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ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA<br />
1 2 31 -3-201 6<br />
Em causa a dignidade e os direitos dos trabalhadores<br />
Combate ao flagelo da precariedade<br />
A precariedade laboral tornou-se um flagelo<br />
social que atinge cerca de um milhão e duzentos<br />
mil trabalhadores, sendo hoje um factor de<br />
tremenda instabilidade e injustiça social.<br />
Apostado em alterar este<br />
quadro está o PCP que,<br />
depois da entrega recente<br />
de diplomas seus visando<br />
esse objectivo, levou o tema<br />
no dia 23 ao plenário<br />
da AR em debate de actualidade.<br />
Dando continuidade à<br />
campanha nacional iniciada<br />
a 18 de Fevereiro –<br />
«Mais Direitos, Mais Futuro<br />
– Não à Precariedade»,<br />
assim se chama a acção em<br />
curso junto dos trabalhadores<br />
nas empresas –, este<br />
debate constitui-se numa<br />
importante achega para<br />
que o Parlamento, em colaboração<br />
com o Governo,<br />
dê os passos necessários<br />
com vista a minorar o problema<br />
e a que sejam criadas<br />
condições de prestação<br />
de trabalho que respeitem<br />
a dignidade dos trabalhadores.<br />
É que falar em precariedade<br />
do trabalho, para<br />
os trabalhadores a ela sujeitos,<br />
como salientou o deputado<br />
comunista António<br />
Filipe na intervenção final,<br />
é falar da «precariedade da<br />
própria vida».<br />
A deputada Rita Rato,<br />
no arranque do debate, fora<br />
mesmo mais longe e<br />
considerou que a precariedade<br />
do emprego é a<br />
«precariedade da família,<br />
da formação, das qualificações<br />
e da experiência profissional,<br />
é a precariedade<br />
do perfil produtivo e da<br />
produtividade do trabalho».<br />
Precariedade que afecta<br />
vários sectores de actividade,<br />
na indústria, no comércio,<br />
nas pequenas e grandes<br />
superfícies comerciais,<br />
os trabalhadores da cultura,<br />
da investigação científica,<br />
os serviços públicos.<br />
Fragilidades<br />
Dupla penalização<br />
Uma das áreas onde se faz sentir de forma mais notória<br />
a precariedade é a do sistema científico e tecnológico<br />
nacional, nomeadamente no que se refere aos bolseiros<br />
de investigação científica.<br />
Trata-se de jovens altamente qualificados que são<br />
submetidos a um regime de precariedade injusto e que<br />
prejudica não só a sua capacidade de produção científica<br />
como a estabilidade das próprias instituições em que<br />
prestam o seu trabalho, como salientou no debate o<br />
deputado comunista Miguel Tiago. Situação esta que é<br />
«duplamente penalizadora» não só porque os afecta<br />
pessoalmente (degrada os seus direitos e a qualidade de<br />
vida, não assegura estabilidade e mantém em suspenso<br />
o seu próprio futuro), como atinge também as instituições<br />
que não sabem muito bem com que corpo de<br />
investigadores podem contar de um ano para o outro.<br />
Contestada pelo parlamentar do PCP foi, por outro lado,<br />
a ideia defendida por sucessivos governos de que a<br />
precariedade no mundo da ciência e da tecnologia é<br />
necessária para que os trabalhadores produzam. «Não<br />
podia ser mais errada», sublinhou Miguel Tiago, convicto<br />
de que tanto as instituições como os trabalhadores apenas<br />
têm a perder com a precariedade.<br />
O que falta, pois, no caso dos bolseiros de investigação<br />
científica, são soluções, que, na perspectiva do PCP,<br />
passam à cabeça pelo fim dessa condição temporária de<br />
bolseiro e sua integração numa carreira. Integração essa<br />
que para aqueles que estão a obter o grau de doutorado<br />
deve ser uma carreira de iniciação à investigação científica<br />
(como o PCP já propôs em diploma). Necessário é também,<br />
noutro plano, incorporar todos aqueles que já são<br />
doutorados na carreira de investigação científica, uma<br />
vez que, como foi dito, esta carreira «não abre há décadas<br />
no País, apesar das necessidades serem gritantes».<br />
A um posto<br />
de trabalho<br />
permanente deve<br />
corresponder<br />
um vínculo de<br />
trabalho efectivo<br />
E no debate não faltaram<br />
os exemplos, pela voz dos<br />
deputados comunistas, de<br />
trabalhadores jovens e menos<br />
jovens cujo vínculo laboral<br />
é precário.<br />
Ficou sobretudo claro<br />
que a fragilidade da relação<br />
laboral, traduzida na<br />
precariedade, é uma «fragilidade<br />
da posição dos trabalhadores<br />
a todos os níveis».<br />
Trata-se de contratos<br />
a termo em desrespeito pela<br />
lei, do uso abusivo de<br />
recibos verdes, de trabalho<br />
encapotado pelo regime<br />
de prestação de serviços,<br />
de bolsas de<br />
investigação ou estágios<br />
profissionais, de trabalho<br />
temporário sem observância<br />
de regras.<br />
«O precário não tem direitos.<br />
É afectado por situações<br />
inaceitáveis de baixos<br />
salários, por horários<br />
alargados e arbitrários (têm<br />
horas para entrar mas não<br />
têm horas para sair), são<br />
praticamente proibidos de<br />
exercer os seus direitos sindicais»,<br />
sumariou António<br />
Filipe, expondo no fundo<br />
as razões que estão na base<br />
da exigência de mudança<br />
da situação presente.<br />
Deste debate resultou<br />
igualmente claro que a precariedade<br />
não é uma inevitabilidade.<br />
«Não caiu do<br />
céu», observou Rita Rato,<br />
lembrando que a precariedade<br />
é fruto de sucessivas<br />
alterações à legislação<br />
laboral que a generalizaram,<br />
tal como degradaram<br />
as condições de trabalho e<br />
liquidaram direitos laborais<br />
e sociais.<br />
Mas a precariedade é<br />
também «uma opção do patronato,<br />
uma medida de<br />
acentuação da exploração<br />
dos trabalhadores», acrescentou<br />
António Filipe, convicto<br />
de que as empresas<br />
impõem a precariedade aos<br />
trabalhadores para «aumentarem<br />
o lucro dos seus accionistas».<br />
Maus exemplos<br />
Praga atinge a Cultura<br />
Universo que também não escapa à<br />
precariedade é o da Cultura. Aqui, o<br />
fenómeno assume proporções tais que se<br />
transformou numa praga que espolia os<br />
trabalhadores do «seu presente, do seu<br />
direito ao trabalho, do seu direito a<br />
constituir família, do seu direito à<br />
estabilidade», roubando-lhes um «futuro<br />
digno», como salientou no debate a<br />
deputada comunista Ana Mesquita. São<br />
actores, actrizes, técnicos, artistas plásticos,<br />
trabalhadores de arqueologia, enumerou,<br />
lembrando quantos deles têm hoje<br />
«reformas miseráveis» não obstante a vida<br />
inteira de trabalho e dedicação à Cultura.<br />
Um quadro que em nada difere, afinal,<br />
daquele que caracteriza a vida dos<br />
restantes trabalhadores que enfrentam o<br />
mesmo problema.<br />
Trazidos para primeiro plano foram ainda<br />
os mais recentes casos de denúncia de<br />
A precariedade laboral é sinónimo de insegurança, baixos salários e limitação de direitos<br />
fundamentais<br />
Ponto muito sublinhado<br />
pela bancada comunista foi<br />
ainda o de que o Estado<br />
não pode dar maus exemplos.<br />
«Não pode ser o maior<br />
patrão a prazo existente no<br />
nosso País, não pode dar<br />
o mau exemplo que tem<br />
dado de substituir emprego<br />
tão necessário nos serviços<br />
públicos por programas<br />
precários em que os<br />
trabalhadores são miseravelmente<br />
remunerados, não<br />
são reconhecidos enquanto<br />
trabalhadores de pleno<br />
direito, e, no final desses<br />
programas, são lançados<br />
mais uma vez para uma situação<br />
de desemprego, sendo<br />
substituídos por outras<br />
pessoas na mesma situação»,<br />
enfatizou António Filipe.<br />
Eliminar a substituição<br />
de empregos necessários<br />
nos serviços públicos pelas<br />
chamadas medidas activas<br />
de emprego – «uma enorme<br />
indignidade», como foi<br />
classificada pela bancada<br />
comunista –, é assim uma<br />
exigência.<br />
Foi sobretudo realçado<br />
o dever indeclinável do Estado<br />
de «garantir a legalidade<br />
das relações de trabalho»,<br />
bem como de dar<br />
não só o exemplo no público<br />
como de fiscalizar rigorosamente<br />
o cumprimento<br />
da legislação laboral no que<br />
se refere ao sector privado,<br />
para além de garantir<br />
falsos recibos verdes em diversas estruturas<br />
e salas de espectáculos. Instituições onde<br />
a oferta de trabalho é acompanhada de<br />
uma descrição pormenorizada das funções<br />
a desempenhar – local, remuneração e<br />
até fardamento – mas a contratação é sob<br />
o regime de prestação de serviços. Ana<br />
Mesquita, dando exemplos, referiu-se<br />
concretamente ao CCB, ao Teatro Nacional<br />
de São João, Teatro Nacional de S. Carlos,<br />
Teatro Camões e a Serralves.<br />
Exemplo flagrante é ainda o dos<br />
arqueólogos. Não obstante serem tantas<br />
e tantas vezes sujeitos a horários e a local<br />
de trabalho fixos, prestando serviço anos<br />
a fio para as mesmas empresas, muitos<br />
estão condenados ao trabalho a recibo<br />
verde. E por causa disso, observou a<br />
deputada do PCP, «quantos não tiveram<br />
de abandonar a profissão e emigrar,<br />
deixando o País mais pobre e mais vazio».<br />
a efectividade dos direitos<br />
constitucionais e legais de<br />
todos os trabalhadores.<br />
Papel da ACT<br />
A bancada comunista<br />
chamou igualmente a atenção<br />
para a necessidade de<br />
encetar com urgência um<br />
combate implacável aos falsos<br />
recibos verdes, às situações<br />
em que o trabalho<br />
subordinado é encapotado<br />
e em que os trabalhadores<br />
são obrigados a inscrever-<br />
-se como empresários em<br />
nome individual.<br />
Como é igualmente indispensável<br />
que a verificação<br />
dos elementos definidores<br />
do contrato de trabalho<br />
seja prova suficiente<br />
da existência desse contrato<br />
de trabalho e que as situações<br />
de falsos recibos<br />
verdes sejam automaticamente<br />
convertidas e reconhecidas<br />
como contratos<br />
de trabalho com todos os<br />
direitos inerentes.<br />
Também neste plano, como<br />
foi salientado, a Autoridade<br />
para as Condições<br />
de Trabalho (ACT) assume<br />
um papel decisivo. Daí a<br />
exigência de que esta entidade<br />
possa ver reforçados<br />
os seus meios humanos e<br />
repensadas as suas competências<br />
e efectividade das<br />
suas decisões, por forma a<br />
que possam ser dissuasoras.<br />
A reter das posições assumidas<br />
no debate pela bancada<br />
comunista fica ainda<br />
a sua defesa da limitação<br />
da admissibilidade da contratação<br />
a termo, a conversão<br />
de contratos a termo<br />
em contratos permanentes<br />
e a adopção de mecanismos<br />
sancionatórios suficientemente<br />
dissuasores do<br />
recurso à precariedade laboral.