direta, como um aforismo <strong>de</strong>ve ser, resulta em traduções muito próximas <strong>do</strong>original em inglês. No entanto, a tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>ixa algumaspeculiarida<strong>de</strong>s no texto em português, como se po<strong>de</strong> ver nos exemplos abaixo.Exemplo 1OriginalThe critic is he who can translateinto another manner or a newmaterial his impression ofbeautiful things.João <strong>do</strong> RioCrítico é aquele que po<strong>de</strong> traduzird’outra forma ou com processosnovos a impressão <strong>de</strong>ixada pelasbelas coisas.A tradução <strong>de</strong> “new material” por “processos novos” <strong>de</strong>ixa a frase redundante,pois “traduzir d’outra forma” já implica o uso <strong>de</strong> “processos novos”, e assim a i<strong>de</strong>i a <strong>do</strong>uso <strong>de</strong> “new material” é perdida no texto em português. A tradução <strong>de</strong> “new material”por “em novo material” seria mais a<strong>de</strong>quada, como veremos posteriormente.5