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Junho/2015 - Revista VOi 120

Grupo Jota Comunicação

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• HISTÓRIAS<br />

H ISTÓRIAS<br />

cURITIBANAS<br />

O encontro inesperado<br />

Francisco gostava de fotografar<br />

pessoas em pontos turísticos.<br />

Ele acreditava que neles<br />

as expressões eram diferentes.<br />

O rapaz era amador, como<br />

bagagem tinha uma câmera e<br />

duas lentes, além de um curso<br />

de fotografia não concluído.<br />

Em uma pequena mochila<br />

levava os equipamentos, um<br />

caderno e uma caneta, pois<br />

gostava de descrever as imagens.<br />

Naquele sábado, decidiu<br />

ir para a Torre Panorâmica de<br />

Curitiba, lugar que visitou com<br />

muita frequência durante a infância. Lá ele tentava encontrar<br />

os diversos prédios e casas em que morou. Filho de pais<br />

divorciados, mudou-se várias vezes em seus vinte anos.<br />

Estacionou a moto e seguiu para o local. Tirou alguns<br />

trocados do bolso para pagar a entrada e, então, percebeu<br />

uma mulher de cabelos brancos, óculos escuros, vestido<br />

cor de rosa longo e bengala branca tentando encontrar a<br />

porta de um dos elevadores. Ele apertou um dos botões e,<br />

então, as portas foram abertas. A senhora sorriu e entrou.<br />

O rapaz fez o mesmo. Em poucos segundos ambos estavam<br />

no alto da torre. Ele seguiu para esquerda, ela para a direita.<br />

Francisco retirou a câmera e uma das lentes da mochila.<br />

Sentou em um dos bancos e começou a pensar em quem<br />

poderia fotografar. Algumas crianças corriam pelo salão<br />

gritando “papai, encontrei o nosso prédio”. O rapaz riu e<br />

anotou no caderno. Francisco não pedia permissão, mas<br />

também não publicava as imagens. Aquele era um arquivo<br />

secreto, um diário. O mundo que só ele tinha acesso.<br />

Então viu uma mulher chorando enquanto olhava para<br />

a cidade. “A moça que chora”, anotou. Ele raramente<br />

conversava com os personagens, mas, dessa vez, precisava<br />

saber o que havia acontecido. Primeiro tirou a foto e após<br />

o clique, o rapaz se apresentou e perguntou o motivo do<br />

choro. Ela, sem se importar, contou que a avó tinha falecido<br />

há alguns dias e que estava ali<br />

porque a Torre era o ponto de<br />

encontro das duas.<br />

Os dois se despediram e<br />

enquanto anotava sobre Carolina<br />

em seu caderno, sentiu que<br />

algo cutucava sua perna direita.<br />

Olhou para trás e viu a senhora<br />

da bengala branca. Madalena,<br />

ela se apresentou. Ele, ainda<br />

confuso, respondeu: “Francisco!”.<br />

A mulher perguntou pela<br />

moça com quem o rapaz havia<br />

falado e em seguida começou<br />

um longo discurso: “Francisco,<br />

meu querido, tenho 70 anos. Não enxergo com o olho<br />

direito, mas ainda tenho 50% do esquerdo. Percebi o que<br />

você fez. Não se assuste. Fazia o mesmo quando era mais<br />

nova, só que sem a câmera. Mas sabe qual é o problema?<br />

Aquele era um meio que encontrei para colher todas as<br />

emoções que não sentia. Era sozinha. Meu diário era tudo”.<br />

Atônito Francisco não sabia o que dizer.<br />

- Você parece ser pior do que eu. A vida pode não<br />

mais trazer para você uma nova Carolina -, indagou dona<br />

Madalena.<br />

O rapaz disse encabulado e como um típico curitibano,<br />

que não era o momento.<br />

- Francisco, o que levo dessa vida é meu tempo perdido.<br />

A cegueira é, no fundo, opcional. Abra seus olhos e<br />

seu coração -, sugeriu a senhora.<br />

Quando estava próxima do elevador, Carolina foi<br />

chamada por Madalena, e disse: “senhorita, você é quem<br />

fotografou o coração desse rapaz?”<br />

Francisco não sabia o que falar, Carolina riu discretamente.<br />

Encorajado por dona Madalena, Francisco fez o<br />

convite: “Quer tirar outra foto?”, Carolina simplesmente<br />

sorriu e aceitou. Desde então o casal nunca mais se separou<br />

e quando pensam em passear a Torre Panorâmica é o lugar<br />

preferido. Afinal, foi ali que tudo começou.<br />

Por: Uliane Tatit / Ilustração: Fernanda Domingues<br />

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