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Pernambuco Vivo 2

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Uma felicidade espontânea ilumina o rosto de dona Juracy Simões a<br />

cada quinze dias. Numa cadeira no alpendre da casa onde nasceu e<br />

vive, no coração da Bombado Hemetério, observa as evoluções das muitas<br />

crianças, jovens e alguns curiosos de fora da comunidade no treino do<br />

caboclinho Canindé. “Nasci em Canindé, cresci com Canindé. Canindé é<br />

minha vida, minha herança”, diz ela, o sorriso involuntário aumentado no<br />

rosto a cada vez que pronuncia o nome da agremiação.<br />

Com 116 anos de história, o Canindé é o mais antigo caboclinho de<br />

<strong>Pernambuco</strong> em atividade – e, portanto, do mundo. Na casa, vida e entidade<br />

se misturam. Num quarto ao lado da cozinha da casa ampla, a imagem<br />

de papel machê e fibra de vidro repousa a maior parte do ano em meio às<br />

fantasias e alegorias. Só sai para os desfiles ou, de quando em quando,para<br />

os rituais espirituais de homenagem e agradecimento.<br />

A escultura, afinal, simboliza a entidade transcendente de um caboclo<br />

consagrado pela jurema sagrada, uma manifestação religiosa tipicamente<br />

brasileira que funde práticas do candomblé africano ao kardecismo e aoxamanismo<br />

indígena – para alguns, a mais antiga<br />

religião do Brasil. “Canindé tem força e nos<br />

protege”, diz dona Juracy, também zeladora espiritual<br />

da agremiação. Brincadeira e religiosidade<br />

unidas, os caboclos mais respeitosos costumam<br />

frequentar os terreiros de Jurema para saudar e<br />

honrar a divindade tratada como Rei Canindé.<br />

Durante os ensaios, o som dos cultos evangélicos<br />

de domingo na comunidade são abafados pela<br />

música hipnótica, mântrica e harmônica do caboclinho.<br />

A gaita conferindo melodia à marcação do<br />

tarol e do também percussivo caracaxá. São eles<br />

Washington Guedes,<br />

Juracy e Nana<br />

que conduzem os passos do cortejo relativamente<br />

simples, vestido de penas em alusão à ascendência indígena: porta-bandeira,<br />

caciques, puxantes, batedores de flechas, tapuias, curumins, rei e rainha.<br />

Segundo uma apostila que o próprio grupo elaborou para repassar aos<br />

membros sua história centenária, Canindé foi fundado pelos estivadores<br />

Elesbão e Eduardo, na Rua das Crianças, não na Bomba, mas em Afogados,<br />

no distante março de 1897. No princípio, era formado unicamente por crianças.<br />

Adolescente do grupo, Manoel Rufino, antigo rei de outro caboclinho,<br />

recebeu dos fundadores a missão de assumir e manter a tribo.<br />

Além de organizar o grupo, promoveu, dentre outras inovações, a presença<br />

de adultos no cortejo. Em princípios do século passado, Rufino se mudou<br />

com a Tribo Canindé para a Bomba do Hemetério. Mas nem tudo era<br />

harmonia. Como estivesse desrespeitando ou negligenciando princípios sagrados<br />

do caboclinho, Rufino começou a receber críticas sucessivas até sua<br />

expulsão, por parte de outros dirigentes, na década de 1950. Os principais<br />

descontentes com a atuação de Rufino eram os próprios irmãos, Severino e

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