08.12.2017 Views

edição de 5 de dezembro de 2016

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

STORYTELLER<br />

Marina Cota<br />

Brioco, banco e Uber<br />

Meu impulso <strong>de</strong> contar a história é muito forte<br />

LuLa Vieira<br />

Hoje vou contar pra vocês como Alicia<br />

Osborne, diretora <strong>de</strong> arte da Contemporânea,<br />

teve seu primeiro contato com o<br />

brioco. Calma! Jamais um rapaz razoavelmente<br />

bem-educado como eu, quase tão<br />

ético como – digamos – o Stalimir Vieira,<br />

iria botar no papel qualquer fato que pu<strong>de</strong>sse<br />

trazer algum constrangimento a<br />

quem quer que seja. Muito menos a essa<br />

gracinha <strong>de</strong> pessoa e <strong>de</strong> profissional que é a<br />

Alicia. Mas meu impulso <strong>de</strong> contar a história<br />

é muito forte, ainda mais porque soube<br />

<strong>de</strong>la através <strong>de</strong> dois reconhecidos maus-<br />

-caracteres, que não me pediram segredo:<br />

José Guilherme Vereza e João Bosco. Posso<br />

começar? Lá vai.<br />

Alicia Osborne trabalhava há pouco tempo<br />

na agência, recém-saída da faculda<strong>de</strong>, e<br />

não estava totalmente familiarizada com o<br />

vasto vocabulário fescenino utilizado por<br />

certos ambientes, como agências <strong>de</strong> propaganda,<br />

redação <strong>de</strong> jornais e – parlamentos.<br />

Se bem que nossos parlamentares falam<br />

obscenida<strong>de</strong>s e fazem mais ainda, o que é<br />

um pouco pior. Exatamente ao contrário<br />

dos publicitários, especialistas em sexo<br />

oral, ou seja, mais teóricos do que práticos.<br />

Digressiono? Perdão. Retorno ao caso.<br />

Alicia estava criando marcas para um<br />

cliente e as fez aos borbotões, tão boas e<br />

a<strong>de</strong>quadas que a agência achou melhor<br />

mostrá-las todas ao cliente, para que ele<br />

ajudasse a escolher. O Felipe Rodrigues,<br />

dupla da Alicia, batizou cada uma <strong>de</strong>las<br />

como se fossem obras <strong>de</strong> arte (e <strong>de</strong> certa<br />

forma eram): Mo<strong>de</strong>rna, Clássica, Figurativa,<br />

Abstrata e assim por diante. No dia da<br />

apresentação, sala <strong>de</strong> reunião lotada, Alicia<br />

ia mostrando cada marca e dando algumas<br />

explicações sobre seu partido gráfico, sem<br />

se esquecer <strong>de</strong> mencionar o nome fantasia,<br />

para melhor i<strong>de</strong>ntificação. Ela ia pegando<br />

as cartelas, uma a uma, falava, lia o nome<br />

escrito no verso e colocava na estante, ao<br />

longo da pare<strong>de</strong>. Uma galeria <strong>de</strong> belas criações.<br />

Até que chegou a vez <strong>de</strong> uma marca<br />

cujo grafismo dominante era um círculo<br />

vermelho, cercado por uma espécie <strong>de</strong><br />

halo. Um belo trabalho, bastante a<strong>de</strong>quado<br />

para o que se tratava. E atrás da cartela<br />

o nome fantasia criado pelo Felipe para<br />

aquela marca: Brioco. Alicia, inocente, falou<br />

das qualida<strong>de</strong>s do <strong>de</strong>senho, explicou<br />

sua personalida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quação, leu alto o<br />

nome, que lhe soou como uma espécie <strong>de</strong><br />

pão (talvez por lembrar brioche), e ainda<br />

ressaltou que aquela era a forma gráfica <strong>de</strong><br />

maior atração para o olho. Fazia o maior<br />

sentido para Alicia, pensando em círculos<br />

abstratos, e para a plateia, pensando em<br />

brioco mesmo.<br />

O que os clientes não estavam enten<strong>de</strong>ndo<br />

era a fixação <strong>de</strong> uma moça tão distinta<br />

naquela parte da anatomia. Nem a<br />

Alicia entendia as risadas da galera. Após<br />

<strong>de</strong>moradas confabulações, os clientes <strong>de</strong>cidiram-se<br />

por aprovar exatamente o brioco.<br />

Uma <strong>de</strong>cisão profissional e séria, mas<br />

tomada entre sorrisos e ironias. Alicia, na<br />

maior inocência, achava que todo mundo<br />

era meio bobo, mas ao menos a marca estava<br />

aprovada. Custou algum tempo e algumas<br />

explicações para ela <strong>de</strong>scobrir – morta<br />

<strong>de</strong> vergonha – que, enquanto falava <strong>de</strong><br />

marcas e símbolos, sua audiência pensava<br />

em besteira. Faltou muito pouco para ela,<br />

já dominando o significado da palavra, não<br />

mandar o Felipe utilizar-se <strong>de</strong> forma inortodoxa<br />

o brioco lá <strong>de</strong>le.<br />

PS. No bar aqui embaixo <strong>de</strong> meu escritório,<br />

o Amarelinho, reúnem-se alguns velhos<br />

sindicalistas, meio aposentados, para<br />

beber e conversar. As histórias que eles<br />

contam são fascinantes e jamais as li em<br />

jornais ou blogs com algumas das conclusões<br />

que chegam a respeito do mundo da<br />

política. Ontem um <strong>de</strong>les garantiu que a<br />

greve dos bancários, que durou quase um<br />

mês, foi inteiramente criada, financiada e<br />

organizada pelos banqueiros. Segundo ele,<br />

com as agências bancárias fechadas, eles<br />

obrigaram, sem traumas, que milhões <strong>de</strong><br />

pessoas, principalmente os mais velhos,<br />

apren<strong>de</strong>ssem a lidar com suas contas pelos<br />

meios digitais. Acabada a greve, começaram<br />

a fechar agências. Parece meio teoria<br />

da conspiração, papo <strong>de</strong> botequim. Mas<br />

não é que tem lá sua lógica? Semana que<br />

vem conto a teoria do Uber, também tema<br />

<strong>de</strong> uma conversa <strong>de</strong>ssas. Como eu digo, às<br />

vezes bar é melhor que a aca<strong>de</strong>mia.<br />

Lula Vieira é publicitário, diretor da<br />

Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação,<br />

radialista, escritor, editor e professor<br />

lulavieira@grupomesa.com.br<br />

38 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> <strong>2016</strong> - jornal propmark

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!