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Novembro/2017 - Revista VOi 147

Grupo Jota Comunicação

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• HISTÓRIAS<br />

H ISTÓRIAS<br />

cURITIBANAS<br />

A Rua XV e seus sabores<br />

A XV, a época a Rua da<br />

Flores, foi o meu ambiente afetivo<br />

por excelência em Curitiba<br />

após mudar para cá, em 1979.<br />

Caminhava diariamente entre<br />

os pensionatos que morava e<br />

os locais de estudo. Com tempo<br />

habituei-me a frequentar<br />

livrarias, sebos, restaurantes,<br />

confeitarias, bares e cinemas<br />

das imediações. Alguns destes<br />

lugares, hoje, são clássicos e até<br />

mitológicos.<br />

Eu praticava as artes do flanar<br />

e do urbenauta, embora desconhecesse estes termos à<br />

época. Caminhava observando o entorno, reparando em<br />

personagem e explorando lugares. O flanar instituído como<br />

conceito por Baudelaire, faz referencias às caminhadas<br />

como anônimo entre as multidões pelas vias urbanas.<br />

Urbenauta é o termo de Eduardo Fenianos para as ações<br />

de exploração do espaço urbano. Eu me fiz um mapeador<br />

de lugares: casas de comidas; lojas de artigos de cozinha<br />

e de ferramentas; vendas de especiarias; locais de serviços<br />

de reparos de equipamentos. Estas últimas, infelizmente,<br />

foram reduzidas a raridades com a era do gadget digitais<br />

e descartáveis, uma erosão de raros patrimônios imateriais<br />

de qualificações e conhecimentos.<br />

Flanando ou como urbenauta despretensioso, colecionava<br />

do centro da cidade certas identidades. Como a<br />

vendedora de bilhetes de loteria, os pedintes, os violeiros e<br />

acordeonistas cegos que quase sempre cantavam musicas<br />

caipira. Posso descrever, de pronto, diversos deles. Alguns<br />

acompanhei os sinais dos tempos como o avançar dos seus<br />

cabelos grisalhos ao longo dos anos. Outro pedinte, com<br />

diversas deficiências, vi recentemente próximo ao Instituto<br />

Histórico, nas imediações da Praça Carlos Gomes, quase<br />

tive a impressão que ele cumprimentou por me reconhecer.<br />

A caminhada matinal, para o cursinho, dos primeiros<br />

anos em Curitiba, era sob a nevoa e temperaturas próximas<br />

de zero grau, como teimava em registrar o termômetro digital<br />

da Boca Maldita. Após a aula, um raro sol generoso do<br />

pós meio-dia, permitia uma agradável<br />

caminhada para explorar restaurantes<br />

populares mas bons para o paladar.<br />

Lembro, com saudades do restaurante<br />

chinês que fazia um excepcional<br />

macarrão frito com molho picante<br />

na Galeria Lustosa. Só comi algo digno<br />

de comparação anos depois em<br />

um pequeno restaurante familiar de<br />

imigrantes de Taiwan no Bairro da<br />

Liberdade em São Paulo.<br />

A minha lista de favoritos não<br />

deve ser diferente da maioria dos<br />

curitibanos que frequentavam o centro<br />

da cidade. O sanduíche de pernil com verde; a empada<br />

do Caruso; a coalhada da Schaffer; a bomba de creme da<br />

quase vizinha, a Confeitaria das Famílias; a carne de onça<br />

do Stuart; o X-Montanha da Montesquieu; o Mumu Chorão<br />

do Billy; a Banana Splitz da Lancaster; a pizza de massa de<br />

pão da Padaria Itália; aquela espécie de sonho de banana<br />

da Lusitana; o leite queimado daquela padaria na Augusto<br />

Stellfeld que depois cedeu o ponto para o lendário Lino’s<br />

Bar, local de encontro dos punks e outros undergrounds.<br />

Alguns outros lugares e sabores, infelizmente, se perderam<br />

no tempo e da memória.<br />

Hoje acordei com saudades do Bariloche da Confeitaria<br />

Suíça quando era na rua Cruz Machado perto da<br />

antiga Sinagoga. Um pote de cerâmica que saía do forno<br />

coberto por suspiro tostado. Sob o suspiro generosas bolas<br />

de soverte sobre fatias de pão de ló. O suspiro e o sorvete<br />

misturavam-se com o agitar do talher. O doce impactante<br />

do suspiro era mesclado aos sabores mais neutros, e às<br />

vezes, ácidos dos sorvetes. Ao final o pão de ló encharcado<br />

pelos caldos dos sorvetes e do suspiro constituindo uma<br />

preciosidade sem igual. Era preciso quase meia hora para<br />

degustar a iguaria.<br />

As referências especiais da Rua XV e suas imediações<br />

são, em mim, um amalgama de personagens, lugares e sabores.<br />

As memórias afetivas nos dão prazeres únicos e nos<br />

fazem crentes de felicidades no futuro, mesmo que incerto.<br />

Texto: Marcos Cordiolli, especial para a <strong>VOi</strong> / Ilustração: divulgação<br />

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