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No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

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18 Tânia Pellegrini<strong>da</strong> legali<strong>da</strong><strong>de</strong>, portanto um espaço com características diversas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> dosertão. Assim, aí prevalecem os códigos estabelecidos <strong>da</strong> lei e <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m, mesmoque muitas vezes aparentes, como bem mostraram já um certo Alencar, <strong>de</strong>poisMachado <strong>de</strong> Assis, Lima Barreto e outros. É sob o manto <strong>da</strong> aparência quevicejam, por exemplo, os expedientes do <strong>no</strong>sso sargento <strong>de</strong> milícias, aambivalência moral dos brás cubas, a pilantragem macunaímica, a complacênciaou a apatia <strong>de</strong> tantos anti-heróis mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s, bem como a feroci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>alguns personagens contemporâneos.Vê-se, portanto, que é muito difícil estabelecer uma linha clara quesepare a or<strong>de</strong>m legitimamente constituí<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong><strong>de</strong>,com gra<strong>da</strong>ções e aspectos diferentes, tanto <strong>no</strong> campo quanto na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>; ameu ver, essa ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> está na raiz <strong>da</strong> representação <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong><strong>violência</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as mais brutais até as mais sutis. Nesse sentido, <strong>de</strong>stacamsealguns conceitos importantes que integram soli<strong>da</strong>mente a cultura brasileira– e que, literariamente, são herança direta <strong>da</strong> picardia do sargento <strong>de</strong>milícias e <strong>da</strong> transgressão macunaímica –, cuja ambivalência dá margem àrepresentação <strong>de</strong> formas varia<strong>da</strong>s <strong>de</strong> <strong>violência</strong>: o “bom bandido”, e o “malandro”.Este último, cuja posição simpática e i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong>, mesmo quandodiretamente liga<strong>da</strong> à criminali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sempre recebe tratamento carinhoso edignificante, tor<strong>no</strong>u-se uma espécie <strong>de</strong> marca registra<strong>da</strong> do imagináriopopular relacionado à periferia dos gran<strong>de</strong>s centros urba<strong>no</strong>s 3 .Po<strong>de</strong>-se concor<strong>da</strong>r que há nesses conceitos uma valorização doethos <strong>da</strong> malandragem como possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> representação<strong>de</strong> um certo “caráter nacional”, baseado <strong>no</strong> humor irreverente,na ironia ferina, na simpatia constante, <strong>no</strong> <strong>de</strong>sa<strong>fio</strong> meio irresponsávelà qualquer autori<strong>da</strong><strong>de</strong>, na valorização <strong>de</strong> espaços e práticas estranhasao mundo do trabalho ou à disciplina produtiva: a preguiça,o calor, o sexo, a malemolência e mesmo uma <strong>violência</strong> “i<strong>no</strong>fensiva”<strong>no</strong>s peque<strong>no</strong>s <strong>de</strong>litos que balizam a contravenção e a ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>algumas práticas quotidianas 4 . E é fácil perceber que a valorização<strong>de</strong>sses tipos, além <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar um nível ingênuo <strong>de</strong> percepção <strong>da</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional, inevitavelmente acaba esbarrando nas prementesquestões que envolvem a marginali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a transgressão, o <strong>de</strong>sa<strong>fio</strong> à lei e3Ver Soares, “Uma interpretação do <strong>Brasil</strong> para contextualizar a <strong>violência</strong>”, em Pereira, op. cit., pp. 23-46.4Para uma análise <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> <strong>de</strong> tais questões, ver DaMatta, Carnavais, malandros e heróis.

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