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No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

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30 Tânia Pellegriniprindo uma missão que lhe faculta ver e ouvir com simpatia e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>29 . Não há revolta ou contestação, apenas a observação, que procuratodo o tempo ser isenta e imparcial – <strong>de</strong> acordo com o tipo <strong>de</strong>relato escolhido –, inclusive quando transmite as histórias ouvi<strong>da</strong>s dospresos. Deixando-os narrar suas vi<strong>da</strong>s, com mentiras ou ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s atenua<strong>da</strong>s– não há como saber –, Varella legitima caridosamente suas versõese permite que eles sejam vistos como querem, como vítimas <strong>da</strong>s circunstânciase do “sistema”. Tal opção narrativa mostra o crime como algoexplicável, tira o peso amedrontador <strong>da</strong>s situações e acaba confortando oleitor, que se sente envolvido numa incursão humanitária que o exime <strong>de</strong>qualquer culpa perante aquela situação e perante o massacre final. Se acatarse ocorre, é pela falta e não pelo excesso, pois a linguagem se <strong>de</strong>témna ante-sala do horror, problematizando assim seu próprio limite.Como não se trata <strong>de</strong> ficção, mas <strong>de</strong> um “relato <strong>de</strong> viajante”, emboraem primeira pessoa, não ocorre “abdicação estilística”: o narrador nãoprocura se i<strong>de</strong>ntificar àquelas paisagens e seus habitantes, conserva odistanciamento <strong>de</strong> sua classe e condição, não se <strong>de</strong>ixando contaminarpor aquele universo “interessante em si mesmo e propício à estetização”.Assim, o exotismo intrínseco a essa condição – que existe – não precisaser exacerbado até o limite, com a representação sadicamente minuciosado crime, <strong>da</strong> dor e <strong>da</strong> abjeção. A <strong>violência</strong> é a palo seco: curta, direta einstantânea; existe nela uma lógica específica, na medi<strong>da</strong> em que, <strong>de</strong>acordo com a narrativa, a todo efeito correspon<strong>de</strong> uma causa explicita<strong>da</strong><strong>no</strong> próprio universo retratado, ou seja, existe uma explicação e uma justificativa,inerentes àquele universo ou à vi<strong>da</strong> fora <strong>de</strong>le. Além disso, a<strong>violência</strong> aí é, para o leitor, um exótico previsível, <strong>da</strong><strong>da</strong> a matéria retrata<strong>da</strong>.Algo como esperar batalhas sangrentas ou mesmo a antropofagia <strong>da</strong>stribos <strong>de</strong> índios dos antigos relatos <strong>de</strong> viajantes e catequistas.Nesse sentido, não se instaura nenhuma ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> com relaçãoà representação <strong>da</strong> <strong>violência</strong>; o que se tem é uma contenção estilísticaproposital, revelando inclusive a compaixão <strong>de</strong> quem procura<strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente ver seres huma<strong>no</strong>s por trás <strong>da</strong> condição <strong>de</strong> “bichospresos”;por outro lado, não há complacência ou a instauração <strong>de</strong> umaversão minimiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> malandragem na representação,pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início sabe-se que ali se trata <strong>de</strong> crime e <strong>de</strong> crimi<strong>no</strong>sos. Ameu ver, é essa contenção clássica que filtra o sadismo e o sangue,

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