13.07.2015 Views

No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>No</strong> <strong>fio</strong> <strong>da</strong> <strong>navalha</strong> 19à or<strong>de</strong>m e o crime. “Em sua versão benigna, a valorização <strong>da</strong> malandragemcorrespon<strong>de</strong> ao elogio <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptativa e <strong>da</strong> predominância <strong>da</strong>especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s circunstâncias e <strong>da</strong>s relações pessoais sobre a friezareducionista e generalizante <strong>da</strong> lei (...). Em sua versão maximalista e maligna,porém, a valorização <strong>da</strong> malandragem equivale à negação dos princípioselementares <strong>de</strong> justiça, como a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> perante a lei e ao <strong>de</strong>scrédito<strong>da</strong>s instituições <strong>de</strong>mocráticas” 5 . Voltaremos a esse ponto mais adiante.O roteiro do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>literatura</strong> urbana necessariamentepassa por espaços que, já <strong>no</strong> século XIX, po<strong>de</strong>m ser chamados <strong>de</strong> espaços<strong>da</strong> exclusão: os “cortiços” e “casas <strong>de</strong> pensão” <strong>de</strong> Aluízio <strong>de</strong> Azevedo.Precursores <strong>da</strong>s atuais “neofavelas”, <strong>da</strong>s “ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Deus” e dos “capões” 6 ,abrigavam aqueles que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> explorava e refugava: escravos libertos,brancos pobres, imigrantes, prostitutas, homossexuais, vadios, todosantecessores dos “bichos-soltos” e dos “carandirus” <strong>de</strong> <strong>hoje</strong>. As formas <strong>de</strong><strong>violência</strong> ali representa<strong>da</strong>s obe<strong>de</strong>ciam aos códigos naturalistas <strong>da</strong> época,compreendidos como a simbolização mimética <strong>de</strong>terminista <strong>de</strong> conflitossociais que brotavam do submundo dos centros urba<strong>no</strong>s <strong>de</strong> então.Não há como negar que a <strong>violência</strong> assume o papel <strong>de</strong> protagonista <strong>de</strong>staca<strong>da</strong><strong>da</strong> ficção brasileira urbana a partir dos a<strong>no</strong>s 60 do século XX, principalmentedurante a ditadura militar 7 , traduzindo a introdução do país <strong>no</strong>circuito do capitalismo avançado. A industrialização crescente <strong>de</strong>sses a<strong>no</strong>svai – em última instância – <strong>da</strong>r força à ficção centra<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong> dos gran<strong>de</strong>scentros, que incham e se <strong>de</strong>terioram; <strong>da</strong>í a ênfase em todos os problemassociais e existenciais <strong>de</strong>correntes, entre eles a ascensão <strong>da</strong> <strong>violência</strong> a níveisinsuportáveis. Está formado o <strong>no</strong>vo cenário para a revitalização do realismo edo naturalismo, agora com tintas mais sombrias, não mais divididos em “campo”e “ci<strong>da</strong><strong>de</strong>”, como antes, mas ancorados numa única matéria bruta, fértile muito real: a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> cindi<strong>da</strong> 8 , ou seja, já irremediavelmente dividi<strong>da</strong> em“centro” e “periferia”, em “favela” e “asfalto”, em “ci<strong>da</strong><strong>de</strong>” e “subúrbio”, em“bairro” e “orla”, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo o uso <strong>de</strong>sses termos <strong>da</strong> região do país.5Soares, op. cit., p. 25.6Referência ao livro Capão Pecado, <strong>de</strong> Ferréz, que se insere na mesma vertente temática aqui analisa<strong>da</strong>.7Não incluo aqui a <strong>literatura</strong> <strong>de</strong>sses tempos, que brota <strong>da</strong>s lutas contra a repressão, pois trata-se <strong>de</strong>tópico específico que extrapola o tema <strong>de</strong>ste ensaio e a respeito do qual já existe ampla bibliografia.8Tomo <strong>de</strong> empréstimo o conhecido conceito <strong>de</strong> Zuenir Ventura, ci<strong>da</strong><strong>de</strong> parti<strong>da</strong>.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!