*Junho/2018 - Industrial 197
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COLUNA<br />
A CIGARRA E A FORMIGA<br />
A GREVE DOS CAMINHONEIROS NOS OBRIGA A REPENSAR A FORMA QUE TRANSPORTAMOS MERCADORIAS<br />
Flavio C. Geraldo<br />
FG4 MAD - Consultoria em Madeira<br />
Contato: flavio@fg4mad.com.br<br />
É INEGÁVEL QUE FOMOS<br />
ENTORPECIDOS PELA ATENÇÃO<br />
EXACERBADA QUE A INDÚSTRIA<br />
AUTOMOBILÍSTICA RECEBEU DO NOSSO<br />
GOVERNO NO FINAL DOS ANOS 50 E<br />
INÍCIO DOS ANOS 60<br />
E<br />
m tempos de crise aguda no setor de transporte<br />
rodoviário, cabe uma reflexão a respeito dos<br />
modelos adotados em alguns outros países, os<br />
quais permitiram uma redução significativa em<br />
relação à dependência de veículos movidos a<br />
combustível base petróleo. Antes, contudo, é importante<br />
relembrar que 60% das cargas movimentadas anualmente<br />
pelo nosso país vão sobre rodas, em estradas ruins, quando<br />
poderiam ir muito mais barato por ferrovias e que o<br />
transporte de cargas do Brasil é um dos mais caros e ineficientes<br />
do mundo.<br />
Em países similares ao Brasil em extensão territorial, o<br />
transporte ferroviário conta com malhas ferroviárias que<br />
são de duas a dez vezes mais extensas que a do Brasil. Índia,<br />
Canadá e Rússia, países de grande extensão territorial,<br />
oferecem ao setor de transporte o dobro da nossa malha<br />
ferroviária, uma dimensão média da ordem de 77 mil km<br />
(quilômetros). Os chineses, por sua vez, contam com uma<br />
extensão de 125 mil km, mais do que quatro vezes a extensão<br />
da nossa malha. Já, o setor de transporte dos EUA<br />
(Estados Unidos da América) tem à sua disposição nada<br />
menos do que uma malha de 295 mil km, perto de dez vezes<br />
a existente no Brasil. Segundo dados da RTA (Railway<br />
TieAssociation), naquele país foram aplicados até hoje 700<br />
a 800 milhões de dormentes, com indicações de que 93%<br />
Foto: divulgação<br />
deste universo são representados pelos dormentes de madeira<br />
tratada.<br />
Voltando um pouco na nossa história recente, é inegável<br />
que fomos entorpecidos pela atenção exacerbada<br />
que a indústria automobilística recebeu do nosso governo<br />
no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando ocorreu<br />
um enorme impulso da indústria automobilística e por<br />
consequência do transporte rodoviário, em detrimento do<br />
transporte ferroviário e cabotagem. Esse verdadeiro mar<br />
de ilusões não nos permitiu ver, à época, que estávamos<br />
diante da condenação do modal de transporte ferroviário.<br />
Em pouco tempo, nossos avós não mais acertavam os seus<br />
relógios de bolso pelo horário da passagem do trem.<br />
A lógica do transporte de cargas rodoviário costuma<br />
ser para distâncias de até 300 ou 400 km, deixando para<br />
distâncias mais longas o uso do trem. Porém, essa lógica<br />
não se aplica no Brasil justamente por não haver ferrovias<br />
disponíveis e, onde existe, é mal utilizada e administrada.<br />
O Brasil até tentou entrar no modismo da inovação, com<br />
tentativas de introdução massiva do etanol, que por sinal<br />
não abastece caminhões, e com propostas para a utilização<br />
em larga escala do biodiesel. Mas, tudo vem se resumindo<br />
a palavrórios e atitudes eleitoreiras que não levam a nada.<br />
Esquecem os senhores governantes e técnicos burocráticos,<br />
que um caminhão consome 2,3 L (litros) de diesel<br />
para transportar uma tonelada de carga para cada 100 km,<br />
enquanto se mesma carga seguisse no vagão de um trem,<br />
seria gasto somente o equivalente a 0,5 L de diesel para a<br />
mesma distância.<br />
Os exemplos de sucesso em outros países parecem não<br />
sensibilizar nossos administradores públicos. Entre os anos<br />
de 1933 e 1937, diante de uma profunda crise econômica,<br />
o governo norte americano lançou um programa de aquecimento<br />
econômico, conhecido como New Deal, onde os<br />
investimentos públicos foram direcionados para expansão<br />
da infraestrutura, em especial a construção e modernização<br />
das malhas ferroviárias e redes de eletrificação, com<br />
grande absorção de mão de obra e resultados fantásticos,<br />
tanto que o PIB cresceu durante o primeiro e segundo<br />
mandatos do presidente da época, Franklin D. Roosevelt.<br />
Dormentes e postes de madeira tratada foram materiais<br />
estratégicos para o sucesso de tal programa, não à toa, são<br />
utilizados no mundo todo há séculos e são considerados<br />
como materiais facilitadores do desenvolvimento em países<br />
que promoveram e promovem a integração territorial. Não<br />
é por acaso que em alguns países desenvolvidos a versão<br />
da fábula de La Fontaine: A cigarra e a formiga; é ensinada<br />
às crianças nas escolas desde a mais nova idade. Enquanto<br />
isso, por aqui, bem, por aqui estamos na expectativa da<br />
regularização da crise dos transportes para que seja garantido<br />
o abastecimento da cervejinha que vai regar o acompanhamento<br />
dos jogos da Copa do Mundo.<br />
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referenciaindustrial.com.br JUNHO <strong>2018</strong>