27.07.2016 Views

Pernambuco Vivo 2

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

desse tempo, o conselho superior – formado por<br />

juízes (ou conselheiros, anjos da guarda, protetoras,<br />

guias) da bandeira, da rainha, do rei e dos<br />

espadachins, e pelas próprias majestades– decide<br />

se abre ou não a “porta do céu” da confraria para<br />

aquele cristão.<br />

A TRINDADE LANCEIRA<br />

Na aspereza da geografia sertaneja, no passado<br />

Imagem de Nossa<br />

Senhora do Rosário<br />

dos Homens Pretos<br />

guardada na sede<br />

da Confraria<br />

acre da escravidão, o canto dos negros que trabalhavam<br />

nas grandes fazendas da região aos poucos foi domesticado pela<br />

catequese. Nas terras das propriedades Curralinho, Paus Pretos e Fazenda<br />

Grande, às margens dos rios Pajeú e São Francisco, surgiu a povoação de<br />

Floresta. Na segunda metade do século 18, o chão rachado daquele Sertão<br />

guardava, temporariamente, o gado que vinha da Bahia para abastecer os<br />

engenhos de açúcar pernambucanos. Os negros trazidos do Congo aravam<br />

o solo e cuidavam dos bichos.<br />

Das senzalas vinham orações. No único dia livre do ano, os escravizados<br />

louvavam a liberdade agradecendo à Virgem Maria. O primeiro registro<br />

oficial da procissão data de 1792, mas a devoção deve ter começado antes.<br />

É madrugada ainda, no dia 31 de dezembro, quando os confrades saem<br />

às ruas em cortejo. O rei vai buscar a rainha. Os espadachins abrem o caminho,<br />

riscando as espadas no chão, tirando faísca do atrito. Os fiéis aplaudem,<br />

acompanham o itinerário com fanfarras. No final, todos se confraternizam<br />

ao som de maracatu e frevo. Todo mundo quer tocar no manto<br />

da realeza. “A roupa abençoa quem a toca”, dizemos que creem. Foi assim<br />

que Dona Ursulina, 64 anos, obteve uma graça.<br />

Nós, negros,<br />

botamos<br />

muito luxo. (...) É<br />

a tradição: muito<br />

brinco e leque.”<br />

Dona Ursulina, “juíza da rainha<br />

“Faz 20 anos. Meu irmão foi para o Recife e, no<br />

caminho, sofreu um acidente. O carro capotou e faltou<br />

um milímetro para ele não ser degolado pelas<br />

ferragens”, lembra. Ursulina se ajoelhou. Rezou o<br />

terço e pediu a intercessão da mãe de Cristo. “Se<br />

meu irmão sobrevivesse, eu seria rainha. E ele ficou<br />

bom.” A gratidão foi recompensada com um vestido<br />

lindo, daqueles vistos nas revistas de moda, cheio<br />

de pequenos espelhos e lantejoulas, reluzindo o brilho do sol – que parece<br />

mais perto daquela gente do que da gente de qualquer outro lugar. Ursulina,<br />

hoje juíza da rainha, é também um catálogo ambulante de quase todas as<br />

promessas dos outros. Lembra-se de tudo.<br />

A história de Rosa Ferraz, por exemplo, Ursulina sabe de cor e salteado.<br />

Já faz tempo, a moça rica estudava no Recife e queria ser médica. Pediu<br />

para que Nossa Senhora a ajudasse a passar no vestibular. Aprovada, a<br />

futura doutora prometeu ser rainha por um ano. Rosa fez o oposto dos

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!