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No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

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<strong>No</strong> <strong>fio</strong> <strong>da</strong> <strong>navalha</strong> 27voluntário e quase missionário <strong>de</strong> prevenção à Aids, na Casa <strong>de</strong> Detenção<strong>de</strong> São Paulo, o <strong>hoje</strong> extinto Carandiru. Por trás <strong>da</strong>s muralhas, Varellaconheceu uma espécie <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> regi<strong>da</strong> por leis próprias, outra moe<strong>da</strong>e valores específicos, <strong>de</strong> cujos habitantes ouviu, numa língua particular,histórias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>de</strong> morte, até a antológica rebelião final, <strong>de</strong> todosconheci<strong>da</strong>, que termi<strong>no</strong>u com um pavoroso banho <strong>de</strong> sangue.Po<strong>de</strong>-se dizer que, estruturalmente, o livro segue a tradição dos antigos“relatos <strong>de</strong> viagem”, acrescido <strong>de</strong> um toque <strong>de</strong> ficcionali<strong>da</strong><strong>de</strong>: primeiro,<strong>de</strong>scrições do espaço a ser <strong>de</strong>sbravado, os meandros <strong>de</strong> sua geografiainterna, seus habitantes, usos e costumes; <strong>de</strong>pois, as vivências <strong>de</strong>les,sua linguagem, embates, vi<strong>da</strong> e morte. O autor, um viajante pisando emterras estranhas. <strong>No</strong>vamente o <strong>de</strong>sconhecido, o exótico, o pitoresco, tãolonge e tão perigosamente perto. A diferença crucial <strong>de</strong>stas terras comrelação a <strong>da</strong> favela antes visita<strong>da</strong> é a privação <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois as condições<strong>de</strong> penúria e os habitantes são os mesmos; se lá havia “bichossoltos”,“bandidos”, marginais”, vivendo em condições mínimas, aquiexistem “ladrões, estelionatários, traficantes, estupradores, assassi<strong>no</strong>s” 24 ,vale dizer, “bichos-presos”. E é justamente isso que Varella afirma querermostrar, logo <strong>no</strong> prefácio: que a per<strong>da</strong> <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e a restrição do espaçofísico não levam necessariamente à barbárie 25 .Nesse sentido, segundo seu relato, o contato semanal com ospresos permitiu-lhe fazer <strong>de</strong>scobertas surpreen<strong>de</strong>ntes, como, porexemplo, o baixo índice <strong>de</strong> mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> em um ambiente fechado,dominado pelo crime, ou a percepção <strong>de</strong> que a li<strong>de</strong>rança, <strong>de</strong>ntrodo presídio, não é conquista<strong>da</strong> pelo mais forte, mas por aquele queconsegue estabelecer mais alianças. Ou seja, em <strong>no</strong>me <strong>da</strong> sobrevivência,cria-se uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual quem infringe as regras alimesmo estabeleci<strong>da</strong>s paga com a própria vi<strong>da</strong>; uma espécie <strong>de</strong> civilizaçãoparalela regi<strong>da</strong> por um sistema moral com <strong>no</strong>ções claras <strong>de</strong>certo e errado, que não são certamente as instituí<strong>da</strong>s fora <strong>da</strong>s gra-24Op. cit., p. 11.25“Em cativeiro, os homens, como os <strong>de</strong>mais gran<strong>de</strong>s primatas (orangotangos, gorilas,chimpanzés ebo<strong>no</strong>bos), criam <strong>no</strong>vas regras <strong>de</strong> comportamento com o objetivo <strong>de</strong> preservar a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> do grupo.Esse processo a<strong>da</strong>ptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica,cujas leis são aplica<strong>da</strong>s com extremo rigor: Entre nós, um crime jamais prescreve, doutor “. Id. , p. 10.

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