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IZABEL CRISTINA RIOSCAMINHOS DAHUMANIZAÇÃONA SAÚDEPRÁTICA E REFLEXÃO


CAMINHOS DAHUMANIZAÇÃONA SAÚDEPRÁTICA E REFLEXÃOIzabel Cristina Rios20091


Produção Editorial: Áurea EditoraCoordenação: Dirceu Pereira Jr.Edição: Milton BellintaniRevisão: Silvia MarangoniProjeto Gráfico e Diagramação: Mveras Design GráficoApoio Oficial:Rede de Reabilitação Lucy MontoroFun<strong>da</strong>ção Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (FFMUSP)<strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>dos</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>da</strong> <strong>Pessoa</strong> <strong>com</strong> DeficiênciaGoverno do Estado de São PauloDa<strong>dos</strong> Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Rios, Izabel CristinaCaminhos <strong>da</strong> humanização na saúde : prática ereflexão / Izabel Cristina Rios. -- São Paulo :Áurea Editora, 2009.Bibliografia.1. Humanização <strong>dos</strong> serviços de saúde 2. Médicoe paciente I. Título.09-06602 CDD-362.19892Índices para catálogo sistemático:1. Humanização <strong>dos</strong> serviços de saúde :Bem-estar social 362.198922


Para Eduardo3


SUMÁRIOPrefácio - Dra. Linamara Rizzo Battistella ................................................ 051. HumanizaçãoA essência <strong>da</strong> ação técnica e ética nas práticas de saúde............................. 072. Violência e Humanização.......................................................................... 273. O realce à Subjetivi<strong>da</strong>deAssim <strong>com</strong>eça a humanização na atenção à saúde....................................... 394. A cultura institucional <strong>da</strong> humanização................................................. 575. Modelo de curso de humanização para serviços de saúdeConceitos e estratégias para a ação.................................................................716. Humanização no ambiente de trabalhoO estudo de fatores psicossociais...................................................................1017. Oficinas de humanizaçãoAproximando as pessoas para o diálogo.......................................................1198. Recepção humaniza<strong>da</strong>O programa jovens acolhedores .................................................................... 1299. Ro<strong>da</strong>s de conversaAprendendo saúde mental no PSF................................................................ 13710. Impressões <strong>dos</strong> trabalhadores de uma uni<strong>da</strong>de básica de saúde sobreo seu trabalho.................................................................................................15111. Em busca <strong>da</strong> humanização nos serviços de saúdeA questão do método.................................................................................... 1674


PREFÁCIOLinamara Rizzo BattistellaHumanizar a assistência é conceito e atitude! O Programa Nacionalde Humanização Hospitalar, criado em 2000, assumiu o desafio de“ofertar atendimento de quali<strong>da</strong>de, articulando os avanços tecnológicos<strong>com</strong> acolhimento, melhoria <strong>dos</strong> cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> e <strong>da</strong>s condições de trabalho <strong>dos</strong>profissionais”. Este conceito depende <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça de atitude em direção acultura <strong>da</strong> excelência e <strong>da</strong> gestão <strong>dos</strong> processos de trabalho.Humanização é ferramenta de gestão, pois valoriza a quali<strong>da</strong>de doatendimento, preserva as dimensões biológicas, psicológicas e sociais <strong>dos</strong>usuários e enfatiza a <strong>com</strong>unicação e a integração <strong>dos</strong> profissionais.Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no respeito à vulnerabili<strong>da</strong>de humana e na crença deque a relação entre dois atores, profissional e paciente, está sempre sujeitaa emoções que devem ser guia<strong>da</strong>s pelo sentimento de <strong>com</strong>promisso e de<strong>com</strong>paixão. Assim, sem esquecer a objetivi<strong>da</strong>de, é preciso interpretar aexperiência de viver a doença, as seqüelas e a deficiência.Neste <strong>livro</strong> está traduzi<strong>da</strong>, <strong>com</strong> muita riqueza, a experiência <strong>da</strong> humanizaçãona assistência aos doentes crônicos e às pessoas <strong>com</strong> deficiência,para as quais a quali<strong>da</strong>de do cui<strong>da</strong>do supera a esperança de cura. Mas aautora vai mais longe, fornecendo as diretrizes para a implantação e o desenvolvimentodo programa de humanização hospitalar. Este <strong>livro</strong> traduz aexperiência <strong>da</strong> Dra. Izabel Cristina Rios, profissional, dedica<strong>da</strong> ao “cui<strong>da</strong>r” eapresenta os resulta<strong>dos</strong> de experiências bem sucedi<strong>da</strong>s, de ensinar os jovensmédicos sobre a importância <strong>da</strong> humanização do cui<strong>da</strong>do.A esperança emerge a partir do exercício de escutar-nos uns aosoutros e de reconhecer no sofrimento o direito ao atendimento precoce,resolutivo e de quali<strong>da</strong>de. O fortalecimento <strong>dos</strong> vulneráveis é alcançado<strong>com</strong> base nos direitos humanos e no respeito pela digni<strong>da</strong>de individual.Respeito é atributo indissociável <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Dra. Izabel Rios, que5


militou no programa de humanização desde a sua concepção, ajudou aimplantar esta estratégia na <strong>Secretaria</strong> de Estado de Saúde e, mais recentemente,no Hospital <strong>da</strong>s Clínicas <strong>da</strong> FMUSP. Apoiar a edição deste <strong>livro</strong>sinaliza o <strong>com</strong>promisso do Governo do Estado de São Paulo em oferecer aolado <strong>da</strong>s modernas tecnologias <strong>da</strong> área de saúde, profissionais qualifica<strong>dos</strong>e sensíveis aos valores e crenças que permeiam a emoção do paciente eseus familiares.A implantação destes programas de humanização na Rede de ReabilitaçãoLucy Montoro é um imperativo! O governo do Estado de SãoPaulo valoriza a oferta de modernas tecnologias na área de saúde, mas enfatizaa necessi<strong>da</strong>de permanente de qualificar, sensibilizar, e <strong>com</strong>prometeros profissionais <strong>com</strong> a humanização <strong>da</strong> assistência à saúde.Linamara Rizzo Battistella é Médica Fisiatra, Professora <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de deMedicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo, Coordenadora do Comitê de Humanização<strong>da</strong> Comissão de Bioética do Hospital <strong>da</strong>s Clínicas <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>dede Medicina <strong>da</strong> USP, Comitê Humaniza HC, e Secretária de Estado <strong>dos</strong><strong>Direitos</strong> <strong>da</strong> <strong>Pessoa</strong> <strong>com</strong> Deficiência do Governo do Estado de São Paulo.6


CAPÍTULO IHUMANIZAÇÃO:A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NASPRÁTICAS DE SAÚDE a


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEA humanização é hoje um tema frequente nos serviços públicos deSaúde, nos textos oficiais e nas publicações <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde Coletiva.Embora o termo laico humanização possa guar<strong>da</strong>r em si um traçomaniqueísta, seu uso histórico o consagra <strong>com</strong>o aquele que rememoramovimentos de recuperação de valores humanos esqueci<strong>dos</strong>, ou solapa<strong>dos</strong>em tempos de frouxidão ética. No nosso horizonte histórico, a humanizaçãodesponta, novamente, no momento em que a socie<strong>da</strong>de pós-modernapassa por uma revisão de valores e atitudes. Não é possível pensar a humanizaçãona saúde sem antes <strong>da</strong>r uma olha<strong>da</strong> no que acontece no mundocontemporâneo...Em uma visão panorâmica, a época <strong>da</strong> pós-moderni<strong>da</strong>de 1,2 se caracterizapelo reordenamento social decorrente do capitalismo multinacionale a globalização econômica. Desabaram os ideais utópicos, políticos, éticose estéticos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de que creditavam ao projeto iluminista a construçãode um mundo melhor, movido pela razão humana. As pessoas, ca<strong>da</strong>vez mais descrentes <strong>da</strong> política e <strong>da</strong>s ideias revolucionárias que, na prática,deram poder a governos corruptos e incapazes de promover o bem <strong>da</strong>nação, não buscaram mais seus referenciais de identificação nos grandescoletivos sociais, mas sim em si mesmas. Para certos autores, essa é uma<strong>da</strong>s principais características do que eles chamam de época hipermodernaou supermoderna 3,4 : a figura do excesso e <strong>da</strong> deformação nota<strong>da</strong>mente noque se refere ao “eu”.Nessa vertente, Lasch dá aos tempos atuais o nome de Cultura Narcísica,e Debors, de Socie<strong>da</strong>de do Espetáculo 5,6 , ora ressaltando o individualismo,o culto ao corpo e a supervalorização <strong>dos</strong> aspectos <strong>da</strong> aparênciaestética, ora ressaltando o exibicionismo, a captura pela imagem e o <strong>com</strong>portamentohistriônico que se realiza <strong>com</strong>o espetáculo.No campo <strong>da</strong>s relações, a per<strong>da</strong> de suportes sociais e éticos, soma<strong>da</strong>ao modo narcísico de ser, cria as condições para a intolerância à diferença,e o outro é visto não <strong>com</strong>o parceiro ou aliado, mas <strong>com</strong>o ameaça. Tal disposição,associa<strong>da</strong> à rapidez e pouco estímulo à reflexão sobre os aspectosexistenciais e morais do viver humano, faz <strong>com</strong> que a violência – que (pormotivos que fogem ao alcance deste artigo) é parte do nosso cotidiano – seapresente também <strong>com</strong>o modo de resolver conflitos.8aPublicado na forma de artigo na Revista Brasileira de Educação Médica, v., n., 2008.


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDENo contraponto, do meio do século XX para cá, <strong>com</strong>eçam a se desenharrespostas para a socie<strong>da</strong>de assim estabeleci<strong>da</strong>. <strong>Direitos</strong> Humanos, Bioética,Proteção Ambiental, Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, mais do que conceitos emergentes 7 , sãopráticas que vão ganhando espaço no dia-a-dia <strong>da</strong>s pessoas, chamando-nospara o trabalho de construção de outra reali<strong>da</strong>de.Na área <strong>da</strong> Saúde surgiram várias iniciativas <strong>com</strong> o nome de humanização.É bem provável que esse termo tenha sido forjado há umasduas déca<strong>da</strong>s, quando os acordes <strong>da</strong> luta anti-mani<strong>com</strong>ial, na área <strong>da</strong>Saúde Mental 8 , e do movimento feminista pela humanização do parto enascimento, na área <strong>da</strong> Saúde <strong>da</strong> Mulher 9 , <strong>com</strong>eçaram a ganhar volume eproduzir ruído suficiente para registrar marca histórica.Desde então, vários hospitais, predominantemente do setor público,<strong>com</strong>eçaram a desenvolver ações que chamavam de “humanizadoras”. Inicialmente,eram ações que tornavam o ambiente hospitalar mais afável:ativi<strong>da</strong>des lúdicas, lazer, entretenimento ou arte, melhorias na aparênciafísica <strong>dos</strong> serviços. Não chegavam a abalar ou modificar substancialmente aorganização do trabalho ou o modo de gestão, tampouco a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas,mas faziam o papel de válvulas de escape para diminuir o sofrimento que oambiente hospitalar provoca em pacientes e trabalhadores. Pouco a pouco, aideia foi ganhando consistência, resultando alterações de rotina (por exemplo,visita livre, a<strong>com</strong>panhante, dieta personaliza<strong>da</strong>).Em 2001, quando a <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde de São Paulofez um levantamento <strong>dos</strong> hospitais públicos do Estado que desenvolviamações humanizadoras, praticamente to<strong>dos</strong> faziam alguma coisa nesse sentido.O mesmo se verificou em noventa e quatro hospitais de referência nopaís, escolhi<strong>dos</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde, praticamente na mesma época.A iniciativa partia <strong>dos</strong> próprios trabalhadores, independentemente de incentivoou determinação <strong>dos</strong> gestores locais. Tratava-se de uma respostaa essa necessi<strong>da</strong>de senti<strong>da</strong> e reconheci<strong>da</strong> pelas pessoas em seus ambientesde trabalho.Hoje, várias son<strong>da</strong>gens conceituais, manifestações ideológicas, construçõesteóricas e técnicas e programas temáticos fazem <strong>da</strong> humanizaçãoum instigante campo de inovação <strong>da</strong> produção teórica e prática na área<strong>da</strong> Saúde 10 .9


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDESob vários olhares, a Humanização pode ser <strong>com</strong>preendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o:- Princípio de conduta de base humanista e ética- Movimento contra a violência institucional na área <strong>da</strong> Saúde- Política pública para a atenção e gestão no SUS- Metodologia auxiliar para a gestão participativa- Tecnologia do cui<strong>da</strong>do na assistência à saúdeEm nosso entender, a Humanização se fun<strong>da</strong>menta no respeito evalorização <strong>da</strong> pessoa humana, e constitui um processo que visa à transformação<strong>da</strong> cultura institucional, por meio <strong>da</strong> construção coletiva de<strong>com</strong>promissos éticos e de méto<strong>dos</strong> para as ações de atenção à Saúde e degestão <strong>dos</strong> serviços. Esse conceito amplo abriga as diversas visões <strong>da</strong> humanizaçãosupracita<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o abor<strong>da</strong>gens <strong>com</strong>plementares, que permitema realização <strong>dos</strong> propósitos para os quais aponta sua definição.A humanização reconhece o campo <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des <strong>com</strong>o instânciafun<strong>da</strong>mental para a melhor <strong>com</strong>preensão <strong>dos</strong> problemas e para a buscade soluções <strong>com</strong>partilha<strong>da</strong>s. Participação, autonomia, responsabili<strong>da</strong>de eatitude solidária são valores que caracterizam esse modo de fazer saúdeque resulta, ao final, em mais quali<strong>da</strong>de na atenção e melhores condiçõesde trabalho. Sua essência é a aliança <strong>da</strong> <strong>com</strong>petência técnica e tecnológica<strong>com</strong> a <strong>com</strong>petência ética e relacional.Humanização e ética“Humanizar o quê? Por acaso não somos humanos?” (Auxiliar deEnfermagem de uma UBS <strong>da</strong> SMS-SP)Há alguns anos, quando o assunto humanização chegou aos serviçosde Saúde, a reação <strong>dos</strong> trabalhadores foi a mais varia<strong>da</strong> possível. Algumaspessoas (que já trabalhavam <strong>com</strong> ações humanizadoras) sentiram-sefinalmente reconheci<strong>da</strong>s e encontraram seus pares, mas a maioria (que nãofazia a mínima ideia do que se tratava) reagiu <strong>com</strong> desdém ou indignação:não eram humanos, afinal? Humanizar os serviços soava <strong>com</strong>o um insulto.Entretanto, tão logo se <strong>com</strong>eçava a discutir a humanização <strong>com</strong>o o processode construção <strong>da</strong> ética relacional que recuperava valores humanísticosesmaeci<strong>dos</strong> pelo cotidiano institucional ora aflito, ora desvitalizado, ficavaclara a importância de trazer tal discussão para o campo <strong>da</strong> Saúde. A Me-10


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEdicina (e certamente to<strong>da</strong>s as profissões que se destinam ao cui<strong>da</strong>r) é umaprática ético-dependente 11 , ou seja, ain<strong>da</strong> que o mundo se acabe em umlivre agredir, em que vença o mais forte, o mais rico, ou o mais bonito, naárea <strong>da</strong> Saúde é imprescindível a educação para a ética nas relações entreas pessoas, sem a qual não é possível realizar a missão que nos destinaessa escolha profissional.Humanizar, então, não se refere a uma progressão na escala biológicaou antropológica, o que seria totalmente absurdo, mas ao reconhecimento<strong>da</strong> natureza humana em sua essência e a elaboração de acor<strong>dos</strong>de cooperação, de diretrizes de conduta ética, de atitudes profissionaiscondizentes <strong>com</strong> valores humanos coletivamente pactua<strong>dos</strong>.No sentido filosófico, humanização é um termo que encontra suas raízesno Humanismo 12 , corrente filosófica que reconhece o valor e a digni<strong>da</strong>dedo Homem – a medi<strong>da</strong> de to<strong>da</strong>s as coisas – considerando sua natureza, seuslimites, interesses e potenciais. O Humanismo busca <strong>com</strong>preender o Homeme criar meios para que os indivíduos <strong>com</strong>preen<strong>da</strong>m uns aos outros.Na leitura psicanalítica, o termo fala do lugar <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de nocampo <strong>da</strong> Saúde. Humanização, <strong>com</strong>o tornar humano, significa admitirto<strong>da</strong>s as dimensões humanas – históricas, sociais, artísticas, subjetivas,sagra<strong>da</strong>s ou nefastas – e possibilitar escolhas conscientes e responsáveis.A Psicanálise se encontra <strong>com</strong> o Humanismo quando coloca no centrodo seu campo de investigação, <strong>com</strong>preensão e intervenção, o homeme sua natureza humana (que pode ser tão divina quanto demoníaca... Nomais <strong>da</strong>s vezes, as duas... Na melhor <strong>da</strong>s hipóteses, a primeira cui<strong>da</strong>ndopara que a segun<strong>da</strong> se mantenha o mais quieta possível). A natureza humana<strong>com</strong>porta pulsões para a construção e para a agressão. Em nossa essência,temos potencial para agir tanto em um sentido quanto em outro. Ojulgamento ético de ca<strong>da</strong> ato e a sua escolha são tarefa psíquica constante,que põe em jogo os valores que a cultura nos dá por referência e os desejosque se ocultam no íntimo de ca<strong>da</strong> um. Reconhecer a importância dessascaracterísticas humanas é o primeiro passo para a humanização.O segundo passo é desenvolver méto<strong>dos</strong> que permitam a inserção detais aspectos humanos no pensar e agir sobre os processos saúde-adoecimento-curae nas relações de trabalho. Trata-se de criar espaços legítimos11


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEde fala e escuta que devolvam à palavra sua potência reveladora e transformadora13 .Na relação do profissional <strong>com</strong> o paciente, a escuta não é só um atogeneroso e de boa vontade, mas um imprescindível recurso técnico parao diagnóstico e a adesão terapêutica. Na relação entre profissionais, essesespaços são a base para o exercício <strong>da</strong> gestão participativa e <strong>da</strong> transdisciplinari<strong>da</strong>de.Na vertente moral, a humanização pode evocar valores humanitários<strong>com</strong>o: respeito, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, <strong>com</strong>paixão, empatia, bon<strong>da</strong>de, to<strong>dos</strong>valores morais 7 pensa<strong>dos</strong> <strong>com</strong>o juízos sobre as ações humanas que as definem<strong>com</strong>o boas ou más, representando uma determina<strong>da</strong> visão de mundoem um <strong>da</strong>do tempo e lugar e, portanto, mutáveis de acordo <strong>com</strong> as transformações<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. A humanização propõe a construção coletiva devalores que resgatem a digni<strong>da</strong>de humana na área <strong>da</strong> Saúde e o exercício<strong>da</strong> ética, aqui pensa<strong>da</strong> <strong>com</strong>o um princípio organizador <strong>da</strong> ação. O agirético, neste ponto de vista, se refere à reflexão crítica que ca<strong>da</strong> um de nós,profissional <strong>da</strong> saúde, tem o dever de realizar, confrontando os princípiosinstitucionais <strong>com</strong> os próprios valores, seu modo de ser e pensar e agir nosentido do Bem... Claro que seria um ato de violência se, em nome <strong>da</strong> humanização,determinássemos quais os valores pessoais que ca<strong>da</strong> um deveter. Entretanto, na dimensão institucional, tratam-se de valores fun<strong>da</strong>mentaispara balizar a atitude profissional de to<strong>dos</strong> <strong>com</strong> diretrizes éticas queexpressem o que, coletivamente, se considera bom e justo.A ética, assim pensa<strong>da</strong>, torna-se um importante instrumento contraa violência e a favor <strong>da</strong> humanização.Humanização e violência institucionalNa sua história, a humanização surge, então, <strong>com</strong>o resposta espontâneaa um estado de tensão, insatisfação e sofrimento tanto <strong>dos</strong> profissionaisquanto <strong>dos</strong> pacientes, diante de fatos e fenômenos que configuram o quechamamos de violência institucional na Saúde. (Violência Institucional14aqui se refere à expressão cunha<strong>da</strong> na História recente para definir a utilizaçãode castigos, abusos e arbitrarie<strong>da</strong>des pratica<strong>dos</strong> nas prisões, escolas einstituições psiquiátricas, <strong>com</strong> a conivência do Estado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de).12


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDENa área <strong>da</strong> Saúde, a violência institucional decorre de relações sociaismarca<strong>da</strong>s pela sujeição <strong>dos</strong> indivíduos. Historicamente, a organizaçãohierárquica do hospital do século XIX foi uma importante estratégia<strong>da</strong> Medicina <strong>da</strong> época moderna 14 para o desenvolvimento <strong>da</strong> clínica e <strong>da</strong>tecnologia médica. Aumentou o acesso <strong>da</strong> população ao atendimento epropiciou grandes avanços técnicos. Entretanto, junto a esses progressos,também se engendraram situações que tornaram o hospital lugar de sofrimento15 . O não reconhecimento <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s nas práticasassistenciais no interior de uma estrutura caracteriza<strong>da</strong> pela rigidez hierárquica,controle, ausência de direito ou recurso <strong>da</strong>s decisões superiores,forma de circulação <strong>da</strong> <strong>com</strong>unicação apenas descendente, descaso pelosaspectos humanísticos, e disciplina autoritária, fizeram do hospital umlugar onde as pessoas são trata<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o coisas e prevalece o desrespeito àsua autonomia e a falta de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de 15 .A própria organização científica do trabalho (fortemente presentena área <strong>da</strong> Saúde) fragmenta o processo que vai do início ao fim <strong>da</strong> produção,seja de bens, seja de serviços, deixando ca<strong>da</strong> etapa do processo acargo de um grupo de trabalhadores que acaba tendo apenas a visão <strong>da</strong>parte que lhe cabe e não do todo. Essa estratégia agiliza e multiplica o resultado,entretanto cria um estado de alienação em relação à importânciade ca<strong>da</strong> um para a realização <strong>com</strong>pleta <strong>da</strong> tarefa que, na área <strong>da</strong> Saúde,tem <strong>com</strong>o consequência a naturalização do sofrimento e a diminuição do<strong>com</strong>promisso e <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de na produção <strong>da</strong> saúde.Desenha-se, assim, um cenário social e institucional, em que a faltade sensibili<strong>da</strong>de e de valores humanísticos abre espaço para que o <strong>com</strong>portamentoviolento (expresso em atos de brutali<strong>da</strong>de explícita ou sofistica<strong>dos</strong>disfarces <strong>da</strong> intolerância e do desprezo) passe a ser a norma e nãoa exceção.Outro fator que contribui para esse estado de coisas é a medicalizaçãodo viver humano. Inicialmente, a medicalização se referia à transformaçãode problemas sociais em problemas de saúde. Por exemplo: antes deencarnar no corpo, a fome é um problema <strong>da</strong> pobreza ou <strong>da</strong> educação, depoisde um tempo vira desnutrição. Combater a fome é diferente de tratara desnutrição do ponto de vista social (uma coisa é <strong>da</strong>r atenção à Saúde,13


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEoutra é mu<strong>da</strong>r a distribuição de ren<strong>da</strong>). Aos poucos, a medicalização foiabrangendo problemas que em épocas anteriores não teriam a Medicina<strong>com</strong>o destino, mas sim outras áreas do saber. Com o aumento <strong>da</strong> crença<strong>da</strong>s pessoas no que consideram ver<strong>da</strong>des científicas na área <strong>da</strong> Saúde, e adecadência do valor socialmente <strong>da</strong>do às outras formas de <strong>com</strong>preensão<strong>da</strong> existência humana, to<strong>da</strong> e qualquer expressão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> passa por umdiagnóstico previsto em algum CID (Código Internacional <strong>da</strong>s Doenças), ebusca remédio na Medicina. Assim, to<strong>da</strong> tristeza vira depressão, to<strong>da</strong> inquietaçãovira ansie<strong>da</strong>de e todo mundo procura os serviços de Saúde atrásde respostas rápi<strong>da</strong>s e deglutíveis, mesmo que não funcionem...Ao lado desse fenômeno cultural <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de, em nossareali<strong>da</strong>de, o sucateamento <strong>dos</strong> serviços de saúde devido à má gestão <strong>da</strong>coisa pública ou aos sempre insuficientes investimentos frente aos crescentescustos <strong>da</strong> Medicina Biotecnológica, levou à pletora do acesso aosserviços e ao esgotamento <strong>dos</strong> profissionais para atender. Filas intermináveis,pacientes mal atendi<strong>dos</strong> por profissionais mal remunera<strong>dos</strong> e desvaloriza<strong>dos</strong>,e todo tipo de conflito passaram a ser <strong>com</strong>uns nessa arena assimarma<strong>da</strong>.Como dito anteriormente, a humanização surgiu em resposta a esseenredo, na forma de ações localiza<strong>da</strong>s, e foi se instituindo até chegar,hoje, à forma de uma política pública na área <strong>da</strong> Saúde. Não por acaso, ahumanização une suas primeiras vozes nos hospitais, fazendo coro a ummovimento contrário à situação em que há aqueles que man<strong>da</strong>m e decideme outros que obedecem e não opinam sobre na<strong>da</strong>. Nesse sentido, ahumanização buscava nas ações humanizadoras a recuperação não só <strong>da</strong>saúde física, mas principalmente do respeito, do direito, <strong>da</strong> generosi<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> expressão subjetiva e <strong>dos</strong> desejos <strong>da</strong>s pessoas.Humanização <strong>com</strong>o política pública para a atenção e gestão no SUSA humanização nasceu dentro do SUS. Os princípios do SUS 16 são totalmentede inspiração humanista: universali<strong>da</strong>de, integrali<strong>da</strong>de, equi<strong>da</strong>de eparticipação social. Leva<strong>dos</strong> às últimas consequências definem a humanizaçãoem qualquer concepção, em qualquer instância de atenção ou gestão. Talcaráter faz do SUS, hoje, o principal sistema de inclusão social deste país.14


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEEnquanto na maioria <strong>dos</strong> hospitais priva<strong>dos</strong> a humanização foi trata<strong>da</strong><strong>com</strong>o cosmética <strong>da</strong> atenção – recepcionistas jovens e bonitas, bemvesti<strong>da</strong>s e maquia<strong>da</strong>s, ambientes bem decora<strong>dos</strong> que não devem na<strong>da</strong> aoshotéis de luxo, frigobar no quarto e lojinha de conveniência –, nos hospitaispúblicos e movimentos sociais a humanização escapa aos modelos<strong>com</strong>erciais e recupera <strong>dos</strong> ideais do SUS a prática <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.Quase vinte anos depois <strong>da</strong> sua criação, o SUS é o sistema idealizadopara os anseios de saúde do povo brasileiro, mas é também o sistema desaúde público que apresenta as contradições e heterogenei<strong>da</strong>des que caracterizama nossa socie<strong>da</strong>de: serviços modernos, e de ponta tecnológica,ao lado de serviços sucatea<strong>dos</strong> nos quais a cronificação do modo obsoletode operar o serviço público, a burocratização e os fenômenos que caracterizamsituações de violência institucional estão presentes.No ano 2000, o Ministério <strong>da</strong> Saúde, sensível às manifestações setoriaise às diversas iniciativas locais de humanização <strong>da</strong>s práticas de saúde,criou o Programa Nacional de Humanização <strong>da</strong> Assistência Hospitalar(PNHAH). O PNHAH era um programa que estimulava a disseminação<strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> Humanização, os diagnósticos situacionais e a promoção deações humanizadoras de acordo <strong>com</strong> reali<strong>da</strong>des locais. Inovador e bemconstruído por um grupo de psicanalistas, o programa tinha forte acentona transformação <strong>da</strong>s relações interpessoais pelo aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong><strong>com</strong>preensão <strong>dos</strong> fenômenos no campo <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des.Em 2003, o Ministério <strong>da</strong> Saúde passou o PNHAH por uma revisão, elançou a Política Nacional de Humanização (PNH) 16 , que mudou o patamarde alcance <strong>da</strong> humanização <strong>dos</strong> hospitais para to<strong>da</strong> a rede SUS e definiuuma política cujo foco passou a ser, principalmente, os processos de gestãoe de trabalho. Como política, a PNH se apresenta <strong>com</strong>o um conjunto de diretrizestransversais que norteiam to<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de institucional que envolvausuários ou profissionais <strong>da</strong> Saúde, em qualquer instância de efetuação.Tais diretrizes apontam <strong>com</strong>o caminho:- A valorização <strong>da</strong> dimensão subjetiva e social em to<strong>da</strong>s as práticasde atenção e gestão fortalecendo <strong>com</strong>promissos e responsabili<strong>da</strong>de;- O fortalecimento do trabalho em equipe, estimulando a transdisciplinari<strong>da</strong>dee a grupali<strong>da</strong>de;15


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDE- A utilização <strong>da</strong> informação, <strong>com</strong>unicação, educação permanente e<strong>dos</strong> espaços <strong>da</strong> gestão na construção de autonomia e protagonismo;- A promoção do cui<strong>da</strong>do (pessoal e institucional) ao cui<strong>da</strong>dor.Nessa vertente, a humanização focaliza <strong>com</strong> especial atenção osprocessos de trabalho e os modelos de gestão e planejamento, interferindono cerne <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> institucional, local onde de fato se engendram os vícios eos abusos <strong>da</strong> violência institucional. O resultado esperado é a valorização<strong>da</strong>s pessoas em to<strong>da</strong>s as práticas de atenção e gestão, a integração, o <strong>com</strong>promissoe a responsabili<strong>da</strong>de de to<strong>dos</strong> <strong>com</strong> o bem <strong>com</strong>um.Para sua implementação 16 , a PNH atua nos eixos de institucionalizaçãoque operaram a mu<strong>da</strong>nça de cultura a que se propõe. Tais eixos <strong>com</strong>preendema inserção <strong>da</strong>s diretrizes <strong>da</strong> humanização nos planos estaduais emunicipais <strong>dos</strong> vários governos, nos programas de Educação Permanente,nos cursos profissionalizantes e instituições formadoras <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde,na mídia, nas ações de atenção integral à Saúde, no estímulo à pesquisarelaciona<strong>da</strong> ao tema, vinculando-os ao repasse de recursos.Várias ações e indicadores de vali<strong>da</strong>ção e monitoramento foram desenvolvi<strong>dos</strong>pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde para estimular e a<strong>com</strong>panhar osprocessos de humanização não só nos hospitais, mas nos três níveis deatenção à Saúde no SUS. A estratégia de criação e fortalecimento <strong>dos</strong> Gruposde Trabalho de Humanização nas instituições (grupos forma<strong>dos</strong> porpessoas liga<strong>da</strong>s ao tema e aos gestores <strong>dos</strong> serviços de Saúde, <strong>com</strong> o papelde implementar a PNH na sua uni<strong>da</strong>de) merece considerações à parte eajustes (veja último capítulo deste <strong>livro</strong>), mesmo assim mostrou-se exitosaem vários locais, acumulando bons exemplos de trabalho na área.Entretanto, a humanização só se torna reali<strong>da</strong>de em uma instituiçãoquando seus gestores fazem dela mais que retórica, um modelo de fazergestão. Boas intenções e programas limita<strong>dos</strong> a ações circunstanciais nãosustentam a humanização <strong>com</strong>o processo transformador. Os instrumentosque de fato asseguram esse processo são: a informação, a educação permanente,a quali<strong>da</strong>de e a gestão participativa.Enfim, pensar a humanização <strong>com</strong>o política significa menos o quefazer e mais <strong>com</strong>o fazer. Embora importantes, não são necessariamente asações ditas humanizadoras que determinam um caráter humanizado ao16


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEserviço <strong>com</strong>o um todo, mas a consideração aos princípios conceituais quedefinem a humanização <strong>com</strong>o a base para to<strong>da</strong> e qualquer ativi<strong>da</strong>de. Este éo grande desafio: criar uma nova cultura de funcionamento institucional ede relacionamentos na qual, cotidianamente, se façam presente os valores<strong>da</strong> humanização.Humanização e a gestão participativaCom a PNH, a humanização alcança os processos de gestão e organizaçãodo trabalho nos serviços de Saúde, e a gestão participativa desponta<strong>com</strong>o modelo eleito para a realização dessa política. Quando falamosem gestão participativa ou cogestão estamos nos referindo ao modode administrar que não se basta na linha superior de <strong>com</strong>ando e inclui opensar e o fazer coletivo 17 .As estratégias para a gestão participativa nos serviços de Saúde devemser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s caso a caso, partindo do conhecimento <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>desinstitucionais específicas, entretanto algumas ações que a propiciam emqualquer contexto são:- A criação de espaços de discussão para a contextualização <strong>dos</strong>impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem os profissionaisde Saúde no dia-a-dia pela própria natureza do seu trabalho;- O pensar e decidir coletivamente sobre a organização do trabalho,envolvendo gestores, usuários e trabalhadores, em grupos <strong>com</strong> diversasformações;- A criação de equipes transdisciplinares efetivas que sustentem adiversi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> vários discursos presentes na instituição, promovendo oaproveitamento <strong>da</strong> inteligência coletiva.De um modo mais específico, a gestão participativa se dá por meio<strong>da</strong> criação de instâncias de participação nas quais é possível considerar eestabelecer consensos entre desejos e interesses diversos, por exemplo:- O conselho gestor de saúde, que aglutina gestores, trabalhadores eusuários para decidir os rumos institucionais;- A ouvidoria, que faz a mediação entre usuários e instituição paraa solução de problemas particulares;- As equipes de referência, que se <strong>com</strong>põem de profissionais que17


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEjuntos a<strong>com</strong>panham pacientes <strong>com</strong>uns ao grupo;- Os grupos de trabalho de humanização, que fazem a escuta institucionale criam dispositivos <strong>com</strong>unicacionais;- As visitas abertas, que propiciam as parcerias <strong>com</strong> familiares parao cui<strong>da</strong>do de seus parentes.Algumas ferramentas, <strong>com</strong>o as pesquisas de satisfação <strong>dos</strong> usuáriose <strong>dos</strong> trabalhadores, ou as pesquisas de clima institucional e de fatorespsicossociais do trabalho (FPST), podem ser bastante úteis para certosdiagnósticos institucionais e para o planejamento <strong>da</strong> ambiência (ambientefísico, social, interpessoal) e <strong>da</strong> organização <strong>dos</strong> processos de trabalho. (OsFPST 18 são dimensões referentes à gestão, organização e relações interpessoaisno trabalho, que no ambiente físico e relacional podem produzir asatisfação e o sentimento de realização, ou no seu revés, o sofrimento e oadoecimento do trabalhador. Permitem o estudo de <strong>com</strong>o os trabalhadorespercebem a instituição, privilegiando o olhar subjetivo <strong>da</strong> experiênciado trabalho na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas em determinado tempo e lugar. Os fatorespsicossociais que relacionam saúde e satisfação no trabalho abrangem: estabili<strong>da</strong>deno emprego, salários e benefícios, relações sociais no trabalho,supervisão e chefia, ambiente físico de trabalho, reconhecimento e valorização,oportuni<strong>da</strong>des de desenvolvimento profissional, conteúdo, varie<strong>da</strong>de edesafio no trabalho, qualificação, autonomia, subutilização de habili<strong>da</strong>des e<strong>com</strong>petências, carga de trabalho (física, cognitiva ou emocional.)Particularmente importantes são as estratégias, metodologias e ferramentasque se destinam ao desenvolvimento do profissional <strong>da</strong> área <strong>da</strong>Saúde. Acreditamos que a possibili<strong>da</strong>de de promover atendimentos ver<strong>da</strong>deiramentehumaniza<strong>dos</strong> requer, necessariamente, a educação <strong>dos</strong> profissionais<strong>da</strong> Saúde dentro <strong>dos</strong> princípios <strong>da</strong> humanização e o desenvolvimentode ações institucionais visando ao cui<strong>da</strong>do e à atenção às situaçõesde sofrimento e estresse decorrentes do próprio trabalho e ambiente emque se dão as práticas de saúde.Nessa direção, a Educação Permanente 19 é uma estratégia para oexercício <strong>da</strong> gestão participativa que visa à transformação <strong>da</strong>s práticas deformação, de atenção, e de gestão, na área <strong>da</strong> Saúde. Basea<strong>da</strong> na aprendizagemsignificativa, a educação permanente constrói os saberes a partir18


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDE<strong>da</strong>s experiências <strong>da</strong>s pessoas. Nas ro<strong>da</strong>s de conversa, oficinas e reuniõesdiscutem-se os problemas, propõem-se soluções gerenciais, mu<strong>da</strong>nças naorganização do trabalho e definem-se ações educativas de acordo <strong>com</strong> asnecessi<strong>da</strong>des observa<strong>da</strong>s.Dessa maneira faz-se <strong>da</strong> gestão participativa o caminho para a humanização<strong>dos</strong> serviços. Entretanto, <strong>com</strong>o há poucos gestores <strong>com</strong> formaçãotécnica para essa metodologia, ain<strong>da</strong> são raras as experiências dessaforma inovadora de fazer gestão de pessoas.Humanização e a tecnologia do cui<strong>da</strong>do na assistência à saúdeNa assistência à Saúde, a supremacia do recorte biológico e o autoritarismo<strong>dos</strong> discursos de saber e poder deflagraram crítica contundenteao modelo biomédico de atenção. No aprofun<strong>da</strong>mento do estudo <strong>da</strong>s situaçõesconjunturais associa<strong>da</strong>s a esse fato, chegou-se ao que se pensa hojesobre a humanização na vertente <strong>da</strong> indissolubili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação entreatenção e gestão. Por outra linha do pensar (que também se articula <strong>com</strong> oque expusemos até aqui neste artigo), o foco ilumina a relação do profissional<strong>da</strong> saúde <strong>com</strong> o paciente e o resultado desse encontro.Na Medicina, o tecnicismo <strong>da</strong> prática atual descartou os aspectoshumanísticos no cui<strong>da</strong>do à saúde 12 . A biotecnologia aplica<strong>da</strong> à Medicinapropiciou indiscutíveis conquistas para o bem <strong>da</strong>s pessoas (alguém hojeconsegue imaginar um procedimento cirúrgico, até mesmo de pequenoporte, sem anestesia, por exemplo?). Estu<strong>dos</strong> mostram que os recursostecnológicos, a visão centra<strong>da</strong> nos aspectos biológicos <strong>da</strong> doença, e a organizaçãodo trabalho médico para o atendimento de massa ampliaram oacesso <strong>da</strong> população aos bens e serviços de Saúde, mas, em <strong>com</strong>pensação,criou um abismo entre o médico e o paciente.A tecnologia que é determinante para aumentar a sobrevi<strong>da</strong> humanae para a diminuição drástica do sofrimento devido aos males que a<strong>com</strong>etema saúde, tornou-se um intermediário que afasta os profissionais docontato mais próximo e mais demorado <strong>com</strong> o paciente, não só por queagiliza o atendimento e aumenta a produtivi<strong>da</strong>de conta<strong>da</strong> em números,mas também por que fascina e captura o interesse <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong>Saúde, particularmente <strong>dos</strong> médicos. Os pacientes passam, então, à con-19


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEdição de objetos de estudo e manipulação na construção do saber e <strong>da</strong>prática científica. E os profissionais, à condição de peças e engrenagensque fazem funcionar a máquina institucional. O tecnicismo perde de vistaesta<strong>dos</strong> vivenciais importantes para a realização do cui<strong>da</strong>do à saúde.Já no modelo psicossocial agregam-se saberes de teorias <strong>com</strong>preensivassobre o vínculo, capazes de desven<strong>da</strong>r atitudes e emoções quefacilitam ou impedem o bom diagnóstico e a aliança terapêutica20,10. Porexemplo, a Psicanálise ensina que, ao adoecer, a pessoa vive um processoque chamamos de regressão narcísica 21 , que, em graus variáveis de acordo<strong>com</strong> a história pessoal, a personali<strong>da</strong>de e a gravi<strong>da</strong>de de sua doença atorna mais frágil, mais sensível e mais dependente <strong>da</strong>quele que lhe prestacui<strong>da</strong><strong>dos</strong>. É <strong>com</strong>o se o paciente, inconscientemente, voltasse aos temposem que era cui<strong>da</strong>do por sua mãe e dela dependia para sua sobrevivência.Desconsiderar esse estado, ou tratar o paciente <strong>com</strong> displicência, superficiali<strong>da</strong>deou mesmo pressa e desatenção às suas emoções, não é só umafalha ética, mas sim um erro técnico que pode provocar <strong>da</strong>nos para o pacientee o fracasso do tratamento. Por outro lado, não se trata de entendero paciente <strong>com</strong>o infantilizado e desconsiderar sua autonomia, o que seriaalém de antiético, o descumprimento de um direito <strong>dos</strong> usuários de serviçosde saúde 22 . Ou seja, não basta bom senso e paciência, é preciso que oprofissional apren<strong>da</strong> teorias e técnicas relacionais.Entretanto, mesmo conscientes <strong>da</strong> importância do campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>dena Saúde, <strong>da</strong> ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> ao princípio <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de e dodesenvolvimento de tecnologias leves destina<strong>da</strong>s ao aprimoramento <strong>da</strong>atenção (particularmente no campo <strong>da</strong> atenção básica à saúde 20 ), para amaioria <strong>dos</strong> profissionais, o modo tecnicamente humanizado permanece<strong>com</strong>o utopia – aquele que seria o jeito certo de fazer, mas não dá ou nãoadianta.O grande nó ain<strong>da</strong> não desatado talvez tenha a ver <strong>com</strong> a necessi<strong>da</strong>dede desenvolver nos profissionais o interesse legítimo pelo paciente. Tarefana<strong>da</strong> fácil nos tempos atuais, em que, <strong>com</strong>o discutido anteriormente,prevalece o individualismo e o jeito narcísico de ser, inclusive na própriaformação acadêmica <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong> Saúde.20


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEHumanização e ensino médicoEmbora a PNH tenha <strong>com</strong>o um <strong>dos</strong> seus eixos de implementação ainserção <strong>da</strong>s diretrizes <strong>da</strong> humanização nas escolas formadoras de profissionais<strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde, na prática, sua presença no ensino superiorain<strong>da</strong> é páli<strong>da</strong> e sôfrega.No ensino médico, há algum tempo, várias escolas <strong>da</strong>qui e de outraspartes do mundo colocaram disciplinas de humani<strong>da</strong>des médicas nosseus currículos de graduação. As experiências são bem heterogêneas, masé <strong>com</strong>um a dificul<strong>da</strong>de de integração <strong>dos</strong> temas humanísticos ao escopo<strong>da</strong> Medicina 23 . Ain<strong>da</strong> que essenciais para a boa prática médica, para muitosalunos e professores as disciplinas de humani<strong>da</strong>des médicas são ti<strong>da</strong>s<strong>com</strong>o prescindíveis e desinteressantes.A humanização se inscreve <strong>com</strong>o um tema dentro dessas disciplinas,mas frequentemente é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> de forma superficial e periférica. Na nossaexperiência de trabalho em uma disciplina de humani<strong>da</strong>des, percebemosque os alunos desconhecem <strong>com</strong>pletamente a abrangência significativa <strong>da</strong>humanização nas práticas de saúde. Ao final <strong>da</strong>s discussões sobre o tema,mostram-se bastante surpresos ao descobrir que se trata de algo bem mais<strong>com</strong>plexo e bem mais diretamente ligado ao exercício <strong>da</strong> Medicina do queas ideias de “ser bonzinho”, “ser educado” e “agra<strong>da</strong>r ao paciente” que trazemnas suas associações ao tema e traduzem preconceito e descaso <strong>com</strong>o que mal conhecem.Por outro lado, embora muitos hospitais-escola tenham Comitês deHumanização, o tema ain<strong>da</strong> é relativamente recente no cotidiano <strong>da</strong> maioria<strong>da</strong>s práticas de atenção e ensino15. Sobre esta questão, no SeminárioInternacional de Gestão – Mostra SES-SP de 2008, uma pesquisa realiza<strong>da</strong><strong>com</strong> residentes do primeiro e último ano <strong>da</strong> Residência Médica do HospitalHeliópolis <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde de São Paulo 24 – para a qualconvergem alunos forma<strong>dos</strong> em diferentes escolas do estado – revelou<strong>da</strong><strong>dos</strong> curiosos. Na entra<strong>da</strong> à Residência, os médicos apresentavam vaganoção do que seria humanização, considerando-a mais foca<strong>da</strong> na quali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> relação médico-paciente. Na saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> Residência, a maioria delesapresentou maior falta de informação e de interesse pelo assunto, inclusiveconsiderando que a humanização tem menos a ver <strong>com</strong> o seu trabalho e21


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEmais <strong>com</strong> o serviço de voluntários, a administração hospitalar, os psicólogose assistentes sociais.Esses acha<strong>dos</strong> corroboram nossas observações tanto no que se refereà timidez <strong>com</strong> que o tema está inscrito na formação médica, quanto ao fatode que ain<strong>da</strong> é prevalente nos hospitais a ideia <strong>da</strong> humanização volta<strong>da</strong> paraações pontuais que amenizam as tensões cotidianas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> intra-hospitalar.Outra observação importante é que além de não ter havido acréscimo no seuaprendizado ao longo <strong>da</strong> Residência, houve uma distorção do que trata ahumanização e a sua importância no trabalho médico.Estu<strong>dos</strong> que vão ao encontro <strong>da</strong> <strong>com</strong>preensão do papel <strong>da</strong> tecnologiae <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças sociais do trabalho médico 11 , ou do atendimento hospitalar15 mostram que as transformações tecnológicas <strong>da</strong> Medicina e omodo <strong>com</strong>o se organiza hoje o trabalho médico não favorecem o discursoe a prática <strong>da</strong> humanização. A própria mu<strong>da</strong>nça do PNHAH para a PNH(que aumenta o campo iluminado <strong>da</strong> humanização, mantendo foco nas relaçõesintersubjetivas, mas acentuando a necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r processosde gestão e organização do trabalho na área <strong>da</strong> Saúde) tem <strong>com</strong>o base areali<strong>da</strong>de descrita nesses e noutros trabalhos.Parece fun<strong>da</strong>mental que o ensino <strong>da</strong> humanização na formação médicadeve partir <strong>da</strong> conscientização do tema em to<strong>dos</strong> os âmbitos nos quaisse dá o aprendizado. É preciso que os hospitais-escola desenvolvam a PNHno seu dia-a-dia, ao mesmo tempo em que as disciplinas de humani<strong>da</strong>descurriculares trabalhem seus conteú<strong>dos</strong> <strong>com</strong> os alunos, em um ver<strong>da</strong>deiromovimento de integração serviço-escola.Outro aspecto fun<strong>da</strong>mental para o desenvolvimento <strong>da</strong> humanizaçãono ensino médico é a inclusão <strong>dos</strong> seus princípios e diretrizes na gestãoeducacional, e a presença de espaços de construção de subjetivi<strong>da</strong>de,escuta e exercício de reflexão sobre a vi<strong>da</strong> de estu<strong>da</strong>nte e de médico, <strong>com</strong>ose observa nos programas de tutoria 25 .Na condição de espaços nos quais se cultiva o vínculo, o respeito àdiferença de opinião, a construção coletiva de ideias e juízos sobre os maisdiversos temas do cotidiano médico, os programas de tutoria são locusprivilegia<strong>dos</strong> para o cultivo <strong>da</strong> humanização no ensino médico. Cenárioque abriga histórias de vi<strong>da</strong>, vivências <strong>com</strong>uns ao estu<strong>da</strong>nte de Medicina,22


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEsituações que podem estar na frente ou atrás <strong>dos</strong> panos e que podem edevem ser conscientemente abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s, trocando o cinismo pela ética.Do caminho percorrido ao que ain<strong>da</strong> temos que percorrer...No tempo em que na Medicina havia poucos recursos para o diagnósticoe tratamento, a presença do médico ao lado do paciente, observando-ominuciosamente, a<strong>com</strong>panhando sua evolução, ampliando seuconhecimento acerca <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> e hábitos, eram atitudes necessárias parao próprio exercício <strong>da</strong> profissão 11 . Essa atitude, mais próxima ao que hojese postula para a humanização <strong>da</strong>s práticas, não era algo <strong>da</strong> ordem doamor ao próximo, <strong>com</strong>o, ingenuamente, uma certa visão romântica tendea insinuar. Vários relatos <strong>da</strong> história <strong>da</strong> Medicina mostram o grande interessecientífico <strong>dos</strong> médicos na busca de soluções para os males do corpo,alguns leva<strong>dos</strong> pelo altruísmo, outros pela vai<strong>da</strong>de 26 . Durante muito tempo,a proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> o paciente era quase um imperativo técnico para oexercício <strong>da</strong> boa Medicina 11 .As mu<strong>da</strong>nças sociais e culturais que atravessaram os tempos desdeessa época transformaram a face <strong>da</strong> Medicina e <strong>da</strong>s práticas de saúde, chegandoao contexto que discutimos neste artigo e suas implicações no surgimento<strong>da</strong> humanização na Saúde. Começando por ações isola<strong>da</strong>s, pontuais,amadoras, a humanização foi desenvolvendo conceitos e tecnologias parasua aplicação tanto no campo <strong>da</strong>s relações profissionais-pacientes, quantono campo <strong>da</strong> gestão, chegando à forma de política pública na Saúde.Entretanto, a falta de <strong>com</strong>preensão mais profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> dimensão psicossocialque envolve os processos saúde-doença, a falta de <strong>com</strong>promisso<strong>com</strong> o resultado do trabalho, a falta de decisões <strong>com</strong>partilha<strong>da</strong>s <strong>com</strong>pacientes, de projetos assistenciais discuti<strong>dos</strong> em equipe multidisciplinar,e mesmo de gestão participativa nos serviços de Saúde, tornam a humanizaçãodo cui<strong>da</strong>do um projeto ideal ain<strong>da</strong> bem distante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong>serviços de Saúde.Trabalhamos durante vários anos junto aos hospitais públicos<strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde coordenando a Área de Humanização epudemos observar que além desses problemas estruturais referentes principalmenteà gestão <strong>dos</strong> serviços, há um outro lado do problema que, menos23


HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDEevidente e mais entranhado na cultura <strong>dos</strong> serviços, também dificulta muitoas mu<strong>da</strong>nças de <strong>com</strong>portamento que a humanização advoga. Trata-sedo que ca<strong>da</strong> profissional espera <strong>da</strong> sua profissão. Para muitos, o trabalhoé o dever a ser cumprido para <strong>da</strong>r direito ao salário. Para outros é tambémcaminho para a satisfação pessoal, a superação de desafios, o prazer de seralguém que faz diferença na vi<strong>da</strong> <strong>dos</strong> outros, e na própria vi<strong>da</strong>.De acordo <strong>com</strong> nossa experiência e ponto de vista, a humanizaçãosó terá assegurado seu lugar na relação do profissional <strong>com</strong> o pacientequando se mostrar indispensável para os bons resulta<strong>dos</strong> que o profissionaldeseja de si mesmo no seu trabalho 27 . Para isso, há que se provocar (seé que isso é possível) uma descoberta fun<strong>da</strong>mental na vi<strong>da</strong> <strong>dos</strong> profissionaisde Saúde: a recuperação do desejo e do prazer de cui<strong>da</strong>r, algo que, detão distante <strong>dos</strong> valores culturais que predominam na contemporanei<strong>da</strong>de,parece irremediavelmente perdido, mas quem sabe...Aí então, a necessi<strong>da</strong>de de bem cui<strong>da</strong>r será senti<strong>da</strong> <strong>com</strong>o uma disposiçãoque pode mover o desejo de aprender um outro jeito de ser e fazero encontro clínico no campo intersubjetivo e, mais além deste, realizar ahumanização em to<strong>da</strong> sua amplitude.Referências Bibliográficas1. ANDERSON, P. As Origens <strong>da</strong> Pós-Moderni<strong>da</strong>de, Rio de Janeiro, Zahar, 1999.2. LYOTARD, J.F. A condição pós-moderna, Rio de Janeiro, Editora JoséOlympio, 2002.3. LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos, São Paulo, Barcarolla, 2004.4. AUGÉ, M. Não Lugares – Introdução a uma antropologia <strong>da</strong> supermoderni<strong>da</strong>de,Campinas, Papirus, 2005.5. BIRMAN, J. Mal Estar na Atuali<strong>da</strong>de, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,2001.6. COSTA, J.F. O vestígio e a aura – Corpo e consumismo na moral do espetáculo,Rio de Janeiro, Garamond, 2004.7. SCHRAMM, F R , REGO, S T A, BRAZ, M , PALÁCIOS, M Bioética, Riscose Proteção. Rio de Janeiro, Editora UFRJ - Editora Fiocruz, 2005.24


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CAPÍTULO IIVIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃO


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOA capaci<strong>da</strong>de de verJosé Saramago, em seu “Ensaio sobre a cegueira” (p. 10) retira doLivro <strong>dos</strong> Conselhos a epígrafe 1 :“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.E nos faz mergulhar numa história fantástica na qual uma misteriosaepidemia de cegueira branca a<strong>com</strong>ete as pessoas de um país e, à medi<strong>da</strong>que ca<strong>da</strong> vez mais pessoas não podem ver o mundo, preocupa<strong>da</strong>s consigomesmas e sua sobrevivência individual, destroem-se as bases <strong>da</strong> organizaçãosocial vigente e se instala um estado de coisas em que domina oespírito do “salve-se-quem-puder”, a “lei do mais forte”, o individualismo,a ganância, o colapso de valores humanistas. O resultado é uma socie<strong>da</strong>decaótica, destrutiva e suici<strong>da</strong>. Os personagens que conseguem manterprincípios éticos e ações solidárias, sustentando uma organização coletivabasea<strong>da</strong> no respeito e cooperação, são os que escapam de ser traga<strong>dos</strong> pelaviolência de uma multidão cega, potencialmente assassina, que percebe osoutros <strong>com</strong>o inimigos.O autor tece uma analogia entre a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> visão e a progressivaper<strong>da</strong> <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de decorrente do egoísmo de quem não consegue enxergaro mundo <strong>com</strong>o um lugar a ser <strong>com</strong>partilhado por to<strong>dos</strong>, mas umlugar hostil que se presta a prover necessi<strong>da</strong>des particulares.Qualquer semelhança <strong>com</strong> situações <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneascertamente não é mera coincidência. Saramago escreveu esse romance<strong>com</strong> clara intenção de fazer uma contundente crítica à dissolução de valoreséticos e alertar sobre a decadência humana e social que a<strong>com</strong>ete asocie<strong>da</strong>de quando esses valores entram em crise.Por isso, a epígrafe nos precipita à responsabili<strong>da</strong>de: se podemosver o que está acontecendo, devemos buscar a reparação. Ver, conhecer,refletir sobre si mesmo, os outros e as situações que nos envolvem emcontexto particular e coletivo. É o princípio <strong>da</strong> ética, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, <strong>da</strong>humanização.Princípio que emerge <strong>da</strong> concepção de homem <strong>com</strong>um no lugar sociale tempo histórico <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. Podemos dizer que a noção deci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia2 que temos hoje (um sistema de direitos e deveres que se aplicama to<strong>dos</strong> os membros de uma socie<strong>da</strong>de) é uma evolução cujo ponto28


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOde parti<strong>da</strong> foram as modificações econômicas, políticas e sociais que seiniciaram a partir do século XVI.O mercantilismo e a criação de bases para o desenvolvimento docapitalismo 3,4,5 iniciante exigiu uma socie<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong> sob o esquemapolítico representado pela figura do Estado, cuja consoli<strong>da</strong>ção se deu,principalmente, através <strong>da</strong> modificação do conceito do lugar do homem<strong>com</strong>um na socie<strong>da</strong>de. Ca<strong>da</strong> indivíduo passou a ser importante porque o Estadoconstruiu seus alicerces na coletivi<strong>da</strong>de. Nas socie<strong>da</strong>des capitalistas,o homem <strong>com</strong>um é chamado de ci<strong>da</strong>dão e ocupa um lugar estratégico nasua constituição, dinâmica e sobrevivência, e as instituições surgem <strong>com</strong>odispositivos de ação para a organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e manutenção <strong>da</strong>ordem. Nesse contexto, a vi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o valor máximo do ser humano passaa ter uma importância particular, quando a esse valor supostamente naturalagregam-se outros que permitem o uso <strong>da</strong>s práticas de saúde <strong>com</strong>oestratégia de ação sobre a população para, através <strong>da</strong> promoção <strong>da</strong> saúdee <strong>da</strong> reprodução, manter-se a vi<strong>da</strong>, a saúde <strong>da</strong> força de trabalho e na contemporanei<strong>da</strong>de,o consumo.Entretanto, nessa configuração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que to<strong>dos</strong> são ditosci<strong>da</strong>dãos – teoricamente <strong>com</strong> direitos iguais (inclusive de acesso abens), mas que na lógica capitalista não estão ao alcance de to<strong>dos</strong> – nãose mantém a ordem <strong>da</strong>s coisas sem que opere a violência 3,6, nos seus maisdiversos matizes.A violência 7 aparece <strong>com</strong>o problema histórico e social em to<strong>da</strong>s associe<strong>da</strong>des, e nas socie<strong>da</strong>des <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de aparece <strong>com</strong>o instrumentode organização e dominação. A violência revela estruturas de dominaçãode classes, grupos, indivíduos, etnias, faixas etárias, gêneros, nações e surge<strong>com</strong>o resultado de tensões entre os que querem manter certos lugares eprivilégios e os que se rebelam contra eles, não necessariamente por sedede justiça, mas muitas vezes apenas por fome de poder...Na nossa socie<strong>da</strong>de, a violência 8 se revela estrutural ante a desigual<strong>da</strong>desocial e a incapaci<strong>da</strong>de do Estado de suprir as necessi<strong>da</strong>des de to<strong>da</strong>população, criando um contingente de excluí<strong>dos</strong> que não tem meios paraexercer seus direitos e deveres ci<strong>da</strong>dãos. A exclusão social não é só umaquestão de pobreza, mas principalmente de ausência de poder público e29


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOsua substituição por um poder paralelo, marginal e violento cujas regrasnão respeitam as leis do coletivo, porque nesses espaços de não-governoinstauram-se domínios que governam <strong>com</strong> regras particulares.Vivemos em uma socie<strong>da</strong>de violenta 9 : em 2006, as causas externasforam a terceira causa de morte na população brasileira, sendo que entreessas, os homicídios ocuparam o primeiro lugar. Não se tratam só <strong>dos</strong> atosde brutali<strong>da</strong>de criminosos (que já são bastante altos), o que ca<strong>da</strong> vez maischama a atenção é a prevalência de um modo subjetivo de li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> situaçõescotidianas e resolver conflitos pelo uso <strong>da</strong> violência.Na contemporanei<strong>da</strong>de 10 , o individualismo e a desigual<strong>da</strong>de relativosao modo capitalista de organização social, a deterioração e descrençanas instituições, as rupturas na malha de apoio social e a banalização <strong>da</strong>violência pela mídia tornam o viver violento um modo de estar no mundoquase aceitável, uma vez que a essas situações agregam-se valores quealimentam tal <strong>com</strong>portamento:- A <strong>com</strong>petitivi<strong>da</strong>de extrema que coloca o outro no lugar do inimigoem potencial e não <strong>com</strong>o parceiro;- O culto ao machismo e à força bruta <strong>com</strong>o expressão de poder evirili<strong>da</strong>de;- A adoção de figuras sociais de exuberante <strong>com</strong>portamento narcísico<strong>com</strong>o modelos identificatórios;- A capaci<strong>da</strong>de de consumo <strong>com</strong>o valor maior que a capaci<strong>da</strong>deética na construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal;- A busca do prazer fácil e imediato;- A veloci<strong>da</strong>de e superficiali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> contatos interpessoais, valendomais a quanti<strong>da</strong>de e o valor instrumental <strong>da</strong>s relações, que a quali<strong>da</strong>dedo encontro;- A desqualificação de outros mo<strong>dos</strong> de pensar a existência humana(senso <strong>com</strong>um, Religião, Filosofia, Arte e Ciência) em favor do limitadodiscurso <strong>da</strong> ciência positivista;- A desvalorização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a coisificação <strong>da</strong>s pessoas;- A medicalização, ou a transformação do mal-estar existencial (nãomais representado em outros campos do saber) em vago e doloroso malestar,vagando pelo corpo.30


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOFatores psíquicos individuais 11 também contribuem para o <strong>com</strong>portamentoviolento, entretanto cabe lembrar que tais fatores são constitutivamentedependentes <strong>da</strong> cultura. Estudo de Vethencourt 11 <strong>com</strong> jovensdelinquentes pobres <strong>da</strong> Venezuela revelou, em suas histórias de vi<strong>da</strong>,crianças que cresceram em ambiente pobre material e afetivamente, emmeio a situações de violência e ausência de expectativas de realizaçãode projetos pessoais. Tais jovens apresentavam desestruturação sutil <strong>da</strong>personali<strong>da</strong>de, desorganização do <strong>com</strong>portamento em relação a valoressocialmente aceitos, regressão e reativação de núcleos de violência narcísicos,per<strong>da</strong> do autocontrole pela estigmatização, recrudescimento <strong>da</strong> raivacontra o outro e contra o próprio grupo.Enfim, em uma visão macroscópica, a violência é um problema social,histórico e cultural que decorre de relações sociais marca<strong>da</strong>s por contradiçõese diferentes formas de dominação, presente em to<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des,em tonali<strong>da</strong>des e graus de aceitação variáveis.O <strong>com</strong>portamento violento é instrumental, latente nos valores culturaisvigentes, e manifesto no modo de ser cotidiano <strong>da</strong>s pessoas. A opiniãopública condena a violência, mas admite situações em que é aceitável,protegi<strong>da</strong> e mesmo naturaliza<strong>da</strong>. Instituições respeitáveis <strong>com</strong>o a família(no que tange à violência doméstica), a escola, as empresas, o hospital, nosseus bastidores “podem” se amparar em ideologias que sustentam o uso <strong>da</strong>violência <strong>com</strong>o meio.Aproximando nossa lente para o campo <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des 7 , a violênciase apresenta <strong>com</strong>o um modo de relação humana, um <strong>com</strong>portamentoque se mol<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> cultura e <strong>dos</strong> valores reproduzi<strong>dos</strong> nas instituições,<strong>com</strong>eçando pela família e depois avançando para outros espaços sociais. Éassustador, mas, nesta socie<strong>da</strong>de, <strong>com</strong> frequência, dependendo do momentoou situação estaremos correndo o risco de sermos vítimas ou algozes.O território <strong>da</strong> cegueira branca...Nas instituições, a violência decorre <strong>da</strong> cultura geral de violênciade que falávamos e <strong>da</strong> organização visando a manutenção <strong>da</strong> ordem queconsoli<strong>da</strong> lugares de poder e controle <strong>dos</strong> sujeitos.Sobre a instituição 12 devemos lembrar que ela é condição básica31


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOdo desenvolvimento humano. Produto <strong>da</strong>s interações humanas. Nascemosnuma família, crescemos construindo nossa identi<strong>da</strong>de nos grupos queparticipamos, seja a escola, a religião, o trabalho, a tribo. Portanto, sempreestaremos liga<strong>dos</strong> uns aos outros em graus variáveis. A questão, portanto,não é crucificar a instituição, mas perceber suas várias finali<strong>da</strong>des, pensálase transformá-las a partir de valores éticos revigora<strong>dos</strong>.Na dinâmica institucional 12 , o modo de relação que está na base dequalquer tipo de violência, a relação de domínio e submissão, tambémse apresenta no que chama de violência institucional na Saúde. SegundoFoucault, a violência institucional 3 historicamente se engendrou nos presídios,escolas, instituições psiquiátricas, que usavam o castigo moralmentelegitimado pela socie<strong>da</strong>de.A violência institucional na área <strong>da</strong> Saúde decorre de relações sociaismarca<strong>da</strong>s pela sujeição <strong>dos</strong> indivíduos. Data na transformação dohospital antigo no hospital moderno 3,5 , sob os então “novos” méto<strong>dos</strong>organizacionais. Historicamente, foi se configurando desde o controle,a alienação e o não reconhecimento <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s naspráticas assistenciais. Na vertente <strong>da</strong> organização científica do trabalhocriaram-se as castas <strong>dos</strong> que pensam e <strong>dos</strong> que obedecem, levando-se aoestado de alienação do sujeito em relação ao seu trabalho, à instituição eao contexto social em que se inscreve a sua prática que não só torna seutrabalho mecânico e sem sentido <strong>com</strong>o potencialmente violento, porqueperde quali<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais para o contato técnico e sensível necessárioàs relações intersubjetivas na Saúde.O assim chamado institucionalismo 11 resulta dessa forma de violênciae faz <strong>com</strong> que a instituição de saúde passe a provocar doença ao invésdo cui<strong>da</strong>do e <strong>da</strong> cura. Fatores que levam ao desenvolvimento do quadroclínico são:- Uso <strong>da</strong> disciplina e rigidez hierárquica para organização e controledo trabalho;- Supremacia do fenômeno biológico e <strong>da</strong> intervenção sobre umcorpo descontextualizado de sua história;- “Dessubjetivação” <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>s nas práticas;- Desenvolvimento de especiali<strong>da</strong>des e tecnologias que fazem a clí-32


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOnica <strong>da</strong>s doenças e não a clínica <strong>da</strong>s pessoas historicamente constituí<strong>da</strong>s;- Hegemonia do discurso médico em torno do qual orbitam discursos deoutras disciplinas, na maioria <strong>da</strong>s vezes construí<strong>dos</strong> sobre o mesmo modelo;- Uso do discurso do saber para o exercício do poder e de diversostipos de <strong>com</strong>portamento de dominação e submissão tanto entre profissionais,quanto em relação aos pacientes;- Formas de <strong>com</strong>unicação apenas descendentes e ausência de direitoou recurso <strong>da</strong>s decisões superiores.Por outro lado, temos que considerar alguns elementos mais sutisque escapam a essa constatação sobre o modo <strong>com</strong>o se encontra hoje avi<strong>da</strong> institucional na Saúde. Lembremo-nos de que, em ca<strong>da</strong> época, seconstroem saberes legitima<strong>dos</strong> socialmente, diretamente implica<strong>dos</strong> naspráticas sociais, entre as quais a Saúde.Na nossa socie<strong>da</strong>de coloca-se a ciência positivista <strong>com</strong>o hegemônica4e desautoriza-se outros campos que anteriormente <strong>da</strong>vam respostasàs inquietações humanas <strong>com</strong>o a Arte, a Religião, a Filosofia, os espaçoscoletivos de reflexão. Com isso, a socie<strong>da</strong>de ganha eficiência nas áreastecnológicas, mas perde sustentação humanística para <strong>com</strong>preender a subjetivi<strong>da</strong>dehumana.Por exemplo: diminuindo as vias de escoamento representacional,o mal- estar existencial passa a ser percebido <strong>com</strong>o sensação de doençae requer respostas na Medicina, no remédio, na intervenção no corpo 13 .Acrescente-se a maior ou menor vulnerabili<strong>da</strong>de psíquica e biológica deca<strong>da</strong> um para o surgimento <strong>da</strong> patologia mental e temos a prevalênciacrescente dessas patologias: esta<strong>dos</strong> depressivos, esta<strong>dos</strong> ansiosos e fóbicos,somatizações, adições (obesi<strong>da</strong>de, alcoolismo, abuso de drogas).Consoante a essa deman<strong>da</strong>, desde a déca<strong>da</strong> de 1970 vem se desenvolvendoum modo de fazer clínica psiquiátrica que se apoia preferencialmentena teoria <strong>dos</strong> neurotransmissores e no uso de drogas, tanto paraos casos em que os sintomas são indiscutíveis manifestações reativas asituações inerentes ao estar vivo, quanto aos casos de indicação precisa.Passamos <strong>da</strong> fase em que todo <strong>com</strong>portamento in<strong>com</strong>patível aos ideais<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa era passível de internação e a loucura3 estavaliga<strong>da</strong> à paixão, à falta de reflexão, contrapondo-se ao juízo e à virtude.33


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOOs avanços médicos do século XX desenvolveram outras referências paraa patologia mental, menos apoia<strong>da</strong>s no juízo moral do <strong>com</strong>portamentodesviante e mais “científica” dentro <strong>dos</strong> princípios <strong>da</strong> Medicina moderna.Entretanto, indo de um extremo para o outro nos encontramos diante <strong>da</strong>absur<strong>da</strong> situação que nos coloca os códigos de classificação de doenças 2 ,no seu furor nosográfico que patologiza as expressões humanas em to<strong>da</strong>ssuas nuances, prestando-se muito mais aos interesses pecuniários <strong>dos</strong> segurossaúde e ao progresso <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s de psicofármacos pelas indústriasfarmacêuticas, que aos propósitos terapêuticos a que se destinariam porprincípio.Nesse sentido, a humanização na Saúde (contra a violência institucional)chama à reflexão sobre em que se apoiam nossos saberes e práticase quanto somos carrega<strong>dos</strong> por determinações sociais que imprimem interessesna nossa ativi<strong>da</strong>de.Longe <strong>da</strong> cegueira, perto <strong>da</strong> humanização“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”Retomo a epígrafe porque acredito que esse é o nosso movimentode escolha.Pensar a humanização, sob o ponto de vista que adotei neste trabalho,diz respeito a pensar em que contexto sociocultural se engendram aspatologias e as práticas de saúde <strong>da</strong>s quais somos agentes.Vivemos numa socie<strong>da</strong>de <strong>com</strong>plexa 10 , que, entre outros aspectos, secaracteriza pela veloci<strong>da</strong>de e profusão de informações, superficiali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s relações afetivas e desarticulação <strong>dos</strong> universos simbólicos que tecema malha de apoio social do indivíduo no coletivo. Preconiza-se o livreacesso aos bens de consumo sem que se forneçam democraticamente osmeios práticos para o seu alcance. Exaltam-se o individualismo, a <strong>com</strong>petitivi<strong>da</strong>dee o sucesso pessoal à custa <strong>da</strong> neutralização <strong>da</strong>s diferenças e oa<strong>com</strong>o<strong>da</strong>mento a modelos idealiza<strong>dos</strong> de bem-estar e prazer que limitamexpressões diversas <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des e não são possíveis a to<strong>dos</strong>.Nesse meio, as patologias e principalmente as mentais reproduzemno cenário <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> o modo de funcionamento social sustentado nacontradição, alienação, isolamento e angústia.34


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOSe deslocarmos nosso foco de observação para o interior <strong>da</strong>s instituiçõesde Saúde 12 , não será surpresa perceber que também nelas essas vivênciasse expressam, em graus variáveis. Subliminarmente, a não consciência<strong>da</strong> estrutura maior em que estamos imersos reproduz tudo aquilo que observamos<strong>com</strong>o características <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas: aprisionamentoa valores descontextualiza<strong>dos</strong>, alienação, indiferenciação, individualismoe o aniquilamento <strong>da</strong>s chances de manifestações de subjetivi<strong>da</strong>de.Voltando às nossas reflexões iniciais, consideramos que as ações depromoção <strong>da</strong> saúde devem ter <strong>com</strong>o base a <strong>com</strong>preensão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humanana diversi<strong>da</strong>de de suas expressões individual e coletiva. Tal atitude pressupõea consciência de que to<strong>dos</strong> nós estamos imersos nesse universo históricode representações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, do prazer, do sofrimento, <strong>da</strong> morte, no qualse armam encruzilha<strong>da</strong>s que, para alguns, é a captura para a doença.Os vários discursos na instituição constituem-se <strong>da</strong> sobreposiçãodo sujeito psíquico (que <strong>com</strong>porta a dimensão de ca<strong>da</strong> história pessoal)no sujeito institucional (lugar de representação, de imagos culturais, depapel social). Recuperar o lugar dessas duas dimensões é a perspectiva <strong>da</strong>humanização.A humanização <strong>com</strong>o reação à violência institucional na Saúde buscarecuperar o lugar <strong>da</strong>s várias dimensões discursivas <strong>dos</strong> sujeitos queatuam ou recorrem às instituições de saúde, desconstruindo relações dedominação-submissão e <strong>da</strong>ndo lugar à construção de saberes <strong>com</strong>partilha<strong>dos</strong>e o desenvolvimento <strong>dos</strong> potenciais de inteligência coletiva 14 defini<strong>dos</strong>por Levy <strong>com</strong>o “a valorização, a utilização otimiza<strong>da</strong> e a colocação em sinergia<strong>da</strong>s <strong>com</strong>petências, imaginações e energias intelectuais, independentementede sua diversi<strong>da</strong>de qualitativa e de sua localização” (Levy, 1993,p.36), que se traduz na <strong>com</strong>unicação, no debate e na divulgação <strong>da</strong>s ideiaspara a construção de projetos e ações coletivas em sinergia <strong>com</strong> princípios,missão e visão institucional coletivamente construí<strong>dos</strong>.Cabe novamente perguntar: qual é o nosso papel <strong>com</strong>o agentes deSaúde nessa socie<strong>da</strong>de?Não temos <strong>com</strong>o negar que respondemos por pelo menos duas funções,uma manifesta, outra nem tanto. Nossa função manifesta é a promoção<strong>da</strong> saúde, e a outra é a criação de respostas para conflitos inerentes à35


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOvi<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de que, direta ou indiretamente, recaem sobre os corpos.Nessa vertente, tanto quem pratica quanto quem recebe cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> desaúde está exercendo ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. E mais, ambos estão atuando no campo<strong>dos</strong> direitos, em contraponto à violência. Os direitos humanos 15 constituemum sistema de conhecimento e prática que busca integrar direitossubjetivos <strong>com</strong> direitos sociais – algo absolutamente em sintonia <strong>com</strong> ahumanização.Os direitos subjetivos falam <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des individuais, e os direitossociais, <strong>dos</strong> direitos que devem ser garanti<strong>dos</strong> pelo estado: saúde, trabalho,educação entre outros.Os direitos absolutos são exatamente o campo do nosso trabalho ea base de qualquer perspectiva de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia tanto para os profissionaisquanto para os pacientes. Entre eles estão: o direito à vi<strong>da</strong>, a não ser discriminado,a não ser torturado ou receber tratamento ou punição cruel,desumana ou degra<strong>da</strong>nte, a ser reconhecido <strong>com</strong>o pessoa perante a lei e àliber<strong>da</strong>de de pensamento.O bom cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> saúde é um direito humano e quando podemosexercer nossas ativi<strong>da</strong>des profissionais decentemente estamos exercendonossos direitos de ci<strong>da</strong>dão, caso contrário estamos no meio <strong>da</strong> encenaçãode uma farsa, cegos ou não.Para finalizar, gostaria de lembrar a crônica de Carlos Drummondde Andrade, 16 nos dizendo <strong>da</strong> fixação humana pelo verbo matar, que deslizaseu desejo homici<strong>da</strong> nos vértices de inocentes expressões linguísticascotidianas <strong>com</strong> as quais vivemos matando o tempo, matando a fome. Matamosaula, matamos chara<strong>da</strong>s. Nosso dedo polegar é o mata piolhos. Etermina brincando e nos chamando a refletir que:“Se a linguagem espelha o homem, e se o homem adorna a linguagem<strong>com</strong> tais subpensamentos de matar, não admira que os atos debanditismo, a explosão intencional de aviões, o fuzilamento de reféns, obombardeio aéreo de alvos residenciais, as bombas e a varia<strong>da</strong> tragédia <strong>dos</strong>dias modernos se revele <strong>com</strong>o afirmação cotidiana do lado perverso do serhumano. Admira é que existam a pesquisa de antibióticos, Cruz VermelhaInternacional, Mozart, o amor.” (1993, p.67.)Não sei por quê... Mas acredito no poeta!36


VIOLÊNCIA E HUMANIZAÇÃOReferências Bibliográficas1. Saramago, J. Ensaio sobre a cegueira, São Paulo, Companhia <strong>da</strong>sLetras, 1995.2. Bezerra Jr, B. org. Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Loucura, Petrópolis, Editora Vozes eAbrasco, 1987.3. Foucault, M. Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 19864. Mendes Gonçalves, R. B. Medicina e história: raízes sociais do trabalhomédico, tese de doutorado, FMUSP, 1979, mimeo.5. Foucault, M. O nascimento <strong>da</strong> clínica, Rio de Janeiro, Forense-Universitária,1977.6. SBPC, Violência, Revista Ciência e Cultura, nº.1, 2002.7. Costa, J.F. Violência e Psicanálise, Rio de Janeiro, Graal, 1986.8. Minayo, M.C. Violência e Saúde <strong>com</strong>o um campo interdisciplinar e deação coletiva, História, Ciências, Saúde vol.IV, nov 1997-fev 1998.9. Ministério <strong>da</strong> Saúde, Saúde Brasil 2006: Uma análise <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>deem saúde, Brasília-DF, 2006.10. Birman, J. Mal Estar na Atuali<strong>da</strong>de, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,2001.11. Vethencourt, J. L., Psicología de la violencia. Gaceta APUCV/IPP,62: 5-10, 1990.12. Souza, M. L. R. O Hospital: um lugar terapêutico? Percurso nº.9, 2,1992.13. Benoit, P. Psicanálise e Medicina. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1989.14. Levy, P. As tecnologias <strong>da</strong> Inteligência – O futuro do pensamento naera <strong>da</strong> informática. São Paulo: Editora 34, 199315. Ayres, J. R., Calazans, G., França Jr, I. “Saúde coletiva e direitos humanos– um diálogo possível e necessário” Anais do VI Congresso Brasileirode Saúde Coletiva.16. Andrade, C. D De notícias e não-notícias faz-se a crônica, Rio deJaneiro, Record, 6ª. Ed, 1993.37


CAPÍTULO IIIO Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de:assim <strong>com</strong>eça a Humanizaçãona atenção à Saúde


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúde“Porque eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho <strong>da</strong> minhaaltura.” Alberto CaieiroPara <strong>com</strong>eçar...O primeiro princípio norteador <strong>da</strong> PNH “A valorização <strong>da</strong> dimensãosubjetiva e social em to<strong>da</strong>s as práticas de atenção e gestão” 1 , logo no início<strong>da</strong> sua cartilha, destaca a importância <strong>da</strong> dimensão subjetiva na Humanização,dimensão esta que, ao longo do último século, foi se esmaecendo<strong>da</strong>s práticas até a quase total desconsideração 2 , muito embora, inerente àcondição humana, jamais possa desaparecer. Mas, o que se quer dizer <strong>com</strong>valorizar a dimensão subjetiva, ou em outros termos, trabalhar no campo<strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de na área <strong>da</strong> Saúde?Minha proposta neste texto é fazer algumas reflexões sobre essaquestão, particularmente no que se refere à atenção, sem pretensão de <strong>da</strong>rconta do assunto, mas <strong>com</strong> desejo de aproximação ao tema. Para <strong>com</strong>eçar,vou assumir a re<strong>da</strong>ção na primeira pessoa do singular, porque se trata <strong>da</strong>minha visão sobre o assunto, e por que me parece meio estranho falar desubjetivi<strong>da</strong>de usando uma linguagem que não considera a própria...É possível que há uns bons anos, mais precisamente até a déca<strong>da</strong>de 1940, a relação médico-paciente fosse mais próxima, e nesse sentidomais humana, uma vez que diante de tão poucos recursos diagnósticos eterapêuticos, a proximi<strong>da</strong>de do médico <strong>com</strong> seu paciente era quase umimperativo técnico 3 para o seu ofício. No clássico Tratado de MedicinaInterna de Cecil 4 , Lewis Thomas ilustra essa afirmação ao narrar uma impressãosua guar<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> infância a respeito <strong>dos</strong> poucos recursos <strong>da</strong> Medicinae a dedicação do médico, no caso, seu pai: “Há aqui um mistério, eesse é um aspecto <strong>da</strong> medicina que tem sido esquecido por muitas pessoas,médicos e pacientes. Uma vez identifica<strong>da</strong> a natureza <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong>de e anotícia transmiti<strong>da</strong> ao paciente, aconteciam várias outras coisas. Primeiro,o médico assumia a responsabili<strong>da</strong>de pelo desfecho, fosse ele o melhorou o pior. E talvez mais importante que tudo, ele se tornava um arrimo.Tornar-se um arrimo significava passar aos fatos, o que o médico fazia:ele podia não ter muito na sua maleta preta e não ter poções mágicas paraservir e certamente na<strong>da</strong> que pudesse colocar ou tirar de um <strong>com</strong>putador,40Heterônimo de Fernando <strong>Pessoa</strong> – “ Guar<strong>da</strong>dor de Rebanhos” , Poemas Completosde Alberto Caeiro, Editora Martin Claret, 1ª. ed., 2006.


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdeporém ele tinha sua presença e aí estava a diferença. Sir William Oslercostumava ensinar que isso poderia fazer to<strong>da</strong> a diferença do mundo, casoo médico entendesse o que estava ocorrendo ao seu paciente e usasse essa<strong>com</strong>preensão e se tornasse disponível ao mesmo tempo <strong>com</strong>o uma fonte deesperança e força, esses atos de habili<strong>da</strong>de profissional poderiam melhorara situação. Eu acredito nessas coisas, mesmo que não as <strong>com</strong>preen<strong>da</strong>bem.” (Cecil, 1984, pp. 38-39) A presença do médico e o cui<strong>da</strong>do possívelpelo conhecimento e <strong>com</strong>preensão <strong>da</strong> situação do paciente são ti<strong>dos</strong> peloautor <strong>com</strong>o atos de habili<strong>da</strong>de profissional.As grandes mu<strong>da</strong>nças que marcaram nossa História contemporânea5refletem-se na área <strong>da</strong> Saúde em cenários nos quais nessa antigamala preta (que hoje mais parece uma bolsa de Mary Poppins) há muitomais recursos para diagnosticar, intervir e medicar, e ca<strong>da</strong> vez menos apresença realmente interessa<strong>da</strong> e disponível do médico, e sejamos justos,não só deste, mas de to<strong>da</strong> estrutura do serviço de Saúde, que acaba seconfigurando em um labirinto frio e impessoal. Mu<strong>da</strong>nças no processode trabalho médico 3 decorrentes <strong>da</strong> capitalização <strong>da</strong> Medicina e o aparatoinstitucional e tecnológico interposto na relação <strong>com</strong> o paciente, assim<strong>com</strong>o a organização hierárquica, a <strong>com</strong>unicação descendente e a gestãocentraliza<strong>da</strong> <strong>dos</strong> serviços respondem por grande parte do mal-estar <strong>da</strong>sinstituições de Saúde. Mal-estar que desencadeou movimentos teóricopráticos6 que hoje se agregam sob a bandeira <strong>da</strong> Humanização, que bemantes de ser política pública (Política Nacional de Humanização – PNH),se expressava na luta antimani<strong>com</strong>ial, na humanização do parto e nascimento,na criação de ambientes hospitalares mais acolhedores, partindodo ponto <strong>com</strong>um de tentar ultrapassar o recorte biológico e alcançar asmuitas dimensões existenciais <strong>da</strong> pessoa que busca atenção à saúde (e <strong>da</strong>que lhe atende!).Com certeza, o primeiro nó crítico <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s práticas de Saúdeque, sob o enfoque <strong>da</strong> humanização, procurou-se desatar foi a questão <strong>da</strong>“dessubjetivação” <strong>dos</strong> envolvi<strong>dos</strong> nessas práticas. Por esse caminho, uma<strong>da</strong>s primeiras conceituações 7 adota<strong>da</strong>s na <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde deSão Paulo para a Humanização dizia: “Humanização é o processo de transformação<strong>da</strong> cultura institucional que reconhece os aspectos subjetivos <strong>da</strong>s41


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúderelações humanas, os valores socioculturais e os funcionamentos institucionaisna <strong>com</strong>preensão <strong>dos</strong> problemas e elaboração de ações de saúde,melhorando as condições de trabalho e a quali<strong>da</strong>de do atendimento.” (Rios,2003, pp.20), conceito que pouco tempo depois encontrou respaldo nareferi<strong>da</strong> cartilha <strong>da</strong> PNH 1 .Sem nos deixar cair na busca nostálgica do médico à semelhança dopai do nosso protagonista citado há pouco neste texto (que era o médicodo seu tempo), posto que hoje os tempos são outros, voltando à minhaquestão inicial, a pergunta é: do que trata essa dimensão subjetiva escotomiza<strong>da</strong>que agora queremos que venha à luz <strong>dos</strong> nossos olhos? Reitero:não acredito nas propostas de se tentar recuperar um modo de ser de outrasépocas, ain<strong>da</strong> que aparentemente fosse mais acolhedor, uma vez quepensar a subjetivi<strong>da</strong>de, e o trabalho nesse campo, hoje envolve conhecimentose habili<strong>da</strong>des técnicas e éticas marca<strong>da</strong>mente contemporâneas.Dos meus autores mais caros 8,9,10 utilizo a definição de subjetivi<strong>da</strong>de<strong>com</strong>o o resultado de processos relacionais contínuos de natureza biológica,histórica, psíquica, social, cultural, religiosa, que se condensam ou sedimentamno indivíduo e lhe determinam características particulares. Resultadode processos relacionais, a subjetivi<strong>da</strong>de tem caráter dinâmico, contínuo esistêmico, e se constrói nas relações <strong>com</strong> o mundo e <strong>com</strong> as pessoas 11 .A subjetivi<strong>da</strong>de nos diz sobre o modo ou mo<strong>dos</strong> de ser <strong>da</strong>s pessoasem determinado tempo e lugar. Embora as pessoas sejam bastante diferentesentre si, as subjetivi<strong>da</strong>des 8 se constituem <strong>da</strong> interação entre o mundointerno (incluindo a biologia) e a história, valores e lugares <strong>da</strong> cultura<strong>da</strong> época, presentes desde antes do nascimento, a <strong>com</strong>eçar pela própriafamília que preparou o berço. Comporta um plano singular (aquilo que sódiz respeito a mim mesma – minha constituição física, minha biografia,meus desejos e atos) e um plano coletivo (aquilo que <strong>com</strong>partilho <strong>com</strong> outrosseres humanos em um mesmo tempo – a linguagem, as necessi<strong>da</strong>desbásicas, os valores socioculturais). De forma muito simplifica<strong>da</strong>, a títulode exemplo, diríamos que a subjetivi<strong>da</strong>de capitalista 12 produz a homogeneização<strong>dos</strong> indivíduos, a normatização e massificação do pensamentosegundo um sistema de valores consumistas. A subjetivi<strong>da</strong>de narcísica <strong>dos</strong>tempos atuais 8, 9 produz <strong>com</strong>portamentos de descrença em relação ao ou-42


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdetro, isolamento e solidão, segundo um sistema de valores que têm o eu<strong>com</strong>o sua referência. Portanto, quando falamos de subjetivi<strong>da</strong>de estamosdizendo de processos que se dão no indivíduo e no coletivo determinandomo<strong>dos</strong> de ser no singular e no plural. Assim <strong>com</strong>o o mundo externo incidesobre nosso mundo interno, e nesse encontro mol<strong>da</strong> nossa identi<strong>da</strong>de, nóstambém somos agentes de transformação do mundo externo, cenário ondeexpressamos nossa singulari<strong>da</strong>de.No campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, tanto do ponto de vista individual quantocoletivo, não existe neutrali<strong>da</strong>de nas relações humanas. Mesmo quandoaparentemente distancia<strong>da</strong>s pelo saber específico de uma técnica que trabalhana concretude do corpo, <strong>com</strong>o faz o modelo biomédico 2 de atenção àsaúde. Ain<strong>da</strong> que nesse modelo de atenção o corpo seja pensado pelos profissionais<strong>com</strong>o organismo, para o paciente e sua família, continua sendocorpo <strong>com</strong> nome próprio, portanto histórico, social, psíquico. E mais, noque se refere às relações que se estabelecem, pode-se ignorar os efeitossubjetivos que causam nos profissionais, pacientes e familiares, mas suasmemórias vão guar<strong>da</strong>r essas marcas silenciosas, e não menos atuantes naconstante remodelagem <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>s.Isto posto, através do prisma psicanalítico, proponho uma vista panorâmica<strong>da</strong> dimensão subjetiva <strong>da</strong> condição de paciente e <strong>da</strong> condição deprofissional <strong>da</strong> Saúde manifestas no dia-a-dia do nosso trabalho quandodo encontro de ambos.O paciente e os aspectos psíquicos do adoecimentoEm um tempo distante, ca<strong>da</strong> um de nós teve uma primeira pessoaque cuidou de nós quando éramos bebês. E depois vieram outros: pessoas<strong>da</strong> família ou não, médicos, professores, amigos. A subjetivi<strong>da</strong>de <strong>com</strong>eçaa ser construí<strong>da</strong> em uma relação 13 que se dá no território que <strong>com</strong>preendeo corpo do bebê e <strong>da</strong> sua mãe. O corpo a todo tempo cui<strong>da</strong>do, protegido,acariciado, é o palco de histórias e emoções que são construí<strong>da</strong>s e guar<strong>da</strong><strong>da</strong>sna memória que assim é, tanto psíquica, quanto corporal 13,14 . Sobre ocorpo biológico do bebê em relação <strong>com</strong> o outro que lhe cui<strong>da</strong> se constróio que, na Psicanálise, chamamos de corpo erógeno 14,15 , ou seja, uma estruturaque é ao mesmo tempo física, emocional e histórica. Carrega a mate-43


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúderiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> carne, líqui<strong>dos</strong> e processos físico-químicos no mesmo invólucro<strong>da</strong> alma. Por isso, tocar o corpo será sempre provocar sensações, puxar pelamemória, e escrever mais uma linha na história <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa.Na prática, não existe procedimento técnico, clínico ou cirúrgico,que não provoque emoções, sentimentos, lembranças, e não deixe seusrastros de impressões, efeitos e memória. Isso é importante porque os pacientespodem reagir ao contato físico <strong>com</strong> o profissional <strong>da</strong> Saúde de ummodo que a gente muitas vezes não entende, porque não se trata apenas deum sentir por vias neurais... Mas um sentir carregado de vivências muitasvezes inconscientes para o próprio paciente. Nessa hora, precisamos <strong>da</strong>rum desconto e mesmo que jamais saibamos os porquês de suas reações, anós cabe a calma, a habili<strong>da</strong>de para contornar a situação e se possível, asabedoria de não julgá-los.Tocar o corpo, mesmo que feito de modo absolutamente técnico eético (<strong>com</strong>o sempre deve ser, sendo o contrário totalmente inaceitável),nunca será sentido <strong>com</strong>o um ato asséptico. Particularmente quando o temaa ser revisto no corpo for o sexo.Sexo e subjetivi<strong>da</strong>de formam uma trama irredutível. De novo, <strong>da</strong>Psicanálise, aprendemos que o desenvolvimento <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de está nabase do desenvolvimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de 14,15 . Nascemos seres sexua<strong>dos</strong>, eantes mesmo de nos sabermos <strong>com</strong>o um “eu” vivente, recebemos nomese cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> segundo o gênero. Para os meninos, azul. Rosa, para as meninas...É bem ver<strong>da</strong>de que a sexuali<strong>da</strong>de infantil 13,14 (e hoje, espera-se quetodo profissional <strong>da</strong> Saúde saiba) não é a mesma coisa que a sexuali<strong>da</strong>deadulta, mas é no ambiente cultural que suas insígnias se inscrevem. Nocampo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e <strong>dos</strong> processos relacionais que o constituem, aconstrução <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de se dá junto ao desenvolvimento <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>dedurante a infância e a adolescência pela <strong>com</strong>posição de vivências corporais,culturais e emocionais que formam a matriz <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de adulta.O processo é bastante <strong>com</strong>plexo e absolutamente belo, <strong>com</strong>o só é possívelna natureza essencialmente humana <strong>da</strong> nossa existência.Não sei se tão breve colocação de um tema cujo aprofun<strong>da</strong>mentofoge ao escopo deste texto seja suficiente para fazer perceber que, no nossocotidiano de profissionais <strong>da</strong> Saúde, precisamos estar atentos porque,44


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdeem sã consciência, ninguém pensa em sexo <strong>com</strong>o genitais internos e externosdo ponto de vista semiológico (exceto nós, talvez...). Lembro agorade um episódio no posto de saúde em que eu trabalhava. A educadora deSaúde fazia grupos de gestantes para ensinar <strong>com</strong>o funciona o organismofeminino na gravidez. Ela tinha vários materiais ilustrativos, <strong>com</strong> fotos emodelos tridimensionais de útero, ovários, útero gravídico, fetos, enfim...No primeiro encontro <strong>com</strong> as gestantes, seu objetivo era ensinar-lhes oque é a fecun<strong>da</strong>ção do óvulo pelo espermatozóide. Bem intenciona<strong>da</strong>, ela<strong>com</strong>eçou o encontro perguntando às moças ali presentes: vocês sabem<strong>com</strong>o engravi<strong>da</strong>ram? E aí foi risinho para cá, faces cora<strong>da</strong>s para lá e estavaliteralmente na cara que todo mundo pensou numa cena, num lugar, numapessoa, em tudo, menos no óvulo <strong>com</strong> o espermatozóide!Não dá para separar a memória do corpo.E quando a pessoa adoece, então...Com a disseminação <strong>da</strong>s informações de to<strong>da</strong> e qualquer naturezapelos meios de <strong>com</strong>unicação, qualquer pessoa tem acesso a notícias decunho médico, ain<strong>da</strong> que muitas vezes de forma e conteúdo inadequa<strong>dos</strong>.O tempo <strong>da</strong> inocência acabou... É ca<strong>da</strong> vez mais <strong>com</strong>um o paciente chegar<strong>com</strong> um diagnóstico em mente e querer dirigir a prescrição, conforme viuna televisão e na Internet. O profissional <strong>da</strong> Saúde não é mais o detentorde um saber guar<strong>da</strong>do entre seus pares, mas alguém que deve ser capazde mediar esse saber junto aos seus pacientes e socie<strong>da</strong>de, considerando asingulari<strong>da</strong>de de seu acontecer em ca<strong>da</strong> pessoa.O que precisamos ter em mente é que, o paciente, bem informado ounão acerca <strong>da</strong> sua doença, quando se apresenta para nós é, antes de tudo,alguém que pensa e reage à sua doença de modo particular e inconscientementebusca em nós mais que o conhecimento sobre sua doença, o suportepara os acontecimentos psíquicos devi<strong>dos</strong> a esse adoecimento. As possibili<strong>da</strong>dessão muitas, mas invariavelmente, o que acontece são singulari<strong>da</strong>desdiretamente vincula<strong>da</strong>s às experiências de vi<strong>da</strong>. Porque <strong>com</strong>o dizia,não há acontecimento no corpo que não evoque lembranças, sentimentos,culpas, desejos e tratar um paciente <strong>com</strong>o um todo significa ter sensibili<strong>da</strong>depara tudo isso, ou no mínimo, respeito e <strong>com</strong>portamento ético.Lembremos que ca<strong>da</strong> um teve uma experiência particular <strong>com</strong> o primeiro45


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdecui<strong>da</strong>dor e os demais que surgiram ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, e assim quando doencontro <strong>com</strong> o profissional de Saúde no momento do adoecer, vai neledepositar deman<strong>da</strong>s que se referem a essas vivências, o que pode facilitar aconstrução do vínculo terapêutico ou impedi-lo totalmente, de acordo <strong>com</strong>a capaci<strong>da</strong>de do profissional de perceber ou não essa dimensão afetiva dopaciente, presente no modo <strong>com</strong>o o paciente se dirige a ele e, em quaseto<strong>dos</strong> os casos, manifesta explicitamente quando ele sabe conversar <strong>com</strong> opaciente sobre a vi<strong>da</strong> e não só sobre sintomas.Há pouco tempo a<strong>com</strong>panhei um familiar a uma consulta <strong>com</strong> ummédico especialista, professor titular de uma importante escola médica deSão Paulo. A paciente apresentava-se bastante fragiliza<strong>da</strong> devido à doençae recorrera a ele, que sendo médico e professor, lhe trazia à lembrança omarido há muitos anos falecido e que também tinha sido médico e professorde Medicina. Um médico muito querido e admirado por sua <strong>com</strong>petênciatécnica e humana. Bem, o nosso professor aqui a recebeu <strong>com</strong> elegantee educa<strong>da</strong> frieza, em quinze minutos escrutinou-a <strong>com</strong> precisão técnicae mandou fazer alguns exames. Quando ela o interrogou sobre o retornopara ver os exames, ele lhe disse que os man<strong>da</strong>sse pelo correio e ele lhe<strong>da</strong>ria as orientações terapêuticas por telefone. Inconforma<strong>da</strong>, pois o retornopara <strong>com</strong>plementação <strong>da</strong> primeira consulta trata-se inclusive de umdireito do paciente segundo o Código de Ética Médica, em vão ela tentoureivindicar mais espaço de encontro e de conversa <strong>com</strong> o professor titular,que se manteve firme <strong>com</strong>o o mármore do piso do seu belo consultórioparticular. O problema <strong>da</strong> falta de <strong>com</strong>petência ético-relacional na atençãoà Saúde não é privilégio <strong>dos</strong> serviços públicos <strong>com</strong>o às vezes querem nosfazer crer... Acontece também nos melhores endereços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.Alguns autores 14, 16,17 postulam que ao adoecer, principalmentequando de um evento mórbido relativamente grave, é <strong>com</strong>um ocorrer oprocesso de regressão narcísica, ou de retorno do interesse e energia (libido)<strong>da</strong> pessoa para ela mesma. O retorno ao narcisismo 14 diz respeito aomodo de funcionamento psíquico que guar<strong>da</strong> semelhança <strong>com</strong> o mo<strong>dos</strong>ubjetivo característico <strong>dos</strong> tempos precoces <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> psíquica normal, masque no caso de um adulto pode significar <strong>com</strong>portamentos incômo<strong>dos</strong>para ele próprio e seus cui<strong>da</strong>dores. Nesse modo de funcionamento psíqui-46


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdeco 14 , ressurgem sentimentos habituais na tenra infância, liga<strong>dos</strong> a vivênciasde desamparo e dor e a necessi<strong>da</strong>de de ser cui<strong>da</strong>do por alguém dotado deespecial capaci<strong>da</strong>de de empatia e poder de proteção, tal <strong>com</strong>o foi a mãe, ousua substituta. A emergência dessas emoções por si só já pode desencadearmuita angústia ao paciente, pois, na maioria <strong>da</strong>s vezes, estamos falando deum adulto, uma pessoa independente, que estava vivendo dentro de contingênciasmais ou menos sob seu controle até ser interrompido pela doença. Oabalo que a doença causa na imagem que o sujeito tem de si e a necessi<strong>da</strong>dede cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> para restaurá-la pode aparecer na forma de exigências ansiosasdo paciente e de seus familiares para <strong>com</strong> o profissional <strong>da</strong> Saúde.Por outro lado, o desligamento <strong>da</strong>s energias psíquicas dirigi<strong>da</strong>s aomundo e a sua consequente volta para si mesmo (regressão narcísica) fazparte de um processo necessário para o acúmulo de forças para o restabelecimento.Se os conflitos que esse estado pode acarretar forem bem equaciona<strong>dos</strong>,ou seja, se o profissional <strong>com</strong>preender que se trata de alguém fragilizadovivendo um momento difícil, saber um pouco de sua vi<strong>da</strong> anterior(<strong>com</strong>o em outras situações difíceis ele se <strong>com</strong>portou, o que lhe faz bem oumal, enfim saber um pouco do modo de ser do paciente), e principalmentese conscientizar de que muito do que depositar nele (profissional) se deve aesse estado de coisas e não propriamente a algum tipo de julgamento sobre omesmo, é muito provável que ao invés de confusão e perplexi<strong>da</strong>de, pacientee profissional <strong>da</strong> Saúde unam esforços no sentido <strong>da</strong> cura.A escuta do que os pacientes contam nas bor<strong>da</strong>s do roteiro <strong>da</strong> anamnesenos revela o quanto a doença não é algo externo à suas vi<strong>da</strong>s, <strong>com</strong>oa princípio pode parecer. Ao contrário, o adoecimento está ligado ao modode ser e viver <strong>da</strong>s pessoas, sendo que a terapêutica deve considerar essaordem de valor. Esta observação é particularmente valiosa para as doençascrônicas e aquelas chama<strong>da</strong>s psicossomáticas 17 (mas cabe ressaltar quetodo ser humano é psicossomático, ain<strong>da</strong> que tenhamos dificul<strong>da</strong>des paraalcançar a dimensão mais ver<strong>da</strong>deira dessa afirmação).Para outras pessoas, a regressão, a deman<strong>da</strong> de cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> e a mobilização<strong>da</strong> família pode ser algo desejado. Pode ser do interesse do pacienteenquistar-se na condição de doente 14,16 , <strong>com</strong>o uma forma de vi<strong>da</strong> protegi<strong>da</strong>e circunscrita no refúgio <strong>da</strong> doença. Nesses casos, a cura pode ser sen-47


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdeti<strong>da</strong> <strong>com</strong>o uma ameaça e para que ela ocorra será necessário trabalhar pelaaquisição de capaci<strong>da</strong>de para cui<strong>da</strong>r de si mesmo e assumir uma atitude dematuri<strong>da</strong>de, o que nem sempre será possível sem a aju<strong>da</strong> de psicoterapia.Há também aqueles casos em que a doença é uma forma de se obtergratificações sociais diversas ou mesmo se livrar de grandes sofrimentospsíquicos contra os quais não se consegue encontrar outras armas, porexemplo, quando a doença exige que o sujeito se afaste de relações ousituações que lhe são incômo<strong>da</strong>s 18 . Infelizmente, essa situação é muitorecorrente entre pessoas vivendo situações de trabalho penoso, muito freqüentementena área <strong>da</strong> Saúde e <strong>da</strong> Educação... O modelo mecanicista 18que as instituições adotam para o trabalho na Saúde, além de não promovera saúde integral <strong>dos</strong> pacientes, é também causa de adoecimento paranós mesmos.Por fim, cabe lembrar que o lado oculto <strong>da</strong> queixa, ao qual estamosnos referindo nessas reflexões sobre aspectos subjetivos do adoecimento,é, na maioria <strong>da</strong>s vezes, oculto também para o próprio paciente, pois setratam de manifestações inconscientes. Este, sem saber, repete junto aoprofissional de Saúde padrões de vinculação 19 semelhantes aos que viveu<strong>com</strong> sua mãe, <strong>com</strong> seu pai, ou <strong>com</strong> aqueles que foram significativos emsua vi<strong>da</strong> em outros tempos. Deman<strong>da</strong>-lhes o amor, ou a responsabili<strong>da</strong>de,ou a correção que esperava dessas figuras, e responde conforme seu desejode ser amado ou de desafiar uma autori<strong>da</strong>de.O profissional <strong>da</strong> saúde e o lugar do cui<strong>da</strong>dorMeu convite agora é a<strong>com</strong>panhar algumas ideias sobre o lugar doprofissional <strong>da</strong> Saúde (aqui pensado e referido <strong>com</strong>o cui<strong>da</strong>dor) no contextoatual <strong>da</strong>s práticas de saúde e mais particularmente no que se referea seus matizes subjetivos. Penso esse lugar <strong>com</strong>o uma instância sobredetermina<strong>da</strong>que <strong>com</strong>porta o papel social que é atribuído ao profissional, oimaginário cultural do qual faz parte, as películas mnêmicas que o pacientelhe deposita (<strong>com</strong>o vimos anteriormente) e, é claro, sua pessoa real, suapersonali<strong>da</strong>de e história pessoal.O papel social 3 do profissional <strong>da</strong> Saúde é definido pelo modo <strong>com</strong>ose organiza a socie<strong>da</strong>de. Não pretendo aprofun<strong>da</strong>r este estudo nessa ver-48


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdetente, mas vale a pena lembrar que esse papel <strong>com</strong>porta o cumprimento defunções que respondem a deman<strong>da</strong>s dirigi<strong>da</strong>s a uma área técnica específica(referentes à profissão propriamente dita) e a deman<strong>da</strong>s que se dirigemao universo representacional <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde na nossa socie<strong>da</strong>de 20 : lugarde promoção <strong>da</strong> saúde, de amortecimento de conflitos sociais, de medicalização,ou de referenciamento do mal-estar social e psíquico vivencia<strong>dos</strong><strong>com</strong>o doença no corpo, produção de riqueza através <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de serviços,equipamentos, insumos, drogas, enfim, está no papel social ser agente devárias ações de um conjunto maior sob regência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>com</strong>o umtodo.Outra dimensão que pesa na construção do lugar do cui<strong>da</strong>dor dizrespeito ao imaginário cultural 16 , aqui definido <strong>com</strong>o conjunto de representaçõesforja<strong>da</strong>s historicamente que <strong>com</strong>põem a identi<strong>da</strong>de cultural docui<strong>da</strong>dor para o paciente e para o próprio profissional dentro de umamesma época e lugar. Por exemplo, <strong>da</strong> imagem do curador-sacerdote eseus rituais, passando ao médico hipocrático que conduz a restauraçãodo equilíbrio do homem <strong>com</strong> a natureza, até chegar ao médico modernoe os milagres tecnológicos que “vencem a morte”, sobre o profissional<strong>da</strong> Saúde recai tudo o que o paciente não sabe de si mesmo e espera queo cui<strong>da</strong>dor saiba. Espera-se que seja pie<strong>dos</strong>o e solidário, um missionárioque dedique sua vi<strong>da</strong> ao cui<strong>da</strong>do do próximo, um cientista que descubraa origem e o fim <strong>dos</strong> males, um profundo conhecedor do corpo humano e<strong>da</strong>s técnicas e tecnologias capazes de manter seu perfeito funcionamento,beleza e vitali<strong>da</strong>de.Mas é importante notar que tais imagens, ain<strong>da</strong> que carrega<strong>da</strong>s derastros históricos, se referem ao nosso tempo, a contemporanei<strong>da</strong>de. Vejamosum <strong>dos</strong> porquês. O ato de cui<strong>da</strong>r, até o século XIX, significava tratara doença <strong>com</strong> to<strong>dos</strong> os (poucos) meios possíveis e esperar que Deus processassea cura. Ao médico cabia fazer diagnóstico e prognóstico já que osrecursos terapêuticos e tecnológicos eram muito escassos. Vem <strong>da</strong>í a frasecélebre de Ambroise Paré “Eu o tratei, Deus o curou”(cit Benoit, 1989,p.98).À doença, à cura e à morte restava uma face oculta, referente à vi<strong>da</strong> secretado enfermo, cujo mistério era acessível apenas a Deus, cabendo a este oato decisivo sobre seu destino. Com a descoberta <strong>da</strong> penicilina e o advento49


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúde<strong>dos</strong> antibióticos na déca<strong>da</strong> de 50, foi se criando uma nova concepção doque seria o tratamento. Em surdina, foi ocorrendo a transferência do papeldivino de curar para o papel do médico e <strong>da</strong> terapêutica medicamentosana socie<strong>da</strong>de contemporânea. Nesse movimento fez-se também a transferência<strong>dos</strong> questionamentos psíquicos sobre a vi<strong>da</strong>, o sofrimento, a dor e amorte. “Onipotências à parte, o certo é que, ao se transformar o hospital,e não a casa, no local onde as pessoas adoecem e morrem, to<strong>da</strong>s essasquestões anteriormente <strong>com</strong>parti<strong>da</strong>s pela socie<strong>da</strong>de <strong>com</strong>o um todo se encontramagora circunscritas àquele espaço.” (Pitta, 1990, p.31).Quando uma pessoa adoece, conscientemente procura no cui<strong>da</strong>dora resposta para a doença e, inconscientemente, para os acontecimentosocultos que a<strong>com</strong>panham o adoecer. O lado oculto que se apresenta nabase <strong>da</strong> relação do profissional <strong>da</strong> Saúde e o paciente são as questões existenciais(a face encoberta do sofrimento, <strong>da</strong> dor e <strong>da</strong> morte) e históricopessoais(a vi<strong>da</strong> íntima do paciente, sua reali<strong>da</strong>de psíquica, desejos, me<strong>dos</strong>,culpas, amores e ódios mortais...) que podem ou não estar incidindo sobreo corpo e o modo de entender e reagir ao adoecimento.A essas dimensões mais ou menos <strong>com</strong>partilha<strong>da</strong>s por to<strong>dos</strong> cui<strong>da</strong>doresde uma época, soma-se a dimensão pessoal. Nesta, um aspectoimportante que contribui fortemente para a constituição <strong>da</strong> sua atitude eidenti<strong>da</strong>de profissional é a formação acadêmica 21 . A observação <strong>dos</strong> professoresem ação, assim <strong>com</strong>o os méto<strong>dos</strong> de ensino e a cultura institucional<strong>da</strong> escola, imprime marcas, induz modelos, carrega emblemas evalores morais. Em to<strong>da</strong>s as profissões <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde, mas certamentena Medicina e enfermagem, o profissional vai deparar constantemente<strong>com</strong> questões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, do sofrimento e <strong>da</strong> morte e a responsabili<strong>da</strong>de diretasobre elas. Algo fascinante, mas muito assustador e angustiante. Não serãopoucas vezes que sentimentos de onipotência se reverterão em impotênciae culpa. Se desde a formação 21 não se abor<strong>da</strong> de forma humanística osconflitos tanto de pacientes quanto de profissionais, mas ao contrário, orasumariamente negando-os, ora rechaçando-os por meio do distanciamentoafetivo e do discurso científico, o resultado é aquele conhecido por to<strong>dos</strong>nós na prática: aumento <strong>da</strong> distância entre profissional e paciente, aumento<strong>da</strong>s defesas contra o sentir, e reforço <strong>da</strong> postura tecnicista e até mesmo50


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdecínica, por não se saber li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> emoções próprias e <strong>dos</strong> pacientes.O profissional <strong>da</strong> Saúde nunca estará imune às determinações do papelsocial, do lugar imaginário, <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s conscientes e inconscientes<strong>dos</strong> pacientes, <strong>da</strong> formação acadêmica e, <strong>com</strong>o não poderia deixar de ser,principalmente <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de. Tanto que a pessoa do profissionalé decisiva para o resultado do cui<strong>da</strong>do ao paciente. Sua visão de mundo,valores, desejos, história, relação <strong>com</strong> a profissão, convicções religiosas,políticas e científicas, enfim todo o seu ser subjetivo influi sobre o modo<strong>com</strong>o se dá a sua prática diária, e as transferências 19 psíquicas (inconscientes)do profissional e do paciente.Desenvolver sensibili<strong>da</strong>de para o conhecimento próprio e do outropode ser protetor contra sentimentos inerentes à própria natureza dotrabalho 22, 18 , entretanto não tem sido essa a saí<strong>da</strong> eleita para li<strong>da</strong>r <strong>com</strong>essas questões. Em seu estudo, Pitta observou que o contato íntimo <strong>com</strong>pacientes mobiliza desejos e conflitos libidinais nos profissionais que exigemconstante dispêndio psíquico para ser controla<strong>dos</strong>, sob o risco dedesencadear forte ansie<strong>da</strong>de e instabili<strong>da</strong>de emocional. Para se defender<strong>da</strong>s sensações de ansie<strong>da</strong>de, culpa, dúvi<strong>da</strong> e incerteza, os profissionais desenvolvemrecursos 18 que muitas vezes se voltam contra sua própria saúde,tornando as pessoas que trabalham na Saúde particularmente suscetíveisao sofrimento psíquico e adoecimento devido ao trabalho. Tais recursossão chama<strong>dos</strong> sistemas sociais de defesa e incluem (Pitta,1990, p.65-67):1. Fragmentação <strong>da</strong> relação técnico-paciente;2. Despersonalização e negação <strong>da</strong> importância do indivíduo;3. Distanciamento e negação <strong>dos</strong> sentimentos;4. Tentativa de eliminar decisões pelo ritual de desempenho <strong>da</strong>s tarefas;5. Redução do peso <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de.Em outro extremo, a importância do trabalho nessa área, frequentemente,faz <strong>com</strong> que a vi<strong>da</strong> profissional se hipertrofie ao custo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pessoal.O envolvimento do profissional <strong>com</strong> seu ofício pode chegar a limitesimprecisos entre dedicação e esvaziamento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pessoal em outros contextos,reduzindo outras possibili<strong>da</strong>des de experimentação do mundo e serestringindo à busca de satisfação estritamente no ambiente de trabalho.Torna-se <strong>com</strong>um o sentimento de solidão e o pouco cui<strong>da</strong>do consigo mes-51


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdemo quando a vi<strong>da</strong> profissional engloba os espaços <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pessoal.O desejo de cura faz parte do tratamento, mas sobreposto à reali<strong>da</strong>de,cria um embate de forças entre a onipotência <strong>da</strong> vontade e os limites<strong>da</strong> existência. Certas perguntas precisam ser considera<strong>da</strong>s frente ao “furorcurandis”: o que é não desistir de um paciente? O que é aceitar os limites<strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des? O que é o bem? Bem para quem? Para o paciente oupara o profissional? Até onde nos é permitido avançar na direção do nossodesejo (ou necessi<strong>da</strong>de), considerando que o desejo é o motor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, masse delirante e obsessivo torna-se também violento e destrutivo. Reforço:saber administrar-se bem e <strong>com</strong> bom senso é a arte <strong>da</strong> relação interpessoale do cui<strong>da</strong>do consigo mesmo. Reflexões fun<strong>da</strong>mentais para amortecer afrustração <strong>dos</strong> inevitáveis fracassos, a depressão e o sentimento de impotência– sofrimentos inerentes à profissão.Para terminar...A partir do que foi dito sobre a dinâmica do paciente e o lugar docui<strong>da</strong>dor no campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, fica mais claro por que na relaçãodo profissional de Saúde <strong>com</strong> o paciente, a terapêutica dificilmente serárecebi<strong>da</strong> somente <strong>com</strong>o uma lista de procedimentos e cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>, mas sim<strong>com</strong>o um <strong>com</strong>promisso que o paciente vai assumir ou não de acordo <strong>com</strong>os sentimentos que o profissional <strong>da</strong> saúde lhe suscite: confiança, hostili<strong>da</strong>de,desprezo, dependência, amor, raiva... Vimos também que esses sentimentossão desencadea<strong>dos</strong> por ligações inconscientes entre as impressõesdo paciente sobre o profissional <strong>da</strong> Saúde e registros mnêmicos inconscientes<strong>da</strong> experiência de ser cui<strong>da</strong>do por alguém, funcionamento psíquicoque Freud chamou de transferência. A transferência 19 é um fenômeno inconscienteque ocorre em qualquer relação entre as pessoas, e diz respeitoà projeção de imagens de personagens <strong>da</strong> história pessoal do indivíduosobre a pessoa <strong>com</strong> quem se dá a relação. Frente a essas reedições de figuras,geralmente identificatórias, o indivíduo assume posições pré-determina<strong>da</strong>se busca repetir padrões conheci<strong>dos</strong> de <strong>com</strong>portamento e satisfação. Constituemver<strong>da</strong>deiros clichês, cristalizações de posições e lugares previamentedetermina<strong>dos</strong>. Ou seja, podemos estar atentos a isso ou não, mas nosso trabalhosempre estará localizado no terreno <strong>da</strong>s histórias de vi<strong>da</strong>.52


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à SaúdeE por aí, encontramos outra face do atendimento humanizado. Comodisse ain<strong>da</strong> há pouco, o profissional não é um elemento neutro na atençãoà saúde 16, 21 . O modo <strong>com</strong>o se porta diante do paciente, seja <strong>com</strong> atitudecarinhosa e maternal, ou autoritária e arrogante, refere-se à sua históriapessoal. O seu temperamento, valores, preconceitos e emoções são ministra<strong>dos</strong>a ca<strong>da</strong> paciente de modo diverso e, na maioria <strong>da</strong>s vezes, não calculadoe sequer percebido. E aí está o problema (e também a solução...). A base dovínculo que permite uma relação dialógica de confiança e potencialmenteterapêutica se assenta no campo <strong>da</strong>s subjetivi<strong>da</strong>des em jogo. Palavras e atosveiculam mensagens terapêuticas ou iatrogênicas, pois são interpreta<strong>da</strong>s<strong>com</strong>o vin<strong>da</strong>s de um lugar psíquico19 <strong>da</strong> história do paciente.Em grande parte, a arte do trabalho do cui<strong>da</strong>dor 21 está em sua capaci<strong>da</strong>dede administrar, <strong>com</strong> bom senso e adequa<strong>da</strong>mente, a sua própriapessoa e ao paciente de acordo <strong>com</strong> as necessi<strong>da</strong>des deste, em <strong>dos</strong>es adequa<strong>da</strong>s.Certamente que para isso, o profissional deve ter algum conhecimentode si mesmo e de seu modo de ser e agir frente às situações eimpasses do seu ofício. O ideal pessoal, o que deseja de si mesmo <strong>com</strong>oprofissional a partir de sua história, seus valores, emoções, preconceitos,variáveis que inclusive podem mu<strong>da</strong>r frente às diferenças <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>snessas relações.Outro fator igualmente importante na relação dessa dupla é o modo<strong>com</strong>o se organiza o trabalho na instituição de Saúde. O profissional <strong>da</strong>Saúde que trabalha sob as rédeas <strong>da</strong> organização científica do trabalhosofre as consequências do controle, <strong>da</strong> disciplina, <strong>da</strong> fragmentação <strong>da</strong>starefas cuja articulação <strong>com</strong> a totali<strong>da</strong>de do processo de trabalho fica obscura.Trabalha, portanto numa situação de alienação 22 , descontextualizaçãoe “dessubjetivação” de suas práticas, pano de fundo que por si só jáserve de elemento facilitador para esta<strong>dos</strong> e manifestações patológicas deansie<strong>da</strong>de. Acrescente a natureza do seu trabalho, o regime de turnos18, osbaixos salários que fazem esses profissionais se sobrecarregarem <strong>com</strong> doisou mais empregos, e as condições de trabalho estressantes: temos os requisitosnecessários para o colapso <strong>da</strong> humanização na atenção à saúde.Nesse sentido, não podemos deixar de assinalar a importância <strong>dos</strong>cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> do profissional consigo mesmo para que se mantenha capaz de53


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúdecui<strong>da</strong>r <strong>dos</strong> seus pacientes. Acredito que esse cui<strong>da</strong>do deva se desenvolverem dois âmbitos: pessoal e institucional.Reafirmo aqui a necessi<strong>da</strong>de de o profissional promover o autoconhecimentoe refletir sobre o impacto <strong>da</strong> prática na sua vi<strong>da</strong>. Fantasias de onipotênciano trabalho, cujas raízes inconscientes estão nas suas marcas históricas,trazem no seu reverso a culpa e a impotência quando as limitações <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de se impõem. A capaci<strong>da</strong>de de transformar essas desilusões de formapositiva traz progresso para o sujeito, mas em geral isso só é possível quan<strong>dos</strong>ão passíveis de análise e reflexão, muitas vezes difíceis e dolorosas.No âmbito institucional, os programas de humanização têm enfatizadoa importância do cui<strong>da</strong>do do profissional. Além <strong>da</strong>s propostas demu<strong>da</strong>nças estruturais na organização <strong>dos</strong> processos de trabalho e gestão<strong>dos</strong> serviços, preconiza-se a criação de espaços de discussão e contextualização<strong>dos</strong> impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetemos profissionais <strong>da</strong> Saúde no seu dia-a-dia. Espaços nos quais seja possívelrecuperar histórias e subjetivi<strong>da</strong>des pelo exercício <strong>da</strong> fala e escuta, devolvendoà palavra sua potência terapêutica, organizadora do psiquismo, eestruturante <strong>da</strong>s relações entre as pessoas. Entretanto, infelizmente, iniciativasconcretas nesse sentido ain<strong>da</strong> são bastante modestas...Referências Bibliográficas1. HUMANIZASUS: Política Nacional de Humanização do Ministério <strong>da</strong>Saúde, Brasília, DF, 2004.2. AYRES, J.R. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis. Revista deSaúde Coletiva, v. 17, p. 43-62, 2007.3. SCHRAIBER, L. B. Medicina tecnológica e prática profissional contemporânea:novos desafios, outros dilemas. 1997. 209 pp. Tese (Livre-docência)- Facul<strong>da</strong>de de Medicina, Universi<strong>da</strong>de de São Paulo, São Paulo.4. CECIL, R. L. Tratado de Medicina Interna, editado por James B. Wyngaardene Lloyd H. Smith Jr, 16ª. Edição, Rio de Janeiro, Ed. Interamericana,1984.5. HOBSBAWM, E. A era <strong>dos</strong> extremos – o breve século XX, São Paulo, SP,Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1995.54


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúde6. RIOS, I. C. Humanização: a essência <strong>da</strong> ação técnica e ética nas práticasde saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, 2008. Aprovado parapublicação7. RIOS, I. C. A Humanização na Saúde. BIS. Boletim do Instituto de Saúde,v. 12, p. 20, 2003.8. BIRMAN, J. Mal Estar na Atuali<strong>da</strong>de, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,2001.9. COSTA, J.C. O vestígio e a aura – Corpo e consumismo na moral doespetáculo, Rio de Janeiro, Garamond, 2004.10. AYRES, J.R. Sujeito, Intersubjetivi<strong>da</strong>de e Prática de Saúde, Rev. Ciênciase Saúde Coletiva n.6, vol 1, 2001.11. HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Rio deJaneiro,Tempo Brasileiro, 1989.12. MEZAN, R. Subjetivi<strong>da</strong>des Contemporâneas?, Conferências do InstitutoSedes Sapientiae, São Paulo, SP, pp.12-17, 1998.13. WINNICOTT, D W Da Pediatria à Psicanálise, Rio de Janeiro, FranciscoAlves, 1993.14. FREUD, S. Introdução ao Narcisismo, Edição Stan<strong>da</strong>rd Brasileira,Vol.14, 1914, Rio de Janeiro, Imago, 1980.15. LECLAIRE, S. O corpo erógeno, São Paulo, Escuta, 1992.16. BENOIT, P. Psicanálise e Medicina. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar,1989.144pp.17. FERRAZ, F, VOLICH, R M. Psicossoma: psicossomática psicanalítica.São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1997. 234 pp18. PITTA, A. Hospital: dor e morte <strong>com</strong>o ofício . São Paulo: Ed. Hucitec,1990. 200 pp19. FREUD, S. A Dinâmica <strong>da</strong> Transferência, (Edição Stan<strong>da</strong>rd Brasileira,v.12, 1912). Rio de Janeiro, Imago, 1980.20. FOUCAULT, M Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 198655


O Realce à Subjetivi<strong>da</strong>de: assim <strong>com</strong>eça a Humanização na atenção à Saúde21. BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Ed.Atheneu, 1988. 291pp22. DEJOURS, C A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho2ed., São Paulo, Cortez/Oboré, 198756


CAPÍTULO IVA Cultura Institucional <strong>da</strong>Humanização


A Cultura Institucional <strong>da</strong> HumanizaçãoI. O que estamos chamando de Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanização?Cultura Institucional ou, segundo outros autores, CulturaOrganizacional 1,2 diz respeito ao conjunto de valores, hábitos, procedimentos,normas e afetos produzi<strong>dos</strong> pelas pessoas e pelo conjunto institucionalno trabalho. Caracteriza um ambiente de trabalho, influenciandoo <strong>com</strong>portamento <strong>da</strong>s pessoas no seu interior, tanto para a ação a seufavor, quanto contra (contracultura). Três dimensões culturais 3 , presentesde forma simultânea, fazem parte do que estamos chamando de culturainstitucional:1. A dimensão tecnológica, que <strong>com</strong>preende a tecnologia material(máquinas, materiais diversos) e a tecnologia organizacional (procedimentostécnicos de organização do trabalho, conhecimentos e habili<strong>da</strong>des paraa ação, definição de papéis);2. A dimensão institucional, que se refere ao conjunto de normas defuncionamento e de relacionamentos sociais, crenças e valores <strong>com</strong>partilha<strong>dos</strong>;3. A dimensão afetiva, que se traduz pelos sentimentos e emoções quepermeiam as relações entre as pessoas, e destas para <strong>com</strong> a instituição.Nessa leitura, a cultura institucional resulta <strong>da</strong> interação <strong>da</strong>s pessoasem um coletivo submetido a determina<strong>da</strong>s leis e princípios de organizaçãoe funcionamento. É produzi<strong>da</strong> por esse ambiente físico e humano e, reciprocamente,produz valores, atitudes e práticas que se expressam no modode ser <strong>da</strong>s pessoas no trabalho. Qualquer instituição que deseje promovermu<strong>da</strong>nças organizacionais e <strong>com</strong>portamentais efetivas terá que conhecermuito bem tais funcionamentos e trabalhar no âmbito desse campo marca<strong>da</strong>menteconstruído de subjetivi<strong>da</strong>des.Na área pública do setor de Saúde 4 essa questão ganhou relevânciaquando <strong>com</strong>eçou a sofrer duras críticas em relação a algumas de suas característicastécnicas e políticas, particularmente no que se referia a:1. A atenção à saúde domina<strong>da</strong> pelo modelo biomédico de <strong>com</strong>preensãoe intervenção sobre o processo saúde-doença e o decorrente descasopelos aspectos humanísticos nele presentes;2. A organização científica do trabalho que mecaniza procedimentosque se inscrevem em um campo vivencial que requer elementos afetivos in-58


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanização<strong>com</strong>patíveis <strong>com</strong> essa metodologia de organização do processo de trabalho;3. O <strong>com</strong>ando clientelista, assentado na rigidez hierárquica e nosprivilégios, na ausência de direito ou recurso <strong>da</strong>s decisões superiores, naforma de <strong>com</strong>unicação apenas descendente e na ignorância de saberesreferentes à gestão e administração de serviços.Irrompeu dentro <strong>da</strong>s próprias instituições um movimento técnico-políticocontra esse estado de coisas (identificado <strong>com</strong>o uma cultura de violênciainstitucional), que abriu espaço para o surgimento de ações e processosde contracultura <strong>com</strong> o nome de Humanização. A Humanização surge, assim,<strong>com</strong>o resposta espontânea a um estado de tensão, insatisfação e sofrimentotanto <strong>dos</strong> profissionais quanto <strong>dos</strong> pacientes, mediante fatos e fenômenossomente justificáveis em uma cultura institucional de violência.Antes <strong>da</strong> repagina<strong>da</strong> teórica, prática e política que recebeu nos últimosanos, a humanização se apresentava <strong>com</strong>o um forte desejo <strong>da</strong>s pessoaspela mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> cultura institucional na área <strong>da</strong> Saúde, particularmentenos hospitais – estes vistos <strong>com</strong>o lugares nos quais prevalecia o desrespeitoà autonomia <strong>da</strong>s pessoas e a falta de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de 4 .Hoje, a humanização tornou-se tão relevante para as transformaçõesnecessárias ao desenvolvimento do setor público <strong>da</strong> Saúde que oMinistério <strong>da</strong> Saúde 5 criou a Política Nacional de Humanização (PNH),<strong>com</strong> foco na mu<strong>da</strong>nça de cultura institucional e nos processos de gestãoe de organização do trabalho. Os oito objetivos principais <strong>da</strong> PNH 6 para ahumanização hospitalar são (Santos-Filho, 2006, p.16-48):“1. Implementar gestão descentraliza<strong>da</strong> e participativa2. Assegurar ampliação de acesso, cui<strong>da</strong>do integral e resolutivo3. Organizar a atenção e oferta de cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> a partir <strong>da</strong> implementaçãode equipes multiprofissionais <strong>com</strong> méto<strong>dos</strong> e instrumentos de orientaçãodo trabalho4. Propiciar participação e valorização <strong>dos</strong> trabalhadores no processoe gestão do trabalho5. Promover Educação Permanente <strong>dos</strong> trabalhadores6. Assegurar direitos <strong>dos</strong> usuários, controle social e ações de promoçãoà saúde no âmbito hospitalar7. Adequar áreas físicas (seguindo o conceito de ambiência nos pro-59


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãojetos arquitetônicos e provisão de recursos materiais e insumos)8. Promover qualificação e otimização a partir de instrumentos sistemáticosde avaliação”Para o monitoramento 6 de sua implementação criou indicadores dereferência que exigem ações transformadoras concretas na reali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong>serviços. Destacam-se entre tais indicadores: a existência de plano de gestãoe avaliação baseado em metas; colegiado de gestão <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de de saúde,conselho gestor; projetos terapêuticos singulares elabora<strong>dos</strong> por equipesmultiprofissionais; planos de trabalho estabeleci<strong>dos</strong> <strong>com</strong> os trabalhadores,basea<strong>dos</strong> em resulta<strong>dos</strong> de avaliação de desempenho; processos sistemáticosde avaliação de clima institucional e satisfação <strong>dos</strong> trabalhadores.A Humanização não se basta mais em ativi<strong>da</strong>des lúdicas e ameni<strong>da</strong>despara “amaciar” o ambiente de trabalho. Requer ações planeja<strong>da</strong>s parao desenvolvimento <strong>dos</strong> eixos que, segundo as referências toma<strong>da</strong>s nestetexto, definem a cultura institucional.A PNH propõe uma grande mu<strong>da</strong>nça organizacional que permitirámaior eficiência no setor e a valorização <strong>da</strong>s pessoas em to<strong>da</strong>s as práticasde atenção e gestão. Mu<strong>da</strong>nça que envolve, essencialmente, <strong>com</strong>portamentose relações de poder no sentido <strong>da</strong> gestão participativa 7 ou co-gestãoaqui defini<strong>da</strong> <strong>com</strong>o uma prática política, pe<strong>da</strong>gógica e administrativaque não se esgota na linha superior de mando e inclui o pensar e o fazercoletivo, <strong>da</strong>ndo voz e vez para to<strong>da</strong>s as pessoas envolvi<strong>da</strong>s na atenção egestão <strong>da</strong>s práticas de saúde. O que nos traz de volta à premissa inicialdeste texto, ou seja, promover a cultura <strong>da</strong> humanização é base para qualqueroutro desenvolvimento previsto na PNH, ain<strong>da</strong> que, <strong>com</strong>o veremosadiante, a promoção dessa cultura, de certa forma, seja em si mesmo oinício <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> gestão participativa a que se almeja.Na prática cotidiana, algumas ações que fazem parte de todo programade desenvolvimento <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> humanização nos serviços, indiretamente,criam bases para a gestão participativa, em qualquer contexto,porque promovem a criação de espaços de discussão para a contextualização<strong>dos</strong> impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetemos profissionais de saúde no dia-a-dia (pela própria natureza do seu traba-60


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãolho), e estimulam o pensar e decidir coletivamente sobre a organização dotrabalho, envolvendo gestores, usuários e trabalhadores, em grupos <strong>com</strong>diversas formações.De um modo mais específico, a gestão participativa se dá por meio<strong>da</strong> criação de instâncias de participação nas quais é possível considerar eestabelecer consensos entre desejos e interesses diversos, do mesmo modoque a prática <strong>da</strong> humanização para a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> cultura institucional.Por exemplo: o conselho gestor de Saúde aglutina gestores, trabalhadorese usuários para decidir os rumos institucionais; a ouvidoria faz a mediaçãoentre usuários e instituição para a solução de problemas em âmbitomais particular; as equipes de referência se <strong>com</strong>põem de profissionais que,juntos, a<strong>com</strong>panham pacientes <strong>com</strong>uns ao grupo; os grupos de trabalhode humanização fazem a escuta institucional e criam dispositivos <strong>com</strong>unicacionais;as visitas abertas propiciam parcerias <strong>com</strong> familiares para ocui<strong>da</strong>do de seus parentes. To<strong>dos</strong> esses espaços fazem parte <strong>da</strong> PNH e dequalquer proposta de gestão participativa.Também de uso <strong>com</strong>um para a humanização <strong>dos</strong> serviços, algumasferramentas <strong>com</strong>o as pesquisas de satisfação <strong>dos</strong> usuários e <strong>dos</strong> trabalhadores,ou as pesquisas de clima institucional e de fatores psicossociais dotrabalho 8 , podem ser bastante úteis para diagnósticos institucionais e parao planejamento <strong>da</strong> ambiência (ambiente físico, social, interpessoal) e <strong>da</strong>organização <strong>dos</strong> processos de trabalho.Particularmente importantes são as estratégias, metodologias e ferramentasque se destinam ao desenvolvimento do profissional <strong>da</strong> área <strong>da</strong>Saúde. Acreditamos que a atitude ver<strong>da</strong>deiramente humaniza<strong>da</strong> requer,necessariamente, a educação <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong> saúde dentro <strong>dos</strong> princípios<strong>da</strong> humanização e o desenvolvimento de ações protetoras contraas situações de sofrimento e estresse decorrentes do próprio trabalho eambiente em que se dão as práticas de saúde. Nessa direção, a PNH elege aEducação Permanente 9 <strong>com</strong>o principal estratégia para o desenvolvimentoprofissional na área <strong>da</strong> Saúde. Basea<strong>da</strong> na aprendizagem significativa, aEducação Permanente constrói os saberes a partir <strong>da</strong>s experiências <strong>da</strong>spessoas. Nas ro<strong>da</strong>s de conversa, oficinas e reuniões discutem-se os problemasde trabalho, propõem-se soluções gerenciais, mu<strong>da</strong>nças na sua or-61


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãoganização e definem-se ações educativas de acordo <strong>com</strong> as necessi<strong>da</strong>desobserva<strong>da</strong>s.Enfim, sabemos que a Humanização só se torna reali<strong>da</strong>de em umainstituição quando seus gestores fazem dela mais que um discurso, umacultura e um modelo de gestão. Retórica, boas intenções e programas limita<strong>dos</strong>a ações circunstanciais não sustentam a humanização <strong>com</strong>o processotransformador.II. Como promover a cultura <strong>da</strong> humanização nos serviços de saúde?O caso do CRT DST/AidsA resposta à pergunta sobre <strong>com</strong>o fazer para mu<strong>da</strong>r a cultura nosserviços de Saúde no sentido <strong>da</strong> humanização <strong>com</strong>eçou a ser formula<strong>da</strong>antes mesmo <strong>da</strong> PNH, no programa que a antecedeu, o PNHAH (ProgramaNacional de Humanização <strong>da</strong> Assistência Hospitalar), também do Ministério<strong>da</strong> Saúde. A estratégia proposta previa a criação de Comitês ou Gruposde Trabalho de Humanização nos serviços de Saúde <strong>com</strong> a missão de planejare implementar um plano de trabalho adequado à reali<strong>da</strong>de e recursosde ca<strong>da</strong> instituição. O trabalho no CRT DST/Aids (Centro de Referência eTreinamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do ProgramaEstadual e <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde de São Paulo) tentou caminharnessa direção. Passaremos agora ao relato dessa experiência.Ações humanizadoras e atitudes em sintonia <strong>com</strong> os princípios cita<strong>dos</strong>sempre fizeram parte do CRT DST/Aids, pela sua própria históriade militância e parceria <strong>com</strong> a <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de na luta pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e pelo<strong>com</strong>bate e controle <strong>da</strong> Aids no Estado. Em 2004, <strong>com</strong> a intenção de fazer<strong>da</strong> humanização o fio condutor de uma ética que passasse por to<strong>dos</strong> osprocessos institucionais, o CRT nos convidou para elaborar e coordenar aexecução de um Plano de Desenvolvimento <strong>da</strong> Cultura <strong>da</strong> Humanização,de acordo <strong>com</strong> a PNH.Iniciamos o trabalho <strong>com</strong> um estudo exploratório <strong>da</strong>s representações3referentes à Humanização aqui <strong>com</strong>preendi<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o as ideias,imagens, palavras, expressões ou conceitos investiga<strong>dos</strong> <strong>com</strong> metodologiaqualitativa de pesquisa. Por meio de entrevistas em profundi<strong>da</strong>de <strong>com</strong>pessoas identifica<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o informantes-chave de setores responsáveis62


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãopela assistência aos usuários e pela gestão de pessoas foi possível construirum primeiro desenho do que, no imaginário social desta instituição,naquele momento, se configurava <strong>com</strong>o Humanização. A escolha dessametodologia 10,11,12 encontra amparo na literatura atual quando se refere aestu<strong>dos</strong> no campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de. De forma bem resumi<strong>da</strong>, a Humanizaçãoera <strong>com</strong>preendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o um modo afetivo de cui<strong>da</strong>r <strong>dos</strong> pacientes“passar a mão na sua cabeça” e fazer tudo o que eles quisessem. As reaçõesfrente a essa visão eram diversas, mas também de caráter emocional, simpáticasou ciumentas, ou mesmo tão infantiliza<strong>da</strong>s quanto a própria concepçãoque tinham sobre o tema... “Por que tudo para eles (os pacientes) ena<strong>da</strong> para nós?”. Embora reconhecendo a existência de várias ações volta<strong>da</strong>spara os funcionários (Projeto Cui<strong>da</strong>ndo do Cui<strong>da</strong>dor, Acolhimentode Novos Funcionários, Atendimento <strong>da</strong> Medicina do Trabalho), era muito<strong>com</strong>um entre os trabalhadores o <strong>com</strong>portamento de <strong>com</strong>paração e queixa.Outras ações ti<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o humanizadoras também se inscreviam no registro<strong>da</strong> hospitali<strong>da</strong>de: brinquedoteca, Projeto Leia Comigo, arte terapia, coral,teatro, feiras de funcionários e pacientes.Era preciso promover uma discussão sobre Humanização, no seu sentidomais amplo, <strong>com</strong> a instituição inteira. O Plano de Desenvolvimento <strong>da</strong>Cultura <strong>da</strong> Humanização para o CRT <strong>com</strong>punha-se <strong>da</strong>s seguintes etapas:1º. Passo: Sensibilização <strong>dos</strong> gestores sobre o que é a humanização<strong>da</strong>s práticas de atenção e gestão;2º. Passo: Criação de um Comitê de Humanização <strong>com</strong> representantesde to<strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de CRT;3º. Passo: Capacitação do Comitê para os temas <strong>da</strong> humanização;4º. Passo: Elaboração do plano de trabalho do Comitê para o período2005-2006;5º. Passo: Aprovação do plano pela Diretoria Técnica;6º. Passo: Divulgação do plano para todo o corpo diretivo <strong>da</strong> instituição;7º. Passo: Implementação do plano no biênio 2005-2006 ;8º. Passo: Avaliação do trabalho realizado e modelagens para o próximoperíodo.Seguindo os passos assim defini<strong>dos</strong>, realizamos quatro seminários<strong>com</strong> os gestores <strong>da</strong>s diversas áreas que <strong>com</strong>põem o CRT. Nesses encontros,63


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãopudemos discutir o tema <strong>com</strong> um pouco mais de profundi<strong>da</strong>de, e identificaras principais dificul<strong>da</strong>des para implantar a PNH do ponto de vista desse grupo.Para eles, o maior problema seria, uma vez iniciado, manter o processo,pois se trata de algo que não permite conclusão em curto espaço de tempoe a tendência desses projetos é ir se perdendo ao longo do tempo. Tambémconversei, em particular, <strong>com</strong> ca<strong>da</strong> gestor de grande área sobre suas dúvi<strong>da</strong>se preocupações referentes à PNH e a escolha de uma pessoa representante <strong>da</strong>sua área para <strong>com</strong>por o Comitê de Humanização do CRT.O segundo passo foi a criação do Comitê. Ca<strong>da</strong> gestor de grande áreaindicou dois representantes e ain<strong>da</strong> incluímos no grupo dois usuários, doisfuncionários <strong>da</strong> ouvidoria, do grêmio de funcionários, do sindicato, <strong>da</strong>então CIPA, <strong>da</strong> Comissão de Ética em Pesquisa, <strong>da</strong>s Terceiriza<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> Quali<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> Comunicação Social. O grupo assim formado, durante quatromeses, participou de um curso de capacitação <strong>com</strong> metodologia de aprendizagemsignificativa e exposições dialoga<strong>da</strong>s sobre os seguintes temas:- História e conceitos de Humanização e <strong>da</strong> PNH;- A Humanização no ambiente institucional do CRT;- Subjetivi<strong>da</strong>de e cui<strong>da</strong>do nas práticas de Saúde;- Estratégias, metodologias e ferramentas para a Humanização;- Estrutura, missão e gestão do Comitê de Humanização;- Elaboração do plano de trabalho.Ao longo do curso, discutimos ca<strong>da</strong> tema por referência à sua reali<strong>da</strong>deno CRT e assim embasamos a construção e o funcionamento do Comitê(descrito no seu regimento interno), e o plano de trabalho para o biênio 2005-2006, quando estreamos oficialmente no CRT, e na SES-SP, publica<strong>dos</strong> noDiário Oficial. Estava criado o Comitê de Humanização do CRT DST/Aids.Sobre sua estrutura e funcionamento: o Comitê era um grupo formadopor representantes de to<strong>da</strong> a <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de CRT e uma coordenadora,ligado diretamente à Diretoria Técnica e à área de Recursos Humanos,definido <strong>com</strong>o uma instância que trabalhava para a <strong>com</strong>preensão <strong>da</strong> nossareali<strong>da</strong>de e para a elaboração (e às vezes, coordenação) de propostas parao desenvolvimento <strong>da</strong> cultura institucional <strong>da</strong> Humanização.Suas principais funções diziam respeito a fazer reconhecimentos diagnósticosde situação, disseminar as ideias <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> humanização em to-64


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanização<strong>dos</strong> os espaços institucionais e propor ações e projetos junto às áreas a partirde suas reali<strong>da</strong>des locais. Para ca<strong>da</strong> projeto, formavam-se grupos-tarefa<strong>com</strong>postos por pessoas do Comitê e outras de vários setores, <strong>com</strong> a duraçãodo tempo necessário para o planejamento e execução <strong>da</strong> tarefa. To<strong>dos</strong> osgrupos-tarefa eram supervisiona<strong>dos</strong> pela coordenadora do Comitê. To<strong>dos</strong> osprojetos, aprova<strong>dos</strong> e incluí<strong>dos</strong> no Planejamento Estratégico do CRT.Na nossa visão, a cultura <strong>da</strong> Humanização se processa em dois planosde ação: junto às pessoas, discutindo e construindo valores que farãoparte <strong>da</strong>s diretrizes de conduta ética e profissional, e junto às instânciasgestoras, desenvolvendo <strong>com</strong>petências para a gestão participativa.Desse horizonte e <strong>da</strong> experiência real, no exercício de suas funções,durante o período de 2005 a 2006, o <strong>com</strong>itê desenvolveu os seguintesprojetos e ações:1. Oficinas de humanização para usuários, gestores e funcionários:Realizamos 34 oficinas (30 para funcionários, 2 para usuários e 2para gestores), alcançando 480 pessoas, dois terços do número total defuncionários. As oficinas tinham <strong>com</strong>o objetivo a divulgação e discussão<strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> Humanização, assim <strong>com</strong>o os valores coletivos que devemnortear a ação de to<strong>dos</strong> na instituição. Metodologias ativas foram usa<strong>da</strong>spara estimular a participação <strong>da</strong>s pessoas e na avaliação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, amaioria <strong>dos</strong> participantes (88%) achou o trabalho bom ou ótimo e gostariaque houvesse mais oficinas dessa natureza.2. Levantamento <strong>da</strong>s ações humanizadoras no CRT:Foi feita uma pesquisa para saber e divulgar o que as pessoas consideravamações humanizadoras no CRT. Na visão <strong>dos</strong> trabalhadores, astrês ações principais eram: o acolhimento de novos funcionários, as ações<strong>da</strong> Medicina do Trabalho (atendimento médico, programas de Saúde e dequali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>), o projeto Cui<strong>da</strong>ndo do Cui<strong>da</strong>dor (espaço de encontropara discutir temas relativos ao cotidiano do trabalho). Na visão <strong>dos</strong> usuários,as três principais ações eram: o acolhimento do pronto atendimento,o grupo de adesão e a ouvidoria.3. Pesquisa de satisfação do funcionário e clima institucional:Com o objetivo de entender a visão <strong>dos</strong> trabalhadores sobre o trabalhono CRT, realizamos junto aos profissionais uma pesquisa de fatores65


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãopsicossociais do trabalho (aspectos referentes à gestão, organização dotrabalho e relações interpessoais). Participaram <strong>da</strong> pesquisa 609 <strong>dos</strong> 731funcionários em ativi<strong>da</strong>de, além <strong>da</strong>s Terceiriza<strong>da</strong>s (Cozinha, Segurança eLimpeza), totalizando 83,3% do conjunto. Os resulta<strong>dos</strong> mostraram que ostrabalhadores do CRT DST/Aids tinham alto nível de consciência e motivaçãopara o trabalho. Entretanto, mostravam-se insatisfeitos quanto àparticipação e autonomia.4. Condução do processo de constituição do conselho gestor do CRT:Com o objetivo de constituir um Conselho Gestor no CRT DST/Aidsde forma integra<strong>da</strong>, participativa, envolvendo to<strong>dos</strong> os segmentos desdesua concepção, o Comitê de Humanização organizou um evento parausuários, funcionários e gestores para a discussão pública sobre controlesocial e o convite à participação no trabalho. O grupo de trabalho organizadoa partir desse evento contou <strong>com</strong> usuários, trabalhadores e umacoordenadora <strong>com</strong> experiência em técnica de grupo operativo. Fez umaagen<strong>da</strong> de reuniões quinzenais, ao longo <strong>da</strong>s quais elaborou e executou oplano de trabalho <strong>com</strong> as seguintes ações: divulgação <strong>da</strong>s leis que regemo controle social no SUS, definição de critérios para a candi<strong>da</strong>tura de trabalhadorese usuários, organização de palestras e seminários abertos paradivulgação do que é um conselho gestor e do processo eleitoral na instituição,divulgação <strong>dos</strong> candi<strong>da</strong>tos aceitos, organização do processo eleitorale posse <strong>dos</strong> eleitos. Além <strong>da</strong> criação do COGES-CRT, esse trabalho resultouem maior discussão <strong>da</strong>s ideias sobre controle social, participação popular,gestão participativa, trabalho em equipe e humanização entre usuários,gestores e trabalhadores <strong>da</strong> instituição.Ao final desses dois anos de trabalho, pode-se dizer que a Humanizaçãopassou a constar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> institucional, ain<strong>da</strong> que mais <strong>com</strong>o horizonteutópico, que reali<strong>da</strong>de concreta.Em 2007, o Comitê realizou a Semana <strong>da</strong> Humanização, um grandeevento de integração de to<strong>da</strong>s as áreas do CRT em torno do tema. Ca<strong>da</strong>representante de grande área e a coordenação do Comitê fizeram uma consultaaos funcionários sobre <strong>com</strong>o percebiam a humanização no seu setore em seu próprio <strong>com</strong>portamento. Depois, <strong>com</strong> ca<strong>da</strong> equipe, escolheram-seos pontos de vista <strong>com</strong>uns a ca<strong>da</strong> grupo e elaboraram pôsteres expondo as66


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãoideias do setor. O gestor responsável pela área recebeu o relatório <strong>com</strong>pletodessa investigação e durante sua participação na mesa de encerramentodo evento apresentou propostas de solução para os problemas aponta<strong>dos</strong>.Durante a semana, os pôsteres e fotos <strong>da</strong>s equipes ficaram expostos e to<strong>dos</strong>os dias, pela manhã, ou à tarde desenvolveram-se ativi<strong>da</strong>des: oficinas, palestras,seminários sobre vários temas <strong>da</strong> Humanização. O encerramento sedeu <strong>com</strong> essa mesa redon<strong>da</strong> <strong>com</strong>posta pelo corpo diretivo do CRT, segui<strong>da</strong>por um coquetel.III. Nem só caminho suave, nem só caminho <strong>da</strong>s pedras...No início do nosso trabalho <strong>com</strong> a Humanização para os hospitais<strong>da</strong> SES-SP, perguntávamos se chegaria um tempo em que não seria maispreciso haver um Comitê de Humanização nas instituições para que aHumanização se sustentasse <strong>com</strong>o prática diária nos serviços. Ain<strong>da</strong> nãotemos essa resposta, mas o momento presente nos diz que esse tempo (sehouver) ain<strong>da</strong> está bem longe.Não são poucas as dificul<strong>da</strong>des enfrenta<strong>da</strong>s ao longo desse caminho.Em nossa experiência, os principais obstáculos ao seu desenvolvimento são:- No próprio Comitê de Humanização: um <strong>dos</strong> problemas cruciaisé conseguir <strong>com</strong>por um <strong>com</strong>itê <strong>com</strong> membros que de fato sejam pessoassensíveis ao tema, próximas aos gestores e às equipes de sua área, <strong>com</strong>tempo e vontade de trabalhar. Manter essas mesmas pessoas nos projetosinicia<strong>dos</strong> é outro problema. O rodízio de participantes é grande, dificultandomuito a continui<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> processos, ou sobrecarregando aqueles quepermanecem até o fim;- No cotidiano institucional: é <strong>com</strong>um observarmos atitudes de resistênciaàs ideias novas que a Humanização prega na contramão <strong>dos</strong>valores narcísicos vigentes em nossa socie<strong>da</strong>de, do <strong>com</strong>odismo geral, dodescaso e inércia que caracterizam o <strong>com</strong>portamento de muitos funcionáriospúblicos assegura<strong>dos</strong> em sua estabili<strong>da</strong>de de emprego. Também é frequenteo surgimento de resistências corporativas contra o que entendem<strong>com</strong>o um ataque ao seu poder de classe;- No corpo diretivo: um grande problema é o despreparo <strong>dos</strong> gestores.Muitos gestores não têm qualquer formação para o seu trabalho. São67


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãoamadores e aprenderam ofício na prática (<strong>com</strong> to<strong>dos</strong> os vícios e virtudes).A estrutura do poder é engessa<strong>da</strong> e, mesmo diante de evidências contundentes<strong>da</strong> in<strong>com</strong>petência de alguns, não mu<strong>da</strong>, não abre espaço paranovos talentos, não cria um plano de carreira interno que possibilite aascensão <strong>da</strong>s pessoas pelo esforço, capaci<strong>da</strong>de e desempenho.No caso do CRT, a Humanização cresceu e apareceu. Somado ao quejá existia e foi potencializado, ao que foi planejado e feito pelo próprioComitê e ao que foi estimulado pela disseminação <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> humanização,percebe-se um intenso movimento discursivo que ao longo do tempo,espera-se, consolide a cultura <strong>da</strong> Humanização.O trabalho em equipe envolvendo usuários e trabalhadores revelouseestratégia bem sucedi<strong>da</strong> tanto para o alcance do objetivo <strong>com</strong>um a quese destina, quanto <strong>com</strong>o meio, em si mesmo, para a participação <strong>com</strong>unitáriana instituição. A aliança por meio do trabalho diminui a distânciaentre o paciente e o profissional de Saúde, sem descaracterizar lugarese <strong>com</strong>petências. O técnico tem a especifici<strong>da</strong>de do seu conhecimento, ousuário a força do seu saber e, ambos, o <strong>com</strong>promisso <strong>com</strong> uma históriaem construção.Outra via deriva<strong>da</strong> do <strong>com</strong>promisso <strong>com</strong> a Humanização foi a criaçãode um espaço institucional voltado especificamente para o aprimoramento<strong>da</strong> instituição e de seus trabalhadores. Em 2007, a área de RecursosHumanos criou o Núcleo de Desenvolvimento 13 , <strong>com</strong> a missão de:“Promover o desenvolvimento pessoal e profissional por meio <strong>da</strong> educaçãopermanente, <strong>da</strong> valorização <strong>dos</strong> profissionais, do aprimoramento <strong>da</strong>s <strong>com</strong>petênciase talento <strong>da</strong>s pessoas. Promover o desenvolvimento institucionalmediante políticas e ações que fortaleçam a cultura <strong>da</strong> humanização, agestão participativa e a organização <strong>dos</strong> processos de trabalho” (CRT DST/Aids, 2007, p.3).O Núcleo de Desenvolvimento constitui-se em um setor destinadoàs questões <strong>da</strong> Humanização no seu sentido mais amplo. Muitas pessoasque trabalhavam no Comitê foram para o Núcleo de Desenvolvimento,mas, diferentemente do que acontece no Comitê, que trabalha pela humanizaçãocontando <strong>com</strong> a participação de pessoas que, além de to<strong>da</strong>s as suastarefas habituais ain<strong>da</strong> contribuem para as tarefas <strong>da</strong> Humanização, o Núcleo68


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãode Desenvolvimento tem uma equipe volta<strong>da</strong> especificamente para o tema.Entendemos esse desdobramento <strong>com</strong>o um grande avanço, e é <strong>com</strong>contentamento que vemos, ao longo desses poucos anos, as ideias <strong>da</strong> humanizaçãoganhando espaço no CRT, assumindo diversos contornos e discursos.Como no caso descrito, há várias experiências bem sucedi<strong>da</strong>s deserviços que estão sendo repensa<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> Humanização.Mas, honestamente, temos de admitir: se por um lado a referência à Humanizaçãotornou-se presente no dia-a-dia de muitos serviços de Saúde deforma institucionaliza<strong>da</strong>, sua manifestação espontânea no <strong>com</strong>portamento<strong>da</strong>s pessoas, ou sua prática profissional na gestão e na organização dotrabalho ain<strong>da</strong> requer tempo e investimento...Referências Bibliográficas1. BERNARDES, C. Teoria geral <strong>da</strong>s organizações: os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> administraçãointegra<strong>da</strong>. São Paulo: Atlas, 1988.2. SCHEIN, E. Coming to a new awareness of organizational culture. SloanManag. Rev., n.25, p.3-16,1984.3. FALCÃO, E. B. M.; SIQUEIRA, A. H. Pensar cientificamente: representaçãode uma cultura, Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.7, n.13, p.91-108,2003.4. SÁ, M. C. Em busca de uma porta de saí<strong>da</strong>: os destinos <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> cooperação e do cui<strong>da</strong>do <strong>com</strong> a vi<strong>da</strong> na porta de entra<strong>da</strong> de um hospitalde emergência (Tese), São Paulo: Instituto de Psicologia <strong>da</strong> USP, 2005.5. Brasil, Ministério <strong>da</strong> Saúde. HUMANIZASUS: Política Nacional de Humanizaçãodo Ministério <strong>da</strong> Saúde, Brasília, DF, 2004.6. SANTOS-FILHO, S. B. Monitoramento e Avaliação na Política Nacionalde Humanização na Atenção Básica e Hospitalar – Manual <strong>com</strong> Eixos Avaliativose Indicadores de Referência. Ministério <strong>da</strong> Saúde, DF, 2006.7. Brasil. MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS) Gestão e Formação nos Processosde Trabalho, Brasília, DF, 2004.8. KRISTENSEN, T.S. The demand-control support model: methodological69


A Cultura Institucional <strong>da</strong> Humanizaçãochallenges for future research. Stress Med, 11:17-26pp., 1995.9. Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saúde. A educação permanente entra na ro<strong>da</strong>: pólosde educação permanente em saúde, Brasília, DF, 2005. Disponível em:.Acesso em: 24/06/2008.10. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa emsaúde, São Paulo-Rio de Janeiro, Hucitec-Abrasco, 1994.11. DENZIN, N. & LINCOLN, Y.S. Handbook of qualitative research. 2nd ed.Thousand Oaks: Sage Pub., 2000.12. LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M.; TEIXEIRA, J. V. O discurso do sujeito coletivo:uma nova abor<strong>da</strong>gem metodológica. Caxias do Sul: EDUSC, 2000.13. São Paulo CRT DST/aids Planejamento Estratégico do Núcleo de Desenvolvimento<strong>da</strong> Gerência de Recursos Humanos, São Paulo, 2007.70


CAPÍTULO VModelo de Curso deHumanização para Serviçosde SaúdeConceitos básicos e estratégias para a ação


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeDesde 2000, quando o Ministério <strong>da</strong> Saúde lançou o PNHAH (ProgramaNacional de Humanização <strong>da</strong> Assistência Hospitalar), até os diasde hoje, passando pela PNH (Política Nacional de Humanização) lança<strong>da</strong>em 2003, constituem-se estratégia fun<strong>da</strong>mental para o desenvolvimento<strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> Humanização nas instituições os chama<strong>dos</strong> <strong>com</strong>itês, núcleosou grupos de trabalho de Humanização. Entende-se que, sendo a Humanizaçãoum processo de transformação, é necessário que haja pessoascapacita<strong>da</strong>s para sua <strong>com</strong>preensão teórica e utilização de metodologiasadequa<strong>da</strong>s à sua implementação nos serviços.A nosso ver, o Comitê é a primeira estratégia de desenvolvimento<strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> Humanização. Depois, <strong>com</strong>o discutiremos no último capítulodeste <strong>livro</strong>, outros recursos se fazem necessários. Entretanto, <strong>com</strong>o primeiropasso para a construção de um novo cenário institucional, o Comitê éfun<strong>da</strong>mental.Na área <strong>da</strong> Saúde, a Humanização se faz essencialmente:1. Trabalhando a instituição;2. Trabalhando as pessoas.Ações simultâneas que envolvem várias pessoas em lugares, tempose projetos diferentes. Para que esse processo ocorra de forma integra<strong>da</strong>e articula<strong>da</strong> é necessário que se constitua um “grupo pensante e atuante”,representativo de to<strong>dos</strong> os setores e também <strong>dos</strong> usuários <strong>da</strong> instituição,empoderado pela vontade política e apoio do gestor, e <strong>com</strong>posto porpessoas tecnicamente <strong>com</strong>petentes para as tarefas <strong>da</strong> humanização. Essegrupo é o que doravante chamaremos de Comitê de Humanização, cujaformação nos propomos agora a discutir e apresentar o modelo de trabalhoque utilizamos na <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde, quando coordenamos oCurso de Humanização na Área <strong>da</strong> Saúde – Conceitos e Estratégias para aAção, ministrado no período de agosto a dezembro de 2005.A constituição do Comitê fica bastante facilita<strong>da</strong> se houver na instituiçãoum profissional de nível superior <strong>da</strong> Saúde que possa ocupar olugar de coordenador do grupo. É importante que esse profissional sejaalguém reconhecido na instituição entre os trabalhadores e também pelosgestores. Deve ser alguém <strong>com</strong> acesso aos gestores e por estes, respeitado.É importante que seja alguém capaz de promover a aglutinação de pes-72


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de Saúdesoas sensíveis ao tema <strong>da</strong> Humanização e de atuar <strong>com</strong>o um facilitadorpara a <strong>com</strong>preensão teórica e prática <strong>da</strong> Humanização, capaz de transmitirconhecimentos adquiri<strong>dos</strong> e reconstruí-los em sua reali<strong>da</strong>de local, provocandoefeito multiplicador do saber e fazer humanizado.Com o intuito de desenvolver profissionais <strong>dos</strong> hospitais públicosestaduais para essa função de coordenador de Comitê de Humanização, em2005 realizamos um curso para quarenta e dois hospitais. Da experiênciaadquiri<strong>da</strong> nesse trabalho, acresci<strong>da</strong> <strong>da</strong>s atualizações que hoje se fazemnecessárias ao trabalho nessa área, elaboramos o projeto pe<strong>da</strong>gógico deum curso de humanização para capacitação de profissionais de Saúde quequeiram construir um <strong>com</strong>itê de humanização em seu serviço, ou mesmorenovar saberes e planos do grupo em que atuam. A seguir, apresentamoso Projeto Pe<strong>da</strong>gógico.Projeto pe<strong>da</strong>gógicoPúblico-alvoProfissionais <strong>da</strong> Saúde <strong>com</strong> nível universitário, gestores, gerentes ediretores de uni<strong>da</strong>des de Saúde <strong>com</strong> interesse em coordenar o processode Humanização nos seus serviços.Objetivo geralInformar e capacitar os profissionais para a apreensão conceitual <strong>da</strong>Humanização e a elaboração de estratégias para a sua aplicação práticano desenvolvimento humano e institucional em sua uni<strong>da</strong>de.Objetivos específicos- Apresentar conceitos de Humanização;- Apresentar experiências práticas de humanização na Saúde;- Apresentar estratégias para a construção do Comitê de Humanização;- Discutir as funções do Comitê de Humanização;- Discutir as funções do coordenador do Comitê de Humanização;- Auxiliar a elaboração de plano de trabalho de ca<strong>da</strong> instituição.73


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeConteúdo programático1. Construção do conceito de Humanização / Experiências de humanizaçãona área <strong>da</strong> Saúde;2. Humanização <strong>com</strong> o foco nas pessoas:- O olhar humano sobre o processo de adoecimento e o cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>saúde;- Fatores psicossociais do trabalho e o cui<strong>da</strong>do que deve ser dedicadoàqueles que cui<strong>da</strong>m <strong>da</strong> saúde <strong>da</strong>s pessoas.3. Humanização <strong>com</strong> o foco na instituição:- A Política de Educação Permanente;- Os indicadores de humanização <strong>da</strong> PNH.4. Estratégias para desenvolver a cultura <strong>da</strong> Humanização nos serviços;5. Elaboração do plano de ação para a instituição de ca<strong>da</strong> participante.Estratégias de ensino-aprendizagemAs turmas podem ser de até 40 participantes.O curso conta <strong>com</strong> carga horária total de trinta e duas horas (32h)distribuí<strong>da</strong>s em cinco aulas de quatro horas (4h) ca<strong>da</strong>, uma por semana,durante cinco semanas. Depois, se prevê um período de dispersão de trêsmeses e mais três encontros de quatro horas (4h) de duração, um por semana,para a<strong>com</strong>panhamento <strong>da</strong> execução do plano de ação desenhado naprimeira fase do curso.Um coordenador orquestra as ativi<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> encontro, auxiliadopor quatro monitores que a<strong>com</strong>panham o trabalho nos pequenos grupos.Ca<strong>da</strong> encontro <strong>com</strong>eça <strong>com</strong> uma ativi<strong>da</strong>de dirigi<strong>da</strong> pelo coordenador docurso e depois de um breve intervalo a turma é dividi<strong>da</strong> em quatro gruposde dez alunos para o trabalho prático e tarefa referente à sua reali<strong>da</strong>deinstitucional particular.Na primeira parte do encontro usam-se aulas expositivas, discussãode situações vivi<strong>da</strong>s, jogos dramáticos, recursos de linguagem audiovisual.Na segun<strong>da</strong> parte, tarefas monitora<strong>da</strong>s em grupo.AvaliaçãoAo final <strong>da</strong> primeira fase do curso, procede-se à avaliação qualitati-74


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de Saúdeva <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s, no que se refere à:- Assimilação <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> humanização;- Elaboração <strong>dos</strong> planos de trabalhos individuais.Após o último encontro para a<strong>com</strong>panhamento <strong>dos</strong> planos de ação,avalia-se a situação em que estes se encontram e encaminham-se açõesfuturas para correção de rota ou acertos de sua implementação.Roteiro <strong>da</strong>s aulas1. Primeira aula – Humanização na Saúde.Parte 1 – Apresentação do vídeo <strong>com</strong> documentário curta-metragemIlha <strong>da</strong>s Flores, de Eduardo Coutinho, segui<strong>da</strong> de discussão sobre osaspectos socioculturais (de nossa época) que o filme critica em contrapontoaos valores do Humanismo – tempo estimado de 1 hora.Parte 2 – Aula expositiva sobre História e conceitos <strong>da</strong> Humanizaçãona Saúde (anexo 1) – tempo estimado de 40 minutos.Intervalo – 20 minutos.Parte 3 – Trabalho em pequenos grupos <strong>com</strong> monitor – tempo estimadode 1 hora.Roteiro de discussão:- Situação atual <strong>dos</strong> GTHs (Comitês ou Núcleos) de ca<strong>da</strong> serviço;- Como eles se situam em relação à PNH?Relatório – tempo estimado de 1 hora.Esquema do relatório:- Quem somos: <strong>com</strong>o está constituído o atual GTH, ou não temosGTH, ou quem são os profissionais desta equipe que participam ouquerem participar <strong>dos</strong> projetos <strong>da</strong> humanização neste serviço.- Nosso GTH representa a instituição?- Como deveríamos nos <strong>com</strong>por para que o GTH do nosso serviçorepresentasse a instituição?- Quais os princípios que devem orientar uma política de Humanizaçãopara o nosso serviço?2. Segun<strong>da</strong> aula – O olhar humano sobre o processo de adoeci-75


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de Saúdemento e o cui<strong>da</strong>r na Saúde.Parte 1 – Oficina: Jogo do Abrigo Nuclear (anexo 2)Divide-se a turma em três grupos. Ca<strong>da</strong> grupo discute a tarefa propostae escolhe um re<strong>da</strong>tor de suas escolhas. Os re<strong>da</strong>tores apresentamo trabalho de ca<strong>da</strong> grupo para to<strong>da</strong> a turma – tempo estimadode 1 hora.Parte 2 – Aula expositiva sobre aspectos subjetivos do adoecimento(anexo 3) – tempo estimado de 40 minutos.Intervalo – tempo estimado de 20 minutos.Parte 3 – Trabalho em pequenos grupos <strong>com</strong> monitor – tempo estimadode 1 hora.Roteiro de discussão:- Quais os problemas que observamos nas relações entre profissionaise usuários?- Que trabalhos desenvolvemos para melhorar essas relações?Relatório – tempo estimado de 1 horaEsquema do relatório:- Quais os princípios éticos que devem orientar as relações entre aspessoas no nosso serviço?- Que ações podemos promover para o desenvolvimento dessa atitudeética coletiva que queremos para o nosso serviço?- Que ações podem melhorar a quali<strong>da</strong>de do atendimento que oferecemosaos usuários?3. Terceira aula – Fatores psicossociais do trabalho e o cui<strong>da</strong>do quedeve ser dedicado àqueles que cui<strong>da</strong>m <strong>da</strong> saúde <strong>da</strong>s pessoas.Parte 1 – Oficina: Leitura <strong>da</strong> fábula O anel (anexo 4)Discussão <strong>da</strong> leitura em três grupos, tendo <strong>com</strong>o questão o nossovalor <strong>com</strong>o trabalhadores <strong>da</strong> Saúde e as situações de Humanização(ou não) em nosso cotidiano – tempo estimado de 1 hora.Parte 2 – Trabalho em pequenos grupos <strong>com</strong> monitor – tempo estimadode1 hora.Roteiro de discussão:- Que problemas observamos em nosso ambiente de trabalho?76


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de Saúde- Que trabalhos desenvolvemos para cui<strong>da</strong>r <strong>dos</strong> nossos trabalhadores?Intervalo – tempo estimado de 20 minutos.Parte 3 – Aula expositiva sobre cui<strong>da</strong>do para <strong>com</strong> o cui<strong>da</strong>dor (anexo5) – tempo estimado de 40 minutos.Relatório – tempo estimado de 1 hora.Esquema do relatório:- Quais ações já desenvolvemos para os trabalhadores em nossoserviço?- Que outras ações podemos promover para o desenvolvimento humanoe institucional? Como fazer?4. Quarta aula – Estratégias para desenvolver a cultura <strong>da</strong> Humanizaçãonos serviços.Parte 1 – Aula expositiva sobre Educação Permanente (anexo 6),e indicadores de Humanização <strong>da</strong> PNH – tempo estimado de 40minutos.Parte 2 – Trabalho em pequenos grupos <strong>com</strong> monitor – tempo estimadode 1 hora.Roteiro de discussão:- Quais os principais problemas de gestão que observamos em nossoserviço?Intervalo – tempo estimado de 20 minutos.Parte 3 – Trabalho em pequenos grupos <strong>com</strong> monitor – tempo estimadode 1 hora.Roteiro de discussão:- Dos indicadores <strong>da</strong> PNH, em ca<strong>da</strong> eixo, quais escolhemos para onosso atual plano de trabalho?Parte 4 – Elaboração do pré-projeto do GTH do serviço – tempoestimado de 1 hora.Utilizando os relatórios realiza<strong>dos</strong> nos encontros anteriores e os indicadoresescolhi<strong>dos</strong>, o grupo deverá montar o pré-projeto de constituiçãode um GTH ou do plano de trabalho de seu GTH, conformeo modelo descrito no quadro.77


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeNome do projeto/planoIntrodução/JustificativasObjetivosEstrutura do Comitê- Composição- Funções- Subordinação direta- Normas de funcionamentoEtapas e Agen<strong>da</strong> <strong>da</strong> criação e implantação do ComitêProposta de Plano de Ação para o Comitê- Ações <strong>com</strong> foco na gestão- Ações <strong>com</strong> foco no usuário- Ações <strong>com</strong> foco no trabalhador <strong>da</strong> Saúde- Indicadores <strong>da</strong> PNH para monitoramento <strong>da</strong>s ações5. Quinta aula – Discussão <strong>dos</strong> planos de ação.Parte 1 – Trabalho em pequenos grupos <strong>com</strong> monitor – tempo estimadode 3 horas.Apresentação de ca<strong>da</strong> plano de ação e <strong>com</strong>entários, sugestões, acréscimospertinentes.Intervalo – 20 minutos.Parte 2 – Avaliação e encerramento do curso – tempo estimado de40 minutos.Após três meses faz-se uma conversa <strong>com</strong> ca<strong>da</strong> grupo para a<strong>com</strong>panharo an<strong>da</strong>mento do projeto ou plano de trabalho. Em 2006, quandoforam realiza<strong>dos</strong> os encontros de avaliação previstos observamos que setentapor cento (70%) <strong>dos</strong> hospitais que participaram do curso conseguiramimplantar seus projetos/planos de trabalho naquele ano.Os Comitês de Humanização bem construí<strong>dos</strong> e legitima<strong>dos</strong> institucionalmentesão fun<strong>da</strong>mentais para as mu<strong>da</strong>nças que se preconizam <strong>com</strong>a Humanização. O curso que aqui apresentamos pode ser um <strong>com</strong>eço.78


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeAgradecimentosÀ Cleusa Maria Gomes de Abreu – CRH/SES-SP e monitoras convi<strong>da</strong><strong>da</strong>spara os cursos realiza<strong>dos</strong>, em 2005, no Centro de Desenvolvimentode Recursos Humanos <strong>da</strong> SES-SP: Yolan<strong>da</strong> Memrava Mendes, CristinaRossi de Almei<strong>da</strong> Alonso, e Solange Guedes de Oliveira.Anexo 1 – Aula expositiva sobre humanizaçãoTextos de apoio- Humanização: a essência <strong>da</strong> ação técnica e ética nas práticas deSaúde- Violência e HumanizaçãoFonte <strong>dos</strong> slides- Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saúde. HUMANIZASUS – Política Nacional deHumanização do Ministério <strong>da</strong> Saúde, Brasília, DF, 2004.HumanizaçãoÉ o processo de transformação <strong>da</strong> cultura institucional quereconhece e valoriza os aspectos subjetivos, históricos esocioculturais de usuários e profissionais, assim <strong>com</strong>o osfuncionamentos institucionais, para a <strong>com</strong>preensão <strong>dos</strong>problemas e elaboração de ações que promovam boascondições de trabalho e quali<strong>da</strong>de no atendimento.79


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeMinistério <strong>da</strong> Saúde• PNHAH (2000) - Subjetivi<strong>da</strong>des e relações entre as pessoas• PNH (2003) - Modelos de gestão e processo de trabalhoHumanização <strong>com</strong>o política• Eixo norteador <strong>da</strong>s práticas em saúde em to<strong>da</strong>s asinstâncias do SUS, destacando o aspecto subjetivo presenteem qualquer ação humana: olhar ca<strong>da</strong> sujeito em suahistória de vi<strong>da</strong> e – <strong>com</strong>o sujeito de um coletivo – sujeito <strong>da</strong>história de muitas vi<strong>da</strong>s.• Traduz princípios e mo<strong>dos</strong> de operar no conjunto <strong>da</strong>srelações <strong>dos</strong> diferentes atores <strong>da</strong> rede SUS.80


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdePrincípios norteadores <strong>da</strong> política de humanização• Compromisso <strong>com</strong> a democratização <strong>da</strong>s relações detrabalho• Valorização <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong> rede, estimulandoprocessos de educação permanente• Estruturar a atenção à saúde em to<strong>dos</strong> os níveismediante critérios de acolhimento, vínculo, resolutivi<strong>da</strong>de,integrali<strong>da</strong>de e responsabilização entre trabalhadores,gestores e usuários na rede de serviços.• Promover ampliação e fortalecimento do controle social, <strong>com</strong>gestões democráticas e participativas nos serviços de saúde.• Promover ambiência acolhedora nos serviços de saúde.Princípios norteadores <strong>da</strong> política de humanização• Valorização <strong>da</strong> dimensão subjetiva e social em to<strong>da</strong>s aspráticas de atenção e gestão• Construção de autonomia e protagonismo <strong>dos</strong> sujeitos• Apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e<strong>com</strong>prometi<strong>da</strong>s <strong>com</strong> a produção de saúde e produção desujeitos• Fortalecimento do controle social• Fortalecimento do trabalho em equipe, favorecendo atransversali<strong>da</strong>de e a grupali<strong>da</strong>de81


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeExemplos de Ações Humanizadoras• Recepção Humaniza<strong>da</strong>/ Acolhimento• Humanização do parto e nascimento• Saúde mental do trabalhador <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saúde• Brinquedoteca• Oficina de artes para pacientes e funcionários• Ativi<strong>da</strong>des de sala de espera• Biblioteca circulante, salas de leitura, Leia Comigo• Oficinas de humanização para funcionários• E muitos e muitos outros...Humanização na área <strong>da</strong> saúde se faz• Trabalhando a Instituição – Gestão e processo de trabalho• Trabalhando as pessoas – Atitudes e padrão de ética82


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdePrincípios norteadores <strong>da</strong> política de humanização• Sensibilização <strong>dos</strong> gestores e diretores para o conceito eas diretrizes <strong>da</strong> humanização• Divulgação interna <strong>da</strong> humanização• Organização do Grupo de Trabalho de Humanização (GTH)<strong>da</strong> instituição• Capacitação do GTH para a construção de um plano detrabalho de humanização e para o exercício de suas funções.Anexo 2 – Dinâmica de grupoAbrigo NuclearFonte: SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚ-DE. Manual de Treinamento Introdutório do Programa Saúde <strong>da</strong> Família.São Paulo: Polo de Educação Permanente em Saúde <strong>da</strong> Região Metropolitanade São Paulo, 2002.Dentro de poucos minutos haverá um bombardeio aéreo sobre nós.Em face desta ameaça de destruição imediata, faz-se necessário uma decisãoigualmente imediata: existe neste lugar um abrigo nuclear perfeito,capaz de abrigar apenas sete pessoas entre doze que querem nele se instalarneste momento.Você e o seu grupo têm lugar garantido nele e serão os responsáveispela escolha <strong>dos</strong> outros seis que ficarão protegi<strong>dos</strong> no abrigo.Entre os que se apresentam nesta lista, escolham os seus seis <strong>com</strong>panheiros:- Um violinista de 40 anos, drogadependente- Um advogado de 25 anos83


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de Saúde- A esposa do advogado, 24 anos que acaba de sair de um manicômio.Ambos só aceitam ir para o abrigo juntos.- Um sacerdote de 76 anos- Uma prostituta de 28 anos- Um ateu de 18 anos, autor de vários assassinatos- Uma universitária religiosa carismática que fez voto de casti<strong>da</strong>de- Um biólogo, 32 anos, que sofre de ataques epilépticos- Um homossexual, 47 anos, poliglota- Um físico de 29 anos que só entra no abrigo se levar sua arma- Um declamador fanático pela Bíblia, 20 anos de i<strong>da</strong>de- Uma menina de 12 anos <strong>com</strong> baixo QIAnexo 3 – Aula expositiva sobre aspectos subjetivos do cui<strong>da</strong>doTexto de apoio- O realce à subjetivi<strong>da</strong>de – assim <strong>com</strong>eça a Humanização <strong>da</strong> atençãoà SaúdeAspectos subjetivosAspectos éticosConceito de humanização: Humanização é o processode transformação <strong>da</strong> cultura institucional que reconheceos aspectos subjetivos <strong>da</strong>s relações humanas, os valoressocioculturais e os funcionamentos institucionais na<strong>com</strong>preensão <strong>dos</strong> problemas e elaboração de ações desaúde, melhorando as condições de trabalho e a quali<strong>da</strong>dedo atendimento.Primeiro princípio norteador <strong>da</strong> PNH:- Valorização <strong>da</strong> dimensão subjetiva e social em to<strong>da</strong>sas práticas de atenção e gestão.84


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de Saúde“Porque eu sou do tamanho <strong>da</strong>quilo quevejo, e não do tamanho <strong>da</strong> minha altura.”(Alberto Caiero)A subjetivi<strong>da</strong>de é o resultado de processos contínuos denatureza biológica, histórica, psíquica, social, cultural,religiosa, que se condensam ou sedimentam no indivíduo elhe determinam características particulares.Diz respeito ao modo ou mo<strong>dos</strong> de ser.Comporta um plano singular (aquilo que só diz respeito amim mesmo - minha biografia, meus desejos, atos) e umplano coletivo (aquilo que <strong>com</strong>partilhamos <strong>com</strong> outrosseres humanos num mesmo tempo – a linguagem, asnecessi<strong>da</strong>des básicas, os valores socioculturais).85


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeO paciente e os aspectos psíquicos do adoecimento• Regressão ao adoecer• O adoecimento ligado ao modo de ser e viver• A condição de doente <strong>com</strong>o uma forma de vi<strong>da</strong> protegi<strong>da</strong>• A doença <strong>com</strong>o forma de obter gratificações sociaisA pessoa do profissional de saúdeO profissional não é um elemento neutro. O modo <strong>com</strong>ose porta diante do paciente, seja <strong>com</strong> atitude carinhosae maternal, ou autoritária e arrogante, refere-se à suahistória pessoal. O seu temperamento, valores, preconceitose emoções estarão sendo ministra<strong>dos</strong> a ca<strong>da</strong> paciente demodo diverso e na maioria <strong>da</strong>s vezes não calculado e sequerpercebido.E é aí que está o problema (e também a solução...)86


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeAnexo 4 – Leitura em grupo do textoO AnelUm aluno chegou ao professor <strong>com</strong> um problema:- Venho aqui, professor, porque me sinto tão pouca coisa, que nãotenho forças para fazer na<strong>da</strong>. Dizem que não sirvo para na<strong>da</strong>, que não façona<strong>da</strong> direito, que sou lerdo e muito idiota. Como posso melhorar? O queposso fazer para que me valorizem mais?O professor, sem olhá-lo, disse:- Sinto muito meu jovem, mas agora não posso ajudá-lo, devo primeiroresolver meu próprio problema. Talvez depois. E, fazendo, uma pausafalou: Se você me aju<strong>da</strong>r, eu posso resolver meu problema <strong>com</strong> maisrapidez e depois talvez possa aju<strong>da</strong>r você a resolver o seu.- C...claro, professor, gaguejou o jovem, mas se sentiu outra vezdesvalorizado.O professor tirou um anel que usava no dedo pequeno, deu ao garotoe disse:- Monte no cavalo e vá até o mercado. Deve vender esse anel porquetenho que pagar uma dívi<strong>da</strong>. É preciso que obtenha pelo anel o máximopossível, mas não aceite menos que uma moe<strong>da</strong> de ouro. Vá e volte <strong>com</strong> amoe<strong>da</strong> o mais rápido possível.O jovem pegou o anel e partiu. Mal chegou ao mercado <strong>com</strong>eçou a oferecero anel aos mercadores. Eles olhavam <strong>com</strong> algum interesse, até o jovemdizer quanto pretendia pelo anel. Quando o jovem mencionava uma moe<strong>da</strong> deouro, alguns riam, outros saiam sem ao menos olhar para ele. Só um velhinhofoi amável a ponto de explicar que uma moe<strong>da</strong> de ouro era muito valiosa para<strong>com</strong>prar um anel. Tentando aju<strong>da</strong>r o jovem, chegou a oferecer uma moe<strong>da</strong> deprata e mais uma de cobre, mas o jovem seguia as instruções de não aceitarmenos que uma moe<strong>da</strong> de ouro e recusava as ofertas.Depois de oferecer a joia a to<strong>dos</strong> que passavam pelo mercado e abatidopelo fracasso, montou no cavalo e voltou. O jovem desejou ter umamoe<strong>da</strong> de ouro para que ele mesmo pudesse <strong>com</strong>prar o anel, livrando apreocupação de seu professor e assim podendo receber sua aju<strong>da</strong> e conselhos.Entrou na casa e disse:- Professor, sinto muito, mas é impossível conseguir o que me pediu.87


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeTalvez pudesse conseguir 2 ou 3 moe<strong>da</strong>s de prata, mas não acho que sepossa enganar ninguém sobre o valor do anel.- Importante o que me disse meu jovem, disse sorridente. Devemossaber primeiro o valor do anel. Volte a montar no cavalo e vá até o joalheiro.Quem melhor para saber o valor exato do anel? Diga que quer vendero anel e pergunte quanto ele te dá por ele.Mas não importa o quanto ele te ofereça, não o ven<strong>da</strong>. Volte aqui<strong>com</strong> meu anel.O jovem foi até o joalheiro e lhe deu o anel para examinar. O joalheiroexaminou o anel <strong>com</strong> uma lupa, pesou o anel e disse:- Diga ao seu professor que, se ele quer vender agora, não posso <strong>da</strong>rmais que 58 moe<strong>da</strong>s de ouro pelo anel.- 58 MOEDAS DE OURO! Exclamou o jovem.- Sim, replicou o joalheiro, eu sei que <strong>com</strong> tempo eu poderia oferecercerca de 70 moe<strong>da</strong>s, mas se a ven<strong>da</strong> é urgente...O jovem correu emocionado à casa do professor para contar o queocorreu. Depois de ouvir tudo que o jovem lhe contou, o professor disse:- Você é <strong>com</strong>o esse anel, uma joia valiosa e única. Só pode ser avalia<strong>da</strong>por um especialista. Pensava que qualquer um podia descobrir o seuver<strong>da</strong>deiro valor? E dizendo isso voltou a colocar o anel no dedo.- To<strong>dos</strong> somos <strong>com</strong>o esta joia. Valiosos e únicos e an<strong>da</strong>mos porto<strong>dos</strong> os merca<strong>dos</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pretendendo que pessoas inexperientes nosvalorizem. Repense o seu valor!Autor desconhecidoAnexo 5 – Aula expositiva sobre fatores psicossociais do trabalhoTextos de apoio- O realce à subjetivi<strong>da</strong>de – assim <strong>com</strong>eça a Humanização <strong>da</strong> atençãoà saúde.- Humanização no Ambiente de Trabalho – o estudo <strong>dos</strong> fatorespsicossociais.88


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeFonte <strong>dos</strong> slides- Pitta, A. Hospital: dor e morte <strong>com</strong>o ofício . São Paulo: Ed. Hucitec,1990.- Volich, R. M. Entre uma angústia a outra..., Boletim de Novi<strong>da</strong>des Pulsional,São Paulo, n.80 pp. 37-45, 1995.- Dejours, C. “A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho”2ed., São Paulo, Cortez/Oboré, 1987.Objetivo deste encontroDiscutir os fatores psicossociais do trabalho e oscui<strong>da</strong><strong>dos</strong> que devem ser dedica<strong>dos</strong> àqueles quetrabalham pela saúde <strong>da</strong>s pessoas.A saúde do profissional <strong>da</strong> saúdeNa literatura geral: problemas de sono, perturbações na vi<strong>da</strong>familiar, tendências depressivas, problemas gástricos, fadigae estresse.No estudo <strong>da</strong> Anna Pitta num hospital público <strong>da</strong> capitalpaulista foram encontra<strong>dos</strong>:42,1% <strong>dos</strong> trabalhadores referiam problemas de saúde60,2% queixas gênito-urinárias57,7% poliqueixas53,1% transtornos mentais50,0% queixas mal defini<strong>da</strong>s42,0% doenças do aparelho digestivo89


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeEstratégias defensivas contra a sobrecarga emocional• Coesão <strong>da</strong> equipe• Hiperativi<strong>da</strong>de verbal ou cinética• Absenteísmo• Chistes, anedotas• Agressivi<strong>da</strong>de reativa contra pacientes e colegas(Libouban)Fatores psicossociais do trabalhoSegundo a Organização Internacional do Trabalho:“ FPST são aqueles que se referem à interação entre eno meio ambiente de trabalho, conteúdo do trabalho,condições organizacionais e habili<strong>da</strong>des do trabalhador,necessi<strong>da</strong>des, cultura, causas extra-trabalho pessoais quepodem, por meio de percepções e experiência, influenciara saúde, o desempenho no trabalho e a satisfação notrabalho.”90


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeFatores psicossociais e satisfação no trabalho• Estabili<strong>da</strong>de no emprego• Salários e benefícios• Relações sociais no trabalho• Supervisão e Chefia• Ambiente físico de trabalho• Reconhecimento e valorização• Oportuni<strong>da</strong>des de desenvolvimento profissional• Conteúdo, varie<strong>da</strong>de e desafio no trabalho• Espaços de fala e escuta• Qualificação• Autonomia• Subutilização de habili<strong>da</strong>des e <strong>com</strong>petências• Carga de trabalho (física, cognitivas ou emocionais)Alguns instrumentos de avaliação do ambiente detrabalho e estresseCOPSOC – Copenhagen Psychosocial QuestionnaireBurn-Out Inventory – Maslach e JacksonPesquisa de satisfação do profissional – Ministério <strong>da</strong>Saúde (PNHAH)91


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeCui<strong>da</strong>ndo do profissional <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saúde“A forma suici<strong>da</strong> <strong>com</strong> que nos deixamos invadir pelaviolência, sem na<strong>da</strong> fazer, é talvez um sinal desse desejolatente de destruir o que não temos coragem paratransformar.”Christophe DejoursÂmbito <strong>Pessoa</strong>l“Tratar o outro é antes de mais na<strong>da</strong>, poder entrarem contato <strong>com</strong> nosso próprio sofrimento e <strong>com</strong> asexpectativas que ele evoca em nosso foro mais íntimo.Cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>s do outro, podemos também efetuaro trabalho permanente de reparação de nossas própriasferi<strong>da</strong>s narcísicas.”R. Volich92


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeÂmbito InstitucionalPensar a organização do trabalho, envolver gestores, pessoal deRH, sensibilizando-os para as transformações necessárias noambiente de trabalho.Promover a transparência organizativa e a participação dotrabalhador nas decisões relaciona<strong>da</strong>s à sua tarefa e condições detrabalho.Garantir a to<strong>dos</strong> oportuni<strong>da</strong>des de desenvolvimento de habili<strong>da</strong>dese conhecimentos.Criar espaços para a contextualização e discussão <strong>dos</strong> impasses,sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem osprofissionais de saúde no seu dia a dia.Criar equipes interdisciplinares efetivas que sustentem adiversi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> vários discursos presentes na instituição.Anexo 6 – Aula expositiva sobre Educação PermanenteTextos de apoio- A cultura institucional <strong>da</strong> humanização- Humanização e Educação PermanenteFonte <strong>dos</strong> slides- SUS de A a Z - http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz Departamentode Gestão <strong>da</strong> Educação na Saúde/ SGTES/MS- BERBEL, N. N.: “Problematization” and Problem-Based Learning:different words or different ways? Interface - Comunicação, Saúde, Educação,v.2, n.2, 1998.93


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeAnálise crítica <strong>da</strong> formação e desenvolvimento depessoas para o SUS• Inadequação <strong>da</strong> formação profissional em to<strong>dos</strong> os níveisàs necessi<strong>da</strong>des do SUS (capaci<strong>da</strong>de de resolução, vínculo eresponsabilização);• Má distribuição <strong>da</strong>s instituições formadoras e <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>desde formação;• Profusão de iniciativas de capacitação pontuais, desarticula<strong>da</strong>s efragmenta<strong>da</strong>s;• Baixa capacitação pe<strong>da</strong>gógica em metodologias ativas dedocentes, preceptores, tutores e orientadores <strong>dos</strong> serviços;•Sistema de avaliação do ensino não pergunta sobre os<strong>com</strong>promissos institucionais <strong>com</strong> o SUS, valoriza titulação deprofessores.Política de formação para o SUSCONSELHO NACIONAL DE SAÚDE: Resolução nº 335, de 27de novembro de 2003.Portaria MS no 198/GM/MS - 13 de fevereiro de 2004.ObjetivoConstruir uma política nacional de formação edesenvolvimento para o conjunto <strong>dos</strong> profissionais de saúde(educação técnica, educação superior, especialização) eprodução de conhecimentos para a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s práticasde saúde, bem <strong>com</strong>o a educação popular para a gestão <strong>da</strong>spolíticas públicas de saúde.94


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeResulta<strong>dos</strong> Espera<strong>dos</strong>• Profissional crítico, capaz de aprender a aprender, detrabalhar em equipe, de levar em conta a reali<strong>da</strong>de social paraprestar atenção humaniza<strong>da</strong> e de quali<strong>da</strong>de;• Universi<strong>da</strong>de aberta às deman<strong>da</strong>s, capaz de produzirconhecimento relevante e útil para a construção do sistema desaúde;• Transformar o modelo de atenção, fortalecendo promoçãoe prevenção, oferecendo atenção integral e fortalecendo aautonomia <strong>dos</strong> sujeitos na produção <strong>da</strong> saúde.Princípios• Articulação entre educação e trabalho no SUS• Produção de processos e práticas de desenvolvimento noslocais de trabalho• Mu<strong>da</strong>nças nas práticas de formação e de saúde, tendo emvista a integrali<strong>da</strong>de e humanização• Articulação entre ensino, gestão, atenção e participaçãopopular e controle social em saúde• Produção de conhecimento para o desenvolvimento <strong>da</strong>capaci<strong>da</strong>de pe<strong>da</strong>gógica <strong>dos</strong> serviços e do sistema de saúde95


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeFocoProcessos de trabalho e equipes: atenção, gestão, participaçãoe controle social, possibilitando a construção de um novo estilode gestão, no qual os pactos para reorganizar o trabalho sejamconstruí<strong>dos</strong> coletivamente e os diferentes profissionais passam a sersujeitos <strong>da</strong> produção de alternativas para a superação de problemas.MétodoAnálise coletiva <strong>dos</strong> processos de trabalho que permitam aidentificação <strong>dos</strong> “nós críticos” enfrenta<strong>dos</strong> na atenção ou nagestão e a construção de estratégias contextualiza<strong>da</strong>s e dialoga<strong>da</strong>sentre as políticas e a singulari<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> lugares e <strong>da</strong>s pessoas.As ativi<strong>da</strong>des educativas são construí<strong>da</strong>s de maneira articula<strong>da</strong><strong>com</strong> as medi<strong>da</strong>s para reorganização do sistema, implicando uma<strong>com</strong>panhamento e apoio técnico.Dois conceitos de ensino-aprendizagem na saúdeEducação Continua<strong>da</strong>: alternativas educacionais maiscentra<strong>da</strong>s no desenvolvimento de grupos profissionais,seja através de cursos de caráter seriado, seja através depublicações específicas de um determinado campo (NUNES);Educação Permanente: estratégia de reestruturação <strong>dos</strong>serviços, a partir <strong>da</strong> análise <strong>dos</strong> determinantes sociais eeconômicos, mas sobretudo de valores e conceitos <strong>dos</strong>profissionais. Propõe transformar o profissional em sujeito,colocando-o no centro do processo ensino-aprendizagem(MOTTA);96


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeDistinções Conceituais entre Educação Permanente eEducação Continua<strong>da</strong>Educação Permanente• Multiprofissional• Prática Institucionaliza<strong>da</strong>• Problemas de saúde• Transformação <strong>da</strong>s Práticas• Contínua• Centra<strong>da</strong> na resolução deproblemasEducação Continua<strong>da</strong>• Uniprofissional• Prática autônoma• Temas de especiali<strong>da</strong>des• Atualização técnica• Esporádica• Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> transmissãoEducação PermanenteMetodologiaAprendizagem SignificativaÉ um processo pelo qual uma nova informação se relaciona<strong>com</strong> aspectos relevantes <strong>da</strong> estrutura de conhecimento doindivíduo (AUSUBEL)97


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeProblematizaçãoO que é problematizar?• Partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de concreta do sujeito• Criar o conflito cognitivo• Criar uma situação onde o sujeito possa <strong>da</strong>r o seureferencial• Identificar o que precisa ser mu<strong>da</strong>do• Buscar os conhecimentos necessários para intervir nareali<strong>da</strong>deProblematizaçãoA primeira referência para essa Metodologia é o Método doArco, de Charles Maguerez, do qual conhecemos o esquemaapresentado por Bordenave e Pereira (1982).Nesse esquema constam cinco etapas que se desenvolvem apartir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de ou de um recorte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de:1. Observação <strong>da</strong> Reali<strong>da</strong>de2. Pontos-Chave3. Teorização4. Hipóteses de Solução5. Aplicação à Reali<strong>da</strong>de (prática)98


Modelo de Curso de Humanização para Serviços de SaúdeA Gestão <strong>da</strong> Educação Permanente em SaúdeCIES – Comissões de Integração Ensino-EscolaO QUE SÃOInstâncias de articulação entre instituições formadoras, gestores do SUS,serviços e as instâncias do controle social para a gestão <strong>da</strong> educaçãopermanente em saúde. Não executam ações.EM QUE SE CONSTITUEMEm espaços para o estabelecimento do diálogo e <strong>da</strong> negociação entreas ações e serviços do SUS e as instituições formadoras;No lócus para a reflexão de necessi<strong>da</strong>des e a construção de estratégiase políticas no campo <strong>da</strong> formação e desenvolvimento.A QUE VISAMAmpliar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> gestão;Aperfeiçoar a atenção integral;Popularizar o conceito ampliado de saúde e;Fortalecer o controle social no Sistema.Estratégias <strong>com</strong>plementares para implementação <strong>da</strong>Educação Permanente• Aprender SUS• Escolas Técnicas do SUS• Rede de Ensino para a Gestão Estratégica do SUS (Rege SUS)• Formação de ativadores de mu<strong>da</strong>nças na graduação• Formação de facilitadores de práticas de educação permanente• Análise sistemática <strong>da</strong>s práticas de ensino, de atenção, deprodução do conhecimento, de gestão setorial e de controle social• Criação de espaços coletivos de discussão para intercâmbio econstrução de alternativas;99


CAPÍTULO VIHumanização e Ambiente deTrabalhoO estudo de fatores psicossociais b


Humanização e Ambiente de TrabalhoHumanização e Ambiente de TrabalhoO estudo de fatores psicossociais 3102IntroduçãoDizia Freud 1,2 que tem saúde mental quem é capaz para o amor eo trabalho. Trabalhar é meio de prover sustento para o corpo e para aalma. No trabalho passamos a vi<strong>da</strong>, desenvolvemos nossa identi<strong>da</strong>de, experimentamossituações, construímos relações, realizamos nosso espíritocriativo. E é também no trabalho que adoecemos.A relação saúde e trabalho 3,4,5,6,7,8 é objeto de estudo há vários anos,por vários autores. Na era moderna, a organização científica do trabalho 4,5,9– por meio <strong>dos</strong> seus instrumentos de controle, disciplina e fragmentação<strong>da</strong>s tarefas – retirou do trabalhador a visão <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de do processo que,ao final, revela o fruto do seu trabalho. Nesse estado de alienação, perdeseo sentido sensível do trabalho que então se torna uma ativi<strong>da</strong>de penosa,cujo retorno financeiro nunca lhe basta, ain<strong>da</strong> mais ao se considerar queos salários dificilmente <strong>com</strong>pensam o tempo de vi<strong>da</strong> assim destinado. Oque se ganha não paga o que se perde...Na área <strong>da</strong> Saúde, o trabalho é também quase uma missão. Nãosão poucas as exigências: trata-se de trabalho reflexivo que articula dimensõestécnicas, éticas e políticas, em cenários de múltiplos e diversosatores – profissionais de formações diversas e usuários de to<strong>da</strong>s as origense culturas. Além disso, trabalha-se no campo temático mais denso <strong>da</strong> experiênciahumana: a vi<strong>da</strong>, o corpo, a morte.O trabalho na área <strong>da</strong> Saúde tem um custo elevado para os seustrabalhadores 10,11 . O ambiente insalubre, o regime de turnos, os plantões,os baixos salários, o contato muito próximo <strong>com</strong> os pacientes, mobilizandoemoções e conflitos inconscientes, tornam esses trabalhadores particularmentesusceptíveis ao sofrimento psíquico e adoecimento devido aotrabalho.Entretanto, apesar <strong>da</strong> importância desses aspectos (muitos deles inerentesà profissão), é ca<strong>da</strong> vez mais evidente que a organização do trabalhoe o modelo de gestão 9,12 concentram os principais fatores psicossociaisrelativos ao ambiente de trabalho presentes no adoecimento <strong>dos</strong> trababUma versão modifica<strong>da</strong> foi publica<strong>da</strong> na Revista Saúde e Socie<strong>da</strong>de em 2008


Humanização e Ambiente de Trabalholhadores <strong>da</strong> Saúde. Não à toa, em 2004, quando implantou-se a PolíticaNacional de Humanização (PNH) do Ministério <strong>da</strong> Saúde, elegeram-se osprocessos de trabalho e gestão <strong>com</strong>o os principais alvos <strong>da</strong>s ações humanizadoras<strong>com</strong> as quais se pretende mu<strong>da</strong>r a cultura institucional <strong>da</strong> atençãoà saúde para usuários e trabalhadores 13,14 . Dos princípios norteadores <strong>da</strong>PNH destacam-se três que sustentam as necessárias mu<strong>da</strong>nças na organizaçãodo trabalho e gestão na saúde (HumanizaSUS, 2004 pp.17):- Fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional, fomentadoa transversali<strong>da</strong>de e a grupali<strong>da</strong>de;- Compromisso <strong>com</strong> a democratização <strong>da</strong>s relações de trabalho;- Valorização <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong> rede, estimulando processos deeducação permanente.No sentido contrário à reali<strong>da</strong>de atual <strong>da</strong> maioria <strong>dos</strong> serviços deSaúde13, em que os trabalhadores pouco participam <strong>da</strong> gestão <strong>dos</strong> serviços,a PNH propõe <strong>com</strong>o diretrizes essenciais para a humanização <strong>da</strong>spráticas de saúde a gestão participativa, a educação permanente e o redimensionamentodo trabalho para a produção de subjetivi<strong>da</strong>des. Não setrata mais de pintar paredes e fazer brinquedotecas, ou recuperar a teoriado vínculo. Ain<strong>da</strong> que tudo isso seja muito importante para a melhoria doespaço e <strong>da</strong>s relações humanas, não haverá humanização se não houverprofun<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças na forma do fazer institucional referentes à gestão eà organização do trabalho, resgatando aos trabalhadores o protagonismo,a digni<strong>da</strong>de, o respeito e a sensibili<strong>da</strong>de que se deseja ver aplica<strong>dos</strong> nocui<strong>da</strong>do aos pacientes 15 .Nesse contexto, em 2004, no Centro de Referência e TreinamentoDST/Aids (CRT DST/Aids) realizamos uma Pesquisa de Fatores Psicossociaisdo Trabalho (FPST), sobre a qual nos debruçaremos agora.Os FPST são dimensões referentes à gestão, organização e relaçõesinterpessoais no trabalho 16,6,7,8 , que no ambiente físico e relacional podemproduzir a satisfação e o sentimento de realização, ou no seu revés, o sofrimentoe o adoecimento do trabalhador. Na sua essência, estu<strong>da</strong>-se <strong>com</strong>oos trabalhadores sentem o dia-a-dia <strong>da</strong> instituição, privilegiando o mo<strong>dos</strong>ubjetivo <strong>da</strong> experiência do trabalho na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas em determinadocontexto. A valorização desse campo de subjetivi<strong>da</strong>de 15 vem justamente ao103


Humanização e Ambiente de Trabalhoencontro <strong>da</strong> Humanização, conforme mencionamos anteriormente. Segundoas referências toma<strong>da</strong>s neste estudo, os fatores psicossociais relaciona<strong>dos</strong> àsaúde e satisfação no trabalho, ou o seu contrário, versam sobre: estabili<strong>da</strong>deno emprego, salários e benefícios, relações sociais no trabalho, supervisão echefia, ambiente físico de trabalho, reconhecimento e valorização, oportuni<strong>da</strong>desde desenvolvimento profissional, conteúdo, varie<strong>da</strong>de e desafio no trabalho,qualificação, autonomia, subutilização de habili<strong>da</strong>des e <strong>com</strong>petências,carga de trabalho (física, cognitivas ou emocionais).Nas organizações, modelos semelhantes são usa<strong>dos</strong> para pesquisaro chamado clima organizacional 17 , no qual se reconhecem os sentimentose crenças que movem os trabalhadores na realização de suas tarefas e,indo mais longe, se obtêm importantes informações sobre o modo <strong>com</strong>o asorganizações funcionam. As pesquisas de clima organizacional revelam acultura institucional 18 e são importantes ferramentas para o diagnóstico desituação de trabalho e a<strong>com</strong>panhamento de mu<strong>da</strong>nças 19 .Há vários anos e em vários países, os FPST são estu<strong>da</strong><strong>dos</strong> em diversossetores produtivos no âmbito <strong>da</strong>s relações saúde e trabalho. Desenvolvemoseste estudo <strong>com</strong> o objetivo de <strong>com</strong>preender o modo <strong>com</strong>o osfuncionários do CRT DST/Aids percebiam a instituição, a organização dotrabalho, as relações interpessoais e a gestão de pessoas. Nosso interesseem estu<strong>da</strong>r esses fatores vem <strong>da</strong> fonte <strong>da</strong> Humanização e seu poder defazer brotar as ideias que buscam o bem coletivo.MetodologiaA proposta desta pesquisa foi apresenta<strong>da</strong>, discuti<strong>da</strong> e inseri<strong>da</strong> noPlanejamento Estratégico do CRT DST/Aids em 2004. O CRT DST/Aids éo equipamento de saúde <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde de São Pauloque coordena o Programa Estadual de DST/Aids e presta atendimento especializadono âmbito <strong>da</strong>s doenças sexualmente transmissíveis e Aids. Oserviço conta <strong>com</strong> setores de assistência ambulatorial e hospitalar, vigilânciaepidemiológica, prevenção, pesquisa, planejamento, recursos humanos,administração e apoio logístico. Nele trabalham médicos de diversas especiali<strong>da</strong>des(principalmente infectologistas), psicólogos, enfermeiros, assistentessociais, nutricionistas, educadores em saúde pública, e o quadro104


Humanização e Ambiente de Trabalhoadministrativo <strong>da</strong> SES-SP. Eram 743 funcionários públicos do Estado, <strong>dos</strong>quais 280 em cargos administrativos e 463 em cargos técnicos <strong>da</strong> Saúde.Destes, 144 <strong>com</strong>punham o corpo de enfermagem (55 enfermeiros <strong>com</strong> nívelsuperior e 89 auxiliares <strong>com</strong> nível médio).Trata-se, portanto, de um serviço público estadual de atenção à Saúdepertencente ao SUS, e <strong>com</strong>o tal, deve seguir suas políticas públicas,entre elas a PNH e seus enre<strong>dos</strong>.No <strong>com</strong>eço do ano de 2005, desenhamos a pesquisa e contratamosuma pesquisadora autônoma para realizar a coleta <strong>dos</strong> <strong>da</strong><strong>dos</strong>. Consideramosque a presença de uma pesquisadora não pertencente à instituição seriaimportante para que os funcionários ficassem à vontade para participar<strong>da</strong> pesquisa, sem medo de ser descobertos ou delata<strong>dos</strong> para suas chefias.Em setembro de 2005, realizou-se a coleta de <strong>da</strong><strong>dos</strong>; durante os três mesesseguintes, a análise e, ao longo do ano de 2006, apresentamos as informaçõesobti<strong>da</strong>s para todo o corpo diretivo <strong>da</strong> instituição, para o sindicato <strong>dos</strong>trabalhadores, e para ca<strong>da</strong> macro-setor do CRT DST/Aids.Algumas semanas antes <strong>da</strong> coleta de <strong>da</strong><strong>dos</strong>, fomos aos setores eorientamos os gestores locais sobre os objetivos <strong>da</strong> pesquisa, méto<strong>dos</strong> eprocedimentos <strong>da</strong> coleta, solicitando-lhes que transmitissem tais informaçõesaos seus funcionários. Talvez nosso primeiro diagnóstico já seapresentasse nesse momento: a maioria <strong>dos</strong> gestores locais não cumpriu atarefa de <strong>com</strong>unicar aos seus funcionários o que seria feito.Em <strong>com</strong>pensação, o Comitê de Humanização local se encarregou deconversar <strong>com</strong> os trabalhadores nas oficinas de humanização realiza<strong>da</strong>snaquele período e mesmo nos seus locais de trabalho, preparando-os paraa pesquisa.Durante três dias, os funcionários foram orienta<strong>dos</strong> por uma equipede pesquisa para se dirigirem a um local reservado e responder o questionáriode forma anônima e autoaplica<strong>da</strong>. O instrumento utilizado foi originalmenteconcebido por Kristensen 6 e colaboradores, no Instituto Nacionalde Saúde Ocupacional <strong>da</strong> Dinamarca, a<strong>da</strong>ptado para o português.O questionário consta de uma primeira parte que investiga estresse esaúde ocupacional. Nele constam questões de caracterização sócio-demográficas,de saúde (incluindo hábitos e <strong>com</strong>portamentos) e de característi-105


Humanização e Ambiente de Trabalhocas pessoais e situações de vi<strong>da</strong>. (Esses <strong>da</strong><strong>dos</strong> foram coleta<strong>dos</strong> e são temade outro estudo relativo ao diagnóstico de saúde e estresse.) Na segun<strong>da</strong>parte do questionário, o trabalhador não se identifica, e nela se investiga avivência do processo laboral e do ambiente de trabalho. As questões estãodispostas em onze blocos que permitem o estudo <strong>da</strong>s seguintes dimensõesdo trabalho:1. Consciência: sentimento de que o seu trabalho fazparte de um conjunto maior, que é importante e útil para osusuários, conferindo-lhe importância pessoal.2. Motivação: sentimento de interesse pelo trabalho.3. Relações Sociais: situações de isolamento ou de boa<strong>com</strong>unicação <strong>com</strong> colegas, quali<strong>da</strong>de do ambiente social, participaçãoem grupos e sentimento de fazer parte de uma <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>deno trabalho.4. Méto<strong>dos</strong> e Tecnologias: adequação de instrumentos,méto<strong>dos</strong>, tecnologia e outras ferramentas aplica<strong>da</strong>s ao trabalho.5. Envolvimento no Trabalho: envolvimento pessoal,iniciativa e empenho no trabalho.6. Crescimento Profissional: possibili<strong>da</strong>de de aprendercoisas novas, uso de habili<strong>da</strong>des e conhecimentos e oportuni<strong>da</strong>dede desenvolvimento profissional.7. Apoio e Trabalho em Equipe: contar <strong>com</strong> a aju<strong>da</strong> eapoio de colegas, de superiores, ser ouvido sobre problemas detrabalho e poder conversar sobre as questões do trabalho.8. Papel <strong>dos</strong> Superiores: sentimento de que os superioresapreciam a equipe, garantem oportuni<strong>da</strong>des de carreiraa to<strong>dos</strong>, priorizam treinamentos e planos futuros, priorizamsatisfação no trabalho, são hábeis no planejamento, na distribuiçãode tarefas, na administração de conflitos e <strong>com</strong>unicação<strong>com</strong> equipe.9. Comunicação: quão claras ou contraditórias são asinformações, as deman<strong>da</strong>s e os objetivos do trabalho, assim106


Humanização e Ambiente de Trabalho<strong>com</strong>o o papel, a responsabili<strong>da</strong>de e o que se espera de ca<strong>da</strong>funcionário.10. Valorização ou Reconhecimento: sentimento de queo trabalho é valorizado e reconhecido pelos usuários, colegase superiores.11. Satisfação: satisfação <strong>com</strong> as pessoas, o salário, asperspectivas de trabalho, o ambiente, o gerenciamento, o uso<strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des, os desafios, a quali<strong>da</strong>de do atendimento aousuário, o trabalho <strong>com</strong>o um todo.12. Organização do Trabalho: percepção do tempo <strong>da</strong>dopara a execução <strong>da</strong> tarefa <strong>com</strong>o muito, pouco ou muito irregular,sensação de falta de tempo para terminar as tarefas ounão.13. Participação no Trabalho: participa <strong>da</strong>s decisões sobreo próprio trabalho, sobre <strong>com</strong> quem trabalha, na definiçãode méto<strong>dos</strong>, do ambiente, <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do trabalho, recebe informaçõessobre mu<strong>da</strong>nças, sente que é ouvido no trabalho.14. Diversificação: o trabalho é variado ou exige fazersempre as mesmas coisas.15. Flexibili<strong>da</strong>de: pode decidir sobre o seu trabalho,quanti<strong>da</strong>de, horários, pausas, férias e ausências breves.16. Responsabili<strong>da</strong>de: o trabalho afeta o bem-estar deoutras pessoas, os erros podem prejudicar pessoas ou causarper<strong>da</strong>s financeiras, exige toma<strong>da</strong>s de decisões de grande importância.17. Exigência Emocional: o trabalho exige li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> problemasemocionalmente difíceis, ou tomar decisões difíceis.18. Exigência Cognitiva: o trabalho exige <strong>com</strong>petênciaseleva<strong>da</strong>s, ou deman<strong>da</strong> ideias novas e toma<strong>da</strong>s de decisões rápi<strong>da</strong>s.107


Humanização e Ambiente de TrabalhoOs <strong>da</strong><strong>dos</strong> foram inseri<strong>dos</strong> em um banco construído em EPI-Info, e assuas informações descritas em gráficos e tabelas na forma de percentuais,para o todo institucional e por setores. A seguir, descreveremos alguns resulta<strong>dos</strong>extraí<strong>dos</strong> <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pesquisa que, em contexto mais geral,permitiram uma aproximação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de trabalho no CRT no que serefere às dimensões descritas, a partir <strong>da</strong> opinião <strong>dos</strong> trabalhadores.Resulta<strong>dos</strong>No organograma do CRT DST/Aids, em 2005 havia a Diretoria Técnica(instância gestora superior), à qual estavam liga<strong>dos</strong> seis macro-setoreschama<strong>dos</strong> de Gerências: Administração, Assistência Integral à Saúde,Apoio Técnico, Recursos Humanos, Vigilância Epidemiológica e Prevenção.A estas, ligavam-se micro-setores, os Núcleos, em número de vinte ecinco. Responderam o questionário 609 <strong>dos</strong> 731 funcionários em ativi<strong>da</strong>denesses setores (subtraí<strong>dos</strong> os que estavam em férias e licença), além <strong>da</strong>sTerceiriza<strong>da</strong>s (Cozinha, Segurança e Limpeza), totalizando 83,3% do conjunto.No Quadro1, pode-se observar essa distribuição. Responderam osquestionários 97,8% <strong>dos</strong> trabalhadores <strong>da</strong> Gerência de Recursos Humanos,83,4% <strong>da</strong> Diretoria Técnica, 82,5% <strong>da</strong> Gerência de Apoio, 80% <strong>da</strong> Gerênciade Administração, 77,4% <strong>da</strong> Gerência de Prevenção, 75,8% <strong>da</strong> Gerência deVigilância Epidemiológica, 70,2% <strong>da</strong> Gerência de Assistência e 45,5% <strong>dos</strong>trabalhadores <strong>da</strong>s Terceiriza<strong>da</strong>s.108


Humanização e Ambiente de TrabalhoQuadro 1 – Número total e percentual de funcionários do CRT DST/Aidsque responderam o questionário <strong>da</strong> Pesquisa de FPST, por setor, em 2005.Setores Total Participantes %Diretoria Técnica 24 20 83,4Gerência Prevenção 31 24 77,4Gerência Vig. Epidemiológica 29 22 75,8Gerência Assistência 329 231 70,2Gerência Apoio Técnico 137 113 82,5Gerência Recursos Humanos 45 44 97,8Gerência Administração 148 105 80Terceiriza<strong>da</strong>s 66 30 45,5Total 809* 609 75,2Férias e afastamentos = 78 funcionários. Total em ativi<strong>da</strong>de: 809-78 = 731 (83,3%)caracterização sócio-demográfica, no CRT DST/Aids, em 2005, predominavamprofissionais do sexo feminino (69%), <strong>com</strong> i<strong>da</strong>de entre 30 e49 anos (66,4%), casa<strong>dos</strong> (53,7%), que se referem <strong>com</strong>o de raça branca(56,8%), e <strong>com</strong> nível superior de escolari<strong>da</strong>de (52,0%). Grande parte <strong>dos</strong>funcionários (38%) não tinha filhos e habitava domicílios <strong>com</strong> três oumenos moradores (54,7%). O grupo <strong>dos</strong> profissionais em ativi<strong>da</strong>des operacionaisconstituía a maioria (59,6%), seguido <strong>dos</strong> chama<strong>dos</strong> “técnicos”(27,4%), que no serviço público diz respeito aos profissionais de nívelsuperior.A presença de manifestações de estresse nessa população apresentoudistribuição conforme descrição no gráfico 1.109


Humanização e Ambiente de TrabalhoGráfico 1 – Porcentagem de trabalhadores que referiam manifestações deestresse (alto, leve, moderado e nenhum) no CRT DST/Aids em 2005.4,939,713,242,2NENHUMALTOLEVEMODERADOConsiderou-se manifestação de estresse leve quando o funcionárioassinalava <strong>com</strong>o “raramente”, “nunca” ou “às vezes” a ocorrência <strong>dos</strong> sinaise sintomas presentes no questionário. Quando referido “o tempo todo”ou “na maior parte do tempo”, considerou-se manifestação de estresse naforma grave.Somando-se os que apresentavam manifestações graves e modera<strong>da</strong>stotalizou-se 248 pessoas (52,9%). As manifestações emocionais foramas mais freqüentes: 88,2% do total de funcionários referiram pelo menosum <strong>dos</strong> sintomas “o tempo todo” ou “na maior parte do tempo”. Esses númerosse assemelham aos encontra<strong>dos</strong> na literatura, no que se refere aoestresse e sofrimento psíquico nos profissionais <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde10,12, ereforçam a importância de conhecer melhor o ambiente de trabalho e promoveras mu<strong>da</strong>nças culturais preconiza<strong>da</strong>s pela Humanização na Saúde<strong>com</strong> o intuito de cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>queles que têm a missão de cui<strong>da</strong>r.No estudo <strong>dos</strong> FPST, para o total de funcionários pesquisa<strong>dos</strong>, encontramosa situação que se apresenta no gráfico 2.110


Humanização e Ambiente de TrabalhoGráfico 2 - Frequência de funcionários que consideravam <strong>com</strong>o ótimo oubom o nível de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s dimensões no CRT DST/Aids em 2005.100806040200Consciência M otivação RelaçãoSoc M étod.TecnEnvolvim ento Crescim ento Apoio Com unicaçãoPapelChef Valorização Satisfação O rganizaçãoParticipação Diversificação Flexibili<strong>da</strong>deAs dimensões avalia<strong>da</strong>s em ótimo e bom permitem dizer que o conjunto<strong>dos</strong> funcionários apresentava elevado nível de consciência sobre otrabalho que desenvolvia (96,7%). No seu conjunto, eram bastante motiva<strong>dos</strong>(85,4%) e estabeleciam boas relações (84,5%) <strong>com</strong> os demais colegas– situações detecta<strong>da</strong>s <strong>com</strong> nível ótimo e bom entre mais de 80% <strong>dos</strong>funcionários.A maioria considerava bom o seu crescimento profissional no trabalho(70,9%), os méto<strong>dos</strong> e a tecnologia utiliza<strong>da</strong> (76,6%), e o envolvimentopessoal no trabalho (75,9%). Estes últimos três aspectos tiveram respostaspositivas por mais de 70% <strong>dos</strong> funcionários.O nível de satisfação foi considerado ótimo e bom por 57,5% <strong>dos</strong>funcionários. Entre os que manifestaram insatisfação, os principais motivosforam: salário (44,3%), gestão local (18,8%), perspectivas profissionais(14,9%) e a falta de uso <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des profissionais (10,2%).Em relação ao apoio na equipe, 68,5% consideraram ótimo e bom.A <strong>com</strong>unicação interna foi avalia<strong>da</strong> <strong>com</strong> ótimo e bom por 62,7%, o papel111


Humanização e Ambiente de Trabalho<strong>da</strong>s chefias por 62,0 % e a valorização por parte de superiores, colegas eclientela, por 60,8%. Ain<strong>da</strong> que a maioria (entre 60 e 67%) avaliasse bemesses aspectos, é sinal de alerta o número de funcionários descontentes.Os aspectos mais preocupantes, cujas porcentagens de ótimo e bomapontam para impressões desfavoráveis por mais de 50% <strong>dos</strong> funcionáriosforam: organização (50,3%), participação (39,3%), diversificação (34,6%),e flexibili<strong>da</strong>de (34,4%). Dentre as questões que <strong>com</strong>põem essas quatrodimensões, destacaram-se <strong>com</strong>o maiores problemas: trabalho repetitivo(55,1%), não poder opinar sobre a quanti<strong>da</strong>de do trabalho (49,1%), sobre<strong>com</strong>o fazer (26,1%), sobre seus horários (44,8%), ter que trabalhar muitodepressa (37,2%), não poder participar <strong>da</strong>s decisões sobre o seu trabalho(37,9%) e não poder influir na quali<strong>da</strong>de do trabalho (43,1%).Inerente à natureza e ao objeto de trabalho, a responsabili<strong>da</strong>de, asexigências cognitivas e as exigências emocionais são considera<strong>da</strong>s altaspara aproxima<strong>da</strong>mente 50%, 80% e 40% <strong>dos</strong> trabalhadores, respectivamente.No estudo desses FPST por macro-setores (Diretoria Técnica e Gerências),observamos distribuições semelhantes ao conjunto descrito acima.Mais uma vez, os pontos críticos que se evidenciam são aqueles relativosà organização do trabalho, participação e flexibili<strong>da</strong>de. Destacamos essastrês dimensões segundo macro-setores nos gráficos 3, 4 e 5, por considerarmosinformação de alta relevância na discussão <strong>da</strong> Humanização.Podemos observar que em relação à media do CRT para a dimensão<strong>da</strong> organização do trabalho (50,3%), ficam acima a Gerência de Administração(59,6%) e de Apoio (52,5%). As demais ficam abaixo: Assistência(49,5%), Diretoria Técnica (44,4%), Recursos Humanos (42,1%) VigilânciaEpidemiológica (39,1%), e Prevenção (36,0%).112


Humanização e Ambiente de TrabalhoGráfico 3 - Porcentagens de funcionários que consideravam <strong>com</strong>o ótimo ou bom onível de organização do trabalho nas Gerências do CRT DST/Aids em 2005.ADMAPOIOTASSIST49,552,5DIRTECRHEPIDEM42,139,144,4PREVEN36CRT50,3Para a dimensão <strong>da</strong> participação, os números são piores. Acima <strong>da</strong>média de 39,3% ficaram as Gerências de Vigilância Epidemiológica (48%),Diretoria Técnica (47,4%), Recursos Humanos (44,7%), Assistência (43,3%) e Prevenção (42,3%), sendo que as Gerências de Administração (36%) ede Apoio (28,5%) ficaram abaixo <strong>da</strong> média.Gráfico 4 - Porcentagens de funcionários que consideravam <strong>com</strong>o ótimo ou bomo nível de participação no trabalho nas Gerências do CRT DST/Aids, em 2005.EPIDEM48DIRTECRHASSISTPREVEN47,444,743,342,3ADM36APOIOT28,5CRT39,3113


Humanização e Ambiente de TrabalhoPor fim, para a dimensão <strong>da</strong> flexibili<strong>da</strong>de ficaram acima <strong>da</strong> médiade 34,4% as Gerências de Prevenção (51,9%), Diretoria Técnica (47,4%),Recursos Humanos (44,5%) e Vigilância Epidemiológica (42,3%). A Assistênciaficou na média (35,4 %) e as Gerências de Apoio (29,3%) e Administração(24,3%) novamente ficaram abaixo <strong>da</strong> média.Gráfico 5 - Porcentagens de funcionários que consideravam <strong>com</strong>o Ótimoou Bom o nível de flexibili<strong>da</strong>de nas Gerências do CRT DST/aids em 2005.PREVENDIRTECRHEPIDEM51,947,444,542,3ASSIST35,4APOIOT29,3ADM24,3CRT34,4DiscussãoDizem que a escolha por trabalhar na área <strong>da</strong> Saúde tem a ver <strong>com</strong>a presença de traços de desamparo, de medo <strong>da</strong> vulnerabili<strong>da</strong>de, do sofrimento,<strong>da</strong> doença ou <strong>da</strong> ausência de alguém amado, na história de vi<strong>da</strong>do profissional20,21,22. Os sentimentos e emoções que brotam <strong>dos</strong> casosclínicos recuperam marcas inconscientes e, ao li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> elas por meio dotrabalho, faz-se uma ação reparadora. “Tratar o outro é, antes de maisna<strong>da</strong>, poder entrar em contato <strong>com</strong> nosso próprio sofrimento e <strong>com</strong> as expectativasque ele evoca em nosso foro mais íntimo. Cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>sdo outro, podemos também efetuar o trabalho permanente de reparação denossas próprias feri<strong>da</strong>s narcísicas.” (Volich, 1995, p. 41)114


Humanização e Ambiente de TrabalhoOs fatores subjetivos presentes na prática profissional muitas vezesrespondem pela angústia que aflora no cotidiano do trabalho na Saúde.Todo profissional desta área precisa, desde a sua formação acadêmica,refletir sobre a existência humana, sobre si mesmo e conhecer suas limitações.Reflexões fun<strong>da</strong>mentais para li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> a frustração <strong>dos</strong> inevitáveisfracassos, a depressão e o sentimento de impotência quando a reali<strong>da</strong>de seimpõe. Ser bom profissional é também ser capaz de suportar esses sofrimentosinerentes à profissão e continuar desejando cui<strong>da</strong>r, num constantere<strong>com</strong>eçar. Frente à cruel<strong>da</strong>de trágica <strong>da</strong> doença, o cui<strong>da</strong>dor é aquele quetem capaci<strong>da</strong>de de amparar e sabedoria de <strong>com</strong>preender que não lhe cabeo poder <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a todo o momento, <strong>da</strong><strong>da</strong> e tira<strong>da</strong>.O sentimento de grandiosi<strong>da</strong>de dessa tarefa fez-se manifesto emnosso estudo, posto o altíssimo percentual de funcionários <strong>com</strong> consciênciasobre seu trabalho e motivação. O custo emocional também, hajavista o altíssimo percentual de pessoas que referiram pelo menos uma <strong>da</strong>smanifestações psíquicas de estresse presente “o tempo todo” no trabalho(88,2%). As frequências de manifestações de estresse encontra<strong>da</strong>s no CRTDST/Aids, ain<strong>da</strong> que semelhantes às observa<strong>da</strong>s em outros serviços deSaúde 10,12 , são altas e justificam o empenho pela melhora <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>dos</strong> profissionaisno ambiente de trabalho.Como discutido anteriormente, mesmo considerando os aspectossubjetivos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, o ambiente de trabalho agrega os principaisfatores de adoecimento do profissional de Saúde no seu ofício.Também nesta pesquisa encontramos situações descritas para amaioria <strong>dos</strong> serviços de Saúde <strong>com</strong>o reali<strong>da</strong>de difícil para a implementação<strong>da</strong> PNH: pouca participação efetiva <strong>dos</strong> trabalhadores na gestão e naconstrução do processo de trabalho.Pudemos observar vários fatores psicossociais do trabalho e <strong>com</strong>preender<strong>com</strong>o os profissionais sentiam o ambiente, e os pontos críticos queprecisavam de ações reparadoras, ou mesmo de profun<strong>da</strong>s transformações.Ficou claro que a gestão precisava de aprimoramento, pois mesmoconsiderando as variações setoriais, o sentimento de insatisfação em relaçãoao papel <strong>dos</strong> superiores, ao apoio, à clareza e ao reconhecimentoembalava o lamento de 40% do conjunto.115


Humanização e Ambiente de TrabalhoOs pontos fortes encontra<strong>dos</strong> (além <strong>dos</strong> já cita<strong>dos</strong>) – relações sociais,méto<strong>dos</strong>/tecnologias adequa<strong>dos</strong> e envolvimento – confirmaram o apoiosolidário entre colegas, a importância <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de e o sentimento sobreo valor do trabalho.Os pontos fracos – organização, participação e flexibili<strong>da</strong>de – precisaramser encara<strong>dos</strong>...Retornando à PNH, sabemos que sua consoli<strong>da</strong>ção no trabalho passa,necessariamente, pela prática de dois princípios norteadores14 a destacar:1. A construção de autonomia e protagonismo <strong>dos</strong> sujeitos e coletivos;2. A responsabili<strong>da</strong>de conjunta desses sujeitos nas práticas de atençãoe de gestão.O trabalho será produtor de senti<strong>dos</strong> para a vi<strong>da</strong> do profissionalquando este for protagonista do processo4,13, <strong>com</strong> direito a participar <strong>da</strong>sdecisões sobre o que faz, <strong>com</strong>o faz, quando e até mesmo onde faz. Isso sechama autonomia e caminha junto <strong>com</strong> o princípio <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de.Esses dois princípios podem se transformar em instrumentos de gestãobem mais eficientes que o controle e a burocratização.“Promover saúde nos locais de trabalho é aprimorar a capaci<strong>da</strong>dede <strong>com</strong>preender e analisar o trabalho de forma a fazer circular a palavra,criando espaços para debates coletivos. A gestão coletiva <strong>da</strong>s situações detrabalho é critério fun<strong>da</strong>mental para a promoção de saúde” (Humaniza-SUS, 2004, p.8).Fazer gestão participativa é o desafio.No CRT DST/Aids, é a intenção. O gesto está em construção.Muito há que se fazer, mas <strong>com</strong>o o caminho se faz ao caminhar, <strong>da</strong>quia um tempo, <strong>com</strong> certeza esse serviço terá outras histórias para contar...AgradecimentosÀs grandes amigas que trabalharam na coleta e análise de <strong>da</strong><strong>dos</strong>,Mara Regina Anunciação e Maria Célia Medina.116


Humanização e Ambiente de TrabalhoReferências Bibliográficas1. Freud, S. Re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ções aos médicos que exercem a Psicanálise. (EdiçãoStan<strong>da</strong>rd Brasileira, v.12, 1912). Rio de Janeiro, Imago, 1980.2. Introdução ao narcisismo (Edição Stan<strong>da</strong>rd Brasileira, v.14, 1914) Riode Janeiro, Imago, 1980.3. Cassel, J. Psychosocial processes and “stress” theoretical formulation.Intern J Hth Services, v 1, n 3, pp:471-482, 1974.4. Dejours, C. “A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho”2ed., São Paulo, Cortez/Oboré, 1987.5. Rego, R.A. “Trabalho e saúde: contribuição para uma abor<strong>da</strong>gemabrangente” Dissertação de mestrado apresenta<strong>da</strong> no Departamento deMedicina Preventiva <strong>da</strong> FMUSP, São Paulo, 1987.6. Kristensen, T.S. The demand-control support model: methodologicalchallenges for future research. Stress Med, 11:17-26pp., 1995.7. Paraguay, A. I. B. B. Da Organização do Trabalho e Seus Impactos sobrea Saúde <strong>dos</strong> Trabalhadores. In: René Mendes. (Org.). Patologia do Trabalho.2 ed. São Paulo: Atheneu, 2003, v. 1, p. 811-823.8. Martinez, M. C. e col. Relação entre satisfação <strong>com</strong> aspectos psicossociaise saúde <strong>dos</strong> trabalhadores. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.1, n. 38, p. 55-61, 2004.9. Lacaz, FAC, Sato, L. Humanização e Quali<strong>da</strong>de do Processo de Trabalhoem Saúde, in Deslandes, S (Org.) Humanização <strong>dos</strong> cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> em saúde:conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p.109-139.10. Pitta, A. Hospital: dor e morte <strong>com</strong>o ofício . São Paulo: Ed. Hucitec,1990. 200 pp.11. Volich, R. M. Entre uma angústia a outra..., Boletim de Novi<strong>da</strong>desPulsional, São Paulo, n.80 pp. 37-45, 1995.12. Araújo, T.M.; Aquino, E; Menezes, G; Santos, CO; Aguiar, L Aspectospsicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras deenfermagem Rev. Saúde Pública 37 (4) pp. 424-433, 2003.117


Humanização e Ambiente de Trabalho13. Hennington, E.A. Gestão <strong>dos</strong> processos de trabalho e humanizaçãoem saúde: reflexões a partir <strong>da</strong> ergologia. Rev. Saúde Pública [online].42(3), pp. 555-561, 2008. Disponível em: . ISSN 0034-8910.14. Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanizaçãodo Ministério <strong>da</strong> Saúde, Brasília, DF, 2004.15. Backes, D.S. Lunardi Filho WD & Lunardi VL. O processo de humanizaçãodo ambiente hospitalar centrado no trabalhador. Relato de pesquisa,2006. Disponível em http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/242.pdf.Acesso em 22/10/08.16. Karasek, R.A. Job demands, job decision latitude, and mental strain:Implications for job redesign . Adm Sci Quart, n.24, pp: 285-308, 1979.17. Shein, E.H. Organizational Culture and Leadership. San Francisco,Jossey Bass, 1992.18. Falcão, E. B. M.; Siqueira, A. H. Pensar cientificamente: representaçãode uma cultura, Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.7, n.13, p.91-108, 2003.19. Bernardes, C. Teoria geral <strong>da</strong>s organizações: os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong>administração integra<strong>da</strong>. São Paulo: Atlas, 1988.20. Balint, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Ed.Atheneu, 1988. 291pp.21. Benoit, P. Psicanálise e Medicina. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar,1989.144pp.22. Rios, I.C. A relação médico-paciente em tempos de pasteurização <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de,São Paulo: Revista Ser Médico, CREMESP, v 8, pp: 16-19, 1999.118


CAPÍTULO VIIOficinas de HumanizaçãoAproximando as pessoas para o diálogo


Oficinas de HumanizaçãoIntroduçãoDesde as primeiras abor<strong>da</strong>gens nos serviços de Saúde, bem antes atéde se tornar uma política pública do SUS, a Humanização colocava ênfasena importância de construir espaços de intersubjetivi<strong>da</strong>des, nos quais aspessoas, pacientes ou trabalhadores <strong>da</strong> Saúde pudessem pensar a si mesmose aos outros <strong>com</strong>o sujeitos <strong>da</strong>s práticas de Saúde1. Participação, <strong>com</strong>promisso,protagonismo e co-responsabili<strong>da</strong>de, resultariam desses espaçosde expressão intersubjetiva.Em 2005, no CRT DST/Aids (Centro de Referência e Treinamento emDoenças Sexualmente Transmissíveis e Aids <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong>Saúde de São Paulo), o Comitê de Humanização planejou e implementouum projeto de oficinas de humanização, por meio <strong>da</strong>s quais promoveu adivulgação e a sensibilização <strong>dos</strong> trabalhadores para as ideias <strong>da</strong> Humanização<strong>da</strong>s práticas de Saúde. Essas oficinas foram pensa<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o espaçoseducacionais de aproximação <strong>da</strong>s pessoas para o diálogo, para a reflexãosobre o modo <strong>com</strong>o se dão os relacionamentos no ambiente de trabalho epara a construção de valores <strong>da</strong> ética <strong>da</strong> Humanização (respeito, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>dee <strong>com</strong>promisso <strong>com</strong> o bem coletivo).ObjetivosAs Oficinas de Humanização tinham <strong>com</strong>o objetivos:- Compartilhar <strong>com</strong> os trabalhadores de Saúde conceitos e princípioséticos <strong>da</strong> humanização;- Apresentar-lhes o Comitê de Humanização;- Colher impressões, ideias, queixas, sugestões e vivências referentes aocotidiano ocupacional <strong>dos</strong> trabalhadores e pensá-los à luz <strong>da</strong> Humanização.Méto<strong>dos</strong>Formou-se um grupo-tarefa interdisciplinar <strong>com</strong> cinco profissionais<strong>da</strong> saúde (um educador, dois psicólogos, um médico e um assistente social)do Comitê de Humanização, para planejar e conduzir o desenvolvimento<strong>da</strong>s oficinas.As oficinas destinavam-se a funcionários, gestores e usuários. Ca<strong>da</strong>120


Oficinas de Humanizaçãooficina contava <strong>com</strong> até 21 participantes e se desenvolvia em um períodode quatro horas de duração. Compunha-se de dois momentos assim estrutura<strong>dos</strong>:1. Momento de aproximação <strong>da</strong>s pessoas à reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> humanizaçãono cotidiano de trabalho – por meio de dinâmicas de grupo, dramatizaçãoe ativi<strong>da</strong>des lúdicas;2. Momento de apresentação de conteúdo informativo e discussão –por meio de exposição dialoga<strong>da</strong>.A proposta foi apresenta<strong>da</strong> para a Diretoria Técnica <strong>da</strong> instituição,que aprovou seu desenho e contribuiu de forma incisiva para a liberação<strong>dos</strong> funcionários nos horários <strong>da</strong>s oficinas, garantindo a participação deto<strong>dos</strong> que assim desejassem.Durante um mês, o Comitê de Humanização fez a divulgação <strong>da</strong>soficinas em to<strong>dos</strong> os setores <strong>da</strong> instituição. A área de Recursos Humanosfoi fun<strong>da</strong>mental para a organização <strong>da</strong> logística <strong>da</strong>s oficinas. Ca<strong>da</strong> funcionárioescolhia, entre as <strong>da</strong>tas e horários ofereci<strong>dos</strong>, uma que fosse adequa<strong>da</strong>a ele, fazendo a inscrição <strong>com</strong> autorização <strong>da</strong> sua chefia. As oficinaseram realiza<strong>da</strong>s no horário de trabalho.Seguiam o seguinte roteiro:1. Apresentação <strong>da</strong>s pessoas e do roteiro <strong>da</strong> oficina:O coordenador <strong>da</strong> oficina iniciava o trabalho formando uma ro<strong>da</strong> eentregando aos participantes o programa de ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> oficina, <strong>com</strong>entan<strong>dos</strong>eu conteúdo rapi<strong>da</strong>mente. Passava, então, a coordenar uma ativi<strong>da</strong>delúdica de apresentação <strong>dos</strong> participantes e <strong>da</strong> equipe de condução dotrabalho <strong>da</strong>quela oficina.2. Aproximação do tema ao cotidiano de trabalho:Formávamos, então, três grupos menores, ca<strong>da</strong> um coordenado porum monitor. Pedia-se a ca<strong>da</strong> pessoa que respondesse, escrevendo em papel,três perguntas:- Cite três ações institucionais que você reconhece <strong>com</strong>o humanizadoras;- Descreva uma situação inesquecível de humanização ou falta dehumanização no atendimento ou no trabalho;- Cite uma palavra que você define <strong>com</strong>o humanizadora.121


Oficinas de HumanizaçãoO monitor pedia que ca<strong>da</strong> um lesse sua resposta e conduzia os <strong>com</strong>entáriosdo grupo a respeito <strong>da</strong>s situações apresenta<strong>da</strong>s, assinalando asaproximações <strong>com</strong> os conceitos e princípios <strong>da</strong> Humanização. No final <strong>da</strong>discussão, pedia-se ao grupo que construísse uma expressão de consensopara definir a humanização para aquele grupo e escolhesse um participantepara apresentar essa síntese aos demais.Os três grupos se desfaziam e voltava-se à ro<strong>da</strong>. Ca<strong>da</strong> representante <strong>dos</strong>subgrupos apresentava a definição de Humanização por eles construí<strong>da</strong>.3. Intervalo para o lanche;4. Apresentação de conteúdo informativo sobre Humanização:O coordenador desenvolvia uma exposição dialoga<strong>da</strong> sobre os seguintestópicos:- O que é Humanização;- O que é a PNH (Política Nacional de Humanização);- Princípios <strong>da</strong> Humanização;- Como a Humanização se realiza em nosso cotidiano;- O Comitê de Humanização (o que é, quem faz parte, para que serve,e o que tem feito).5. Avaliação <strong>da</strong> oficina:Os monitores entregavam aos participantes um questionário paraavaliação do trabalho desenvolvido no dia, <strong>com</strong> o seguinte formato:Avaliação <strong>da</strong> Oficina de HumanizaçãoData <strong>da</strong> Oficina: ______________ Período: M ( ) T ( )Afirmativas sobre a Oficina Excelente Bom Regular Ruim PéssimoConteúdo <strong>da</strong> OficinaEquilíbrio entre conteúdoteórico e ativi<strong>da</strong>de práticaTempo para execução <strong>da</strong>oficinaMaterial fornecido122


Oficinas de HumanizaçãoAfirmativas sobre oCoordenadorOrganização <strong>da</strong> oficinaConhecimento do assuntoFacili<strong>da</strong>de de <strong>com</strong>unicação eclarezaEsclarecimento de dúvi<strong>da</strong>sCumprimento <strong>dos</strong> horáriosprevistosExcelente Bom Regular Ruim PéssimoAfirmativas sobre os Monitores Excelente Bom Regular Ruim PéssimoOrganização do trabalho degrupoConhecimento do assuntoFacili<strong>da</strong>de de <strong>com</strong>unicação eclarezaEsclarecimento de dúvi<strong>da</strong>sCumprimento <strong>dos</strong> horáriosprevistos1. Quais assuntos poderiam ser discuti<strong>dos</strong> <strong>com</strong> maior profundi<strong>da</strong>de?2. Você re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ria esta Oficina? Por quê?3. Com que palavra você definiria esta Oficina?4. Dê sugestões para que possamos melhorar esta Oficina.Resulta<strong>dos</strong>Foram realiza<strong>da</strong>s 18 oficinas para funcionários, duas para usuáriose duas para gestores. Do total de 731 funcionários, participaram 314 <strong>dos</strong>diversos setores, ou seja, em torno de quarenta e três por cento (43,09%).Na avaliação <strong>da</strong> maioria <strong>dos</strong> participantes, as oficinas foram considera<strong>da</strong>sexcelentes e boas (gráfico 1). A atuação de coordenadores e monitorestambém foi avalia<strong>da</strong> de forma satisfatória (gráficos 2 e 3).123


Oficinas de HumanizaçãoGráfico 1 – Avaliação <strong>da</strong>s Oficinas de Humanização do CRT DST/Aids, em2005, na opinião de 384 participantes (funcionários, gestores, usuários).70%60%50%40%30%20%10%0%ConteúdoEquilíbrio teoria e práticaTempo disponívelMaterial didáticoExcelenteBomRegularRuimPéssimoGráfico 2 – Avaliação <strong>dos</strong> Coordenadores <strong>da</strong>s Oficinas de Humanização doCRT DST/Aids, em 2005, na opinião de 384 participantes.70%60%50%Organização <strong>da</strong>ssessõesConhecimento doassunto40%30%20%10%0%ExcelenteBomRegularRuimPéssimoFacili<strong>da</strong>de de<strong>com</strong>unicaçãoe objetivi<strong>da</strong>deEsclarecimentode dúvu<strong>da</strong>sCumprimento<strong>dos</strong> horáriosprevistos124


Oficinas de HumanizaçãoGráfico 3 – Avaliação <strong>dos</strong> Monitores <strong>da</strong>s Oficinas de Humanização do CRTDST/Aids, em 2005, na opinião de 384 participantes.70%60%50%Organização <strong>da</strong>ssessõesConhecimento doassunto40%30%20%10%0%ExcelenteBomRegularRuimPéssimoFacili<strong>da</strong>de de<strong>com</strong>unicaçãoe objetivi<strong>da</strong>deEsclarecimentode dúvi<strong>da</strong>sCumprimento<strong>dos</strong> horáriosprevistosAs perguntas abertas foram analisa<strong>da</strong>s pelo método de categorizaçãopor proximi<strong>da</strong>de discursiva2. Conforme podemos observar nos doisquadros abaixo, a maioria <strong>da</strong>s pessoas que responderam por que re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>riamessa oficina concor<strong>da</strong> que ela é importante para conhecer o queé Humanização (28,7%). Outras (26,0%) acreditam que as oficinas podempromover o desenvolvimento <strong>da</strong>s pessoas nos relacionamentos interpessoaisno trabalho. A propósito desse aspecto, em particular, os participantesque responderam à questão sobre quais os assuntos que poderiam serabor<strong>da</strong><strong>dos</strong> em maior profundi<strong>da</strong>de, 38,4% <strong>da</strong>s respostas se referiram aosrelacionamentos interpessoais e ética.125


Oficinas de HumanizaçãoQuadro 1 – Você re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ria esta oficina? Por quê?Total de respostas: 272Motivos N %Conhecimento sobre Humanização 78 28,7Possibili<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça de <strong>com</strong>portamentos, atitudes, ética, 36 13,2postura e resgate de valores.Melhoria <strong>dos</strong> relacionamentos 35 12,8Crescimento pessoal e profissional 27 9,9Troca de experiências, espaço para reflexão e integração 23 8,5Conhecimento <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong> Instituição 16 5,9Oportuni<strong>da</strong>de de expressar livremente suas ideias 14 5,2Participação <strong>dos</strong> funcionários no trabalho <strong>da</strong> humanização 11 4,0Importante para humanização do CRT 10 3,7Incentivo ao trabalho em equipe 07 2,6Re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s oficinas para as chefias 05 1,9Para sair fora <strong>da</strong> rotina 03 1,1Quadro 2 – Quais assuntos poderiam ser abor<strong>da</strong><strong>dos</strong> <strong>com</strong> maior profundi<strong>da</strong>de?Total de respostas: 314Assuntos N %Relacionamento entre funcionários 43 13,6Relacionamento entre chefia e funcionário 29 9,2Ética 28 8,9Relacionamento entre paciente e funcionário 21 6,7Estresse Ocupacional 10 3,2Quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> 3 0,9126


Oficinas de HumanizaçãoConsiderações sobre o trabalho realizadoTalvez o feito mais importante dessas oficinas tenha sido colocar aHumanização em evidência na instituição. Como uma pedra lança<strong>da</strong> naságuas para<strong>da</strong>s de um lago, provocou on<strong>da</strong>s de repercussão que inauguraramo debate <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> Humanização de tal maneira que, hoje, amaioria <strong>da</strong>s pessoas que participam <strong>da</strong>quele espaço tem na Humanizaçãouma referência tanto para dizer <strong>da</strong> sua presença quanto <strong>da</strong> sua falta nocotidiano institucional. A principal crítica <strong>dos</strong> funcionários, hoje, é queeles gostariam que as oficinas se constituíssem em ativi<strong>da</strong>de programática,<strong>com</strong> periodici<strong>da</strong>de pelo menos anual, o que não ocorre.Além desse fato, outro aspecto que salta aos olhos quando analisamoso resultado desse trabalho é o diagnóstico <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de pensaras relações interpessoais pelo foco <strong>da</strong> Humanização.Sabemos que a <strong>com</strong>unicação e a busca de entendimento entre aspessoas para a realização de tarefas coletivas torna-se particularmenteimportante quando mu<strong>da</strong>mos do modelo de atenção e gestão médico-centra<strong>da</strong>para o modelo participativo e interdisciplinar. Nos tempos atuais,trata-se de criar condições para a realização de encontros intersubjetivosautênticos 3 , que garantam condições reais de participação, expressão deideias e construção de consensos eticamente ampara<strong>dos</strong>.Para se chegar a tais condições é preciso muito trabalho de aproximaçãoentre as pessoas, construção de conduta ética institucional quepossa referenciar os acor<strong>dos</strong> entre to<strong>dos</strong>, e a tarefa de desenvolver em simesmo e no grupo alguma <strong>com</strong>petência para escutar uns aos outros deforma respeitosa e, se possível, <strong>com</strong> alguma abertura crítica para a reflexão.Não é um objetivo fácil de alcançar, ain<strong>da</strong> que imprescindível para aHumanização.Mas, talvez, ao longo do tempo, nas oficinas de Humanização, sejapossível criar condições necessárias para a construção desse campo relacionalno qual se desenvolve a escuta uns <strong>dos</strong> outros, e, nesse exercício,alcançar a maturi<strong>da</strong>de institucional para a realização <strong>dos</strong> consensos quepropiciarão relações mais éticas e humanas em nosso dia-a-dia.127


Oficinas de HumanizaçãoReferências Bibliográficas1. Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saúde. HUMANIZASUS: Política Nacional de Humanizaçãodo Ministério <strong>da</strong> Saúde, Brasília, DF, 2004.2. DENZIN, N. & LINCOLN, Y.S. Handbook of qualitative research. 2nd ed.Thousand Oaks: Sage Pub., 2000.3. HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Rio deJaneiro,Tempo Brasileiro, 1989.128


CAPÍTULO VIIIRecepção Humaniza<strong>da</strong>O Programa Jovens Acolhedores


Recepção Humaniza<strong>da</strong>Há tempo que se diz que to<strong>da</strong> instituição de Saúde que quiser implantara Humanização precisa <strong>com</strong>eçar pelas recepções. Herdeiras de ummodelo de atendimento caracterizado pela dicotomia serviço e usuário,erguem-se <strong>com</strong>o uma barreira que <strong>com</strong>eça pela divisória, em geral devidro, separando fisicamente a ambos, e continua no atendimento pormeio de barreiras culturais, linguísticas e outras tantas quantas se fizeremnecessárias. As recepções foram alvo seleto <strong>dos</strong> primeiros programas dehumanização surgi<strong>dos</strong> depois do PNHAH e <strong>da</strong> PNH.No desenvolvimento do pensar sobre a porta de entra<strong>da</strong> e o acessoaos serviços, vários aprofun<strong>da</strong>mentos conceituais e práticos convergirampara o que hoje chamamos acolhimento 1 . A quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atenção, o interessee a responsabili<strong>da</strong>de são aspectos enfatiza<strong>dos</strong> pela cultura <strong>da</strong> Humanizaçãoque devem estar presentes desde o momento em que as pessoaschegam aos serviços de Saúde.A recepção humaniza<strong>da</strong> se apresenta <strong>com</strong>o porta de entra<strong>da</strong> paraum serviço que tem a humanização <strong>com</strong>o o eixo de to<strong>da</strong>s as suas práticas.E na perspectiva <strong>da</strong> Humanização e do Acolhimento, surgiram vários programas<strong>com</strong> foco na recepção do paciente aos serviços, dentre os quais sedestaca o Programa Jovens Acolhedores, <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúdede São Paulo, sobre o qual apresentaremos algumas ideias neste texto,mais precisamente sobre a pedra angular de sua estrutura: a escuta.O Programa Jovens Acolhedores 2 recebe, desde 2003, alunos doensino superior <strong>da</strong> rede priva<strong>da</strong> para atuarem durante um ano junto àsrecepções <strong>dos</strong> hospitais públicos do Estado no acolhimento <strong>dos</strong> usuários<strong>dos</strong> serviços. Recebem uma bolsa de estu<strong>dos</strong> para o custeio <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de,e despendem vinte horas semanais para as ativi<strong>da</strong>des do programa, queinclui: recepcionar to<strong>da</strong>s as pessoas que procuram a uni<strong>da</strong>de de Saúde eauxiliá-las na solução de possíveis problemas que possam ocorrer nessachega<strong>da</strong> ao serviço, participar <strong>da</strong> capacitação para o trabalho na Saúde eno seu espaço de atuação, participar de reuniões de supervisão.O curso de formação <strong>dos</strong> alunos (que podem vir de qualquer área doconhecimento e não só <strong>da</strong>s Ciências <strong>da</strong> Saúde) cobre os seguintes temas 2 :- Conceito de saúde e doença;- Aspectos psíquicos do adoecer;130


Recepção Humaniza<strong>da</strong>- Aspectos psicossociais presentes nas relações humanas;- Sociabili<strong>da</strong>de e <strong>com</strong>unicação, direitos sociais, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e participação<strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de;- Processo de trabalho na instituição de Saúde;- Políticas de saúde: SUS e seus princípios;- Humanização <strong>da</strong> assistência à Saúde e ética.A propósito <strong>da</strong> Humanização, desfaz-se a ideia preconceituosa de quese trata de um “jeito bonzinho de ser” (ain<strong>da</strong> que moralmente a bon<strong>da</strong>de sejaum valor muito apropriado não só à área <strong>da</strong> Saúde, mas em vários contextos<strong>da</strong> nossa socie<strong>da</strong>de), mas aqui no sentido de desqualificar seus propósitosmais amplos, uma vez que diz respeito ao modo <strong>com</strong>o se dá a assistência, aorganização <strong>dos</strong> processos de trabalho e a gestão do ponto de vista técnicoe humanista. Sinaliza-se que a Humanização é uma política do SUS (PolíticaNacional de Humanização) que coloca ênfase na importância de se construirespaços de encontro <strong>da</strong>s pessoas, pacientes ou trabalhadores <strong>da</strong> Saúde paraa construção de relações mais justas, éticas e solidárias.Assim pensado, uma recepção humaniza<strong>da</strong> agrega profissionais <strong>com</strong>conhecimento de saúde coletiva e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, sendo capazes de <strong>com</strong>preenderas dimensões humanas do adoecimento <strong>da</strong> população atendi<strong>da</strong>, paraexercer de fato a escuta de suas necessi<strong>da</strong>des. A recepção humaniza<strong>da</strong> requer,necessariamente, a integração <strong>com</strong> to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des institucionaisque vão <strong>da</strong>r prosseguimento aos cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> inicia<strong>dos</strong> na recepção, <strong>com</strong>preendendopelo menos três ações básicas:1. Escuta aberta, <strong>com</strong> respeito e real interesse na boa <strong>com</strong>unicação<strong>com</strong> o outro e resposta à sua deman<strong>da</strong> – papel do acolhedor;2. Escuta qualifica<strong>da</strong>, <strong>com</strong> as características <strong>da</strong> primeira, mas ampara<strong>da</strong>tecnicamente para respostas mais <strong>com</strong>plexas – papel <strong>da</strong> retaguar<strong>da</strong> técnica;3. Gestão, organização e supervisão de todo o processo de acolhimento– papel do supervisor.O acolhedor é aquele que promove o primeiro encontro do usuário<strong>com</strong> a instituição de Saúde por meio de atitude cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>a, disponívelpara a escuta aberta às necessi<strong>da</strong>des do usuário e capaci<strong>da</strong>de de orientarsua inclusão dentro do sistema de Saúde. Para desenvolver esse papel, oacolhedor deverá conhecer bem a clientela e seus aspectos socioculturais,131


Recepção Humaniza<strong>da</strong>conhecer e atuar dentro <strong>dos</strong> princípios do SUS, e conhecer muito bem a instituiçãoem que atua. Por vezes, o acolhedor deverá contar <strong>com</strong> um profissional<strong>da</strong> saúde <strong>com</strong> nível superior que, enquanto retaguar<strong>da</strong> técnica, deverásolucionar suas dúvi<strong>da</strong>s imediatas no dia-a-dia. De forma mediata, deverácontar também <strong>com</strong> a presença de um supervisor que (por meio de conhecimentostécnicos específicos <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde) seja capaz de ser tambémreferência para a escuta qualifica<strong>da</strong>, fazer o a<strong>com</strong>panhamento do trabalhodo acolhedor e promover o apoio didático e a escuta do próprio acolhedor.Ou seja, uma recepção humaniza<strong>da</strong> precisa de gestão, organização,retaguar<strong>da</strong> de profissionais <strong>com</strong> conhecimentos <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde e <strong>com</strong>preensão<strong>da</strong>s dimensões humanas do adoecimento e <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>população atendi<strong>da</strong>, e acima de tudo, pessoas <strong>com</strong> legítimo interesse pelobem uns <strong>dos</strong> outros, dispostas a conversar...Ressalte-se que o Programa Jovens acolhedores surge <strong>com</strong> a missãode permitir o encontro humanizado entre usuários e serviços de Saúde,mas não só. O programa também tem um forte acento educacional. Alémde contribuir para o custeio <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> desses jovens, permite que eles tenhamoutro espaço de aprendizagem dentro <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde. Ao mesmotempo, também na perspectiva <strong>da</strong> Humanização, traz outros olhares paradentro <strong>dos</strong> serviços. Um olhar que pode ser estranho e perturbador, ou quepode trazer coisas novas que oxigenem a instituição, vai depender muito<strong>dos</strong> alunos que chegam e de <strong>com</strong>o os profissionais do serviço recebem etrabalham <strong>com</strong> esses “outros estranhos”.Apesar de, em muitos casos, o Programa Jovens Acolhedores se <strong>da</strong>rem um hospital – lugar de hospitali<strong>da</strong>de – os tempos atuais não são lámuito hospitaleiros <strong>com</strong> os estranhos... A hospitali<strong>da</strong>de 3 , <strong>com</strong>o a capaci<strong>da</strong>dede acolher e abrigar o estrangeiro (ou o estranho no sentido de nãofamiliar) nem sempre é possível quando as diferenças são percebi<strong>da</strong>s <strong>com</strong>oinvasivas e vivi<strong>da</strong>s <strong>com</strong> hostili<strong>da</strong>de.A presença <strong>dos</strong> jovens universitários nos serviços provoca reaçõesdiversas entre os funcionários <strong>dos</strong> serviços. Alguns gostam do contato<strong>com</strong> esse outro mundo, mas muitos enxergam os alunos <strong>com</strong>o privilegia<strong>dos</strong>,<strong>com</strong>o uma casta a mais na instituição – que só serve para <strong>da</strong>r maistrabalho para os funcionários já sobrecarrega<strong>dos</strong> e tão pouco valoriza<strong>dos</strong>132


Recepção Humaniza<strong>da</strong>pela gestão. Com certeza, serviços nos quais a Humanização se esgota noPrograma Jovens Acolhedores, e mais uma ou outra ação humanizadora,jamais conseguirão desenvolver a cultura <strong>da</strong> Humanização e nela a convivênciaenriquecedora <strong>da</strong>s diferenças.Por outro lado, pensando na situação em que os alunos são bemaceitos pela instituição, mesmo em tais condições favoráveis, o programapede atenção. Voltando à questão <strong>da</strong> importância <strong>da</strong> escuta que singularizaa ação desses jovens, reforçamos que o supervisor é a pessoa-chavepara o sucesso desse processo...O supervisor não é (e nem pode ser) um encarregado que controla opessoal. Não é um bedel de alunos (embora seja alguém que dê limites eorientações). O supervisor é, acima de tudo, um modelo para o acolhimentoe um tutor para o aprendizado <strong>da</strong> escuta aberta e de outras <strong>com</strong>petências<strong>com</strong>unicacionais.Mas afinal, o que é essa escuta de que tanto falamos? No nossoponto de vista, a escuta é essencialmente uma abertura para a conversa. Agente não pensa muito nisso, mas a conversa está na base <strong>da</strong>s relações humanas.A conversa é essencial para a vi<strong>da</strong> humana. A gente precisa tantode conversa que, quando sozinhos, conversamos <strong>com</strong> os nossos botões...Falamos sozinhos... Não poder conversar é uma forma de penitência. Háquem diga que nos campos de concentração nazistas era <strong>com</strong>um separaros prisioneiros de mesma língua <strong>com</strong>o forma de castigo e para evitar aaproximação entre as pessoas.Habermas 4 acredita que habitamos um mundo (<strong>da</strong> concepção Existencialista,o mundo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>) que se <strong>com</strong>põe <strong>da</strong>s estruturas <strong>da</strong> cultura,<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um, no qual <strong>com</strong>partilhamosexperiências pela conversa. Nessa condição, somos to<strong>dos</strong> dota<strong>dos</strong> de uma<strong>com</strong>petência <strong>com</strong>unicativa universal <strong>com</strong> a qual buscamos, antes de tudo,o entendimento. Sim, ele diz que a função principal <strong>da</strong> linguagem é oentendimento entre os homens, e ain<strong>da</strong> que a fala se aplique a muitosoutros interesses, primariamente ela surge <strong>com</strong>o produção humana para oentendimento.Mas veja bem, nesse sentido, conversar não é tagarelar. Quando,numa festa, uma pessoa conta a alguém sobre um filme e esse alguém133


Recepção Humaniza<strong>da</strong>emen<strong>da</strong> <strong>com</strong> um outro filme que ele próprio assistiu, não é exatamenteuma conversa do ponto de vista que aqui adotamos. Quando alguém <strong>com</strong>eçaa contar um problema e o outro responde contando um caso seu,também. A conversa se estabelece quando a gente escuta de forma atenta,interessa<strong>da</strong> e generosa aquilo que o outro diz e simultaneamente entreambos se cria um campo de <strong>com</strong>preensão <strong>com</strong>um, um horizonte 5 no qualaparecem as diferenças e se constroem possíveis senti<strong>dos</strong> e possibili<strong>da</strong>desde entendimento para o que é dito. Há conversa quando duas ou maispessoas falam de seus pontos de vista e pensam, juntas, em uma resposta,uma ideia, uma reflexão a respeito.O ver<strong>da</strong>deiro entendimento só ocorre quando criamos espaço paraa <strong>com</strong>preensão <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong>s pessoas e assumimos umaatitude consciente de respeito, legítimo interesse pelo outro, atenção ecrítica racional. As premissas 4 para a construção de consensos falam <strong>da</strong>necessi<strong>da</strong>de de se estabelecer um campo relacional no qual os interlocutorestenham disposição e capaci<strong>da</strong>de para:- A <strong>com</strong>preensibili<strong>da</strong>de, ou o reconhecimento gramatical do que é dito;- A ver<strong>da</strong>de, ou o reconhecimento do conteúdo ver<strong>da</strong>deiro e adequa<strong>da</strong>mentejustificado do que está sendo dito;- A sinceri<strong>da</strong>de, ou o reconhecimento de que a intenção de quemfala é sincera;- A retidão, ou o reconhecimento de que o que está sendo dito écorreto dentro <strong>da</strong> Ética.Mas o que é <strong>com</strong>preender? Essa pergunta está no cerne <strong>da</strong> hermenêutica5 : eluci<strong>da</strong>r o advento <strong>da</strong> <strong>com</strong>preensão, partindo <strong>da</strong> parte em relaçãoao todo e do todo refletido na parte. To<strong>da</strong> <strong>com</strong>preensão é a busca de umaver<strong>da</strong>de que se apoia em uma <strong>com</strong>preensão prévia, que se manifesta pormeio <strong>da</strong> linguagem, e tem, portanto, uma dimensão linguística e uma dimensãohistórica. Essa tradição, a qual estamos sujeitos, ao mesmo tempoem que permite abor<strong>da</strong>r a reali<strong>da</strong>de, também delimita nosso horizonte deprodução de sentido. Ou seja, o processo interpretativo opera dentro deum conjunto relacional e diz respeito à produção de um sentido, um conteúdoelaborado pelo exercício <strong>da</strong> razão sobre os fenômenos. Pressupõeopiniões, conhecimento prévio do assunto, apreensão de elementos em134


Recepção Humaniza<strong>da</strong>estudo, reflexão que leva ao encadeamento de um novo discurso sobre oassunto. Desta forma, o ato de <strong>com</strong>preender corresponde ao modo de estarno mundo próprio à condição humana. Partimos do que sabemos, criamosum jeito particular de nos aproximar <strong>dos</strong> fatos e fenômenos <strong>da</strong> vivência edepois pensamos, dialogamos, fazemos julgamentos, elaboramos interpretações,construímos conceitos que sedimentam conhecimento renovado,mas temporário, até que o processo ocorra novamente. Algo absolutamentepróprio à experiência humana.É isso que se espera do acolhedor e de seu supervisor.Se for assim, a conversa será em si mesma terapêutica, transformadora,educadora. O supervisor não pode perder de vista esse importantepapel que tem <strong>com</strong>o educador, na quali<strong>da</strong>de de tutor. O que faz o tutor, e<strong>com</strong>o faz, é essencialmente essa conversa de que estamos falando.Não é uma tarefa fácil. É preciso aprender a ouvir, despojar-se depreconceitos e modelos pré-estabeleci<strong>dos</strong> para, junto <strong>com</strong> o outro, pensarsobre o que ele está trazendo <strong>com</strong>o questão e, quando possível, encontrarformas pessoais e institucionais de li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> a questão. Muitas vezes ostutores ficam em dúvi<strong>da</strong> sobre o que fazer <strong>com</strong> o que escutam, ou ficamangustia<strong>dos</strong> por não saber <strong>com</strong>o li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> questões que não se esgotamno campo técnico <strong>da</strong> sua profissão. Também os supervisores em algunsmomentos precisarão de suporte para suas próprias questões e angústias,e é importante que tenham a quem recorrer. Bons gestores sabem que essaé uma de suas funções... E que é assim que se ensina o acolhimento e aHumanização.Referências Bibliográficas1. Ministério <strong>da</strong> Saúde, Ambiência, Brasília-DF, 2004. Ver em http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/impressos/folheto/04_1163_FL.pdf2. <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde de São Paulo, Programa Jovens Acolhedores,site oficial, ver em http://www.jovensacolhedores.saude.sp.gov.br/3. Dufourmantelle, A. Anne Dufourmantelle convi<strong>da</strong> Jacques Derri<strong>da</strong>a falar de Hospitali<strong>da</strong>de, São Paulo, Escuta, 2003.135


Recepção Humaniza<strong>da</strong>4. Aragão, L. Habermas: filósofo e sociólogo de nosso tempo. Rio deJaneiro, Tempo Brasileiro, 2002.5. Bernstein, R.J. Beyond objectivism and relativism: science, hermeneuticsand práxis. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1985.Parabenizamos os queri<strong>dos</strong> amigos Neil José Sorge Boaretti, ClaraRonconi <strong>da</strong> Silva Fonseca e José Luiz Brant de Carvalho, pelo importantetrabalho dedicado ao Programa Jovens Acolhedores.136


CAPÍTULO IXRo<strong>da</strong>s de ConversaAprendendo Saúde Mental no PSF c


Ro<strong>da</strong>s de ConversaIntroduçãoUm <strong>dos</strong> aspectos mais interessantes do Programa de Saúde <strong>da</strong> Família(PSF) é a mu<strong>da</strong>nça no processo de trabalho, que nos chama de voltapara o lugar de profissionais <strong>da</strong> Saúde em um tempo em que já estávamosacostuma<strong>dos</strong> a ser profissionais <strong>da</strong> doença.No modelo proposto pelo PSF, as pessoas – pacientes e profissionais– estão mergulha<strong>da</strong>s na reali<strong>da</strong>de local e nela resgatam espaços de subjetivi<strong>da</strong>deque há muito se perderam nas práticas assistenciais ancora<strong>da</strong>s nomodelo queixa-resposta médica. Nessa condição, ficam reforça<strong>dos</strong> o encontroe o vínculo, e as pessoas podem se ver <strong>com</strong>o gente que tem nome,origem, história, família, personali<strong>da</strong>de, defeitos e quali<strong>da</strong>des humanas.A quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação é outra, em particular no que se refere aotrabalho do agente <strong>com</strong>unitário de saúde (ACS), personagem que desponta<strong>com</strong>o elemento indispensável na lógica de atenção do PSF.No meio rural e em ci<strong>da</strong>des de pequeno e médio porte, onde o PSFacumula experiência, o agente <strong>com</strong>unitário é um membro <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de,integrado à cultura local, capacitado para desenvolver ações educativase preventivas, atuando na interface <strong>dos</strong> espaços público e privado. Entretanto,nos grandes centros urbanos não é bem assim. Os aglomera<strong>dos</strong>populacionais podem não se constituir em <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>des politicamente organiza<strong>da</strong>se, muitas vezes, são áreas de exclusão social, carentes <strong>da</strong> açãodo poder público, submeti<strong>da</strong>s ao domínio de “autori<strong>da</strong>des marginais”.Muitas vezes, o campo de trabalho do ACS é também um campo debatalha, em to<strong>dos</strong> os senti<strong>dos</strong>. Batalha contra a miséria, a doença, a ignorância,a violência, o desprezo pela vi<strong>da</strong> humana e a morte. Nesse cenário, ocotidiano do ACS – às vezes o único elo <strong>da</strong> população <strong>com</strong> o poder público– se torna carregado de tensões sociais e psíquicas que fazem parte do exercíciode sua tarefa e interferem no seu próprio bem-estar e vi<strong>da</strong> pessoal.O contato muito próximo e recorrente <strong>com</strong> situações graves de sofrimentoe degra<strong>da</strong>ção – além do fato de que temas de Saúde Mental, apesarde sua presença constante, são sempre <strong>com</strong>plexos e pouco conheci<strong>dos</strong> paraa maioria <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong> Saúde que não são <strong>da</strong> área psi – tornam otrabalho ain<strong>da</strong> mais penoso.Vários estu<strong>dos</strong> <strong>com</strong> profissionais <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde têm demonstrado138cUma versão modifica<strong>da</strong> foi publica<strong>da</strong> na Physis – Revista de Saúde Coletiva, v.17, n.2, 2007


Ro<strong>da</strong>s de Conversaser esta uma população particularmente suscetível ao sofrimento psíquicoe estresse, devido ao trabalho, apontando para a necessi<strong>da</strong>de de se criardispositivos institucionais para seu cui<strong>da</strong>do. Há muito se sabe que taisdispositivos <strong>com</strong>eçam pela criação de espaços de fala e escuta, nos quaisa palavra circula, provoca descobertas, faz o conhecimento e tece senti<strong>dos</strong>para a vi<strong>da</strong> e o trabalho.Partindo dessas premissas, desenvolvemos a ativi<strong>da</strong>de descrita nesteartigo, cuja intenção foi criar um espaço de acolhimento e aprendizado paraos ACS de uma região periférica do município de São Paulo. Na perspectiva<strong>da</strong> Humanização, criamos as Ro<strong>da</strong>s de Conversa sobre o Trabalho na Rua.População acolhi<strong>da</strong>O trabalho aqui relatado se desenvolveu durante o período de setembrode 2002 a setembro de 2003, na subprefeitura de Perus, no municípiode São Paulo, <strong>com</strong> o grupo de ACS do PSF, “Recanto <strong>dos</strong> Humildes”.A subprefeitura de Perus era a menor do município em população,algo em torno de 150 mil habitantes. Uma região de grandes áreas de ocupaçãorecente, sem infraestrutura e planejamento urbano e <strong>com</strong> poucosequipamentos públicos de Saúde. Os que existiam eram insuficientes parasuprir a deman<strong>da</strong> crescente e, para piorar a situação, havia muita dificul<strong>da</strong>deem se manter profissionais qualifica<strong>dos</strong> numa região distante, semqualquer atrativo de remuneração, carreira ou desenvolvimento profissional.O único atrativo era a beleza <strong>da</strong> paisagem verde, que ain<strong>da</strong> não haviasido destruí<strong>da</strong> pelas invasões e pela falta de <strong>com</strong>promisso governamental<strong>com</strong> a preservação.O PSF “Recanto <strong>dos</strong> Humildes” se instalou numa área <strong>com</strong>plexa,onde coabitavam pessoas de classe média baixa e nichos de populaçãoem estado de exclusão social. A maioria era migrante. Grandes famíliasde gente jovem subemprega<strong>da</strong>, sem moradia decente, sem estudo, semacesso a bens e serviços, sem esperanças. Os ACS, provenientes dessa <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de,eram em geral mulheres jovens, casa<strong>da</strong>s e <strong>com</strong> filhos pequenos,migrantes de outros esta<strong>dos</strong>, que se destacavam <strong>dos</strong> demais por um certograu de instrução que lhes permitiu passar no concurso e constituir uma“elite” trabalhadora local, alvo de admiração, respeito e, às vezes, cobiça.139


Ro<strong>da</strong>s de ConversaDurante todo o trabalho, contamos <strong>com</strong> o apoio <strong>da</strong> coordenadora <strong>da</strong>uni<strong>da</strong>de do PSF – condição essencial para que esse tipo de trabalho dê certo.Ro<strong>da</strong>s de conversa sobre o trabalho na ruaCriamos dois grupos abertos que se reuniam quinzenalmente, <strong>com</strong> acoordenação dessa psiquiatra e a presença variável de oito a vinte ACS porencontro. Nos primeiros encontros estabelecemos o enquadre, o contratoético e a proposta de trabalho: “conversar um pouco sobre saúde mentalpara atender melhor à população e cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> gente mesmo também”.Caracterizamos os grupos <strong>com</strong>o espaços para falar <strong>da</strong>s inquietaçõesdecorrentes do trabalho cotidiano <strong>dos</strong> ACS e para discutir situações clínicassob o ponto de vista <strong>da</strong> Saúde Mental.A experiência vivaGrupos abertos de tema livre (ou mais ou menos livre, <strong>com</strong>o era onosso caso) não costumam ser espaços institucionais facilmente ocupa<strong>dos</strong>pelos profissionais de Saúde. Apesar <strong>da</strong> consciência de que é por meio <strong>da</strong>fala e <strong>da</strong> escuta que conseguimos elaborar vivências e li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> emoções,vários <strong>com</strong>portamentos defensivos irrompem frente a tal oferta. Nossa experiêncianesse tipo de trabalho revela a dificul<strong>da</strong>de que as pessoas têmpara tratar aspectos <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de sua e do outro, que se manifesta naforma de frequência baixa aos encontros, dificul<strong>da</strong>des em estabelecer vínculose identi<strong>da</strong>de grupal, superficialização de temas problemáticos quepossam envolver a pessoa do profissional, esvaziamento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de aolongo do tempo.Nossa primeira surpresa foi observar um <strong>com</strong>portamento <strong>dos</strong> gruposde ACS totalmente diverso do descrito. Logo de início, os grupos estabeleceramvínculo <strong>com</strong> a coordenadora e ocuparam o espaço e tempo <strong>com</strong>a abor<strong>da</strong>gem de questões espinhosas, difíceis, e nas quais o envolvimentoemocional do ACS ficava não só explícito, <strong>com</strong>o era o próprio tema a quese pedia discussão, exigindo manejo cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>o para que o grupo não setornasse um grupo de psicoterapia, mas pudesse oferecer suporte socialpara as vivências ali manifestas. Os participantes mostravam-se confiantese à vontade para falar de suas angústias e sentimentos vários, interessa<strong>dos</strong>140


Ro<strong>da</strong>s de Conversaem <strong>com</strong>preender as razões psicológicas <strong>dos</strong> protagonistas <strong>da</strong>s situaçõesproblema,incluindo eles próprios.Durante um ano, vários casos clínicos foram discuti<strong>dos</strong>, chegan<strong>dos</strong>ea condutas mais adequa<strong>da</strong>s do ponto de vista <strong>da</strong> Saúde Mental, <strong>com</strong>otambém foram discuti<strong>da</strong>s teorias e técnicas que instrumentalizavam osACS para melhor reconhecimento <strong>dos</strong> aspectos subjetivos presentes nasdiversas situações cotidianas.Pela frequência e importância, destacamos alguns <strong>dos</strong> temas maistrabalha<strong>dos</strong>:1. Impacto emocional do encontro <strong>com</strong> a reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> família;2. Dificul<strong>da</strong>des inerentes ao papel do ACS;3. Dificul<strong>da</strong>des para trabalhar em equipe;4. Preconceitos em relação à loucura e aos problemas mentais.Para ilustrar esses campos temáticos, vamos relatar fragmentos dediscursos <strong>dos</strong> ACS, recolhi<strong>dos</strong> de alguns <strong>dos</strong> nossos encontros.Relato 1 - Os ACS são mesmo pessoas <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de? Impactoemocional do encontro <strong>com</strong> a reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> família.ACS1: A primeira coisa que eu vi quando cheguei aqui foium rapaz novo, assassinado, em pleno meio-dia o corpo expostono meio <strong>da</strong> rua, largado <strong>com</strong>o um cão. Só foi retirado <strong>da</strong>li pelapolícia no fim <strong>da</strong> tarde. Ninguém se importou e isso foi o quemais me chocou. No Norte tinha muita seca, muita fome, masparecia mais humano.ACS2: Se eu pensar em tudo de ruim que eu vejo, enlouqueço.Tem que saber conviver <strong>com</strong> essas coisas. Eu nasci numafavela, cresci vendo essas coisas. Isso não me choca mais. Sigominha religião e me fecho para esse mundo.ACS3: O que mais corta o coração é ver criança passandofome. Quando pela primeira vez entrei numa casa que não tinhana<strong>da</strong> para as crianças <strong>com</strong>erem, pensei na minha filha e <strong>com</strong>eceia chorar. Nesse dia, não consegui <strong>com</strong>er. Fui em casa e peguei<strong>com</strong>i<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r para aquela menina. Não é certo, mas eu fiz.ACS2: Eu choro depois....141


Ro<strong>da</strong>s de ConversaACS4: O pior é que a gente não tem o que fazer. A gente sesente totalmente incapaz, então a gente chora mesmo, ou acabase acostumando....ACS1: Eu pensava que trabalhando na Saúde podia aju<strong>da</strong>rmuita gente, mas agora... Os pacientes são muito carentes. Temmuita depressão. Falta de <strong>com</strong> quem conversar e as pessoas queremconversar. Fico escutando sem saber o que dizer.ACS5: É, só que depois eles <strong>com</strong>eçam a achar que a gente éemprega<strong>da</strong> deles. Começam a exigir: tem que arranjar o remédiocuste o que custar, tem que fazer tudo na hora que eles querem ese não fizer eles vão correndo falar mal <strong>da</strong> gente para a diretora.Dá pena, mas dá raiva também!ACS1: Alguns são assim, mas a maioria não. Tem muitagente precisando de atenção e carinho porque a vi<strong>da</strong> aqui é muitomais dura que a vi<strong>da</strong> que a gente leva lá no Norte. A gente temque se acostumar, mas não dá para não ficar assusta<strong>da</strong>.Relato 2 - Não dá para resolver tudo. Dificul<strong>da</strong>des inerentes aopapel do ACS.ACS1: Não dá para resolver tudo, e então a gente viveouvindo desaforos. Outro dia apareceu um que queria que euarrumasse uma cesta básica. Aí vem outra querendo que eu arranjeum advogado para ela conseguir uma pensão do cara que alargou <strong>com</strong> os filhos. Teve até um que queria que eu botasse esgotona rua! Aí quando você diz que é só um ACS, eles chamama gente de folgado!ACS2: Eu não levo desaforo para casa, não! Se me desacatameu parto para a briga ali mesmo, na frente de quem quiserver e é bom que vejam mesmo, que se a gente é muito mansa elesmontam em cima e aí é bem pior. Se tiver que sair no braço, nãoquero nem saber se é paciente ou não, parto para cima e seja oque Deus quiser!ACS3: Levar na ignorância é pior. Eu converso e, se nãoresolver, mando ir conversar <strong>com</strong> a equipe do posto. A gente não142


Ro<strong>da</strong>s de Conversaé uma equipe? O pessoal fica protegido dentro do posto e nósaguentamos o rojão na rua, precisa man<strong>da</strong>r o povo ir reclamar<strong>com</strong> o pessoal do posto também que é para eles sentirem na peleo que a gente passa.ACS4: Eu gosto do trabalho na rua. Não suporto o dia quetenho que ficar o dia inteiro no posto. Gosto de conhecer as pessoas.Tem gente briguenta, mas tem muita gente legal. Tem genteque vê a gente na rua e vem bater papo, agradecer as coisas quea gente faz. Dá gosto.ACS5: Tem que ver também que tem muito ACS que nãoquer na<strong>da</strong> <strong>com</strong> na<strong>da</strong>. Não está nem aí <strong>com</strong> o povo. Eu faço tudopara resolver o problema <strong>da</strong>s pessoas, aí me chamam de exibi<strong>da</strong>,que eu faço porque quero ser melhor que os outros. Não é ver<strong>da</strong>de.Eu gosto de ser ACS e acho que é minha obrigação fazer oimpossível para resolver os problemas <strong>da</strong> população. Vou atrásmesmo, cobro e não sossego enquanto não consigo o que quero.O povo vive na minha casa. Não tem hora.ACS6: Eu já não gosto do povo indo a qualquer hora naminha casa. Às vezes, estou na minha folga e não consigo botaro feijão no fogo de tanto que batem naquele portão. Tambémnão gosto de atender à noite e de fim-de-semana. A gente tambémtem direito de ter sossego para a gente e para a família <strong>da</strong>gente.ACS7: Nas minhas férias eu pus uma placa na frente <strong>da</strong>minha casa: estou de férias, procure o posto. Teve gente que reclamou,mas eu não quis nem saber, estava de férias, não tinhadinheiro para sair <strong>da</strong>li e se a gente está em casa ninguém respeitasábado, domingo, feriado... E não é para urgência não, é porqueacha que a gente tem que atender qualquer hora, qualquer dia.Relato 3 - Enquanto isso, dentro <strong>da</strong> “nossa casa”... Dificul<strong>da</strong>despara trabalhar em equipeACS1: Para mim, o problema pior é <strong>com</strong> a gente mesmo.Não falo só <strong>da</strong> gente ACS, mas <strong>da</strong> equipe to<strong>da</strong>. Falta união. O143


Ro<strong>da</strong>s de Conversapessoal <strong>da</strong> enfermagem se acha melhor do que nós, os médicosse acham melhores que os enfermeiros.ACS2: Eu acho que os enfermeiros são os piores. Tem médicobem legal, <strong>com</strong>o aquela doutora que acabou de chegar e ospacientes já fazem fila na frente do posto para passar <strong>com</strong> ela.Aquela tem vocação, até o jeito de se vestir é de médica que gostade pobre. Ela não tem frescura não, vai <strong>com</strong> a gente nas visitas,entra nas casas, conversa <strong>com</strong> todo mundo, não tem nojo. Opovo diz que ela é <strong>com</strong>o Jesus, até os olhos são azuis...ACS3: E Jesus tinha olhos azuis? Esse povo não tem jeitomesmo... Mas a doutora é legal. O outro médico novinho tambémé bem legal, e é bonito... Vocês viram? Está assim de mulher querendopassar <strong>com</strong> ele! Ah, <strong>com</strong>o eu queria estar na equipe dele...ACS4: Que assanhamento é esse? Sossega, mulher, que eleé novo, mas já é casado! (risos)ACS3: É casado, mas não está morto! Mas não é por issoque eu queria estar na equipe dele, quer dizer, não é só por isso,mas é que aquela equipe funciona melhor que a minha. Tem entrosamento,todo mundo aju<strong>da</strong> todo mundo, não tem essa coisade um ver o outro no sufoco e não aju<strong>da</strong>r porque não é funçãodele, ou por que ele se sente mais que a gente para fazer o que agente faz, entende?ACS5: Isso acontece bastante na minha equipe também.Eles dizem que ca<strong>da</strong> um tem sua tarefa. É ver<strong>da</strong>de, porque agente não vai saber fazer o que eles fazem, então por que elesdeveriam aju<strong>da</strong>r a gente?ACS3: Porque o nosso trabalho é mais pesado. Somos nósque vamos para a rua todo dia.ACS5: Eu gosto de ir para a rua. Não acho que é maispesado, é diferente. O que falta é a gente <strong>com</strong>binar melhor ascoisas. Por exemplo, eu vou na casa de uma pessoa, explico quea consulta só pode ser marca<strong>da</strong> depois de tal dia, do jeito que falaramque era para eu fazer, aí o paciente vai no posto e conseguepassar na frente. Com que cara eu volto na casa dele? Ele me vê144


Ro<strong>da</strong>s de Conversana rua e diz que fulano sim é que é bom e eu não sirvo para na<strong>da</strong>.Isso é trabalhar em equipe?ACS1: Também já passei por isso. Dei uma informação parao paciente e depois falaram outra coisa para ele no posto. Pareceque é a gente que não sabe trabalhar direito.ACS3: Eu acho que tem gente que faz isso de propósito.Para parecer que é melhor que os outros. Tem muita <strong>com</strong>petiçãoentre as equipes e entre os próprios ACS para ver quem é melhor.Não acho certo, mas é isso que acontece.ASC2: E por que ninguém fala na<strong>da</strong> na reunião <strong>com</strong> todomundo? Aqui, todo mundo fala pelos cotovelos, mas lá ficamquietinhos, <strong>com</strong>o se na<strong>da</strong> tivesse acontecido.ACS6: Aqui é diferente, dá para falar. Lá eu tenho medode que fiquem <strong>com</strong> raiva de mim e me ferrem ain<strong>da</strong> mais depois.E olha que a coordenadora fala que é para a gente dizer tudo oque está sentindo, mas na hora não dá. Eu acho isso muito ruim,porque acaba não mu<strong>da</strong>ndo na<strong>da</strong>. Eu queria saber falar no meiode muita gente e de gente <strong>com</strong> mais estudo que eu, mas achodifícil.Relato 4 - Loucura ou sem-vergonhice? Preconceitos em relação àloucura e aos problemas mentais.ACS1: Sabe, para mim o que mais tem é pessoa <strong>com</strong> problemade cabeça mesmo. Acho que é a miséria que faz isso. Temuma moça na minha área que é lin<strong>da</strong>, parece uma bonequinha,mas todo mundo diz que é louca. Foi abandona<strong>da</strong> pelo marido.Ele arrumou outra dizendo que ela não sabe fazer na<strong>da</strong> direito,fica o dia inteiro na cama, as crianças to<strong>da</strong>s emporcalha<strong>da</strong>s narua pedindo esmola, <strong>com</strong>endo na casa <strong>dos</strong> outros. Fiquei <strong>com</strong>tanta pena que tomei <strong>com</strong>o minha filha e <strong>com</strong>ecei a cui<strong>da</strong>r dela.Vocês acham que ela é louca mesmo?ACS2: Muito certa é que não é mesmo. Por que não levanta<strong>da</strong>quela cama e vai trabalhar? É moça, é bonita, vai à luta, ora!Mas não, fica ali joga<strong>da</strong> <strong>com</strong>o um trapo, enquanto o marido dá no145


Ro<strong>da</strong>s de Conversapé e as crianças ficam abandona<strong>da</strong>s. Que doença o quê! Para mimisso é sem-vergonhice mesmo.ACS3: Eu não acho. Você sabe <strong>com</strong>o foi a infância dela? Essascoisas de cabeça são muito <strong>com</strong>plica<strong>da</strong>s. Até a gente mesmo, temdia que parece que vai pirar... Eu já tomei antidepressivo e não achoque sou louca. Tem muito preconceito. Se vai ao psiquiatra e tomaremédio é louco? Não é assim. Todo mundo de vez em quando precisavavir aqui conversar <strong>com</strong> a doutora.ACS4: Eu tenho uma vizinha que ficou <strong>com</strong> câncer de tantorancor que ela sentia do marido. A gente acha que não, masengolir veneno faz mal para a saúde. Eu vi um médico na televisãoque falava que as coisas que a gente vai guar<strong>da</strong>ndo, um diaacabam virando doença mesmo.ACS5: E esse povo que bebe até cair ou que usa droga.Aqui está cheio de gente assim. É uma desgraça. O pior é quevocê fala, fala e pensa que eles param de encher a cara? Quena<strong>da</strong>... Nem querem tratamento. Eu tenho pena é <strong>da</strong> família. Meuprimo mesmo é um desses. Está metido <strong>com</strong> o pessoal <strong>da</strong> droga,vive se metendo em rolo, qualquer dia aparece morto na portade casa e quem vai fazer o quê? Vai ficar todo mundo de bocafecha<strong>da</strong> porque ele se meteu nisso porque quis, a gente cansou deavisar que ele estava se metendo onde não devia.Nesses recortes podemos observar muitas <strong>da</strong>s questões quefazem parte do cotidiano de trabalho <strong>dos</strong> ACS que atuam emárea de exclusão social. Os temas de Saúde Mental, tanto no quese refere à população quanto ao profissional <strong>da</strong> Saúde, são preocupaçõesimportantes do agente <strong>com</strong>unitário. Os espaços parafalar, pensar e aprender um pouco mais sobre si mesmo, o outroe a subjetivi<strong>da</strong>de tornam-se parte essencial <strong>da</strong> própria tarefa depromover a educação <strong>da</strong> população para a Saúde.Reflexões sobre a experiência: asas do pensar...Pierre Levy, (1993, p.36) diz que inteligência coletiva é “a valorização,a utilização otimiza<strong>da</strong> e a colocação em sinergia <strong>da</strong>s <strong>com</strong>petências,146


Ro<strong>da</strong>s de Conversaimaginações e energias intelectuais, independentemente de sua diversi<strong>da</strong>dequalitativa e de sua localização”, proprie<strong>da</strong>de que se faz através <strong>da</strong><strong>com</strong>unicação humana.A escultura <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de profissional parte <strong>dos</strong> elementos <strong>da</strong> experiênciacotidiana e <strong>da</strong> reflexão lapi<strong>da</strong>r sobre eles. Não existe um manualque padronize o que ca<strong>da</strong> um deve sentir, até quando ouvir os reclamos docoração (ou do estômago) <strong>da</strong>s famílias, o que fazer <strong>com</strong> os segre<strong>dos</strong> quelhes são confia<strong>dos</strong> em espaço doméstico.Os recortes de discurso apresenta<strong>dos</strong> mostram sujeitos em ação inteligente.Ao mesmo tempo em que nos falam de histórias, buscam <strong>com</strong>preendê-laspelo exercício do pensar <strong>com</strong>partilhado, que se vai transformandoem possibili<strong>da</strong>de de significação <strong>dos</strong> acontecimentos.Nos relatos, percebemos várias manifestações emocionais que emergemquando encontram a reali<strong>da</strong>de concreta <strong>da</strong>s pessoas em suas casas. OsACS vivem naquele meio, mas não se isentam do mal-estar causado pelascondições de vi<strong>da</strong> do ambiente. A ACS recém-migrante fala do choquecultural entre a vi<strong>da</strong> pobre no interior do Nordeste e a vi<strong>da</strong> violenta naperiferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Os colegas tecem soluções individuais: fechar-se emsi mesmo, voltar-se à religião, calar as emoções. A crueza do que se vêe a impotência frente à <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> problemas vão escurecendo osolhares e endurecendo os sentimentos.Ao mesmo tempo, quando percebi<strong>dos</strong> <strong>com</strong>o legítimos representantes doescasso poder público local, aos ACS chegam pedi<strong>dos</strong> que transcendem suasfunções e, diante <strong>da</strong> não-resposta deseja<strong>da</strong>, passam a ser vistos <strong>com</strong>o in<strong>com</strong>petentese desnecessários. Reação irrefleti<strong>da</strong>, que se reverte à medi<strong>da</strong> que apopulação vai entendendo melhor o campo de atuação do PSF (mas não semantes causar mais sentimento de impotência e mais frustração para o ACS).Raiva e pie<strong>da</strong>de se acumulam e recaem no cotidiano <strong>dos</strong> ACS nassituações em que ora se oferece até o que é <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> particular (caso<strong>da</strong> ACS que tira <strong>com</strong>i<strong>da</strong> de sua mesa para <strong>da</strong>r à família necessita<strong>da</strong>), orase apela para a ignorância, quando o assunto é desaforo (caso <strong>da</strong> ACS quebriga na rua <strong>com</strong> quem quer que a ofen<strong>da</strong>).Vi<strong>da</strong> pessoal e atitude profissional em muitos momentos se confundem,e definir os limites do que é uma atitude acolhedora ou uma defesa à147


Ro<strong>da</strong>s de Conversainvasão de privaci<strong>da</strong>de nem sempre é tarefa simples, mas é sempre tarefanecessária. E quando, nessa turbulência de emoções, o assunto chega aostemas psiquiátricos, as discussões pegam fogo.Se, em qualquer circunstância, os aspectos psíquicos do viver humanoestão pulsando à flor <strong>da</strong> pele, quando o problema em questão é umcaso que envolva a doença mental propriamente dita, então as cores docenário se tornam bem mais intensas. A visão moral <strong>dos</strong> sintomas mentaisse choca <strong>com</strong> as ideias científicas de saúde e doença que a mídia ouo conhecimento médico veiculam, <strong>com</strong>pondo o saber popular em temposatuais. Tristeza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, preguiça ou depressão? Dependência, fraqueza <strong>da</strong>vontade ou falta de vergonha na cara?O que foi feito: pensamos as pessoas e as situações de vi<strong>da</strong>, <strong>com</strong>eçandopelo senso <strong>com</strong>um, depois percorrendo alguns conhecimentos sobrea mente humana e os efeitos sociais sobre o <strong>com</strong>portamento. E assim, buscamosampliar a capaci<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um para entender melhor o outro e asi mesmo, e agir de forma mais próxima à ética <strong>da</strong> Humanização. Afinal,se de médico e de louco todo mundo tem um pouco, no PSF, então...No PSF, o contato diário e próximo não se dá só <strong>com</strong> a <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de,mas <strong>com</strong> as pessoas dentro do equipamento de Saúde, que é tão lugar deações para a saúde, quanto casa, lugar de histórias de amor e ódio. Disputaspara ver quem vai ser o melhor e mais queridinho do grupo, olharessedutores que buscam seus pares, antipatias gerais, amizades à to<strong>da</strong> prova,embates de poder, preconceitos, fofocas, muitas fofocas... Pano de fun<strong>dos</strong>obre o qual as equipes vão experimentando o seu jeito de fazer saúde.E <strong>com</strong>o “roupa suja se lava em casa”, de tempos em tempos, na instituição,é preciso lavar o pano de fundo, para que o trabalho em equipepossa acontecer de forma eficiente e ver<strong>da</strong>deiramente humaniza<strong>da</strong>. Emmuitas situações, é imprescindível que se fale do que está nas entrelinhas<strong>dos</strong> discursos que permeiam as relações entre as pessoas, definindo o queé do direito pessoal e do dever profissional, na arrumação dessa casa queprecisa de muitos espaços: ambientes reserva<strong>dos</strong> para as especifici<strong>da</strong>des,os lugares <strong>com</strong>uns e as muitas interfaces nas quais se pactuam responsabili<strong>da</strong>dee <strong>com</strong>promisso coletivos. Afinal, trabalhar <strong>com</strong> pessoas, no território<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, é um desafio que, nas palavras de Guimarães Rosa (1979,148


Ro<strong>da</strong>s de Conversap.15), encontra sua mais pura expressão:Uma coisa é pôr idéias arranja<strong>da</strong>s, outra é li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> país de pessoas,de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente – dá sustose saber – e nenhum se sossega: to<strong>dos</strong> nascendo, crescendo, se casando,querendo colocação de emprego, <strong>com</strong>i<strong>da</strong>, saúde, riqueza, ser importante,querendo chuva e negócios bons...AgradecimentosÀ Maria Ma<strong>da</strong>lena Ferreira Alves, uma assistente social cuja sensibili<strong>da</strong>dee coragem mol<strong>da</strong>ram não só a excelente gestora, mas a criaturahumana <strong>da</strong> categoria <strong>dos</strong> imprescindíveis.BibliografiaBALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Atheneu,1988.BENOIT, P. Psicanálise e medicina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.CASSEL, J. Psychosocial processes and “stress” theoretical formulation.Intern J Hth Services, v. 1, n. 3, p. 471-482, 1974.FERRAZ, F.; VOLICH, R. M. Psicossoma: psicossomática psicanalítica. SãoPaulo: Casa do Psicólogo, 1997.KARASEK, R. A. Job demands, job decision latitude, and mental strain:Implications for job redesign. Adm Sci Quart, n. 24, p. 285-308, 1979.LEVY, P. As tecnologias <strong>da</strong> Inteligência – O futuro do pensamento na era<strong>da</strong> informática. São Paulo: Editora 34, 1993.PITTA, A. Hospital: dor e morte <strong>com</strong>o ofício. São Paulo: Hucitec, 1990.RIOS, I. C. A relação médico-paciente em tempos de pasteurização <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de.Revista Ser Médico. São Paulo, v. 8, p. 16-19, 1999.ROSA, J.G. Grande Sertão: Vere<strong>da</strong>s. 13ed. Rio de Janeiro, José OlympioEditora, 1979.SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Manual de149


Ro<strong>da</strong>s de ConversaTreinamento Introdutório do Programa Saúde <strong>da</strong> Família. São Paulo: Pólode Educação Permanente em Saúde <strong>da</strong> Região Metropolitana de São Paulo,2002.150


CAPÍTULO XImpressões <strong>dos</strong> Trabalhadoresde uma Uni<strong>da</strong>de Básica deSaúde sobre o seu trabalho


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalho1. O que fizemosEm 2002, o Projeto Acolhimento 1 foi apresentado <strong>com</strong>o um <strong>dos</strong> projetosprioritários <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> Municipal de Saúde de São Paulo, tendo<strong>com</strong>o horizonte a transformação <strong>da</strong> cultura institucional <strong>da</strong> Humanizaçãopela consideração aos aspectos históricos e subjetivos presentes nas práticasde Saúde.Tratava-se de criar condições institucionais para que funcionários epacientes fossem vistos <strong>com</strong>o ci<strong>da</strong>dãos vivendo dentro de contextos socioculturaisvários, <strong>com</strong> existência pessoal que <strong>com</strong>preende sua religião, personali<strong>da</strong>de,características emocionais e volitivas, capaci<strong>da</strong>des intelectuaise potencial criativo que, respeita<strong>dos</strong> e valoriza<strong>dos</strong>, promovem a saúde <strong>da</strong>clientela e a satisfação profissional <strong>dos</strong> trabalhadores <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde.Para desenvolver e <strong>com</strong>partilhar as ideias e ações do acolhimento,à semelhança do que ocorria na <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde, propôs-sea criação de Comitês de Acolhimento nos equipamentos de Saúde <strong>da</strong> redemunicipal. Na UBS Perus, <strong>com</strong> o apoio do diretor <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de, constituímosum grupo de trabalho formado por uma médica psiquiatra, uma educadorae uma enfermeira.Essa UBS era, então, a única de to<strong>da</strong> a região de Perus, na periferia<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo, e mesmo <strong>com</strong> a taxa de lotação de pessoal muitoin<strong>com</strong>pleta, seus 44 funcionários respondiam pelas seguintes ativi<strong>da</strong>des:- Atendimento programático em clínica médica, Ginecologia e Obstetrícia,Pediatria, Oftalmologia, Psiquiatria, Odontologia pediátrica;- Educação em Saúde para gestantes, planejamento familiar;- Vacinação de rotina e campanha;- Ultrassonografia gestacional;- Exames preventivos <strong>da</strong>s patologias de colo de útero e mamas;- Ativi<strong>da</strong>des de grupo (educativo e terapêutico) para hipertensos,puericultura, psicoterapia;- Grupo de apoio psicossocial para Agentes Comunitários de Saúdedo PSF do Recanto <strong>dos</strong> Humildes;- Controle de doenças infecciosas: tuberculose, hanseníase, dengue, sífilis;- Coleta de material para exames laboratoriais;- Curativos e medicação;152


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalho- Visita domiciliar;- Transporte de pacientes;- Recepção;- Administração;- Almoxarifado;- Farmácia;- Serviços gerais e portaria;- Comitê de Acolhimento.Diante <strong>da</strong>s inúmeras dificul<strong>da</strong>des estruturais (falta de instalaçõesadequa<strong>da</strong>s, de equipamentos, de insumos e remédios, de segurança e deprofissionais em número suficiente para atender a deman<strong>da</strong>) nas quaistranscorriam as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de, a sobrecarga de trabalho e a desconfiançade que, mais uma vez, o funcionário fosse injustamente tratado<strong>com</strong>o responsável pelas falhas do sistema de Saúde, optamos por iniciaro Acolhimento criando espaços de fala e escuta <strong>dos</strong> nossos funcionáriossobre suas condições de trabalho. Resolvemos, primeiramente, acolher ofuncionário...As impressões e respostas obti<strong>da</strong>s nesse estudo diagnóstico de situaçãolocal são a matéria deste texto.2. Como fizemosPlanejamos um estudo exploratório que, em um primeiro momento,abor<strong>da</strong>va o seu campo <strong>com</strong> duas técnicas de coleta de <strong>da</strong><strong>dos</strong> (gruposfocais2 e questionário autoaplicado) e, em segundo momento, procedia àanálise descritiva <strong>dos</strong> <strong>da</strong><strong>dos</strong> empíricos.Formamos três grupos, um de profissionais de nível superior (cin<strong>com</strong>édicos, dois enfermeiros, uma educadora e uma assistente social), umde profissionais de nível médio (oito auxiliares de enfermagem e cincooficiais administrativos) e um grupo de funcionários operacionais (seisauxiliares de serviços e quatro vigias). Em ca<strong>da</strong> encontro, perguntávamossobre o que sentiam e pensavam sobre o seu trabalho, e as dificul<strong>da</strong>desencontra<strong>da</strong>s no dia-a-dia. O grupo era coordenado pela psiquiatra, e observadoe relatado em caderno de campo pela educadora. Das informaçõesobti<strong>da</strong>s nesses encontros, elaboramos um questionário que foi distribuído153


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhopara os funcionários responderem e depositarem em uma urna, não havendonecessi<strong>da</strong>de de se identificar. A receptivi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> funcionários paraos grupos foi muito boa e as respostas aos questionários alcançaram 81%do total de 44 trabalhadores <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de.O questionário continha doze perguntas fecha<strong>da</strong>s e duas perguntasabertas:1. SexoMasculinoFeminino2. I<strong>da</strong>de18 anos21-29 anos30-39 anos40-49 anosMais de 50 anos3. Cargo/FunçãoAdministrativoMédicoEnfermeiroAuxiliar de enfermagemEducadorAssistente SocialAuxiliar de ServiçosVigia4. Tempo de trabalho na uni<strong>da</strong>de (em anos)Menos de 1 ano1-3 anos5-10 anosMais de 10 anos154


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalho5. Tipo de contrato empregatícioCLTEstatutárioTerceirizadoTemporárioOutro6. Possui outro vínculo empregatício atém deste?SimNão7. Acha que suas ideias e sugestões são considera<strong>da</strong>s pelos superioresna toma<strong>da</strong> de decisões?SempreEventualmenteNuncaOutra opinião8. Sente-se respeitado e valorizado <strong>com</strong>o profissional:SempreEventualmenteNuncaOutra opinião9. Considera satisfatório o relacionamento entre as pessoas do seu setor:SempreEventualmenteNuncaOutra opinião11. O trabalho promove sentimento de realização pessoal:SempreEventualmente155


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoNuncaOutra opinião12. Sente-se motivado para o trabalho:SempreEventualmenteNuncaOutra opinião13. Quais as dificul<strong>da</strong>des que encontra no dia-a-dia para a realizaçãodo seu trabalho?14. Quais suas sugestões para melhorar nosso ambiente de trabalho?3. O que encontramosNa análise descritiva, primeiro trabalhamos os <strong>da</strong><strong>dos</strong> referentes àcaracterização geral <strong>dos</strong> funcionários <strong>da</strong> UBS <strong>com</strong>o um todo, e depoisagrupamos por categoria profissional os <strong>da</strong><strong>dos</strong> referentes às impressõessobre alguns aspectos de clima institucional que apareceram nos gruposfocais. Embora houvesse vários pontos de vista <strong>com</strong>uns entre os trabalhadores,consideramos importante ressaltar as diferenças que, em umaleitura <strong>com</strong>preensiva 3 <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, apontam para lugares distintos <strong>dos</strong>discursos e valores atribuí<strong>dos</strong> aos mesmos.Como é <strong>com</strong>um na área <strong>da</strong> Saúde 4 , 72% <strong>dos</strong> trabalhadores erammulheres e 62% do total estavam na faixa etária <strong>dos</strong> trinta aos quarenta enove anos. A grande maioria, ou 80%, contavam <strong>com</strong> tempo de serviço nauni<strong>da</strong>de menor que dois anos, sendo que 59% tinham menos de um ano,supostamente devido às mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s na gestão municipal naqueleano. Em 2002, a prefeitura de São Paulo desfez o modelo de atenção àSaúde do governo anterior (cujo formato técnico-político descaracterizouo SUS nessa ci<strong>da</strong>de), promovendo uma grande movimentação de profissionaisentre as diversas uni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> rede. Do total de funcionários, 70%eram estatutários. To<strong>dos</strong> os médicos e enfermeiros <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de tinham outrovínculo empregatício em outro serviço de Saúde além <strong>da</strong>quela UBS.No que se refere aos aspectos relativos à vivência subjetiva do am-156


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhobiente de trabalho e <strong>da</strong> própria profissão, por categoria profissional, estu<strong>da</strong>mosos seguintes fatores psicossociais 5 do trabalho:1. Perceber que suas ideias e sugestões são considera<strong>da</strong>s pelos superioresna toma<strong>da</strong> de decisões em relação ao seu trabalho;2. Sentir-se valorizado <strong>com</strong>o profissional;3. Perceber o relacionamento entre as pessoas do seu setor <strong>com</strong>osendo satisfatório;4. Sentir-se motivado para o trabalho;5. Sentir que o trabalho promove realização pessoal.Impressões <strong>dos</strong> nove trabalhadores administrativos <strong>da</strong> UBS Perus,em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:80%60%40%20%0%NuncaEventualmenteSempreOutrasugestõesvalorizaçãorelacionamentomotivaçãorealizaçãoImpressões <strong>dos</strong> dois enfermeiros <strong>da</strong> UBS Perus, em 2002, sobrealguns fatores psicossociais do trabalho:80%70%60%50%40%30%20%10%0%NuncaEventualmenteSempreOutrasugestõesvalorizaçãorelacionamentomotivaçãorealização157


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoImpressões <strong>dos</strong> catorze auxiliares de enfermagem <strong>da</strong> UBS Perus,em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:90%80%70%60%50%40%30%20%10%O%NuncaEventualmenteSempreOutrasugestõesvalorizaçãorelacionamentomotivaçãorealizaçãoImpressões <strong>dos</strong> sete médicos <strong>da</strong> UBS Perus, em 2002, sobre algunsfatores psicossociais do trabalho:60%50%40%30%20%10%0%NuncaEventualmenteSempreOutrasugestõesvalorizaçãorelacionamentomotivaçãorealização158


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoImpressões <strong>dos</strong> dez auxiliares e vigias <strong>da</strong> UBS Perus, em 2002,sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:80%70%60%50%40%30%20%10%0%NuncaEventualmenteSempreOutrasugestõesvalorizaçãorelacionamentomotivaçãorealizaçãoImpressões <strong>dos</strong> dois profissionais <strong>da</strong> Educação e Serviço Social <strong>da</strong>UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:120%100%80%60%40%20%0%NuncaEventualmenteSempreOutrasugestõesvalorizaçãorelacionamentomotivaçãorealização159


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoAs principais dificul<strong>da</strong>des para a realização satisfatória do trabalhoaponta<strong>da</strong>s pelos trabalhadores, segundo categoria profissional, foram:Administrativos- Falta de <strong>com</strong>unicação e entrosamento entre os diversos setores;- Espaço físico limitado, inadequado e de aparência ruim;- Desencontro de orientações entre as chefias;- Atitudes de desrespeito entre colegas;- Falta de sustentação e cumprimento às regras e normas propostas;- Falta de material básico e específico.Enfermagem- Falta de funcionários;- Espaço físico limitado, inadequado e de aparência ruim;- Falta de material básico e específico;- Falta de treinamento adequado;- Sobrecarga de trabalho, desgaste físico e emocional;- Falta de <strong>com</strong>unicação e entrosamento entre os diversos setores;- Falta de expectativas para a solução <strong>dos</strong> problemas;- Falta de sensibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s chefias superiores (Coordenadoria, <strong>Secretaria</strong>Municipal de Saúde) para reconhecer a situação de trabalhoestressante a que os funcionários estão submeti<strong>dos</strong>.Médicos- Número excessivo de pacientes e falta de funcionários;- Sobrecarga de trabalho, desgaste físico e emocional;- Falta de programas de saúde <strong>com</strong>unitários;- Falta de orientação técnico-política basea<strong>da</strong> na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>e <strong>dos</strong> recursos disponíveis;- Falta de medicação;- Falta de integração de fluxo de referência/contra-referência;- Falta de material básico e específico;- Espaço físico limitado, inadequado e de aparência ruim;- Falta de <strong>com</strong>unicação e entrosamento entre os diversos setores.160


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoEducador e Serviço Social- Número excessivo de pacientes e falta de funcionários.Auxiliares de serviços e vigias- Desencontro de orientações entre as chefias;- Falta de <strong>com</strong>unicação e entrosamento entre os diversos setores;- Salários ruins;- Problemas pessoais.As principais sugestões <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos trabalhadores para a melhora<strong>da</strong>s condições de trabalho na UBS foram agrupa<strong>da</strong>s por temas cita<strong>dos</strong> deforma espontânea, e se referem à:Relação <strong>com</strong> as chefias- Promover mais reuniões para a toma<strong>da</strong> de decisões;- Promover aliança <strong>da</strong>s chefias <strong>com</strong> os funcionários na busca de soluções.Expectativas quanto à atitude <strong>dos</strong> níveis superiores (Coordenadoria,<strong>Secretaria</strong> Municipal de Saúde)- Acolhimento <strong>dos</strong> funcionários <strong>da</strong> base pelos funcionários de níveisadministrativos superiores;- Recuperar os programas de saúde;- Planejamento e articulação do fluxo de referência/contra-referência- Ampliar e melhorar o espaço físico;- Informatizar o serviço;- Fornecer material suficiente e medicamentos;- Diferenciar e valorizar os funcionários públicos;- Contratar mais funcionários;- Melhorar a remuneração;- Igual<strong>da</strong>de de direitos e respeito para <strong>com</strong> to<strong>dos</strong> os funcionários emto<strong>dos</strong> os níveis hierárquicos.Acolhimento e relacionamento interno- Avaliação periódica <strong>da</strong>s condições de trabalho e respostas às solicitaçõesfeitas;161


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalho- Melhorar o entrosamento entre os setores na UBS;- Orientar melhor o usuário sobre funcionamento e ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> UBS;- Promover ações preventivas para a saúde <strong>dos</strong> funcionários;- Promover mais ativi<strong>da</strong>des de educação em saúde e pós-consulta.Administração e gerência- Organizar os setores definindo melhor horários e priori<strong>da</strong>des;- Definir melhor as atribuições <strong>dos</strong> funcionários;- Promover treinamento para os funcionários;- Adequação <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> aos recursos disponíveis;- Organizar melhor a porta de entra<strong>da</strong> <strong>dos</strong> pacientes;- Solicitar mais funcionários para os setores deficitários.4. O que pensamos sobre nossos acha<strong>dos</strong>Os <strong>da</strong><strong>dos</strong> mostravam que os funcionários <strong>da</strong> UBS Perus eram namaioria pessoas do sexo feminino, há pouco tempo na uni<strong>da</strong>de, tendoapenas tal vínculo empregatício. A maioria considerava bom o relacionamentoentre as pessoas, mas precisava ser melhorado, principalmente pormeio de dispositivos coletivos de <strong>com</strong>unicação, <strong>com</strong>o as reuniões. To<strong>dos</strong>sugeriam direta ou indiretamente a melhoria <strong>da</strong> <strong>com</strong>unicação, do entrosamentoe relacionamento entre as pessoas. Alguns falavam <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>dede mais reuniões de equipe que permitissem maior participação <strong>dos</strong>trabalhadores no processo de trabalho. Como mostram outros estu<strong>dos</strong> 3,4,6ain<strong>da</strong> é insipiente o trabalho interdisciplinar que transformaria os agrupamentosem ver<strong>da</strong>deiras equipes de alta performance. A reali<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> é afragmentação do processo de trabalho e a execução individual de tarefasinterdependentes.To<strong>da</strong>s as categorias profissionais apontaram a dificul<strong>da</strong>de de <strong>com</strong>unicaçãoentre os setores na UBS e instâncias superiores do sistema deSaúde, acarretando a impressão de abandono, isolamento e de “nuncasaber o que está acontecendo dentro e fora <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de”. Queixavam-se depouca participação na organização do seu trabalho e na gestão, sendo quena maioria <strong>da</strong>s vezes suas ideias e sugestões não influíam na toma<strong>da</strong> dedecisões.162


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoApesar <strong>da</strong>s circunstâncias desfavoráveis, sentiam-se motiva<strong>dos</strong> parao trabalho, possivelmente pelo caráter próprio <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de na área <strong>da</strong>Saúde, que entendiam <strong>com</strong>o fonte de realização pessoal.Foi unânime a avaliação de que o espaço físico <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de era muitoruim, assim <strong>com</strong>o a falta de funcionários para uma deman<strong>da</strong> ca<strong>da</strong> vezmaior <strong>da</strong> clientela, e a falta de materiais e medicamentos. Era uma expectativa<strong>com</strong>um a to<strong>dos</strong> a melhoria <strong>da</strong>quele espaço físico insuficiente,inadequado e muito feio.Particularmente, quanto aos trabalhadores nas funções administrativas,na época do estudo, o grupo <strong>com</strong>punha-se <strong>da</strong>s pessoas <strong>da</strong> recepção edo trabalho interno. O pessoal do trabalho interno aparecia <strong>com</strong>o integradoe seguro quanto às suas funções na uni<strong>da</strong>de. Apresentava-se <strong>com</strong>o aqueleque, apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des estruturais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de, tinha boas condiçõesde trabalho e de relacionamento entre si, destacando-se <strong>dos</strong> demais <strong>com</strong>oo grupo <strong>dos</strong> “privilegia<strong>dos</strong>”, por não passarem pelo desgaste físico e emocional<strong>dos</strong> que estavam sobrecarrega<strong>dos</strong> pelo contato <strong>com</strong> a população.Já o pessoal <strong>da</strong> recepção formava um agrupamento muito problemático,trabalhando em um ambiente de muito estresse e difícil organizaçãofrente a grande defasagem entre vagas disponíveis e procura deatendimento pela população. Observava-se grande dificul<strong>da</strong>de de, diante<strong>da</strong> pressão <strong>da</strong> população, respeitarem e cumprirem as regras determina<strong>da</strong>s.Com frequência arrumavam saí<strong>da</strong>s e transgrediam normas, <strong>com</strong>petiam entresi e tinham muita dificul<strong>da</strong>de em estabelecer uma <strong>com</strong>unicação eficienteentre as pessoas do próprio grupo. Na época desse estudo, estavammuito fragiliza<strong>da</strong>s pelo fato de estarem em fim de contrato. Ain<strong>da</strong> assim,havia pessoas interessa<strong>da</strong>s no trabalho e em encontrar soluções para osproblemas aponta<strong>dos</strong>. Esse é também um <strong>da</strong>do que deve ser considerado,o contrato de trabalho entre os grupos interfere, tanto para o bom desempenho,quanto para a per<strong>da</strong> de interesse pelo trabalho.As duas enfermeiras, assim <strong>com</strong>o as outras duas profissionais denível superior analisa<strong>da</strong>s conjuntamente, não constituíram grupos em si,sendo que seus <strong>da</strong><strong>dos</strong> precisam ser vistos <strong>com</strong>o expressões subjetivas. Entretanto,juntando as enfermeiras <strong>com</strong> os auxiliares de enfermagem, temoso grupo <strong>da</strong> enfermagem, que se destaca <strong>dos</strong> demais por ser o menos163


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhomotivado, o grupo por assim dizer, mais desiludido <strong>com</strong> as condições detrabalho e profissionais.Os médicos formavam um agrupamento que mantinha uma posturaativa frente aos problemas, mas ca<strong>da</strong> qual trabalhando de forma individualiza<strong>da</strong>,resolvendo situações particulares do seu cotidiano. A maioriasentia-se <strong>com</strong>prometi<strong>da</strong> <strong>com</strong> o seu trabalho, mas muito descontente <strong>com</strong>os problemas estruturais que dificultavam a realização plena de suas ativi<strong>da</strong>des,deixando sentimento de frustração frente ao que gostariam de fazere o que de fato era possível ser feito. Foi o grupo que mais expressou osentimento de não realização pessoal <strong>com</strong> o seu trabalho. Estavam dispostosa participar, opinar, propor ideias para solucionar os problemas (quelocalizavam na organização e gestão do sistema de Saúde <strong>da</strong> prefeitura),desde que realmente fossem ouvi<strong>dos</strong> e soluções encaminha<strong>da</strong>s. Cobravammais ações locais, mais definições técnico-políticas, <strong>com</strong>o programas desaúde e organização do fluxo de referência-contra referência.Ao contrário <strong>dos</strong> médicos, os auxiliares de serviços constituíam umagrupamento bastante fragilizado principalmente pela indefinição de papéise funções dentro <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de. Apresentavam-se desanima<strong>dos</strong> frente àsperspectivas de melhoria salarial e profissional. Compunha-se de algumaspessoas <strong>com</strong> boa vontade e outras a<strong>com</strong>o<strong>da</strong><strong>da</strong>s, preguiçosas e até mesmoresistentes às mu<strong>da</strong>nças, uma vez que satisfeitas <strong>com</strong> sua ociosi<strong>da</strong>de.Alguns se sentiam discrimina<strong>dos</strong> pela função considera<strong>da</strong> menor, oupela falta de função que era observa<strong>da</strong> <strong>com</strong>o menos valia entre os demaisprofissionais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de. Ressentiam-se <strong>da</strong> falta de chefia direta, de enquadramentofuncional, de avaliações periódicas e outros dispositivos quelhes garantissem identi<strong>da</strong>de e respeito junto aos demais.Quanto aos vigias, funcionários que então eram terceiriza<strong>dos</strong>, haviaos que se sentiam integra<strong>dos</strong> à uni<strong>da</strong>de e os que se percebiam <strong>com</strong>oexcluí<strong>dos</strong>, a depender de sua personali<strong>da</strong>de e consequente atitude, umavez que não havia qualquer preocupação ou plano de integração de taisfuncionários <strong>com</strong> os demais.A perspectiva de melhora <strong>da</strong>s condições de trabalho e atendimentofazia <strong>com</strong> que a maioria <strong>dos</strong> funcionários se interessasse pelo ProjetoAcolhimento. Entretanto, a imagem de que o acolhimento tem <strong>com</strong>o foco164


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoprincipal os usuários – embutindo uma crítica à conduta moral do funcionário– suscitava defesas que diminuíram quando mu<strong>da</strong>mos o enfoquepara o cui<strong>da</strong>do e valorização do profissional, <strong>com</strong> o objetivo de, por meiodeste, melhorar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atenção ao usuário. Nas reuniões de grupofocal a participação de to<strong>dos</strong> foi intensa, muito empenha<strong>dos</strong> em fazer análisescríticas, <strong>da</strong>r sugestões, deixar depoimentos. A pesquisa por questionárioanônimo contou <strong>com</strong> 81% de respostas, número bastante satisfatóriopara esse tipo de investigação.Este estudo mostrou resulta<strong>dos</strong> condizentes <strong>com</strong> a literatura 3,4,6 acumula<strong>da</strong>na área <strong>da</strong> Saúde Pública, que diz que a reali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> problemasde atendimento na rede pública <strong>com</strong>preende fragili<strong>da</strong>des técnico-políticas,vícios estruturais e deficiências de diversas naturezas, que não podem sertrata<strong>da</strong>s de forma reducionista. Acreditamos que esses problemas, cronifica<strong>dos</strong>ao longo de muitos anos de história, não devem ser dissimula<strong>dos</strong>pela leitura superficial e irresponsável, que lhes atribui um caráter preponderantementemoral e supõe que sejam oriun<strong>dos</strong> <strong>da</strong> falta de conscientizaçãodo servidor público quanto à sua missão. O que constatamospor experiência própria e pelos méto<strong>dos</strong> investigativos são problemáticasbem mais <strong>com</strong>plexas que necessitam de uma <strong>com</strong>preensão maior e interdisciplinarpara, em um contexto de justiça e observância <strong>dos</strong> princípios<strong>da</strong> Humanização que incluem usuários e funcionários, sem preconceitos,promover as transformações que to<strong>dos</strong> queremos, particularmente as quese referem à Educação Permanente e seus desdobramentos (valorização doprofissional <strong>da</strong> Saúde, construção de equipes eficientes e efetivas, gestãoparticipativa, e Humanização <strong>da</strong> atenção à Saúde).Conhecer o funcionário, avaliá-lo <strong>com</strong> proprie<strong>da</strong>de, valorizar e propiciaro desenvolvimento de seu potencial criativo devem constar <strong>com</strong>oprincípios de uma gestão participativa, <strong>com</strong>petente e exemplar na adoção<strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> humanização, imprescindíveis para o resgate do respeito aosnossos trabalhadores, para a melhoria <strong>da</strong>s condições de trabalho e, emdecorrência, a revitalização <strong>da</strong> atitude solidária e <strong>com</strong>preensiva que seespera de quem trabalha na área <strong>da</strong> Saúde. Atitude que se almeja, mas nãose impõe, senão sob o risco de, em nome <strong>da</strong> Humanização, mais uma vezpraticar-se a violência.165


Impressões <strong>dos</strong> Trabalhadores de uma Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde sobre o seu trabalhoAgradecimentosÀ Maria Teresa de Almei<strong>da</strong> Marciano (Educadora) e Maria CristinaFernandes (Enfermeira) que participaram <strong>da</strong> coleta de <strong>da</strong><strong>dos</strong>.Referências Bibliográficas1. São Paulo (Município), Projeto Acolhimento. <strong>Secretaria</strong> Municipal deSaúde de São Paulo, 2002.2. Denzin, N. & Lincoln, Y.S. Handbook of qualitative research. 2nd ed.Thousand Oaks: Sage Pub., 2000.3. Machado, M.H. Profissões em Saúde, Rio de Janeiro, ED. FIOCRUZ,1996.4. Pitta, A. Hospital: dor e morte <strong>com</strong>o ofício . São Paulo: Ed. Hucitec,1990.5. Araújo, T.M.; Aquino, E; Menezes, G; Santos, CO; Aguiar, L Aspectospsicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadorasde enfermagem Rev. Saúde Pública 37 (4) pp. 424-433, 2003.6. SÁ, M. C. Em busca de uma porta de saí<strong>da</strong>: os destinos <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> cooperação e do cui<strong>da</strong>do <strong>com</strong> a vi<strong>da</strong> na porta de entra<strong>da</strong> de um hospitalde emergência (Tese), São Paulo: Instituto de Psicologia <strong>da</strong> USP, 2005.166


CAPÍTULO XIEm busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>spráticas de Saúde:a questão do método


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoA Humanização na área <strong>da</strong> Saúde 1 surgiu do legítimo anseio <strong>da</strong>spessoas, trabalhadores e usuários <strong>dos</strong> serviços, pela melhoria <strong>da</strong>s práticasde Saúde. Inicialmente volta<strong>da</strong> às ações de ambiência, acolhimento,ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, e reconhecimento do campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de no atendimento,foi ganhando consistência prática e conceitual, passando <strong>da</strong> situação deações humanizadoras, para a de programa, chegando à condição de políticapública do SUS. Nesse percurso, à medi<strong>da</strong> que se aprofun<strong>da</strong>va a<strong>com</strong>preensão <strong>dos</strong> fatores envolvi<strong>dos</strong> na paradoxal reali<strong>da</strong>de na qual osserviços de Saúde, cuja missão é curar e aliviar, se transformaram (elespróprios) em lugares de sofrimento, constatava-se claramente que eramprincipalmente os aspectos organizacionais que sustentavam esse estadode coisas. Cultura institucional, organização <strong>dos</strong> processos de trabalho egestão despontaram <strong>com</strong>o os principais entraves ao desenvolvimento <strong>da</strong>humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde.Portanto, sem considerar a importância <strong>dos</strong> trabalhadores <strong>da</strong> Saúdeno aprendizado de um modo de fazer suas tarefas em que seja ele mesmoo exercício <strong>da</strong> Humanização, e sem trabalhar a vi<strong>da</strong> institucional em to<strong>dos</strong>seus matizes, particularmente no que se refere à gestão <strong>da</strong>s pessoas eprocessos de trabalho, é praticamente impossível tornar tais práticas maiséticas, justas e solidárias, <strong>com</strong>o reza a cartilha <strong>da</strong> Humanização.Como característico nos movimentos que <strong>com</strong>eçam do esforço coletivopara a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, a Humanização trouxe <strong>dos</strong> seus primeirosensaios metodológicos no PNHAH (Programa Nacional de Humanização<strong>da</strong> Assistência Hospitalar) o formato organizacional do Comitê deHumanização, que propunha a aglutinação de pessoas de diversas áreas<strong>da</strong> instituição, inclusive usuários e voluntários, buscando mais a representativi<strong>da</strong>deque a <strong>com</strong>petência técnica para o tema. Depois chamado pelaSES-SP de Núcleo de Humanização e na PNH (Política Nacional de Humanização),Grupo de Trabalho de Humanização (GTH), manteve-se esseformato. Ou seja, embora a PNH tenha mu<strong>da</strong>do o patamar <strong>da</strong> Humanizaçãoquando esta deixou de ser um programa hospitalar e passou a ser umapolítica pública do SUS, do ponto de vista metodológico, a PNH, ain<strong>da</strong>que propusesse outras perspectivas e ferramentas de trabalho, <strong>com</strong>o porexemplo, a matriz de indicadores de monitoramento <strong>da</strong> Humanização, <strong>da</strong>168


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoqual falaremos adiante, não propunha mu<strong>da</strong>nças significativas no modelodo Comitê de Humanização (apenas re-batizado de GTH).Decorrem desse fato vários exemplos que revelaram a insuficiênciametodológica do formato de Comitê para o desempenho <strong>da</strong>s funções necessáriasàs novas perspectivas para a Humanização e a busca de outrosformatos mais adequa<strong>dos</strong> às exigências técnicas que hoje são imprescindíveispara a Humanização. Para ilustrar esse fato, apresentamos um casoque a<strong>com</strong>panhamos durante aproxima<strong>da</strong>mente quatro anos, no qual ficaevidente que discursos e ações focais são necessários, mas não suficientespara desenvolver a humanização <strong>dos</strong> serviços e que o método do Comitêprecisa ser revisto.O Método: Comitê de HumanizaçãoHistória de Caso InstitucionalO serviço estu<strong>da</strong>do constitui-se <strong>com</strong>o caso por ser uma instituiçãopública de saúde liga<strong>da</strong> à <strong>Secretaria</strong> de Estado <strong>da</strong> Saúde de São Paulo, quepresta atendimento ambulatorial, hospitalar e de pronto atendimento paraa população, organiza<strong>da</strong> nos moldes tradicionais <strong>dos</strong> serviços de saúde públicosdo SUS. Compunha-se de aproxima<strong>da</strong>mente 800 funcionários, <strong>dos</strong>quais 60% em ativi<strong>da</strong>des operacionais e 30% nos chama<strong>dos</strong> cargos “técnicos”– que no serviço público são os cargos ocupa<strong>dos</strong> por profissionaisde nível superior. A maioria <strong>dos</strong> funcionários era do sexo feminino (70%),<strong>com</strong> i<strong>da</strong>de entre 30 e 49 anos (67%), casa<strong>dos</strong> (54%), raça branca (57%), e<strong>com</strong> nível superior de escolari<strong>da</strong>de (52%). Outro aspecto importante, quetambém coloca este serviço na condição de caso modelar (por semelhançaa outros serviços públicos de saúde), era a presença de grande número degestores sem formação na área de gestão. Em 2006, uma pesquisa operacionalapontou que, do total de 73 gestores desse serviço, ocupando cargosem diversos níveis hierárquicos (diretor técnico de serviço, diretor técnicode divisão de saúde, diretor técnico de departamento de saúde, assistentesde saúde I, II e III, supervisores de enfermagem) a metade não tinha qualquercurso de gestão. A grande maioria tinha nível superior (86 %), maspouquíssimos tinham pós-graduação (0,2 %). Muitos tinham experiênciade gestão por período maior que dois anos (74%). Os principais problemas169


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do método(por eles aponta<strong>dos</strong>) para os quais gostariam de aprimoramento se referiamà gestão de pessoas (78 %).Como na maioria <strong>dos</strong> hospitais públicos, várias ações humanizadorasfaziam parte <strong>da</strong> rotina <strong>da</strong> instituição, tanto na atenção aos usuários,quanto aos funcionários, especialmente à saúde do trabalhador. Na épocaque a SES-SP convidou seus hospitais para o curso de Humanização naárea <strong>da</strong> Saúde, esse serviço criou um Comitê de Humanização que, nosanos seguintes, trabalhou ativamente, cumprindo um árduo plano de trabalhoque resultou na disseminação <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> Humanização em to<strong>dos</strong>os setores, entre trabalhadores e usuários, de maneira tal que a palavrahumanização (e seus muitos senti<strong>dos</strong>) foi incorpora<strong>da</strong> no vocabulário <strong>com</strong>uma to<strong>dos</strong>. Incorpora<strong>da</strong> nos discursos, mas não necessariamente naspráticas, especialmente as de gestão, nas quais os avanços reais foram bemmodestos...Durante quatro anos, um empolgado Comitê de Humanização realizoupalestras <strong>com</strong> funcionários, usuários e gestores, articulou-se <strong>com</strong> aouvidoria, fez a divulgação <strong>da</strong>s ações humanizadoras do serviço, promoveuseminários, realizou pesquisa de satisfação do usuário <strong>com</strong> o atendimento,fez levantamento de clima institucional e planejamento de um cursode capacitação de gestores, somando muitos feitos em diversas áreas,iluminando muitas pessoas <strong>com</strong> os seus ideais.Embora bem intencionado e contabilizando realizações, o Comitênão conseguiu sustentar-se conforme o desejado quando <strong>da</strong> sua criação.Ao final desse tempo, apesar <strong>da</strong>s realizações, observamos que o formato deComitê, ain<strong>da</strong> que legitimado pelos movimentos sociais <strong>dos</strong> quais surgiu,não se apresentou <strong>com</strong>o método eficaz de trabalho para avançar no sentido<strong>da</strong> PNH, conforme discutiremos a seguir.Criado nos moldes <strong>dos</strong> grupos preconiza<strong>dos</strong> pelo PNHAH (ProgramaNacional de Humanização <strong>da</strong> Assistência Hospitalar), o Comitê tinharepresentativi<strong>da</strong>de e condições técnicas e operacionais para as ativi<strong>da</strong>desde disseminação <strong>da</strong>s ideias <strong>da</strong> Humanização, mas não para orientar mu<strong>da</strong>nçasde maior calibre, conduzir intervenções e monitorar a gestão e osprocessos de trabalho, <strong>com</strong>o passou a se propor quando <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça doPNHAH para a PNH. A prática revelou que a mu<strong>da</strong>nça de perspectiva <strong>da</strong>170


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodohumanização do PNHAH para a PNH exige mu<strong>da</strong>nças de método para suaimplantação.O Comitê, na maioria <strong>da</strong>s vezes, é formado por pessoas que se ocupamem diversas ativi<strong>da</strong>des, não contando <strong>com</strong> tempo necessário para o volumede trabalho necessário para as ativi<strong>da</strong>des propostas na PNH, que ultrapassamaquelas pertinentes às funções do Comitê no PNHAH, e que em umaleitura mais técnica dizem respeito à área de Desenvolvimento Profissional eInstitucional. Tais pessoas não têm, necessariamente, formação para as especifici<strong>da</strong>desdessa área. Ou seja, se a instituição tem uma área de Desenvolvimento,o Comitê pode e deve trabalhar <strong>com</strong> ela, monitorando os indicadoresde Humanização <strong>da</strong> PNH, mas se é o próprio Comitê que vai estimular taisações, a experiência revela sua incapaci<strong>da</strong>de para tanto.A ca<strong>da</strong> ano, a maioria <strong>dos</strong> participantes abandonava o trabalho(porque tinham outras ativi<strong>da</strong>des mais de acordo <strong>com</strong> suas característicastécnicas). Pudemos constatar tal fato na prática, observando que os únicosmembros do Comitê que permaneceram durante os quatro anos de estudoforam os profissionais de Recursos Humanos, cuja afini<strong>da</strong>de de campo detrabalho fazia sentido à sua permanência no Comitê. Essa rotativi<strong>da</strong>de<strong>com</strong>prometia seriamente a realização de projetos a médio e longo prazouma vez que, frequentemente, as pessoas que saíam eram substituí<strong>da</strong>s poroutras que pouco ou na<strong>da</strong> sabiam sobre Humanização, e tinham dificul<strong>da</strong>deem aceitar <strong>da</strong>r an<strong>da</strong>mento a projetos cuja autoria não <strong>com</strong>partilhavam(vai<strong>da</strong>de, <strong>com</strong>petitivi<strong>da</strong>de e individualismo fazem parte do humano, inclusiveem um <strong>com</strong>itê dessa natureza...).Percebemos que, <strong>com</strong> a passagem do PNHAH à PNH, o Comitê perdeua clareza sobre suas funções. As pessoas no Comitê tinham dificul<strong>da</strong>deem aceitar suas limitações para trabalhar dentro <strong>da</strong> proposta <strong>da</strong> PNH e,uma vez que esta se investia de grande valor, consideravam de menosvalia as funções que caberiam ao Comitê no modelo do PNHAH. O resultadofoi uma crise de identi<strong>da</strong>de. Afinal, para que serve um Comitê deHumanização, se não lhe interessa fazer o que teria condições técnicas eoperacionais, e o que deseja fazer é algo que transcende sua <strong>com</strong>petênciatécnico-política? Na prática, o Comitê se desvitalizava, e pouco ou quasena<strong>da</strong> conseguia realizar de fato.171


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoPor outro lado, mesmo quando conseguia realizar a contento suastarefas, estas se esgotavam em si mesmas, porque as respostas que deveriamdesencadear dependiam <strong>dos</strong> gestores, estes pouco interessa<strong>dos</strong> nasmu<strong>da</strong>nças propostas. O Comitê na instituição é, no máximo, uma instânciaconsultiva, e não sendo um grupo técnico capaz de trabalhar junto à gestãona organização do trabalho, pode fazer alguns diagnósticos e proporalgumas ações, não mais que isso. Como exemplo, podemos citar o fato deque, embora o Comitê (do caso em estudo) tenha realizado um bom levantamentode clima institucional, cujos resulta<strong>dos</strong> foram apresenta<strong>dos</strong> parato<strong>dos</strong> os gestores, dele não resultou nenhuma ação, simplesmente porquenenhum gestor se interessou em trabalhar sobre os problemas aponta<strong>dos</strong>. Eo curso de capacitação de gestores, ain<strong>da</strong> que necessário e plenamente justificadopela falta de capacitação (assumi<strong>da</strong> por metade <strong>dos</strong> gestores), acabouesquecido no fundo de uma gaveta... Ao longo do tempo, observamos quea esperança de transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de pela Humanização foi perdendofôlego. O Comitê reduziu-se a um grupo que apontava problemas institucionais,mas, sem participação efetiva nas instâncias de poder, tornou-seapenas mais uma voz abafa<strong>da</strong> no coro <strong>dos</strong> queixosos e insatisfeitos.Mais do que contar <strong>com</strong> o empenho de pessoas afina<strong>da</strong>s <strong>com</strong> as ideias<strong>da</strong> Humanização, se não houver uma mu<strong>da</strong>nça no molde do próprio grupode pessoas que trabalham para a humanização <strong>dos</strong> serviços e sua inserçãono âmbito <strong>da</strong> gestão, não há política de Humanização que se sustente.A Educação Permanente <strong>com</strong>o metodologia para a HumanizaçãoTalvez consciente <strong>dos</strong> fatos aponta<strong>dos</strong> até aqui, mas partindo deoutro ponto de observação crítica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de na área <strong>da</strong> Saúde – navertente <strong>da</strong> formação profissional para as necessi<strong>da</strong>des do SUS e os modelosde atenção coerentes <strong>com</strong> seus princípios –, em 2006, o Ministério<strong>da</strong> Saúde apresentou à discussão a Política de Educação Permanente3 (EP).Tratava-se de outra política pública do SUS que veio ao encontro <strong>da</strong> PNH,trazendo princípios e diretrizes de gestão que incluem, necessariamente, aparticipação <strong>dos</strong> trabalhadores e <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de, e propõe uma metodologiacapaz de promover as mu<strong>da</strong>nças no modo de fazer gestão nos serviços deSaúde, permitindo a implementação <strong>da</strong> Humanização <strong>com</strong>o política.172


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoA remodelagem <strong>dos</strong> Comitês para um novo formato, condizente <strong>com</strong>um GTH (Grupo de Trabalho de Humanização), ou seja, um grupo de trabalhotécnico-político <strong>com</strong> <strong>com</strong>petência para a PNH e a EP, pode ser aestratégia para sair <strong>da</strong> crise de identi<strong>da</strong>de e paralisia que discutimos noitem anterior. Vejamos por quê.Depois do PNHAH, vários hospitais decidiram adotar outro modelode grupo para a Humanização. Esses novos GTHs são grupos pequenos,de pessoas <strong>com</strong> tempo de trabalho destinado a essa ativi<strong>da</strong>de, vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>sáreas de gestão, planejamento, quali<strong>da</strong>de, ouvidoria, recursos humanos edesenvolvimento, coordena<strong>dos</strong> por alguém influente e expressivo junto àdiretoria do Hospital. São profissionais de nível superior <strong>da</strong> Saúde, tecnicamente<strong>com</strong>petentes para as áreas cita<strong>da</strong>s e para a articulação <strong>da</strong> PNH<strong>com</strong> a macro-política institucional. Tais grupos são menos rotativos e têmmais credibili<strong>da</strong>de e influência nas decisões <strong>dos</strong> gestores. Alguns deles<strong>com</strong>eçam a trabalhar <strong>com</strong> a EP enquanto metodologia para o DesenvolvimentoInstitucional, outros ain<strong>da</strong> não se apropriaram dela, mas tambémtrabalham na perspectiva do Desenvolvimento.Um <strong>dos</strong> eixos de sustentação <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> Humanização e <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>denos serviços de Saúde presente na PNH2 se refere ao DesenvolvimentoProfissional <strong>dos</strong> trabalhadores, na vertente <strong>da</strong> valorização <strong>dos</strong>trabalhadores e <strong>da</strong> Educação Permanente. Por referência a essas políticaspúblicas do SUS (PNH e EP) e suas consequentes transformações culturais,entende-se <strong>com</strong>o pertinente ao Desenvolvimento Profissional o conjuntode princípios, diretrizes gerais, méto<strong>dos</strong> e processos que, no plano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> um, promove conhecimentos, habili<strong>da</strong>des, atitudes e potenciaiscriativos, e no plano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> institucional, a participação de to<strong>dos</strong> nosprocessos de gestão do trabalho.Inscrita na PNH, mas ain<strong>da</strong> distante <strong>da</strong> maioria <strong>dos</strong> serviços e <strong>dos</strong>próprios Comitês, a Política de Educação Permanente veio a público peloMinistério <strong>da</strong> Saúde quando a PNH já fazia sua história. Se hoje, praticamenteto<strong>dos</strong> os serviços públicos de Saúde conhecem a PNH, pode-se dizero contrário sobre a EP. Pior. Além de não ser conheci<strong>da</strong> <strong>com</strong>o uma políticapública do SUS é confundi<strong>da</strong> <strong>com</strong> Educação Continua<strong>da</strong>...Constante reivindicação <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong> Saúde, a deman<strong>da</strong> por173


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodocapacitação é sempre crescente e as respostas, insuficientes. Da análisecrítica 4 <strong>dos</strong> muitos cursos, treinamentos e capacitações realiza<strong>dos</strong> na redeSUS, constatou-se, primeiro, a inadequação <strong>da</strong> formação profissional àsnecessi<strong>da</strong>des do SUS (que requer a reestruturação <strong>dos</strong> cursos de nível médioe superior), a má distribuição <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des formadoras, a profusão deativi<strong>da</strong>des de capacitação pontuais, desarticula<strong>da</strong>s e fragmenta<strong>da</strong>s, a faltade professores capacita<strong>dos</strong> em metodologias ativas de ensino-aprendizageme sistema de avaliação do ensino que não inclui <strong>com</strong>promissos institucionais<strong>com</strong> o SUS, sustentando-se na titulação de professores.Em resposta 3 , o Conselho Nacional de Saúde, por meio <strong>da</strong> Resoluçãonº 335, de 27 de novembro de 2003, e o Ministério <strong>da</strong> Saúde pela PortariaMS nº 198/GM/MS de 13 de fevereiro de 2004, criaram a Política de EducaçãoPermanente, <strong>com</strong> o objetivo de construir uma política nacional deformação e desenvolvimento para o conjunto <strong>dos</strong> profissionais de Saúde(educação técnica, educação superior, especialização) e produção de conhecimentospara a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s práticas de Saúde, bem <strong>com</strong>o a educaçãopopular para a gestão <strong>da</strong>s políticas públicas de Saúde.Embora a princípio, pareça tratar-se de algo localizado no campo<strong>da</strong> educação em Saúde, a EP articula a formação profissional <strong>com</strong> a organizaçãodo processo de trabalho, a gestão e a participação popular. Destaforma, propõe mu<strong>da</strong>nças estruturais nos serviços de Saúde, a exemplo<strong>da</strong> PNH, <strong>com</strong> a qual <strong>com</strong>partilha muitas semelhanças. Ambas políticasquerem o protagonismo <strong>dos</strong> sujeitos envolvi<strong>dos</strong> nas práticas de Saúde, aparticipação nas decisões e na organização do trabalho, a transparência,o diálogo, a autonomia e a co-responsabili<strong>da</strong>de. A EP também espera envolveras uni<strong>da</strong>des formadoras <strong>com</strong> os princípios do SUS e a construçãode conhecimento útil e relevante à reali<strong>da</strong>de de saúde <strong>da</strong> população e necessi<strong>da</strong>des<strong>dos</strong> serviços.São seus princípios 4 (Tópico Política de Educação Permanente):– “A articulação entre educação e trabalho no SUS;– A produção de processos e práticas de desenvolvimento nos locaisde serviço;– A mu<strong>da</strong>nça nas práticas de formação e de saúde, tendo em vista aintegrali<strong>da</strong>de e humanização;174


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do método– A articulação entre ensino, gestão, atenção e participação populare controle social em Saúde;– A produção de conhecimento para o desenvolvimento <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>depe<strong>da</strong>gógica <strong>dos</strong> serviços e do sistema de Saúde.”Além de propor o ensino que responde a necessi<strong>da</strong>des sociais concretas,a EP estimula a realização de todo processo, desde o diagnóstico desituação, necessi<strong>da</strong>des de to<strong>da</strong>s as ordens, inclusive as educacionais, e arealização <strong>da</strong>s capacitações nos locais de serviço. Parte do pressuposto deque o trabalho 5 na área <strong>da</strong> Saúde não pode ser um simples “executar tarefas”,mas sim um constante pensar (sobre seu processo) e criar (estratégiasque recuperem significa<strong>dos</strong> de vi<strong>da</strong> tanto para os usuários quanto para osprofissionais).Elege <strong>com</strong>o metodologia a Problematização 6 , defini<strong>da</strong> <strong>com</strong>o ummétodo ativo que <strong>com</strong>preende cinco etapas, que se desenvolvem a partir<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de ou de um recorte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de:1. Observação <strong>da</strong> Reali<strong>da</strong>de;2. Pontos-Chave;3. Teorização;4. Hipóteses de Solução;5. Aplicação à Reali<strong>da</strong>de.A prática <strong>da</strong> ro<strong>da</strong> de conversa cria o espaço no qual os problemas detrabalho são discuti<strong>dos</strong> pela equipe, coletando diferentes relatos e informaçõesque permitirão a <strong>com</strong>preensão mais profun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s situações em questão.No pensar coletivo, definem-se os nós críticos ou pontos-chave, busca-seconhecimento e <strong>com</strong>preensão relativos aos mesmos, levantam-se hipótesesde solução e desenham-se planos de ação que, aplica<strong>dos</strong> à reali<strong>da</strong>de produzirãoresulta<strong>dos</strong>. Estes últimos serão avalia<strong>dos</strong> posteriormente, retornandoao ponto inicial do processo, ou seja, a observação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.A solução do problema pode envolver mu<strong>da</strong>nças no processo detrabalho, ou a capacitação para algo. Na ro<strong>da</strong> se definem as necessi<strong>da</strong>des esuas respostas. Na ro<strong>da</strong> se faz gestão participativa e Humanização.No caso estu<strong>da</strong>do e aqui apresentado, observamos que algumas equipestrabalhavam <strong>com</strong> a metodologia <strong>da</strong> EP, enquanto que a maioria nemsequer realizava reuniões regulares. Mesmo quando havia tais reuniões, se175


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoconstituíam em espaços de cobrança e distribuição de tarefas, nas quais ogestor detinha <strong>da</strong> primeira à última palavra (ain<strong>da</strong> que de maneira cordiale até mesmo simpática). Percebemos que a EP se encontrava na condiçãoobserva<strong>da</strong> para a Humanização em seus esboços primevos: manifestaçõesisola<strong>da</strong>s, fragmenta<strong>da</strong>s e circunscritas a espaços limita<strong>dos</strong> nos quais osgestores locais são afina<strong>dos</strong> às suas propostas e méto<strong>dos</strong>.De mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s...Ain<strong>da</strong> estamos longe do que esperamos <strong>da</strong> humanização <strong>da</strong>s práticasde Saúde, mas seria falacioso negar as muitas conquistas obti<strong>da</strong>s aolongo desse caminho.Temos de reconhecer que, apesar do grande avanço que o SUS representapara a Saúde no Brasil, observa-se que a cronificação do modo deoperar o sistema público, a burocratização e os fenômenos que caracterizamsituações de violência institucional estão presentes e requerem açõesurgentes para modificar essa condição. Nesse cenário, as consequênciassobre as pessoas envolvi<strong>da</strong>s no trabalho são graves e acarretam a diminuiçãodo <strong>com</strong>promisso e responsabilização na produção <strong>da</strong> saúde, e odesrespeito aos profissionais <strong>da</strong> Saúde e usuários <strong>dos</strong> nossos serviços.Quando, no ano 2000, o Ministério <strong>da</strong> Saúde lançou o PNHAH (ProgramaNacional de Humanização <strong>da</strong> Assistência Hospitalar), sob responsabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> SES-SP, coordenamos a implantação de Núcleos de Humanizaçãoem 36 hospitais próprios <strong>com</strong> o objetivo de plantar as ideia <strong>da</strong>humanização, fazer diagnósticos situacionais e promover ações humanizadoras,de acordo <strong>com</strong> reali<strong>da</strong>des locais. Em 2003, o Ministério passou oPNHAH por uma revisão e lançou a PNH, Política Nacional de Humanização).Mais abrangente e madura em relação aos problemas que impedemo despertar <strong>da</strong> humanização nos serviços de saúde, a PNH representa umver<strong>da</strong>deiro marco histórico 6 . No mesmo sentido, a Política de EducaçãoPermanente une forças <strong>com</strong> a PNH (suprindo certa carência metodológicadesta no que se refere ao modelo de grupo para sua implantação) aomesmo tempo em que, alia<strong>da</strong> aos princípios <strong>da</strong> Humanização, ganha forçaética, de forma que juntas, EP e PNH talvez tenham maior poder transformador<strong>da</strong>s práticas.176


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoSob diversas leituras é possível perceber que, nos tempos atuais, éimprescindível para o aprimoramento organizacional estimular nas pessoasum <strong>com</strong>portamento de constante aprendizado, capaz de a<strong>com</strong>panhar asmu<strong>da</strong>nças sócio-culturais que caracterizam a socie<strong>da</strong>de contemporânea.Na concepção filosófica 7 de Pierre Levy, trata-se <strong>da</strong> construção de redesde informação que permitem o aproveitamento <strong>da</strong> inteligência coletivana construção de saberes, que se atualizam constantemente em resposta aessas deman<strong>da</strong>s. Na perspectiva de autores liga<strong>dos</strong> à gestão empresarial 8 ,particularmente <strong>da</strong>s empresas priva<strong>da</strong>s, a importância do desenvolvimentoprofissional surge no momento em que o cenário organizacional passa ademan<strong>da</strong>r rápi<strong>da</strong>s transformações e mu<strong>da</strong>nças para se adequar ao ritmo domundo, reformulando missão, estrutura e identi<strong>da</strong>de. Para estes, a organizaçãoatual deve ter <strong>com</strong>o princípio incentivar em to<strong>dos</strong> seus membros,e nela própria, o aprender a aprender constante. No contexto público <strong>da</strong>área <strong>da</strong> Saúde, essa necessi<strong>da</strong>de também se evidencia e pede resposta, <strong>com</strong>a particulari<strong>da</strong>de de que, nesse campo, é essencial a inclusão de um outro“vetor” 5 (ausente, ou pelo menos, não diretamente presente na organizaçãopriva<strong>da</strong>), que diz respeito ao diálogo entre gestão, processos de trabalhoe políticas públicas. Desse diálogo, no plano macroinstitucional, nascea proposta do Departamento de Gestão <strong>da</strong> Educação na Saúde/SGTES/MS 4 ,que é construir uma política nacional de formação e desenvolvimentopara o conjunto <strong>dos</strong> profissionais de Saúde para a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s práticasde Saúde.No universo de ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de liga<strong>da</strong> ao SUS, há que se fazer umatradução dessa política para a reali<strong>da</strong>de local, tendo em vista as particulari<strong>da</strong>desde ca<strong>da</strong> idioma nativo, desafio que, para Merhy, seria algo<strong>com</strong>o uma implicação pe<strong>da</strong>gógica 9 : “Não é possível sustentarmos maisas quase exclusivas visões gerenciais que se posicionam sistematicamentepela noção de que a baixa eficácia <strong>da</strong>s ações de saúde é devi<strong>da</strong> à faltade <strong>com</strong>petência <strong>dos</strong> trabalhadores e que pode ser corrigi<strong>da</strong> à medi<strong>da</strong> quesuprimos, por cursos <strong>com</strong>pensatórios, aquilo que lhes falta. Diante destavisão do problema, estes gestores passam a propor cursinhos à exaustão,que consomem recursos imensos e que não vêm gerando efeitos positivos emu<strong>da</strong>ncistas nas práticas destes profissionais. Óbvio que, aqui, não estou177


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodojogando a criança <strong>com</strong> a água do banho; há treinamentos que são necessáriospara a aquisição de certas técnicas de trabalho, mas isso é pontuale pode ser suprido sem muita dificul<strong>da</strong>de. O que aponto é a necessi<strong>da</strong>de deolharmos de outros mo<strong>dos</strong> explicativos para esta relação em dobra: educaçãoem saúde e trabalho em saúde, na qual é impossível haver separaçãode termos. Um produz o outro.” (p.172)Em seus estu<strong>dos</strong> 5 , Benevides aponta que a principal causa do malestar,angústia e desmotivação corriqueiros no sentir o trabalho pelos profissionaisde Saúde se deve à falta de participação nos processos de gestãode suas próprias tarefas. Na pesquisa de satisfação <strong>com</strong> o trabalho realiza<strong>da</strong>em nosso caso modelo, um <strong>dos</strong> aspectos mais preocupantes aponta<strong>dos</strong><strong>com</strong>o desfavoráveis por mais de 50% <strong>dos</strong> funcionários foi justamente abaixa participação nas decisões sobre seu trabalho...Quer queira, quer não, hoje, a Humanização é uma <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong>desna área <strong>da</strong> Saúde e se apresenta <strong>com</strong>o uma diretriz que deve nortearqualquer ativi<strong>da</strong>de que envolva usuários ou profissionais <strong>da</strong> Saúde, emqualquer instância. Partimos <strong>dos</strong> Comitês, Núcleos ou Grupos de Trabalhode Humanização nos serviços, mas acreditamos que a possibili<strong>da</strong>de depromover atendimentos ver<strong>da</strong>deiramente humaniza<strong>dos</strong> e de valorizar otrabalho profissional na área, requer, necessariamente, a implantação <strong>da</strong>Educação Permanente, garantindo o protagonismo <strong>dos</strong> profissionais <strong>da</strong>Saúde dentro <strong>dos</strong> princípios <strong>da</strong> Humanização.Sabemos que são muito diversas as reali<strong>da</strong>des <strong>dos</strong> serviços em relaçãoa esse tema, mas de alguma forma (surpreendente), mesmo em condiçõesbastante adversas, as sementes desses ideais (transforma<strong>dos</strong> empolíticas) germinam, crescem e frutificam. Mais uma vez, a experiênciaprática certifica que a Humanização, tão bem escrita nos textos, na ver<strong>da</strong>decontinua nas mãos <strong>da</strong>s pessoas.E <strong>com</strong>o diria o poeta Carlos Drummond de Andrade, vamos de mãos<strong>da</strong><strong>da</strong>s 10 ...“Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vi<strong>da</strong> e olho meus <strong>com</strong>panheiros.178


Em busca <strong>da</strong> Humanização <strong>da</strong>s práticas de Saúde: a questão do métodoEstão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considere a enorme reali<strong>da</strong>de.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s.” (p.56)Referências Bibliográficas1. Deslandes, S. F. Humanização, revisitando o conceito a partir <strong>da</strong>scontribuições <strong>da</strong> sociologia médica, em Humanização <strong>dos</strong> Cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> emSaúde, Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2006.2. Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanizaçãodo Ministério <strong>da</strong> Saúde, Brasília, DF, 2004.3. Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saúde. A educação permanente entra na ro<strong>da</strong>: pólosde educação permanente em saúde, Brasília, DF, 2005. Disponível em:.Acesso em: 24/06/2008.4. Brasil, Ministério <strong>da</strong> Saúde. SUS de A a Z, Brasília, DF, 2004. Disponívelem: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz . Acesso em 25/11/2008.5. Benevides, R., Barros, M.E.B. Da dor ao prazer no trabalho. Disponívelem http://www.unifesp.br/reitoria/pqv/textobethbarros<strong>da</strong>doraoPrazer.PDFacesso 03/11/2008.6. Berbel, N. “Problematization” and Problem-Based Learning: differentwords or different ways? Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v.2,n.2, 1998.7. Levy, P .Cybercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. 264 pp.8. Goldsmith, M. & cols, Coaching - O Exercício <strong>da</strong> Liderança – EdCampus, Rio de Janeiro, 2003.9. Merhy, E. E. O desafio que a educação permanente tem em si: a pe<strong>da</strong>gogia<strong>da</strong> implicação – Interface, Rev. Comunic, Saúde, Educ, v.9, n.16,p.161-77, set.2004/fev.2005.10. Andrade, C. D. Sentimento do Mundo. São Paulo, Editora Record,2001, 117p.179


CAMINHOS DAHUMANIZAÇÃONA SAÚDEPRÁTICA E REFLEXÃO


Comitê Humaniza HC FMUSP:valorização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niaObjetivos:• Ferramenta de gestão para melhorar a quali<strong>da</strong>de e a efi cácia <strong>da</strong> atenção dispensa<strong>da</strong> aos usuários do HCFMUSP;• Conceber e implantar novas iniciativas de humanização que venham benefi ciar os usuários e os profi ssionaisde saúde;• Desenvolver um conjunto de indicadores de resulta<strong>dos</strong> e sistema de incentivo ao tratamento humanizado;• Modernizar as relações de trabalho, tornando as Uni<strong>da</strong>des mais harmônicas, <strong>com</strong> profi ssionais prepara<strong>dos</strong> paraa humanização no cui<strong>da</strong>do.Equipe Coordenadora do Humaniza HC:Profa. Dra. Linamara Rizzo Battistella, Dra. Valéria Pereira de Souza, Dr. Fábio Pacheco Muniz de Souza e Castro,Dra. Polyanna Costa Lucin<strong>da</strong> e Dra Izabel Cristina Rios constituem o GRUPO DE TRABALHO COMITÊ DE HU-MANIZAÇÃO <strong>da</strong> Comissão de Bioética do Hospital <strong>da</strong>s Clínicas <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de deSão Paulo – Comitê HUMANIZA HC.Informações: http://www.hcnet.usp.br/humaniza/A Fun<strong>da</strong>ção Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (FMUSP) também mantém umoutro projeto, em parceria <strong>com</strong> as <strong>Secretaria</strong>s de Estado <strong>da</strong> Saúde e <strong>dos</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>da</strong> <strong>Pessoa</strong> <strong>com</strong>Defi ciência, voltado à humanização <strong>da</strong> saúde: a Rede de Reabilitação Lucy Montoro.• Conta <strong>com</strong> uma Uni<strong>da</strong>de Móvel de Reabilitação e uni<strong>da</strong>des fi xas de hospitais e centros de reabilitação, nacapital e em diversas ci<strong>da</strong>des do Estado de São Paulo.• Viagens <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de Móvel pelo estado para fornecimento de órteses, próteses e meios de lo<strong>com</strong>oção apessoas <strong>com</strong> defi ciência, onde não haja uni<strong>da</strong>de fi xa.• Investimento de R$ 52 milhões na construção e ampliação <strong>da</strong>s primeiras uni<strong>da</strong>des fi xas e funcionamento até 2010.• Capaci<strong>da</strong>de de 100 mil atendimentos mensais.

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