HISTÓRIAS Enquanto a tarde cai... S entado em um banco de praça, observando o tempo passar, me dei conta de que há muito eu não fazia isso: parar com o único e exclusivo objetivo de olhar o mundo acontecer sem pressa. Não estava em busca de nada em especial. Talvez me tirar da tomada, para tentar apenas reagir ao que me chegasse à retina. Sujeito ao pulsar da cidade em um fim de tarde. Um casal, em total silêncio, de mãos dadas, a passos lentos, parecia adiar o momento da separação. Sorvia cada instante como se fosse o último. Os corpos se aproximavam sem palavras e eu ali, intruso, tentava adivinhar o que se passava. Imaginei possíveis enredos, diálogos sussurrados que talvez não conseguisse ouvir, mas o silêncio deles falava mais alto. Até que, com um beijo breve, doce, se separaram. Ela seguiu caminhando enquanto ele a acompanhou à distância, parado à minha frente, sem se dar conta que eu os mirava com total atenção. Por um instante, achei que o rapaz se sentaria ao meu lado. Tinha uma expressão abandonada, de quem não sabe muito bem o que fazer com o vazio da ausência, como alguém que desperta, subitamente, de um sonho bom. Não enxerguei melancolia. Ele, enfim, se foi, quando a imagem da namorada se perdeu no horizonte. Também o segui com os olhos até que virasse a esquina. Eu permaneci, vendo as cores do céu enrubescerem com o sol que se punha comigo ali, a espera de algo, que nem mesmo eu sabia o que era. Até que um homem e seu cachorro vieram em minha direção, como se me conhecessem, e fossem me cumprimentar. Mas não. Ele me olhava, mas parecia não me ver: teria eu ficado invisível? Não seríamos todos um pouco translúcidos, quando imersos na paisagem do cotidiano, sujeitos à indiferença dos outros? Sei lá. Mas o fato é que ele, segurando a coleira de seu cão em uma mão e um jornal na outra, sentou-se no meu banco, e pôs-se a ler, enquanto o animal, primeiro confuso e depois aparentemente conformado, deitou-se sobre seus pés, quase adormecendo. O homem não me cumprimentou nem pediu licença. Apenas instalou-se a menos de um metro de meu corpo, imerso nos sons da cidade. De certa maneira, agradeci seu alheamento, nada hostil, quase fraterno. Talvez buscasse o mesmo que eu. Ficamos os três ali, no banco da praça, compartilhando aquele pedaço de cidade, todo nosso naquele entardecer tão intenso em sua desimportância. Foto: divulgação Por Paulo Camargo 74 junho 2019 revistavoi.com.br
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