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Revista Dr Plinio 252

Março de 2019

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Nasce, então, a possibilidade de<br />

gostar das coisas de um modo não<br />

frustrante, porque embora todas as<br />

criaturas decepcionem, considerando-as<br />

nesta linha elas contêm um<br />

anúncio, uma promessa e um antegozo.<br />

Aí sim somos capazes de viver,<br />

tendo o espírito anti-igualitário, pois<br />

naqueles que são arquétipos vemos<br />

imagens de Deus, aptas a me atrair<br />

como a plenitude atrai a parte, mas<br />

que me encaminham depois para a<br />

plenitude das plenitudes que é Deus<br />

Nosso Senhor. Por esta forma eu me<br />

oriento para Deus. Eis como o espírito<br />

católico deve estar continuamente<br />

considerando as coisas.<br />

Fra Angelico (CC3.0)<br />

Isso é viver; o resto é<br />

arrastar a vida<br />

Fra Angelico visitado pelos anjos<br />

Museu de Belas Artes de Rouen, França<br />

Esta postura diante da vida, ao<br />

invés de torná-la monótona, torna-<br />

-a entretida. Tenho pena de quem<br />

não faz isso como alguém que enxerga<br />

tem compaixão de um cego. Mais<br />

ainda: se aguento tantos dissabores<br />

desde a manhã até a noite é porque<br />

este entretenimento me dá forças.<br />

Por exemplo, na hora da Comunhão<br />

pensar como este Deus perfeito<br />

e absoluto, omne delectamentum<br />

in Se habentem – tendo em Si toda<br />

espécie de sabores –, embora de<br />

modo insensível, entra na minha alma,<br />

e já nesta Terra, nesta noite, me<br />

é concedida a semente da luz que terei<br />

quando meus olhos se fecharem<br />

definitivamente para este mundo.<br />

Esta é a impostação do espírito<br />

católico, o qual é muito hierárquico,<br />

porque em todas as coisas procura o<br />

arquétipo, a maior perfeição criada, e<br />

depois voa para a perfeição incriada.<br />

Dou um exemplo de como se faz<br />

uma operação mental dessas. Enquanto<br />

falava, meus olhos caíram na<br />

parte de trás dessa imagem de Nossa<br />

Senhora, e me chamou a atenção a<br />

boa ordenação das dobras do manto<br />

esculpido, dando a impressão de um<br />

pano grosso que não se deixou amarfanhar<br />

nem amarrotar, mas que também<br />

não está dobradinho como para<br />

uma vitrine; são dobras aparentemente<br />

espontâneas, produzidas por<br />

um bonito movimento.<br />

Passou-me pela mente como seria<br />

interessante estar junto ao escultor e<br />

vê-lo imaginar essas dobras. Por assim<br />

dizer, entrar na sua cabeça e ver<br />

qual o estado de espírito por onde<br />

ele excogitou isso. Para mim, ver o<br />

espírito dele produzir a dobra é ainda<br />

mais interessante do que fazê-la.<br />

Então, ter visto o escultor excogitar<br />

a dobra, esculpi-la, olhar para ela e,<br />

por fim, analisar a fisionomia do escultor<br />

e fechar o ciclo da minha observação<br />

entreter-me-ia extraordinariamente.<br />

Em vários museus europeus<br />

vi artistas pintando e gente em<br />

volta olhando os pintores, e compreendo<br />

isso.<br />

Porém eu quereria mais. Como<br />

seria maravilhoso ver Deus quando<br />

criou o mundo! Na criação de todo<br />

o universo, que coisa superior! Deus<br />

é eterno e imutável, e vendo-O face<br />

a face, eu O verei como quando Ele<br />

estava criando o universo.<br />

Está aí uma meditação que me<br />

eleva. Isso é viver, o resto é arrastar<br />

a vida.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

17/11/1972)<br />

1) Cf. Suma Teológica I, q. 2, a. 3.<br />

15

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