13.07.2015 Views

No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>No</strong> <strong>fio</strong> <strong>da</strong> <strong>navalha</strong> 23em que a droga funciona ao mesmo tempo como estímulo e calmante. Aespiral ascen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> barbárie, <strong>de</strong>ntro do espaço único, fechado eclaustrofóbico que é a Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus 15 , induz o leitor me<strong>no</strong>s atento ou<strong>de</strong>savisado a pensar que existe uma espécie <strong>de</strong> autofagia inelutável obrigandoos habitantes a se <strong>de</strong>struírem sistematicamente. Isso porque aspessoas comuns que habitam as favelas, com sua vi<strong>da</strong> quotidiana <strong>de</strong> trabalho,não têm nenhum <strong>de</strong>staque e também não aparecem as causas efetivasdo estado <strong>de</strong> coisas <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>nte: os ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros man<strong>da</strong>ntes do tráfico<strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> armas e a corrupção política e militar que lhes asseguraa circulação e a sobrevivência.As personagens que percorrem esse espaço, “piranhas”, “bichos-soltos”,“otários”, “rapazes do conceito”, são na maioria adolescentes, ca<strong>da</strong>vez mais crianças à medi<strong>da</strong> que o tempo passa. Sempre miseráveis e analfabetos,são dizimados como insetos por uma maquinaria crimi<strong>no</strong>sa queenvolve muito mais instâncias do que as por eles conheci<strong>da</strong>s, em disputaspelo que lhes cabe nessa engrenagem: ínfimos troféus representados pormulheres, chefias <strong>de</strong> bando, posse <strong>de</strong> bocas-<strong>de</strong>-fumo, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, apenaspeque<strong>no</strong>s po<strong>de</strong>res e pequenas autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s diante <strong>da</strong> gigantesca re<strong>de</strong> quesustenta essa situação 16 .A discussão sobre o livro iniciou-se, por ocasião do seu lançamento,com uma resenha extremamente favorável do professor RobertoSchwarz, enfatizando-lhe a força e a originali<strong>da</strong><strong>de</strong> 17 . Nas suas palavras,a <strong>violência</strong>, <strong>no</strong> livro, tem características específicas: “Se por um lado ocrime forma um universo à parte, interessante em si mesmo e propício àestetização, por outro ele não fica fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> comum, o que proíbeo distanciamento estético, obrigando à leitura engaja<strong>da</strong>, quando mais15Não por acaso, a <strong>de</strong><strong>no</strong>minação dos espaços cria “não-lugares”: “Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus (...) re<strong>no</strong>meou ocharco: Lá em Cima, Lá na Frente, Lá Embaixo, Lá do Outro Lado do Rio e Os Apês” (p. 16).16“Os bandidos seguiram a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Belzebu. <strong>No</strong>vamente o policial e o sargento entreolharam-se.Combinaram tudo ali sem fazer uso <strong>da</strong> palavra. O primeiro tiro <strong>da</strong> pistola calibre 45 do sargentoatravessou a mão esquer<strong>da</strong> <strong>de</strong> Pelé e alojou-se em sua nuca. A raja<strong>da</strong> <strong>de</strong> metralhadora <strong>de</strong> Belzeburasgou o corpo <strong>de</strong> Pará. Um peque<strong>no</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas tentou socorrê-los, porém Belzebu proibiucom outra raja<strong>da</strong> <strong>de</strong> metralhadora, <strong>de</strong>sta vez para o alto. Aproximou-se dos corpos e <strong>de</strong>sfechou ostiros <strong>de</strong> misericórdia” (p. 94).17Sabe-se que o livro é uma espécie <strong>de</strong> ficcionalização <strong>de</strong> uma pesquisa et<strong>no</strong>gráfica na Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Deus, coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong> por Alba Zaluar, <strong>de</strong> que Paulo Lins, antigo morador, fez parte.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!