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• HISTÓRIAS<br />
H ISTÓRIAS<br />
cURITIBANAS<br />
O encontro inesperado<br />
Francisco gostava de fotografar<br />
pessoas em pontos turísticos.<br />
Ele acreditava que neles<br />
as expressões eram diferentes.<br />
O rapaz era amador, como<br />
bagagem tinha uma câmera e<br />
duas lentes, além de um curso<br />
de fotografia não concluído.<br />
Em uma pequena mochila<br />
levava os equipamentos, um<br />
caderno e uma caneta, pois<br />
gostava de descrever as imagens.<br />
Naquele sábado, decidiu<br />
ir para a Torre Panorâmica de<br />
Curitiba, lugar que visitou com<br />
muita frequência durante a infância. Lá ele tentava encontrar<br />
os diversos prédios e casas em que morou. Filho de pais<br />
divorciados, mudou-se várias vezes em seus vinte anos.<br />
Estacionou a moto e seguiu para o local. Tirou alguns<br />
trocados do bolso para pagar a entrada e, então, percebeu<br />
uma mulher de cabelos brancos, óculos escuros, vestido<br />
cor de rosa longo e bengala branca tentando encontrar a<br />
porta de um dos elevadores. Ele apertou um dos botões e,<br />
então, as portas foram abertas. A senhora sorriu e entrou.<br />
O rapaz fez o mesmo. Em poucos segundos ambos estavam<br />
no alto da torre. Ele seguiu para esquerda, ela para a direita.<br />
Francisco retirou a câmera e uma das lentes da mochila.<br />
Sentou em um dos bancos e começou a pensar em quem<br />
poderia fotografar. Algumas crianças corriam pelo salão<br />
gritando “papai, encontrei o nosso prédio”. O rapaz riu e<br />
anotou no caderno. Francisco não pedia permissão, mas<br />
também não publicava as imagens. Aquele era um arquivo<br />
secreto, um diário. O mundo que só ele tinha acesso.<br />
Então viu uma mulher chorando enquanto olhava para<br />
a cidade. “A moça que chora”, anotou. Ele raramente<br />
conversava com os personagens, mas, dessa vez, precisava<br />
saber o que havia acontecido. Primeiro tirou a foto e após<br />
o clique, o rapaz se apresentou e perguntou o motivo do<br />
choro. Ela, sem se importar, contou que a avó tinha falecido<br />
há alguns dias e que estava ali<br />
porque a Torre era o ponto de<br />
encontro das duas.<br />
Os dois se despediram e<br />
enquanto anotava sobre Carolina<br />
em seu caderno, sentiu que<br />
algo cutucava sua perna direita.<br />
Olhou para trás e viu a senhora<br />
da bengala branca. Madalena,<br />
ela se apresentou. Ele, ainda<br />
confuso, respondeu: “Francisco!”.<br />
A mulher perguntou pela<br />
moça com quem o rapaz havia<br />
falado e em seguida começou<br />
um longo discurso: “Francisco,<br />
meu querido, tenho 70 anos. Não enxergo com o olho<br />
direito, mas ainda tenho 50% do esquerdo. Percebi o que<br />
você fez. Não se assuste. Fazia o mesmo quando era mais<br />
nova, só que sem a câmera. Mas sabe qual é o problema?<br />
Aquele era um meio que encontrei para colher todas as<br />
emoções que não sentia. Era sozinha. Meu diário era tudo”.<br />
Atônito Francisco não sabia o que dizer.<br />
- Você parece ser pior do que eu. A vida pode não<br />
mais trazer para você uma nova Carolina -, indagou dona<br />
Madalena.<br />
O rapaz disse encabulado e como um típico curitibano,<br />
que não era o momento.<br />
- Francisco, o que levo dessa vida é meu tempo perdido.<br />
A cegueira é, no fundo, opcional. Abra seus olhos e<br />
seu coração -, sugeriu a senhora.<br />
Quando estava próxima do elevador, Carolina foi<br />
chamada por Madalena, e disse: “senhorita, você é quem<br />
fotografou o coração desse rapaz?”<br />
Francisco não sabia o que falar, Carolina riu discretamente.<br />
Encorajado por dona Madalena, Francisco fez o<br />
convite: “Quer tirar outra foto?”, Carolina simplesmente<br />
sorriu e aceitou. Desde então o casal nunca mais se separou<br />
e quando pensam em passear a Torre Panorâmica é o lugar<br />
preferido. Afinal, foi ali que tudo começou.<br />
Por: Uliane Tatit / Ilustração: Fernanda Domingues<br />
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