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Revista Curinga Edição 15

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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A mochila está nas costas e o<br />

berimbau permanece entre os dedos. É<br />

possível perceber algumas pessoas vestindo<br />

calça branca e segurando instrumentos<br />

como pandeiro e agogô. O cenário é o<br />

da ação do grupo Oxalufã, que pratica a<br />

capoeira, na praça Gomes Freire, em Mariana,<br />

Minas Gerais. O som do gunga indica<br />

que a rodada de gingado irá começar<br />

a qualquer momento. Progressivamente<br />

dezenas de pessoas vão se rendendo ao<br />

encanto da melodia e formando uma<br />

roda de espectadores em volta do grupo.<br />

O professor Damião Cosmi Leonel, 54<br />

anos, lembra que antes de ser aplaudido<br />

e elogiado pelas pessoas por causa do trabalho<br />

que desenvolve na capoeira, já sofreu<br />

repressão social e racial. Relata, ainda,<br />

que em determinadas instâncias foi<br />

até perseguido pela polícia por conta da<br />

dedicação ao ofício. Para ele, muitos indivíduos<br />

ainda persistem em não aceitar a<br />

capoeira como uma prática cultural, livre<br />

dos preconceitos e da marginalidade.<br />

Ser capoeirista<br />

A capoeira surgiu no século XVI. Segundo<br />

o pesquisador Matthias Röhring<br />

Assunção, que leciona história na University<br />

of Essex, ela originou-se na África<br />

e veio para o Brasil através dos navios<br />

negreiros. Baseada em tradicionais danças<br />

e ritmos africanos, a capoeira é uma<br />

mistura de esporte, luta e brincadeiras.<br />

Ela pode dividir-se em duas vertentes. A<br />

primeira é a capoeira Angola, cujo o estilo<br />

se aproxima de suas raízes e a principal<br />

característica são os movimentos lentos.<br />

O segundo segmento é caracterizado pela<br />

capoeira Regional, que incorpora golpes<br />

contemporâneos, acompanhados por movimentos<br />

rápidos.<br />

O mestre Aloísio Augusto, de 43 anos,<br />

trabalha como professor de capoeira há<br />

mais de 30 anos. Ele conta que se encantou<br />

pelo gingado quando ainda era<br />

criança, “desde pequeno eu gostava de<br />

observar a roda de capoeira, não demorei<br />

muito para começar a praticar e logo<br />

em seguida tive a certeza que era isto que<br />

gostaria de fazer”, lembra. Aloísio explica<br />

que a capoeira é um oficio sério e para se<br />

tornar mestre as pessoas devem se dedicar.<br />

Como o mestre Damião, Aloísio ressalta<br />

que ainda há resistência das pessoas<br />

em acolher a capoeira como profissão:<br />

“muitos nem sabem do percurso que caminhamos<br />

e acabam fazendo interpretações<br />

erradas sobre nós”.<br />

Conflitos e perspectivas<br />

A capoeirista Mara Silva, 38 anos, frequenta<br />

o grupo Oxalufã há cerca de dois<br />

meses. Para ela ainda há persistência da<br />

sociedade em não concordar que mulheres<br />

também podem praticar a capoeira,<br />

por ser uma manifestação artística que<br />

utiliza movimentos de luta. Mara completa<br />

dizendo que “a capoeira ainda é mal<br />

interpretada pela sociedade. As pessoas<br />

só conhecem superficialmente, elas precisam<br />

entender a verdadeira filosofia que<br />

propagamos. Muitos acham que a roda é<br />

um ambiente perigoso para as mulheres”.<br />

O mestre Damião relembra as dificuldades<br />

que sofreu quando chegou em<br />

Mariana para trabalhar como capoeirista.<br />

Segundo ele, houve muita dificuldade em<br />

aceitar a capoeira como uma modalidade<br />

de arte. A polícia foi uma das principais<br />

repressoras, muitos diziam que “nós estávamos<br />

trazendo a marginalidade para<br />

o município”, relata. O mestre Damião<br />

ainda enfatiza que muitas pessoas não<br />

aprovam a capoeira por não conseguirem<br />

distinguir da religião.<br />

A capoeira vai além do que uma simples<br />

atividade física. Ela é um dos componentes<br />

que definem a identidade brasileira.<br />

No dia 26 de novembro de 2014,<br />

a Organização das Nações Unidas para<br />

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO),<br />

reconheceu a capoeira como Patrimônio<br />

Imaterial da Humanidade. Isso reforça a<br />

importância desta arte para a sociedade.<br />

Mesmo diante de todas as dificuldades<br />

e resistência, o jovem capoeirista de 21<br />

anos, Denis Patrick Vieira, enxerga o futuro<br />

da capoeira com otimismo. Segundo<br />

ele, a globalização e o fácil acesso da informação<br />

está ajudando as pessoas a entenderem<br />

o verdadeiro sentido desta arte:<br />

“os valores culturais não estão ligados<br />

especificamente na performance do gingado,<br />

eles estão incorporados na música,<br />

nos trajes, nos instrumentos e no comportamento.”<br />

TexTO : MATheus MAriTAn<br />

FOTO: AprígiO vilAnOvA<br />

ArTe: isÂniA silvA sAnTOs<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>15</strong><br />

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