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Revista Apólice #224

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comunicação e expressão<br />

por J. B. Oliveira*<br />

Grama: no jardim ou na balança?<br />

As pessoas atentas às regras gramaticais já sacaram a<br />

que essa pergunta se refere. É ao GÊNERO de algumas palavras<br />

de nossa “última flor do Lácio, inculta e bela”: a rica,<br />

versátil e bela língua portuguesa. A palavra GRAMA, em<br />

relação ao jardim – e com o sentido de relva, erva, capim – é<br />

FEMININA. Vem do substantivo latino Gramen, graminis<br />

e classifica uma planta poácea rizomatosa de folhas glaucas<br />

(caprichei!). A ela se aplica o ditado popular “A grama do<br />

vizinho é mais verde”!<br />

Já em relação à balança, e significando uma unidade<br />

de medida de massa equivalente à milésima parte do quilograma,<br />

a palavra é MASCULINA! Sua origem é o termo<br />

grego Grámma, grammatos. Então se nos referimos a peso,<br />

a forma correta é o masculino. Por isso, não devo pedir<br />

“Duzentas gramas de mortandela”, mas “DUZENTOS<br />

gramas de mortadela” (Claro que o sabor não é o mesmo:<br />

mortaNdela é, sem sombra de dúvida, muito mais gostosa<br />

que a insossa mortadela. Ainda mais sendo DUZENTOS<br />

gramas...). Sei que muitas pessoas – principalmente os<br />

balconistas da padaria ou da mercearia – vão nos olhar<br />

com ar de piedosa superioridade e corrigir: “O senhor<br />

quer DUZENTAS gramas de mortaNdela?!). Esta é uma<br />

daquelas palavras em que a versão certa parece errada e<br />

vice-versa. É que a forma popular, incorreta, flui muito mais<br />

do que a correta, que fica com ares de rebuscada, pedante.<br />

pernóstica...<br />

Mas a questão do gênero das palavras referentes a<br />

objetos não fica só em grama. Há outros vocábulos que<br />

apresentam o mesmo fenômeno.<br />

É o caso de CAL (óxido de cálcio, fórmula CaO), que<br />

muita gente pensa ser – e usa como sendo – palavra masculina.<br />

Talvez em razão de seu emprego se dar principalmente<br />

na composição da argamassa, nas construções, portanto na<br />

área de atuação dos pedreiros...). Entretanto ela é do gênero<br />

feminino. Você deve pedir então “Quinhentos gramas DA<br />

cal hidratada...”.<br />

Mais uma? ALFACE. É comum falarem, erroneamente,<br />

O alface, quando essa palavra, aplicada para dar nome à<br />

hortense originária do leste do Mediterrâneo e utilizada na<br />

alimentação humana desde cerca do ano 500 antes de Cristo,<br />

é do gênero FEMININO. Oriunda do árabe AL-KHASS, a<br />

palavra chegou a nós com sonoridade semelhante: al-khass,<br />

alkas, alfaz, alface.<br />

Nessa mesma linha, muitos dos termos portugueses<br />

com início em AL, vieram do vocabulário árabe, como<br />

alfaiate (alkhayyât); alfazema (al-khuzâma ou alhuzaima);<br />

Alcântara (al qantara) e alcachofra (al harxufa ou al<br />

harxofã) entre tantos outros. O curioso é que outras línguas<br />

– até mesmo as da mesma família do português, como o<br />

espanhol, o italiano e o francês – adotaram forma vocabular<br />

diversa, partindo do latim LACTUCA, que deu origem à<br />

palavra LACTUGA, alusiva à substância branca, leitosa,<br />

advinda do caule seccionado da planta. Provieram daí o<br />

vocábulo italiano lattuga; o espanhol lechuga; o francês<br />

laitue e o inglês lettuce. O alemão vale-se de mais de um<br />

modo: salat; grüner salat; kopfsalat e lattich. Os eslovenos<br />

usam o termo solata e os croatas, zelena salata.<br />

A lista se estende por muitos outros termos que sofrem<br />

a troca de gêneros (são verdadeiros casos de transgêneros<br />

vocabulares), como champanhe, que é masculino, embora<br />

muitos insistam em falar “A” champanhe e o crepe, também<br />

masculino. Por outro lado, musse (há quem prefira a forma<br />

francesa mousse) é palavra feminina.<br />

A seguir, vem A omelete – outra vítima dessa troca –<br />

também vinda do francês omelete. Seu berço mais remoto é<br />

a antiga Pérsia, onde era um prato nobre e muito apreciado.<br />

É indispensável citar outra iguaria, que nos chegou pela<br />

mesma França: A quiche! Seu nome deriva de küche(n),<br />

que significa pastel em alsaciano, dialeto alemão falado na<br />

Alsácia, no noroeste da França, cuja capital é Estrasburgo.<br />

Devido à renitente e persistente confusão de gêneros<br />

entre essas duas últimas palavras, o Dicionário da Academia<br />

Brasileira de Letras e o Dicionário Houaiss resolveram<br />

classificá-las entre os substantivos comuns de dois gêneros.<br />

Pronto: pode se falar A omelete ou O omelete; A quiche<br />

ou O quiche... (mas é bom advertir que essa condição não<br />

é aceita por todos os dicionaristas e gramáticos...).<br />

A coisa toda seria bem mais simples se – lá atrás – os<br />

homens não tivessem tido a brilhante ideia de construir uma<br />

torre bem alta, que os levasse até o céu. Não aceitando bem<br />

a iniciativa, Deus “interditou a obra”, de uma maneira bem<br />

sutil: desfez a comunhão da língua, então existente, e cada<br />

grupo passou a falar um idioma diferente.<br />

E nunca mais se entenderam!<br />

* J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.<br />

É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras<br />

www.jboliveira.com.br – jboliveira@jbo.com.br<br />

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