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Sapeca 18

Misto de Sapo e Perereca - Editor Tonico Soares

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Porém, naquela manhã (já quase meio-dia), nada poderia diverti-la,<br />

pelo menos enquanto o 8½ não desse sinal de vida. Ainda por cima, seu celular<br />

estava fora de área. Chamou Cuñan, adolescente, filha do jardineiro, e<br />

mandou-a pegar, ‘com todo cuidado’, o estojo de joias.<br />

− Qual deles? Aquele com o brilhante que Sir Richard Burton lhe deu?<br />

− Não, o ‘Paolina’. Espera até eu voltar do banheiro.<br />

E ficou um tempão lá dentro, saindo irritada:<br />

− Porra! Não consegui, de novo.<br />

Cuñan fez de conta que não ouviu e foi apanhar as joias que pertenceram<br />

a Paolina Bonaparte, vivida no cinema por Gina Lollobrigida, arrematadas<br />

num concorridíssimo leilão, em Londres. Miss Taylor espalhou as peças<br />

em cima da mesa de mogno, examinando longamente uma por uma, experimentando<br />

um anel, um bracelete, um pingente, uma tiara, frente ao espelho<br />

(finíssimo cristal de Veneza, feito de encomenda para Lucrécia Borgia) e<br />

pensou na insensibilidade do animal homem, incapaz de entender as mínimas<br />

carências de suas fêmeas. Os mais compreensivos, por incrível que pareça,<br />

não eram propriamente entusiastas do sexo feminino: Montgomery<br />

Clift, Rock Hudson... grandes amigos. E tiveram o mau gosto de morrer relativamente<br />

cedo, e mais cedo ainda se foi James Dean.<br />

Encomendou ao cozinheiro filipino uma salada leve e foi trocar de<br />

roupa. Uma hora depois, escolheu um modelo comprido, bem folgado, e avisou<br />

pelo interfone que estava descendo. Era a senha para que a criadagem<br />

toda se perfilasse no salão − a sua plateia, na falta de outra. Sorriu para todos<br />

e ordenou a Zefiña que arrumasse o quarto, não se esquecendo de trocar<br />

os lençóis e fronhas (de algodão do delta do Nilo), e bater os travesseiros (de<br />

plumas de ganso da Hungria), deixando-os algum tempo no terraço, ao sol.<br />

À mesa, pediu papel e caneta, anotou um nome e mandou o chauffeur<br />

à drugstore, no trevo rodoviário, pegasse dinheiro com Quirós, responsável<br />

pelas compras. Comeu uma tenra folha de alface, uma tênue fatia de flor de<br />

lótus, outra de salmão, vinho branco e uma lasquinha de roquefort. Ali mesmo<br />

tomou o comprimido que o chauffeur acabara de trazer e anunciou que o<br />

café deveria ser servido no living, para onde se dirigiu. Sentou-se ao piano,

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