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No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

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<strong>No</strong> <strong>fio</strong> <strong>da</strong> <strong>navalha</strong> 29explosões constantes <strong>de</strong> <strong>violência</strong> 27 . Essas ocorrem, mas sempre em circunstânciasespecíficas que, <strong>no</strong> mais <strong>da</strong>s vezes, envolvem ruptura do códigoestabelecido e aceito por todos 28 .Po<strong>de</strong>-se pensar que, <strong>no</strong> caso do universo que Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus retrata,o “mo<strong>no</strong>pólio <strong>de</strong> força” não é legitimado por ser percebido como distante<strong>no</strong> tempo e <strong>no</strong> espaço, abstrato e francamente <strong>de</strong>sfavorável, em se tratando<strong>da</strong>s leis instituí<strong>da</strong>s, representa<strong>da</strong>s por policiais corruptos, vis e extremamenteviolentos. Além disso, os “bichos-soltos” eximem-se <strong>de</strong> assumiras funções sociais mais elementares, agrupando-se aleatoriamente embandos cuja organização interna se baseia apenas na soma <strong>de</strong> individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>se cujo cimento é a obtenção <strong>de</strong> algum objetivo imediato: umamulher, um ponto <strong>de</strong> drogas, a morte <strong>de</strong> um oponente. Compara<strong>da</strong> à dopresídio, a vi<strong>da</strong> dos “bichos-soltos” oscila entre dois extremos: uma amplaliber<strong>da</strong><strong>de</strong>, que inclui <strong>da</strong>r vazão a seus sentimentos e paixões, à alegriaselvagem, à satisfação sem limites do prazer, do ódio, <strong>da</strong> <strong>de</strong>struição e até<strong>da</strong> tortura a todos os que lhe são hostis e a exposição a esses mesmostormentos, em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrota. Ou seja, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s favelas representa<strong>da</strong>s<strong>no</strong>s livros analisados é comparável àquelas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s primitivas,“não pacifica<strong>da</strong>s”, para retomar <strong>No</strong>rbert Elias, em que a satisfação doimpulso violento é autoriza<strong>da</strong> apenas pela pulsão do presente imediato.Parece-me que, ao contrário <strong>da</strong> atmosfera “guerreira” <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Deus, é <strong>de</strong>sse clima “pacificado” que Varella consegue – paradoxalmente– investir a representação <strong>de</strong> seu relato, o que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do ponto<strong>de</strong> vista por ele adotado: a primeira pessoa <strong>de</strong> um relator, <strong>de</strong>clara<strong>da</strong>mentealguém que não pertence àquele lugar, que ali está <strong>de</strong> passagem, cum-27“Passamos vários a<strong>no</strong>s neste lugar; tem que zelar como se fosse sua casa. Eu limpo <strong>hoje</strong> e só sereiencarregado <strong>da</strong>qui a 26 dias. Não teria <strong>de</strong>sculpa para não fazer <strong>no</strong> maior capricho. Outra, também,é que não ia <strong>da</strong>r certo. Querer bancar o espertinho entre nós, tudo malandro, ó, nunca tem finalfeliz”. Ver Estação Carandiru, p. 42.28“Dessa forma, os ladrões tornam explícito que seu código penal é implacável quando as vítimas sãoeles próprios. – Ladrão que rouba ladrão tem cem a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> perdão, só que quando a gente pega éproblema”. Id., p. 43.29“Essa aura <strong>de</strong> respeito sincero em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> figura do médico que lhes trazia uma pequena aju<strong>da</strong>exaltou em mim o senso <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação a eles. Com mais <strong>de</strong> vinte a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> clínica, foi<strong>no</strong> meio <strong>da</strong>queles que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra como escória que percebi com mais clareza o impacto <strong>da</strong>presença do médico <strong>no</strong> imaginário huma<strong>no</strong>, um dos mistérios <strong>da</strong> minha profissão”. Id., p. 75.

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