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Hagiografia<br />
Luis Samuel<br />
Teófanes é um homem puro que<br />
se casa com uma moça pura; e os<br />
dois, coisa ainda mais rara, resolvem<br />
guardar a castidade perfeita.<br />
O Imperador intervém e manda<br />
esse homem para uma espécie de<br />
exílio dourado. Ele vai com um título<br />
meramente administrativo, mas<br />
pomposo – todos os títulos bizantinos<br />
eram pomposos –, para essa região<br />
exercer suas funções. Imaginem<br />
como era uma cidade de província<br />
daquele tempo: pequena, com um<br />
pequeno palácio destinado ao representante<br />
do imperador, com um tronozinho,<br />
sendo a miniatura – mas<br />
que miniatura! – do fausto imperial,<br />
e Teófanes movendo-se dentro daquilo<br />
diante de um povo genuflexo.<br />
Abandona tudo e vai<br />
para o deserto<br />
Entre os que vão falar com Teófanes<br />
aparece um monge vindo de<br />
algum deserto, de onde saiu levando<br />
consigo todos os silêncios daqueles<br />
pores de sol incandescentes, daquelas<br />
montanhas torradas pelo Sol,<br />
ou batidas por um vento tremendo,<br />
daquelas contemplações caracteristicamente<br />
orientais, com aqueles<br />
olhos enormes olhando para um firmamento<br />
lindíssimo e rezando. Esse<br />
monge sai de repente de seu isolamento,<br />
vai para a cidade e encontra<br />
Teófanes.<br />
Pode-se imaginar a conversa dos<br />
dois:<br />
— Teófanes, o que te adianta gozar<br />
essas coisas da Terra? Vejo em<br />
ti que és um homem puro, Deus te<br />
chama para uma pureza maior. Deixaste<br />
as delícias da carne, deixa, ó<br />
Teófanes, os outros deleites, pois<br />
maiores maravilhas te aguardam.<br />
E Teófanes pergunta:<br />
— Pai santo, o que farei?<br />
— Vai comigo ao deserto, onde os<br />
varões amados de Deus se separam<br />
de tudo quanto é do mundo e vivem<br />
exclusivamente na familiaridade do<br />
Senhor.<br />
Então, Teófanes deixa tudo e vai<br />
para o deserto. Isso é ambiente, isso<br />
é vida, isso é história.<br />
Após fazer promessas<br />
de benefícios, o<br />
Imperador o ameaça<br />
Anos depois, quando Leão, o Armênio...<br />
Que lindo nome para um imperador!<br />
Todas essas coisas em Constantinopla<br />
têm um outro jeito. Há uma<br />
coisa mais banal do que um homem<br />
chamado Leão? Há coisa mais comum<br />
do que um homem ser um armênio?<br />
Mas “Leão, o Armênio”, Imperador<br />
de Constantinopla, é uma<br />
coisa que se destaca de uma série<br />
de outras por vários imponderáveis.<br />
O Imperador Leão, o Armênio, que<br />
traz consigo os luxos e os mistérios da<br />
Armênia para o trono de Bizâncio, é<br />
uma coisa muito mais evocativa.<br />
Continua a ficha:<br />
Leão, o Armênio, renovou a perseguição<br />
às santas imagens...<br />
Era a heresia dos iconoclastas,<br />
que quebravam as imagens nas igrejas,<br />
uma forma ancestral de protestantismo<br />
e de progressismo.<br />
...e soube que Teófanes gozava de<br />
alta consideração entre os ortodoxos.<br />
Ortodoxos aqui somos nós, católicos,<br />
porque não tinha ainda havido<br />
o cisma.<br />
Querendo atraí-lo à sua causa,<br />
chamou-o à Constantinopla. Quando<br />
ele ali chegou, recebeu uma carta do<br />
soberano: “Vossas disposições pacíficas<br />
me fazem crer que aqui viestes para<br />
confirmar com vossos votos minhas<br />
opiniões sobre esse problema. Esse,<br />
aliás, é o meio certo de obter meus favores<br />
e de conseguir para vós, vossos<br />
parentes e vossos mosteiros, todas as<br />
graças que estão ao alcance do imperador<br />
conceder...”<br />
Portanto, todas as que existem,<br />
porque o Imperador de Constantinopla<br />
era onipotente.<br />
Se, ao contrário, vos recusardes a<br />
aquiescer comigo, incorrereis em minha<br />
indignação e dela sentireis todo o<br />
peso, vós e vossos amigos.<br />
É bem claro, o Armênio. No meio<br />
de frases amáveis, a coisa é suborno<br />
ou tiro.<br />
Jogado num calabouço<br />
Teófanes, que nunca se intimidara<br />
com promessas ou ameaças, assim<br />
respondeu:<br />
“Idoso e enfermo como estou, tenho<br />
cuidado em não ambicionar as<br />
coisas que desprezei por Jesus Cristo,<br />
em minha juventude, quando me era<br />
fácil usufruir das coisas do mundo.”<br />
Linda resposta. “Você me oferece<br />
o que eu desdenhei quando podia<br />
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