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Especial microbiologia Pt. 1

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Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

Coprocultura<br />

Parte 1 - Salmonella e Shigella<br />

• Carlos Henrique Pessôa<br />

de Menezes e Silva<br />

Doutor em Microbiologia<br />

Microbiologista do Centro<br />

Tecnológico de Análises<br />

(CETAN), Vila Velha-ES<br />

Consultor em Microbiologia do<br />

Laboratório Landsteiner, Vitória-ES<br />

: carloshenrique@cetan.com.br<br />

A<br />

convite da Revista Newslab, preparamos uma série denominada “Protocolos de Microbiologia Clínica”,<br />

abordando os principais temas de interesse àqueles que militam na área, objetivando a educação continuada,<br />

o aprimoramento científico e a aplicabilidade imediata das diretrizes sugeridas para que os setores<br />

de Microbiologia Clínica dos laboratórios brasileiros possam realizar seus exames com acurácia e qualidade.<br />

Proporcionaremos, ainda, uma visão crítica, com sugestões construtivas, para a melhoria da qualidade neste setor,<br />

tanto para aqueles que já possuem um setor ativo, mas que desejam incrementá-lo com informações precisas e<br />

coesas, quanto para os laboratórios de pequeno porte, os quais terão a oportunidade de implementar rotinas de<br />

fácil execução com toda informação científica necessária. Inicialmente, abordaremos o tema Coprocultura, dividido<br />

em duas partes para melhor interpretação. Bimestralmente, a Revista Newslab trará novos protocolos, a saber:<br />

Urocultura, Microbiologia dos Líquidos Corporais Estéreis, Microbiologia das Secreções, Microbiologia do Sistema<br />

Genital Humano e Micologia Clínica.<br />

Introdução<br />

As doenças diarréicas continuam<br />

sendo uma freqüente causa de morte<br />

ainda nos dias atuais, especialmente em<br />

países em desenvolvimento. A incidência<br />

anual e o perfil etiológico das diarréias em<br />

diferentes populações podem variar de<br />

acordo com os diversos fatores de risco,<br />

tais como a idade muito jovem, deficiências<br />

nutricionais, higiene inadequada de<br />

alimentos e do próprio corpo, ausência<br />

de cuidados sanitários básicos, acesso a<br />

suprimentos de água contaminados e até<br />

mesmo o verão, estação do ano que sempre<br />

registra o maior número de casos de<br />

internações devido às diarréias. Nos países<br />

industrializados, a freqüência de casos de<br />

diarréia por criança é de somente 0,5 a 2<br />

episódios/criança/ano, enquanto que em<br />

países em desenvolvimento este número<br />

pode alcançar facilmente os 10 episódios/<br />

criança/ano. Nos países industrializados<br />

as diarréias por rotavírus predominam,<br />

enquanto que nos países em desenvolvimento<br />

as bactérias são comumente encontradas<br />

nos casos de diarréia (18).<br />

Quadro 1. Agentes etiológicos mais relacionados com as diarréias infecciosas<br />

Bactérias Vírus Protozoários<br />

Vibrio cholerae e outros<br />

vibriões, Shigella spp., Salmonella<br />

spp. (não tifóide),<br />

E. coli (enterotoxigênica,<br />

enteropatogênica clássica,<br />

enteroinvasora, enterohemorrágica,<br />

enteroagregativa),<br />

Campylobacter jejuni,<br />

Yersinia enterocolitica,<br />

Clostridium difficile, Bacteroides<br />

fragilis (enterotoxigênico)<br />

Rotavírus, Adenovírus entérico,<br />

Calicivírus, Astrovírus<br />

Os agentes etiológicos envolvidos<br />

nas diarréias infecciosas incluem muitas<br />

espécies de bactérias, vírus e protozoários,<br />

todos possuindo grande número de<br />

sorogrupos e biotipos e sendo também<br />

Entamoeba histolytica,<br />

Giardia lamblia, Cryptosporidium,<br />

Cyclospora<br />

58<br />

NewsLab - edição 86 - 2008


Quadro 2. Características gerais de alguns microrganismos envolvidos em diarréias<br />

Microrganismos<br />

Fonte de Contaminação ou<br />

Condição Predisponente<br />

N o de Células que Levam à<br />

Infecção<br />

Período de Incubação<br />

Aeromonas spp. Água Desconhecido Desconhecido<br />

Bacillus cereus Carnes, vegetais Toxina 6-24 horas<br />

Campylobacter jejuni Água, leite, carnes Desconhecido 3-11 dias<br />

Clostridium difficile Terapia antimicrobiana Desconhecido 4-9 dias<br />

Clostridium perfringens Carnes 10 9 – 10 10 8-16 horas<br />

ETEC Alimentos, água 10 6 – 10 8 4-24 horas<br />

EIEC Alimentos 10 6 – 10 8 8-24 horas<br />

EHEC Carnes, leite Desconhecido 3-5 dias<br />

Plesiomonas shigelloides Água, pescados Desconhecido 1-2 dias<br />

Salmonella spp. Alimentos em geral 10 2 – 10 8 8-72 horas<br />

Shigella dysenteriae Água 10-200 3-5 dias<br />

Outras Shigella Água, alimentos 10-200 8-72 horas<br />

Staphylococcus aureus Carnes, laticínios Toxina 1-6 horas<br />

Vibrio cholerae Água, pescados 10 8 1-5 dias<br />

Vibrio parahaemolyticus Pescados 10 6 - 10 8 15-24 horas<br />

Yersinia enterocolitica Água, alimentos Desconhecido 16-48 horas<br />

todos transmitidos pela via fecal-oral.<br />

Pelo fato da grande diversidade de<br />

microrganismos que podem estar envolvidos,<br />

é virtualmente impossível para<br />

qualquer laboratório clínico realizar um<br />

completo exame de fezes diarréicas. Portanto,<br />

os patógenos mais freqüentes são<br />

investigados, dependendo da localização<br />

geográfica e da estação do ano (13).<br />

Shigella<br />

O homem é o reservatório natural e as<br />

infecções ocorrem via fecal-oral através<br />

da ingestão de 20 a 200 células viáveis<br />

em alimentos e água contaminados. Na<br />

shigelose, corre uma invasão e destruição<br />

da camada epitelial da mucosa com intensa<br />

reação inflamatória, gerando leucócitos,<br />

muco e sangue nas fezes. Deve-se<br />

suspeitar de espécies de Shigella quando<br />

observamos colônias lactose-negativas,<br />

bioquimicamente inertes em muitas<br />

provas bioquímicas de identificação. Elas<br />

tipicamente não produzem gás a partir<br />

de carboidratos, com exceção de alguns<br />

biogrupos de S. flexneri que são aerogênicos.<br />

Raras cepas de S. sonnei podem<br />

Quadro 3. Subgrupos, sorotipos e subtipos de Shigella<br />

Subgrupo<br />

Grupo A: Shigella dysenteriae<br />

Grupo B: Shigella flexneri<br />

Grupo C: Shigella boydii<br />

Grupo D: Shigella sonnei<br />

fermentar tardiamente a lactose (2%) e<br />

a sacarose (1%) e a maioria das cepas<br />

desta espécie descarboxila a ornitina,<br />

característica não observada em outras<br />

espécies de Shigella.<br />

Há quatro subgrupos principais e 43<br />

sorotipos reconhecidos de Shigella (Quadro<br />

3). A classificação do CDC combina<br />

S. dysenteriae (grupo A), S. flexneri (grupo<br />

B) e S. boydii (grupo C) como “Shigella<br />

sorogrupos A, B e C” por conta de suas similaridades<br />

bioquímicas. A presença de<br />

ornitina-descarboxilase e a atividade de<br />

beta-galactosidase fazem com que as cepas<br />

de S. sonnei sejam bioquimicamente<br />

distintas de outras espécies de Shigella. A<br />

incapacidade de fermentar o manitol distingue<br />

a S. dysenteriae. Todos os isolados<br />

clínicos identificados bioquimicamente<br />

Sorotipos e Subtipos<br />

15 sorotipos (o tipo 1 produz a shiga toxina)<br />

Oito sorotipos e nove subtipos<br />

19 sorotipos<br />

Um sorotipo<br />

como Shigella devem ser confirmados<br />

por testes sorológicos (13).<br />

Salmonella<br />

Salmonelas patogênicas ingeridas<br />

com água ou alimentos contaminados<br />

sobrevivem à passagem pela barreira ácida<br />

do estômago e invadem as células da<br />

mucosa dos intestinos delgado e grosso<br />

e liberam toxinas. A invasão das células<br />

epiteliais intestinais estimula a liberação<br />

de citocinas que induzem uma resposta<br />

inflamatória aguda. A reação inflamatória<br />

na mucosa intestinal induz diarréia e<br />

pode levar à ulceração e destruição da<br />

mucosa intestinal. Da mucosa, a bactéria<br />

pode disseminar-se para órgãos internos<br />

causando doença sistêmica. As salmonelas<br />

possuem antígenos somáticos (O) que são<br />

NewsLab - edição 86 - 2008 59


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

lipopolissacarídeos e antígenos flagelares<br />

(H) que são proteínas. S. typhi também possui<br />

um antígeno capsular ou de virulência<br />

(Vi). Bioquimicamente elas geralmente são<br />

lactose e sacarose-negativas.<br />

Desde a época do primeiro isolamento<br />

de Salmonella, reportado em 1884 por Gaffky<br />

(Bacterium typhosum) e em 1886 por<br />

Salmon e Smith (Salmonella choleraesuis),<br />

o desenvolvimento da nomenclatura para<br />

este gênero tem sido variado e complexo.<br />

O gênero Salmonella possui mais de 2.400<br />

sorotipos descritos no esquema atual de<br />

Kauffmann-White. Antes de 01 de julho<br />

de 1983, três espécies de Salmonella foram<br />

usadas para reportar os resultados positivos<br />

dos exames: S. choleraesuis, S. typhi e S.<br />

enteritidis (com a maioria dos sorotipos<br />

pertencendo a este último sorotipo).<br />

Atualmente, todas as antigas denominações<br />

das espécies e subgrupos de Salmonella<br />

e Arizona são consideradas como<br />

pertencentes à mesma espécie, mas podem<br />

ser separadas em sete grupos taxonômicos,<br />

representando seis subgrupos distintos. A<br />

única exceção é S. bongori, anteriormente<br />

conhecida como subgênero V, sendo uma<br />

espécie totalmente distinta através de<br />

estudos de homologia de DNA. Portanto,<br />

há duas espécies e seis subespécies de S.<br />

enterica no atual sistema de classificação<br />

do CDC (Quadro 4).<br />

Na prática do dia-a-dia, os isolados<br />

desconhecidos provenientes de espécimes<br />

clínicos que são sugestivos de pertenceram<br />

ao gênero Salmonella, devem ser<br />

confirmados por sorologia. Subcultivo<br />

dos isolados confirmados devem ser encaminhados<br />

para laboratórios de saúde<br />

pública, onde as designações de sorotipos<br />

(ex: Salmonella sorotipo Typhimurium)<br />

serão realizadas. Répteis, particularmente<br />

cobras, são o reservatório natural de S. enterica<br />

subespécie arizonae, mas o homem,<br />

aves e outros animais também podem ser<br />

infectados por esta bactéria. As infecções<br />

humanas podem ser originadas quando da<br />

manipulação de aves, répteis e produtos à<br />

base de ovos (13).<br />

Microscopia<br />

A análise microscópica direta do material<br />

fecal é muito útil, pois pode se ter<br />

uma noção do que será encontrado na coprocultura.<br />

A presença de numerosos leucócitos<br />

polimorfonucleares (PMN) sugere<br />

um processo inflamatório invasivo (Figura<br />

1) envolvendo o cólon (como a exemplo de<br />

infecções por Shigella ou Campylobacter).<br />

Colites ulcerativas e a colite associada à<br />

antibioticoterapia (relacionada ao C. difficile)<br />

estão quase sempre associadas a um<br />

exsudato fecal contendo leucócitos. No<br />

Quadro 4. Classificação das espécies e subespécies de Salmonella<br />

Quadro 5. Leucócitos PMN em infecções intestinais<br />

Salmonella enterica subespécie enterica (I): inclui a maioria dos sorotipos<br />

S. enterica subespécie salamae (II)<br />

S. enterica subespécie arizonae (IIIa)<br />

S. enterica subespécie diarizonae (IIIb)<br />

S. enterica subespécie houtenate (IV)<br />

S. enterica subespécie indica<br />

Salmonella bongori (antigamente denominada subespécie V)<br />

Presentes Variáveis Ausentes<br />

Shigella,<br />

Campylobacter,<br />

E.coli invasora (EIEC)<br />

Salmonella, Yersinia,<br />

Vibrio parahaemolyticus,<br />

Clostridium difficile<br />

Figura 1. Gram: Diarréia muco-sanguinolenta<br />

por Shigella (numerosas hemácias, leucócitos<br />

PMN e acentuada presença de bacilos Gramnegativos;<br />

microbiota intestinal normal<br />

praticamente inexistente).<br />

Vibrio cholerae, E.coli toxigênica<br />

(ETEC), E.coli enteropatogênica<br />

(EPEC), Staphylococcus aureus<br />

[toxina], Bacillus cereus [toxina]<br />

entanto, deve-se ter em mente que nem<br />

todos os processos diarréicos causados<br />

por bactérias irão produzir leucócitos nos<br />

espécimes fecais. Para a realização do exame,<br />

coloca-se uma pequena quantidade<br />

do material fecal em uma lâmina de vidro<br />

limpa e desengordurada, misturando uma<br />

gota de água destilada estéril (ou salina) e<br />

uma gota de azul de metileno sob lamínula.<br />

Observar ao microscópio com aumento<br />

de 400x (13).<br />

Isolamento<br />

Grande parte dos métodos de identificação<br />

no laboratório ainda é demorada e requer<br />

uma bateria de meios de cultura, apesar<br />

do constante progresso no desenvolvimento<br />

de novos métodos rápidos de diagnóstico.<br />

Assim, o período decorrido entre a entrada<br />

do material no laboratório de Microbiologia<br />

e a identificação e antibiograma dos agentes<br />

isolados pode demorar vários dias para uma<br />

completa análise (13).<br />

A qualidade dos insumos utilizados<br />

por muitos fabricantes é questionável e<br />

muitas vezes ruim, levando a um alto grau<br />

de inconsistência de resultados lote a lote<br />

de um mesmo meio de cultura (24). Portanto,<br />

deve-se dar preferência para meios de<br />

cultura de fabricantes idôneos, seja em pó<br />

ou em placas/tubos prontos para uso. Desconfie<br />

de meios muito baratos, oferecidos<br />

comumente no mercado. Geralmente são<br />

de baixa qualidade e colocarão em cheque<br />

a qualidade dos serviços microbiológicos<br />

ofertados pelo seu laboratório.<br />

A metodologia tradicional para a detecção<br />

de patógenos entéricos invariavelmente<br />

emprega a combinação de meios de cultura,<br />

geralmente um meio seletivo em placa e<br />

um caldo de pré-enriquecimento. A necessidade<br />

de mais de uma placa é defendida<br />

por alguns autores, motivados pelo conhecimento<br />

de que se um meio é altamente<br />

60<br />

NewsLab - edição 86 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

inibitório para alguns membros da família<br />

Enterobacteriaceae (isto é, os coliformes da<br />

microbiota normal intestinal), poderá haver<br />

uma concomitante perda de sensibilidade<br />

na detecção de patógenos verdadeiros, tais<br />

como a Shigella. Os meios de cultura para o<br />

isolamento de patógenos entéricos utilizados<br />

atualmente ou são muito inibitórios para Shigella<br />

ou não suficientemente inibitórios para<br />

a microbiota intestinal normal. Além disso, a<br />

diferenciação das colônias não é tão boa o<br />

suficiente para evitar o subcultivo de muitos<br />

não patógenos os quais não fermentam a lactose,<br />

tornando-se um trabalho que demanda<br />

tempo e maior custo, especialmente em<br />

laboratórios que analisam muitos espécimes<br />

diariamente (10, 13).<br />

Os meios de cultura em placa mais<br />

utilizados para o isolamento de Salmonella<br />

e Shigella em laboratórios clínicos são:<br />

• Eosina-Azul de Metileno (EMB),<br />

MacConkey (baixa seletividade)<br />

• Xilose-Lisina-Desoxicolato (XLD),<br />

Salmonella-Shigella (SS), Hektoen Enteric,<br />

Citrato-Desoxicolato (média seletividade)<br />

(Figuras 2, 3, 4, 5, 6)<br />

• Verde Brilhante, Bismuto-Sulfito (alta<br />

seletividade)<br />

No entanto, os meios de alta seletividade<br />

só servem para o isolamento<br />

seletivo de Salmonella e foram adaptados<br />

de forma incorreta da <strong>microbiologia</strong> de<br />

alimentos para a <strong>microbiologia</strong> clínica<br />

humana. Infelizmente, também, muitos<br />

são os laboratórios clínicos brasileiros que<br />

utilizam de forma completamente equivocada<br />

combinações de meios de cultura<br />

que nada acrescentam para a realização<br />

de uma coprocultura de boa qualidade.<br />

Exemplo disso é a utilização de meios<br />

como ágar manitol hipertônico, ágar CLED,<br />

ágar sangue, dentre outros.<br />

O surgimento de meios cromogênicos<br />

e fluorogênicos tem permitido avanços<br />

significativos na formulação dos meios<br />

de cultura diferenciais, os quais detectam<br />

caracteres fenotípicos bacterianos, manifestos<br />

pela ação de enzimas características<br />

de certos grupos taxonômicos, orientando<br />

a sua identificação presuntiva. Estes meios<br />

incluem em sua composição compostos<br />

cromogênicos e/ou fluorogênicos, habitualmente<br />

incolores, os quais servem como<br />

substrato de enzimas específicas. Quando<br />

a enzima atua sobre o substrato, este sofre<br />

uma mudança estrutural, formando um<br />

novo composto colorido (cromóforo) ou<br />

fluorescente (12). Nos últimos anos surgiram<br />

diversos meios cromogênicos úteis<br />

para o isolamento e identificação presuntiva<br />

de Salmonella spp. (CHROMagar, SMID,<br />

Rambach, ABC, etc.); no entanto, até o<br />

momento, nenhum meio cromogênico<br />

foi desenvolvido para o isolamento e a<br />

identificação presuntiva de Shigella. O ágar<br />

Rambach (Figura 7) foi o primeiro meio<br />

cromogênico disponível comercialmente,<br />

seguido pelo SMID.<br />

Muitos estudos demonstraram altos<br />

índices de sensibilidade e especificidade,<br />

mas as investigações foram baseadas essencialmente<br />

no uso de culturas puras (estoque)<br />

de Salmonella. Estudos posteriores<br />

indicaram que a presença da microbiota<br />

intestinal normal, não inibida previamente<br />

por caldos de pré-enriquecimento, atrapalhava<br />

sobremaneira a performance destes<br />

meios (3). O ágar Rambach permite a<br />

identificação de salmonelas não-tifóides,<br />

gerando colônias de cor vermelha no meio.<br />

Os coliformes aparecem como colônias<br />

azuis, verdes, violetas ou incolores. Uma<br />

vez que as características bioquímicas usadas<br />

neste meio são altamente específicas<br />

Figura 2. Ágar Hektoen: Aspecto colonial de<br />

Shigella sonnei.<br />

Figura 3. Ágar SS: Aspecto colonial de<br />

Shigella sonnei.<br />

Figura 4. Ágar XLD: Aspecto colonial de<br />

Shigella sonnei.<br />

Figura 5. Ágar Hektoen: Aspecto colonial de<br />

Salmonella spp. (ausência de fermentação dos<br />

carboidratos do meio e produção de H 2<br />

S).<br />

Figura 6. Ágar SS: Aspecto colonial de<br />

Salmonella spp. (lactose-negativa e produção<br />

de H 2<br />

S).<br />

Figura 7. Ágar Rambach: Aspecto colonial<br />

de Salmonella não-tifóide (fermentação do<br />

propilenoglicol).<br />

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NewsLab - edição 86 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

para salmonelas não-tifóides (fermentação<br />

do propilenoglicol e ausência de betagalactosidase),<br />

somente poucos resultados<br />

falsos-positivos são encontrados.<br />

O maior problema deste meio é a incapacidade<br />

de isolamento de Salmonella<br />

enterica sorotipo Typhi, pois estas não<br />

fermentam o propilenoglicol (17). No meio<br />

SMID, as colônias de Salmonella são também<br />

distintas das demais pela formação<br />

de coloração vermelha intensa (devido à<br />

formação de ácido a partir do glicuronato e<br />

ausência de beta-galactosidase), enquanto<br />

outras bactérias acompanhantes aparecem<br />

como colônias azuis, violetas ou incolores.<br />

Este meio possibilita o isolamento e a<br />

identificação presuntiva de todos os sorogrupos<br />

de Salmonella. Já o ágar ABC (ágar<br />

alfa-beta-cromogênico) explora o fato das<br />

salmonelas poderem ser diferenciadas dos<br />

membros da família Enterobacteriaceae<br />

pela presença da enzima alfa-galactosidase,<br />

na ausência da atividade da enzima<br />

beta-galactosidase (10).<br />

Um total de 1.022 cepas de Salmonella<br />

spp. e 300 outros bacilos Gram-negativos<br />

foram inoculados neste meio. Destas,<br />

99,7% das cepas de Salmonella produziram<br />

colônias com uma coloração verde<br />

característica, ao passo que somente uma<br />

cepa de Escherichia coli atípica (0,33%)<br />

também produziu colônias verdes (100%<br />

de sensibilidade e 90,5% de especificidade)<br />

(10). Atualmente, outros meios<br />

cromogênicos para Salmonella já estão<br />

disponíveis comercialmente e quase todos<br />

eles (com exceção dos meios Rambach e<br />

ABC) detectam a atividade de esterase (Figura<br />

8), positiva para todas as salmonelas.<br />

Figura 8. Ágar cromogênico: Aspecto colonial<br />

de Salmonella spp. (utilização do substrato<br />

cromogênico através da enzima esterase)<br />

Porém, estes meios possuem custo elevado<br />

e são específicos somente para Salmonella.<br />

Outros meios em ágar, invariavelmente,<br />

devem ser usados em conjunto para o isolamento<br />

de outros enteropatógenos, onerando<br />

muito o custo final da coprocultura.<br />

Estes meios obtiveram excelente aceitação<br />

em laboratórios de controle de qualidade,<br />

os quais pesquisam somente Salmonella<br />

(em amostras de águas e alimentos).<br />

Quando qualquer meio de cultura<br />

desidrata, o potencial de oxi-redução (eH)<br />

é alterado, as concentrações dos agentes<br />

inibidores são aumentadas e o efeito<br />

mais visível disso é o pouco ou nenhum<br />

crescimento de colônias. Nos laboratórios<br />

clínicos, onde é freqüente a prática de se<br />

confeccionar meios de cultura para uma<br />

ou mais semanas de trabalho, este efeito<br />

pode ser minimizado embalando as placas<br />

em sacolas plásticas ou, preferencialmente,<br />

envoltas por plástico-filme de PVC (o<br />

mesmo utilizado em cozinha). Mesmo<br />

um tempo razoavelmente curto de duas<br />

semanas sob refrigeração é suficiente para<br />

promover efeitos deletérios nos meios em<br />

placa sem proteção, proporcionando resultados<br />

aberrantes nas análises (13).<br />

Isenberg et al. (6) estudaram vários<br />

meios de cultura seletivos (ágares SS, XLD,<br />

Hektoen) na tentativa de avaliar o grau de<br />

supressão da microbiota intestinal normal<br />

em espécimes fecais, permitindo o crescimento<br />

dos reais patógenos significativos.<br />

Salmonella e Shigella, isolados de espécimes<br />

clínicos humanos, foram misturados<br />

com Escherichia, Klebsiella, Enterobacter,<br />

Serratia e Proteus. Foram feitas diferentes<br />

diluições destas misturas e então semeadas<br />

nas placas de ágar. Os resultados<br />

demonstraram um maior grau de inibição<br />

de Shigella utilizando o ágar SS, ao passo<br />

que os ágares XLD e Hektoen permitiram<br />

o isolamento normal desta bactéria (bem<br />

como de Salmonella), suprimindo consideravelmente<br />

a microbiota intestinal normal<br />

acompanhante.<br />

Vários estudos (5, 25, 26) comprovaram<br />

a inibição de Shigella por microrganismos<br />

pertencentes à microbiota intestinal<br />

normal. Os primeiros estudos mostraram<br />

que Klebsiella/Enterobacter inibia o crescimento<br />

de Shigella em culturas mistas,<br />

indicando que uma possível competição<br />

por fontes de carboidratos fermentáveis<br />

seria a causa principal. Outros estudos<br />

comprovaram parcialmente esta teoria,<br />

uma vez que também foram relatadas inibições<br />

do crescimento de Shigella quando<br />

em presença de Klebsiella/Enterobacter,<br />

mesmo em meios aerados e com excesso<br />

de glicose. No entanto, estes estudos também<br />

provaram que a produção de ácidos<br />

acético e fórmico por estas bactérias (e<br />

também por E. coli) fazia com que as<br />

Shigella entrasse em fase logarítmica de<br />

morte, comprovando que a produção de<br />

ácidos voláteis com a concomitante redução<br />

acentuada do meio eram os principais<br />

mecanismos de inibição do crescimento de<br />

Shigella em culturas mistas.<br />

Os caldos de enriquecimento seletivo<br />

são utilizados para diminuir a quantidade<br />

de bactérias da microbiota intestinal normal<br />

no espécime fecal, inibindo de alguma<br />

forma seu metabolismo e propiciando o<br />

desenvolvimento franco dos verdadeiros<br />

enteropatógenos. Estes caldos devem ser<br />

sempre utilizados como uma etapa prévia,<br />

uma vez que a semeadura direta das fezes<br />

em meios sólidos geralmente leva a um<br />

supercrescimento da microbiota normal,<br />

em detrimento às poucas colônias que<br />

podem ser formadas pelos verdadeiros<br />

patógenos (13).<br />

Deve ser observado que cada caldo<br />

possui suas próprias características e seu<br />

uso deve ser criterioso, seguindo todas as<br />

informações dadas pelos fabricantes para<br />

uma melhor performance. No entanto, em<br />

muitos laboratórios clínicos estes caldos<br />

são usados de forma equivocada, muitas<br />

vezes sem o real conhecimento científico<br />

de sua utilidade. Muitos são os caldos para<br />

o pré-enriquecimento seletivo utilizados em<br />

<strong>microbiologia</strong>: tetrationato segundo Muller-<br />

Kauffmann, Rappaport-Vassiliadis, selenito<br />

segundo Leifson, selenito-cistina e GN<br />

segundo Hajna. No entanto, com exceção<br />

dos dois últimos, estes meios foram adaptados,<br />

incorretamente, da <strong>microbiologia</strong><br />

de alimentos para a <strong>microbiologia</strong> clínica<br />

64<br />

NewsLab - edição 86 - 2008


Figura 9. Caldo GN Hajna: 1) meio inoculado<br />

com espécime fecal; 2) meio não inoculado<br />

humana, pois são utilizados somente para<br />

o isolamento de Salmonella. Eles possuem<br />

diversas substâncias tóxicas para as outras<br />

bactérias (especialmente E. coli e Shigella)<br />

e, portanto, não devem ser utilizados em<br />

espécimes fecais (9, 11, 14, 15).<br />

Mesmo muito utilizado em <strong>microbiologia</strong><br />

clínica, o caldo selenito-cistina<br />

também é bastante inibidor para o desenvolvimento<br />

de Shigella, especialmente<br />

pelo contato prolongado das células com<br />

o selenito de sódio (este caldo deve ser<br />

incubado por 24 horas antes do repique<br />

em meios sólidos). Já o caldo GN (Gram-<br />

Negative), idealizado por Hajna em 1955<br />

(4), continua sendo o melhor meio para o<br />

pré-enriquecimento seletivo tanto para o<br />

isolamento de Salmonella quanto de Shigella,<br />

a partir de espécimes fecais humanos<br />

(Figura-9). O meio deve ser inoculado<br />

com pequena porção de fezes, incubado<br />

por até 8 horas em estufa bacteriológica e<br />

repicado para meios em placa (o tempo<br />

ideal para a incubação é de 6 a 8 horas).<br />

O citrato e o desoxicolato de sódio presentes<br />

em sua formulação impedem o rápido<br />

crescimento da microbiota intestinal<br />

normal, possibilitando a multiplicação<br />

dos verdadeiros enteropatógenos. No<br />

entanto, após 8 horas de incubação, esta<br />

capacidade inibitória começa a se perder<br />

e as bactérias intestinais acompanhantes<br />

começam a se multiplicar normalmente.<br />

Portanto, nunca devemos utilizar o caldo<br />

GN após 8 horas de incubação pois,<br />

dessa forma, é praticamente como se<br />

estivéssemos semeando o espécime fecal<br />

diretamente nas placas (10, 13).<br />

Taylor e Schelhart (21) compararam caldos<br />

de pré-enriquecimento e três meios em<br />

placa durante a análise de 1.405 espécimes<br />

fecais com o intuito de escolherem a melhor<br />

combinação caldo/placa para o isolamento<br />

de Shigella. Os caldos GN e selenito foram<br />

semeados em ágar EMB, SS e XLD. Com<br />

o uso dos caldos de pré-enriquecimento,<br />

obteve-se o dobro de isolamentos de Salmonella<br />

e Shigella em comparação com a<br />

semeadura direta em placas das amostras<br />

fecais. Todos os três caldos obtiveram<br />

resultados ótimos no pré-enriquecimento<br />

seletivo de Salmonella; no entanto, o caldo<br />

GN possibilitou o isolamento de quase três<br />

vezes mais Shigella do que o caldo selenito<br />

(Tabela 1). A comparação entre os meios em<br />

placa mostrou que o ágar XLD foi muito<br />

mais eficiente que os ágares SS e EMB para<br />

o isolamento de ambos os gêneros bacterianos<br />

(Tabela 2), indicando que a combinação<br />

GN/XLD foi a mais eficiente.<br />

Quatro meios de cultura em placa<br />

(MacConkey, citrato-desoxicolato, XLD e<br />

verde brilhante) foram inoculados diretamente<br />

com amostras fecais e também após<br />

o pré-enriquecimento seletivo usando os<br />

caldos selenito, GN e tetrationato, em<br />

um estudo conduzido por Taylor e Schelhart<br />

(22) com 1.117 espécimes fecais na<br />

tentativa de isolamento de Salmonella e<br />

Shigella. O ágar XLD foi claramente superior<br />

na detecção destas bactérias (Tabela<br />

3) e o uso do caldo GN mostrou-se de<br />

Tabela 1. Performance dos caldos de pré-enriquecimento no isolamento de Salmonella e Shigella<br />

Bactéria Semeadura direta Caldo GN* Caldo Selenito*<br />

Salmonella 160 332 260<br />

Shigella 57 118 38<br />

Total 217 450 298<br />

* pré-enriquecimento com posterior semeadura em placa<br />

Tabela 2. Performance dos meios em placa no isolamento de Salmonella e Shigella<br />

Bactéria EMB XLD SS<br />

Salmonella 235 (47%) 497 (99%) 343 (68%)<br />

Shigella 103 (73%) 137 (96%) 75 (53%)<br />

Total 338 (52%) 634 (98%) 418 (65%)<br />

Tabela 3. Total de amostras positivas para Salmonella e Shigella usando caldos de pré-enriquecimento seletivo<br />

Bactéria Semeadura direta Caldo GN* Caldo Selenito* Caldo Tetrationato*<br />

Salmonella 157 250 257 164<br />

Shigella 53 77 66 27<br />

Total 210 327 323 191<br />

* pré-enriquecimento com posterior semeadura em placa<br />

NewsLab - edição 86 - 2008 65


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

Tabela 4. Total de amostras positivas para Salmonella e Shigella utilizando os meios em placa<br />

Bactéria MC XLD CD VB<br />

Salmonella 178 (55%) 305 (94%) 115 (35%) 230 (71%)<br />

Shigella 66 (75%) 78 (89%) 24 (27%) 55 (63%)<br />

Total 244 (59%) 383 (93%) 139 (34%) 285 (69%)<br />

MC: MacConkey; XLD: Xilose-lisina-desoxicolato; CD: Citrato-desoxicolato; VB: Verde brilhante.<br />

Tabela 5. Distribuição dos resultados falsos-positivos (H 2<br />

S+ não Salmonella) nos meios em placa<br />

Bactéria XLD SS Hektoen<br />

Citrobacter freundii 27 (6,7%) 82 (9,5%) 361 (36,5%)<br />

Proteus vulgaris/mirabilis 122 (30,1%) 359 (41,6%) 244 (24,7%)<br />

Total 149 (36,8%) 441 (51,1%) 605 (61,2%)<br />

fundamental importância para a detecção<br />

de ambos os patógenos, especialmente<br />

Shigella (Tabela 4).<br />

Vassiliadis et al. (24) reportaram que<br />

105 Shigella foram isoladas em ágar citratodesoxicolato<br />

quando semeadas diretamente<br />

mas somente 16 foram recuperadas após<br />

o uso do pré-enriquecimento com caldo<br />

selenito, das quais 13 de 25 foram S. sonnei<br />

e somente três de 78 foram S. flexneri.<br />

Dois caldos de enriquecimento e quatro<br />

meios em placa foram avaliados por Taylor e<br />

Schelhart (23), comparando a eficiência de<br />

detecção de Salmonella e Shigella a partir<br />

de 1.597 espécimes fecais. Todas as 17<br />

Shigella foram isoladas no ágar XLD após<br />

o enriquecimento prévio em caldo GN.<br />

A semeadura direta das fezes nos quatro<br />

meios em placa permitiu o isolamento de<br />

somente 92 das 170 Salmonella (54%); da<br />

mesma forma, somente 10 das 17 Shigella<br />

(59%) foram recuperadas. Os caldos de<br />

pré-enriquecimento se mostraram efetivos<br />

para a recuperação de todos os patógenos<br />

pesquisados, sendo que o caldo GN proporcionou<br />

o isolamento de 87% das Salmonella<br />

e 100% das Shigella e o caldo selenito 97 e<br />

76%, respectivamente.<br />

Foi observado que o ágar XLD produziu<br />

mais resultados positivos para ambos<br />

os patógenos em comparação com os<br />

outros três meios. O ágar XLD recuperou<br />

3%, 12% e 99% mais Salmonella que os<br />

ágares Hektoen, SS e EMB, respectivamente.<br />

Para Shigella, o ágar XLD produziu<br />

13%, 33% e 44% mais isolamentos que<br />

os ágares Hektoen, SS e EMB, respectivamente.<br />

Neste mesmo estudo, os autores<br />

observaram que o número de resultados<br />

falsos-positivos na observação preliminar<br />

das placas (colônias H 2<br />

S+ que não foram<br />

identificadas como Salmonella) foi maior<br />

nos meios SS e Hektoen (Tabela 5).<br />

A vantagem do ágar XLD sobre os outros<br />

meios seletivos avaliados neste estudo<br />

(SS e Hektoen) provavelmente seja um<br />

sistema de diferenciação de colônias com<br />

maior poder de discriminação (a xilose,<br />

presente no XLD, é fermentada por muito<br />

mais membros da família Enterobacteriaceae<br />

do que a salicina, presente no Hektoen).<br />

Portanto, todas as colônias salicina(-) de não<br />

fermentadores ou fermentadores tardios de<br />

lactose/sacarose são uma fonte de possíveis<br />

resultados falsos-positivos no ágar Hektoen.<br />

No entanto, a maioria destes microrganismos<br />

fermenta rapidamente a xilose,<br />

possibilitando uma maior discriminação no<br />

ágar XLD. Já o ágar SS, não possuindo nem<br />

xilose nem salicina como características diferenciais<br />

(somente lactose), é dependente<br />

quase que exclusivamente do maior efeito<br />

inibitório de sua formulação.<br />

King e Metzger (7, 8) desenvolveram o<br />

meio de cultura Hektoen Enteric em 1968<br />

como um modo de melhorar a performance<br />

de isolamento de patógenos intestinais,<br />

obtendo bom crescimento de Shigella e<br />

Salmonella através da utilização de proteosepeptona<br />

e a adição da salicina como um<br />

terceiro carboidrato fermentável, além de<br />

melhorar o sistema indicador da produção<br />

de H 2<br />

S. Durante o estudo, comparando a<br />

performance do recém-criado meio Hektoen<br />

Figura 10. Ágar XLD: Aspectos coloniais de<br />

Citrobacter freundii (Cf), Proteus mirabilis<br />

(Pm) e Escherichia coli (Ec)<br />

Enteric com os ágares SS e EMB, somente Salmonella<br />

e Shigella foram pesquisados a partir<br />

da semeadura de 2.855 espécimes fecais.<br />

Os autores relataram que o meio Hektoen<br />

possibilitou mais isolamentos de Shigella que<br />

os demais. Do total de 98 Shigella isoladas<br />

de todos os três meios, 97 foram isoladas em<br />

Hektoen e somente 40 no ágar SS.<br />

Citrobacter freundii, bacilo Gramnegativo<br />

pertencente à família Enterobacteriaceae,<br />

membro da microbiota intestinal<br />

normal da grande maioria das pessoas<br />

sadias, lactose(-) e produtor de H 2<br />

S, não<br />

tem o seu crescimento inibido nos ágares<br />

EMB, MacConkey, Hektoen e XLD, mas o<br />

ágar SS mostra-se bastante inibidor para<br />

esta espécie. Conseqüentemente, C. freundii<br />

está entre as causas menos freqüentes<br />

de resultados falsos-positivos no ágar SS.<br />

No ágar XLD esta espécie geralmente não<br />

causa resultados falsos-positivos pois,<br />

devido ao sistema diferencial daquele<br />

meio, as colônias de C. freundii tornam-se<br />

amarelas (Figura-10), semelhantes àquelas<br />

66<br />

NewsLab - edição 86 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

dos coliformes da microbiota intestinal<br />

normal, mesmo as cepas fermentadoras<br />

tardias de lactose são xilose(+) e lisina(-).<br />

O ágar Hektoen, entretanto, não possui<br />

nenhum sistema inibidor nem diferencial<br />

para distinguir C. freundii de Salmonella,<br />

uma vez que ambos podem ser lactose/<br />

sacarose/salicina(-) e H 2<br />

S(+). Portanto, C.<br />

freundii também é a causa mais freqüente<br />

de resultados falsos-positivos quando se<br />

usa este meio de cultura em amostras fecais<br />

(13) (Figura 11).<br />

Os efeitos de temperaturas de incubação<br />

diferentes (20, 35 e 40 o C), longos<br />

períodos de transporte, caldos de préenriquecimento<br />

e meios em placa foram<br />

determinados por análises exaustivas,<br />

pesquisando Salmonella e Shigella, em 132<br />

amostras fecais (20). Estes espécimes foram<br />

semeados diretamente em ágares SS, XLD e<br />

EMB, meios de transporte Cary-Blair (CB) e<br />

salina e caldos de pré-enriquecimento GN<br />

e selenito. Os melhores resultados dos caldos<br />

na recuperação de Salmonella foram<br />

GN > selenito > salina > CB > semeadura<br />

direta. Para Shigella, GN > salina > semeadura<br />

direta > CB > selenito, provando<br />

que o caldo selenito não é adequado para<br />

o isolamento de Shigella. A eficiência dos<br />

meios em placa, tanto para Salmonella<br />

quanto para Shigella, foi: XLD > EMB > SS.<br />

Além disso, 10 das 39 Shigella não foram<br />

isoladas a partir da combinação selenito/<br />

SS. As temperaturas de incubação não<br />

afetaram as taxas de recuperação de Salmonella;<br />

no entanto, somente metade das<br />

Shigella foi isolada a 40 o C e os isolamentos<br />

a 20 e 35 o C foram equivalentes. A análise<br />

das placas com crescimento de Salmonella<br />

Figura 11. Ágar Hektoen: Aspecto colonial de<br />

Citrobacter freundii (ausência de fermentação<br />

dos carboidratos do meio e produção de H 2<br />

S).<br />

e Shigella revelou que a semeadura direta<br />

das amostras fecais deve ser desencorajada,<br />

uma vez que o supercrescimento da<br />

microbiota intestinal normal atrapalha o<br />

desenvolvimento daquelas colônias dos<br />

verdadeiros patógenos, principalmente<br />

através da competição por nutrientes.<br />

Tem sido provado por diferentes<br />

autores (2, 10, 13, 14, 16,) que a combinação<br />

de pré-enriquecimento com caldo<br />

selenito e semeadura posterior em ágar SS<br />

é excessivamente inibidora para Shigella.<br />

Taylor e Schelhart (23) mostraram que 19<br />

das 39 cepas de Shigella não cresceram em<br />

nenhuma das 78 replicatas por espécime<br />

em placas de ágar SS e 20 não foram isoladas<br />

dos 48 subcultivos de caldo selenito<br />

com Shigella. Cinco de seis S. flexneri não<br />

cresceram em ágar SS, quatro de seis não<br />

cresceram em selenito, nenhuma das cinco<br />

cepas de S. dysenteriae foi detectada na<br />

combinação selenito/SS e somente uma<br />

cresceu em ágar SS. Desta forma, somente<br />

10 das 39 cepas de Shigella puderam<br />

ser isoladas da combinação selenito/SS,<br />

mesmo com 16 replicatas de cada amostra<br />

fecal. Os autores concluíram que é altamente<br />

insatisfatória a combinação destes<br />

meios, embora eles sejam utilizados por<br />

muitos laboratórios clínicos para a realização<br />

de coproculturas.<br />

Em um estudo conduzido por Pollock<br />

e Dahlgren (16), em um período de 12<br />

meses, vários meios em placa (MacConkey,<br />

XLD, SS, Hektoen) e caldos de pré-enriquecimento<br />

(selenito, tetrationato) para o<br />

isolamento de Salmonella e Shigella foram<br />

comparados, utilizando 455 amostras fecais.<br />

Destas foram isolados 53 patógenos,<br />

dos quais 56% foram S. sonnei e 13%<br />

foram S. flexneri. Destes isolados, 90%<br />

foram recuperados em ágar XLD, 87% em<br />

ágar Hektoen e 80% em ágar MacConkey,<br />

mas somente 28% em ágar SS. Menos da<br />

metade das Shigella foi isolada a partir do<br />

pré-enriquecimento em caldo selenito e<br />

somente duas foram isoladas à partir do<br />

caldo tetrationato. O ágar XLD mostrouse<br />

o melhor meio para o isolamento tanto<br />

de Salmonella quanto de Shigella, seguido<br />

pelo ágar Hektoen. Ambos possuem formulações<br />

que evitam a combinação de<br />

ingredientes sabidamente responsáveis<br />

pela baixa eficiência na recuperação de<br />

várias cepas de Shigella, como ocorre no<br />

ágar SS (sais biliares + citrato).<br />

Dunn e Martin (2) avaliaram cinco<br />

meios de transporte, oito meios em placa<br />

e três caldos de enriquecimento seletivo<br />

para o isolamento de Salmonella e Shigella<br />

em oito laboratórios de diferentes regiões<br />

dos Estados Unidos, os quais submeteram<br />

para análise 490 espécimes fecais de suas<br />

rotinas nos meios de transporte fornecidos<br />

pelos autores. Os resultados sugerem a<br />

utilização de mais de um meio de cultura<br />

para o isolamento primário aliado ao uso<br />

de um caldo de pré-enriquecimento seletivo<br />

e a obrigatoriedade de utilização de<br />

swabs com meios de transporte nos casos<br />

onde as amostras “in natura” não puderem<br />

ser inoculadas imediatamente. Os autores<br />

concluíram, também, que o uso de ágar<br />

XLD em conjunto com o caldo GN como<br />

pré-enriquecimento seletivo foi a melhor<br />

combinação para o isolamento de Salmonella<br />

e Shigella.<br />

Embora um número bastante grande<br />

de meios de transporte tenha sido descrito,<br />

eles possuem as mesmas funções básicas:<br />

manter o status quo da população bacteriana<br />

no espécime clínico, bem como prevenir<br />

o supercrescimento de uma população<br />

bacteriana em particular (como as enterobactérias<br />

da microbiota normal intestinal).<br />

Swabs retais podem ser utilizados, desde<br />

que adequada e racionalmente. Deve-se dar<br />

preferência para a inoculação das amostras<br />

“in natura” mas, nos casos onde a inoculação<br />

destas amostras no laboratório não<br />

seja possível (como nos casos de envio de<br />

espécimes para laboratórios de referência<br />

localizados em outras cidades), os swabs<br />

podem e ser utilizados. No entanto, jamais<br />

utilizar swabs “secos”, ou seja, sem meios<br />

de transporte. Atualmente os swabs comerciais<br />

possuem preços bastante acessíveis a<br />

qualquer laboratório e devem ter preferência.<br />

Colocando os custos diretos e indiretos<br />

na ponta do lápis, os swabs confeccionados<br />

no próprio laboratório elevam substancialmente<br />

o valor final do teste (13).<br />

68<br />

NewsLab - edição 86 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

Alguns estudos relataram a importância<br />

da utilização de meios conservantes para<br />

espécimes fecais com a finalidade de realização<br />

de coproculturas. Stuart (19) foi o<br />

primeiro a publicar um meio quimicamente<br />

definido para a preservação de células bacterianas<br />

até o momento da inoculação em<br />

meios apropriados no laboratório, inclusive<br />

para amostras destinadas ao cultivo de Salmonella<br />

e Shigella. Seu estudo concluiu que<br />

as evidências sugeriam que os swabs retais<br />

preservados no meio de transporte proposto<br />

não possuíam performance inferior aos espécimes<br />

fecais “in natura” para o isolamento<br />

de Salmonella e Shigella após um ou dois<br />

dias de transporte. Posteriormente, Cary e<br />

Blair (1) reportaram o desenvolvimento de<br />

um novo meio de transporte para amostras<br />

fecais, indicando que Salmonella e Shigella<br />

poderiam ser isoladas por até 49 dias, Vibrio<br />

cholerae por até 22 dias e Yersinia pestis por,<br />

pelo menos, 75 dias quando armazenadas<br />

neste novo meio.<br />

No entanto, estudos mais recentes,<br />

comparando a eficiência na manutenção<br />

de células viáveis de Shigella em meios<br />

de transporte comumente utilizados em<br />

laboratórios clínicos (Cary-Blair e salina<br />

glicerinada tamponada), questionaram a<br />

real utilidade dos swabs com meios de<br />

transporte no isolamento de patógenos<br />

entéricos mais delicados e que morrem<br />

rapidamente quando há demora no seu<br />

isolamento. Em um estudo (1), 376 espécimes<br />

fecais de pacientes envolvidos<br />

em surtos de diarréia por Shigella foram<br />

analisados utilizando swabs com meio de<br />

transporte Cary-Blair e salina glicerinada<br />

tamponada. A duração do transporte das<br />

amostras até o laboratório variou de um a<br />

seis dias. Os maiores índices de isolamento<br />

foram obtidos em espécimes refrigerados<br />

ou congelados, em ambos meios de transporte,<br />

em comparação com os meios em<br />

temperatura ambiente. Esta diferença foi<br />

mais evidente na análise dos espécimes<br />

deixados à temperatura ambiente por mais<br />

de três dias. Os autores concluíram que a<br />

salina glicerinada tamponada é melhor<br />

para o transporte e posterior isolamento<br />

de Shigella do que o swab com Cary-Blair,<br />

mas o grau de superioridade é dependente<br />

da temperatura de transporte.<br />

Baseado nas informações anteriores<br />

e ainda na nossa experiência prática,<br />

sugerimos a utilização do caldo GN (com<br />

incubação a 35-37 o C por 6 a 8 horas)<br />

e repique deste para placas de ágares<br />

MacConkey e XLD, para uma ótima recuperação<br />

de Salmonella, Shigella e outros<br />

enteropatógenos bacterianos. No entanto,<br />

a análise destes últimos será tema da Parte<br />

2 deste protocolo de coprocultura. •<br />

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70<br />

NewsLab - edição 86 - 2008

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