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No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

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32 Tânia Pellegrinina ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, frutos do profundo mal-estar <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s contemporâneasem geral, agudizado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> por suas condições sócio-culturaisespecíficas. Nessa linha, é bastante provável que a produção e o consumodos textos aqui analisados, como vimos, tenha brotado justamentedo i<strong>no</strong>minável, <strong>da</strong> irresistível atração pelo abjeto, representado pela ausência<strong>de</strong> limites para o excesso <strong>de</strong> <strong>violência</strong> (variável em ca<strong>da</strong> texto),mas também <strong>da</strong> visão “exemplar” dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> experiência humanaquase em estado primitivo, anterior à constituição do indivíduo comoum ser apto a viver com digni<strong>da</strong><strong>de</strong> em uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civiliza<strong>da</strong>, porquejusta. Algo como a “positivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do negativo”, que se efetua quando <strong>no</strong>s<strong>de</strong>paramos com os limites <strong>da</strong> representação; a transgressão <strong>de</strong>sses limitesrevela a concretu<strong>de</strong> do horror, po<strong>de</strong>ndo servir, assim, à causa <strong>de</strong> umapossível transformação.A <strong>de</strong>speito <strong>da</strong>s ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>s aponta<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> texto – oriun<strong>da</strong>sdo tratamento ambivalente <strong>da</strong> <strong>violência</strong> ao longo <strong>da</strong> história <strong>da</strong> culturanacional, como vimos -, a <strong>de</strong>speito do potencial <strong>de</strong> exotismo presenteem ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les, propício à estetização e à sua transformação emmercadoria, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> sua espetacularização e <strong>da</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção impostapor um “valor <strong>de</strong> culto” conferido à <strong>violência</strong> <strong>no</strong> interior <strong>da</strong> culturacontemporânea, esses textos são representações <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>traumática inescapável, tal como ela se configura, com alguns matizes,na maioria dos países do terceiro mundo. É claro que, como evi<strong>de</strong>nciamos,as representações paroxísticas <strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong> <strong>violência</strong> aqui examina<strong>da</strong>spo<strong>de</strong>m funcionar como reforço dos antigos estereótipos <strong>da</strong> culturabrasileira – e <strong>da</strong> cultura oci<strong>de</strong>ntal. Mas também po<strong>de</strong>m vir a seruma abertura para um discurso mais amplo e complexo, que comportaum viés político necessário; e é nesse <strong>fio</strong> <strong>de</strong> <strong>navalha</strong> que os textos analisadoscorrem, à revelia <strong>de</strong> si mesmos.Retomando Ador<strong>no</strong> 31 – sempre atual –, po<strong>de</strong>-se pensar que talvez sejaessa a única maneira <strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> frente essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: aceitando o trauma,representá-lo por meio <strong>de</strong> choques, rebentando “a tranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong> do leitordiante <strong>da</strong> coisa li<strong>da</strong>”, rompendo sua atitu<strong>de</strong> meramente contemplativa, “porquea ameaça permanente <strong>de</strong> catástrofe não permite mais a ninguém a observação<strong>de</strong>sinteressa<strong>da</strong>”. Ain<strong>da</strong> com ele, também se po<strong>de</strong> dizer que esse tipo <strong>de</strong>31Ador<strong>no</strong>, “Posição do narrador <strong>no</strong> romance contemporâneo”, em Os Pensadores, pp. 269-73.

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