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Revista Apólice #216

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comunicação e expressão<br />

por J. B. Oliveira*<br />

Juizeco e Chefete...<br />

A estes dois termos recorreu recentemente o presidente<br />

do Senado – e do Congresso Nacional – Renan<br />

Calheiros, para referir-se ao juiz federal de primeiro<br />

grau Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara do Distrito<br />

Federal, e ao ministro da justiça Alexandre de<br />

Morais. A resposta política ao pronunciamento veio<br />

de duas fontes. O presidente da Associação dos Juízes<br />

Federais Roberto Veloso retrucou: “É inaceitável que<br />

numa democracia haja esse tipo de tratamento entre os<br />

membros dos poderes. Da mesma maneira que um senador<br />

é membro do Poder Legislativo, um juiz é membro<br />

do Poder Judiciário. Devem se respeitar mutuamente; é<br />

isso que esperamos do presidente do Senado Federal. E<br />

a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal<br />

Federal, arrematou: “Todas as vezes que um juiz<br />

é agredido, eu e cada um de nós juízes é (sic) agredido<br />

e não há a menor necessidade de, numa convivência<br />

democrática, viva e harmônica, haver qualquer tipo de<br />

questionamento que não seja nos estreitos limites da<br />

constitucionalidade e da legalidade. ”<br />

Já paramos um bocadinho aqui para explicar esse<br />

termo que aí está entre parênteses. Sic é um vocábulo<br />

latino que significa “assim” e é usado para deixar claro<br />

que se procedeu a uma citação textual, ao pé da letra,<br />

de algo que pode ser incorreto, não recomendável ou<br />

duvidoso. No caso presente, a concordância verbal<br />

usada por Sua Excelência não primou por sua excelência<br />

gramatical! A flexão deveria ser somos! Por<br />

duas razões: a primeira e mais singela é que o verbo<br />

se refere a um sujeito composto: eu e cada um de nós<br />

juízes. Logo, por se tratar de mais de um sujeito, o<br />

verbo vai obrigatoriamente para o plural. Em segundo<br />

lugar, pela “hierarquia dos pronomes pessoais do caso<br />

reto” (é, na gramática também existe essa ordem...).<br />

A presença do pronome eu leva sempre o verbo para<br />

a primeira pessoa do plural: “tu (segunda pessoa),<br />

nosso filho (terceira pessoa) e eu (primeira pessoa)<br />

constituímos uma família”. A razão é que, estando o<br />

pronome eu junto a qualquer outro do caso reto, ele<br />

leva à utilização do pronome pessoal do caso reto, na<br />

primeira pessoa do plural: nós!<br />

Embora seja advogado, vou me restringir ao aspecto<br />

gramatical da questão, uma vez que os tais vocábulos<br />

causaram estranheza...<br />

Renan Calheiros usou o Grau Diminutivo do<br />

Substantivo em sua fala. Se estão lembrados da matéria<br />

– estudada em Morfologia, na parte de Flexões do<br />

Substantivo – o grau pode ser normal, aumentativo ou<br />

diminutivo (é assim: diminutivo e não diminuitivo, como<br />

já tive o desprazer de ouvir mais de uma vez...). Pois bem,<br />

esse tal diminutivo pode ser analítico – quando formado<br />

com a ajuda de um adjetivo – ou sintético – pela junção<br />

dos sufixos inho ou zinho. Então, no primeiro caso, as<br />

expressões seriam juiz pequeno e chefe pequeno. No<br />

segundo, na forma analítica, seriam juizinho e chefinho<br />

ou chefezinho...<br />

Porém..., ao lado dessas formas populares, há as<br />

eruditas, formadas com sufixos mais raros e incomuns.<br />

Entre eles eco (jornaleco, livreco) e ete (ramalhete, palacete).<br />

Foi desses que o senador se valeu para, do alto<br />

de sua imponente cadeira de chefe do Poder Legislativo,<br />

expressar sua pouca consideração aos dois outros Poderes<br />

da República, definidos no artigo 2º da Constituição<br />

como “Independentes e harmônicos entre si”!<br />

O interessante, é que o diminutivo nem sempre tem<br />

sentido pejorativo, negativo! Ocorre que especialmente<br />

nós, brasileiros, usamos muito a chamada linguagem<br />

afetiva, em que o diminutivo expressa carinho, afeto,<br />

afago. É o que ocorre quando falamos benzinho, amorzinho,<br />

amoreco. Esse carinho está presente até mesmo<br />

em palavras como neguinho, pretinho, baixinho, pixote...<br />

Essa mania de aplicar o diminutivo acaba gerando<br />

atropelos à sisuda Gramática que, por exemplo, nos<br />

ensina que o Advérbio – palavra que modifica o Verbo<br />

– é invariável. Para indicar uma distância, deveríamos<br />

usar o adverbio longe, ou perto e pronto. Em relação a<br />

tempo cronológico, cedo e basta. Mas é comum dizermos<br />

pertinho, longinho, cedinho...<br />

Em casos extremos, já ouvi, no Rio de Janeiro –<br />

imaginem – o diminutivo do pronome pessoal do caso<br />

reto: elazinha, elezinho, euzinho... E aqui no interior<br />

de nosso estado, em Itapetininga, colhi o exemplo do<br />

diminutivo do gerúndio! “Hoje está chovendinho”! e<br />

“Aí, hein? namorandinho!”<br />

Agora, cá entre nós, certamente não foi nesse sentido<br />

de ternura que Renan Calheiros manejou os referidos<br />

diminutivos... Pelo menos em relação àqueles dois representantes<br />

da trilogia republicana brasileira!<br />

* J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.<br />

É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras<br />

www.jboliveira.com.br – jboliveira@jbo.com.br<br />

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