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Revista do Historiador - APH 193

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Meditação para São Paulo<br />

Do alto de suas torres de cimento, o paulista<br />

perscruta horizontes e indaga de nuvens cinzentas,<br />

as glórias de seu porvir. Não é São<br />

Paulo que se desumaniza, pois não pode haver<br />

desumanização na glória!<br />

O que existe neste chão sagra<strong>do</strong> de Piratininga<br />

é a culpa <strong>do</strong>s homens que vão perden<strong>do</strong> sua<br />

humanidade, seu senti<strong>do</strong> de fraternidade cristã,<br />

seu amor à terra sob a qual repousam seus<br />

antepassa<strong>do</strong>s, cobertos de lenda e de sertão.<br />

São Paulo não se desumaniza porque São<br />

Paulo é a cidade mais humana <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

É o mar onde vêm renascer seus irmãos de<br />

outros Esta<strong>do</strong>s e de outros países... Mar que<br />

recebe to<strong>do</strong>s os rios de braços abertos... Cidade<br />

que dá oportunidade a to<strong>do</strong>s os peregrinos,<br />

venham eles <strong>do</strong>nde vierem.<br />

HÁ QuatRocentos e sessenta e<br />

QuatRo anos o primeiro emigrante galgava<br />

o mistério da Serra <strong>do</strong> Mar, e já era recebi<strong>do</strong><br />

com a amizade de Tibiriçá e com o amor<br />

de Bartira, a primeira mãe paulista. A partir<br />

daí São Paulo nunca mais parou de crescer e de<br />

acolher seus irmãos nasci<strong>do</strong>s em outras terras.<br />

Em to<strong>do</strong>s os lugares <strong>do</strong> Brasil fala-se de tradição.<br />

O nordeste ainda tem viva a guerra holandesa<br />

e os feitos heroicos de sua gente... no<br />

sul há um verdadeiro culto ao seu passa<strong>do</strong> de<br />

revoluções nativistas, no extremo norte ainda<br />

permanecem intatas as glórias de um Brasil-<br />

-colônia e de um primeiro Império; Minas<br />

reza constantemente em suas igrejas coloniais<br />

povoadas pelo gênio <strong>do</strong> Aleijadinho...<br />

Só nós procuramos esquecer nosso passa<strong>do</strong>,<br />

só nós somos critica<strong>do</strong>s se lembrarmos dele, só<br />

nós procuramos nos desumanizar...<br />

Assistimos, melancolicamente, à transformação<br />

de nossas glórias em motivos de demagogia...<br />

To<strong>do</strong> um passa<strong>do</strong> de heroísmo e de<br />

liberdade é transforma<strong>do</strong> em oratória balofa<br />

de praça pública. Os mitos que deveriam ser<br />

sagra<strong>do</strong>s vão se tornan<strong>do</strong> lugares comuns...<br />

E to<strong>do</strong>s se esquecem que, debaixo <strong>do</strong> chão<br />

coberto de asfalto, <strong>do</strong>rmem seu sono secular<br />

nossos antepassa<strong>do</strong>s! To<strong>do</strong>s cultuam o ontem<br />

heroico... menos nós.<br />

Nós que modestamente dilatamos os horizontes<br />

geográficos de nossa terra com a bota de<br />

sete léguas <strong>do</strong> bandeirismo, nós que lutamos<br />

no Rio contra os franceses, no nordeste contra<br />

os holandeses, que combatemos a fúria <strong>do</strong>s índios<br />

no Amazonas e no Pará, que descobrimos<br />

as Minas Gerais, que protegemos com nossas<br />

espadas e com nossos arcos o litoral brasileiro<br />

contra os flibusteiros, que conquistamos para<br />

nossa pátria to<strong>do</strong> o sul brasileiro, que mandamos<br />

nossa mocidade morrer nos campos<br />

<strong>do</strong> Paraguai, que servimos de berço da Independência,<br />

que pregamos o abolicionismo que<br />

arruinaria nossas fazendas; nós, paulistas, que<br />

demos nosso corpo e nossa alma em holocausto<br />

da liberdade na grande cruzada iniciada em<br />

23 de maio de <strong>193</strong>2, não temos o direito de relembrar<br />

as glórias de nossa terra porque somos<br />

tacha<strong>do</strong>s de bairristas, de quatrocentistas.<br />

Qual... não é São Paulo que está se tornan<strong>do</strong><br />

desumano... é a árvore que está se<br />

esquecen<strong>do</strong> de suas raízes.<br />

10<br />

novembro / dezembro de 2017

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