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UnicaPhoto-Edicao13

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dos durante os concertos da banda Velvet Underground,<br />

sem qualquer prejuízo para a compreensão da “história”<br />

dos filmes. É que esses filmes nunca se propuseram a contar<br />

história nenhuma para início de conversa.<br />

Aqui, vamos nos debruçar sobre um trabalho menos conhecido:<br />

o longa Eu Sou Lana Del Rey (2016), fruto de uma<br />

parceria entre Nassif, que assina a direção e a montagem<br />

do filme, e o artista (carioca mas residente em Nova Iorque)<br />

Bráulio Cruz, que escreveu o roteiro e atua como<br />

protagonista. Trata-se de um artefato tão singular dentro<br />

da produção audiovisual brasileira recente que é preciso<br />

ter cuidado para não o esmagar, fraturando-o em mil pedaços<br />

incompreendidos, com as formas correntes de que<br />

normalmente dispomos para enxergar um filme no Brasil.<br />

No dispositivo de encenação de Eu Sou Lana Del Rey, Bráulio,<br />

em Nova Iorque, senta na frente de sua webcam enquanto<br />

Lucas, no Rio e conectado a Bráulio, filma a tela do próprio<br />

computador. Como resultado, o universo visual do filme é<br />

constituído pela textura de baixíssima definição das vídeo-<br />

-chamadas digitais e pela predominância do magenta, que<br />

cria uma paleta de cores talvez involuntária, mas que acaba<br />

por dialogar com o imaginário cheio de flores decadentes<br />

que Lana Del Rey, cujas músicas permeiam o filme inteiro,<br />

constrói através de seus videoclipes, capas de disco e concertos<br />

ao vivo. Ao mesmo tempo, é quase sempre possível<br />

ver o frágil reflexo de Lucas, de câmera na mão, na tela do<br />

seu próprio computador. Diversas vezes Bráulio interage e<br />

se dirige a Lucas, que em troca dá algum direcionamento<br />

para a sequência a que assistimos.<br />

A baixa definição de imagem, o quase monocromatismo,<br />

o som falho e por demais “eletrônico” advindo dos alto-<br />

-falantes do computador de Lucas, o tédio das sequências<br />

longuíssimas são claras escolhas estéticas que criam um<br />

universo único, a saber: não o da dificuldade experimental<br />

de uma obra de vanguarda, mas o da melancolia fantasmática<br />

das conversas digitais a longa distância, e o prazer<br />

lânguido de se perder nas madrugadas frias das confissões<br />

patéticas que às vezes temos coragem de fazer diante de<br />

uma webcam. Eu Sou Lana Del Rey parece indulgentemente<br />

retirar um prazer secreto dessa situação de distancia eletrônica<br />

e anseio na solidão, como se ela fosse o portal para<br />

um modo de ser próprio, um ethos notavelmente queer e<br />

masoquista. Para embalar essa tristeza inútil e efeminada,<br />

não seriam possíveis outras músicas que não as de Lana<br />

Del Rey, o guilty pleasure pop que teve a coragem de ja-<br />

Gold Marilyn Monroe<br />

(Andy Warhol, 1962)<br />

mais cantar algo alegre (nenhuma nota sequer) e que a<br />

cada disco cria uma sonoridade mais lenta, mais circular<br />

e mais repetitiva: o demônio-da-guarda das bichas tristes.<br />

Na primeira sequência de Eu Sou Lana Del Rey, enquanto escuta<br />

“Don’t Let Me Be Misunderstood”, de Lana, Bráulio faz<br />

uma espécie de tradução simultânea da letra para o português.<br />

A voz masculina e sem ritmo dele contrasta com os<br />

vocais de Lana, atrapalhando a audição de sua música. Mas<br />

a própria música chega aos ouvidos do espectador com a<br />

interferência da baixa qualidade do som da vídeo-chamada.<br />

É como se Nassif, em sua mise en scène, fizesse de tudo<br />

para atrapalhar uma fruição mais emocionalmente engajada<br />

por parte do espectador. Com a tradução de Bráulio e a<br />

baixa qualidade, fica difícil, num primeiro momento, se relacionar<br />

afetivamente com a música. Para completar, Nassif<br />

pede para Bráulio repetir o que acabara de fazer, só que<br />

com a música mais alta. O espectador, então, assiste a essa<br />

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