*Dezembro/2019 - Revista Biomais 36
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OPINIÃO<br />
Foto: divulgação<br />
A DESERTIFICAÇÃO<br />
DO BRASIL<br />
POPULAÇÃO DEVE LEMBRAR DOS TRANSTORNOS OCORRIDOS<br />
EM 2015 E 2016 EM VÁRIAS REGIÕES DO BRASIL<br />
E<br />
m 2005, o governo federal iniciou a grandiosa obra<br />
de transposição do Rio São Francisco para levar água<br />
às regiões setentrionais do nordeste. A condição<br />
climática no semiárido nordestino é extremamente<br />
complexa, pois alterna períodos de chuvas e longos períodos<br />
de estiagem, afetando principalmente os produtores rurais.<br />
Essa alternância resulta na característica de que a região<br />
não é tão seca a ponto de expulsar definitivamente as pessoas,<br />
e tampouco é úmida suficiente para gerar prosperidade<br />
econômica por meio das atividades agropecuárias.<br />
Os períodos de chuvas favoráveis mantém as pessoas no<br />
campo e geram alguma reserva; já os períodos de estiagem<br />
consomem toda a reserva acumulada. E em condições de<br />
seca muito severa, correntes migratórias partem para outras<br />
regiões do país, como é notório desde o início do século XX.<br />
No saldo, as famílias que permanecem no sertão ficam reféns<br />
da seca e da miséria.<br />
Após inaugurações apressadas, a obra de transposição<br />
está em ruínas, e o que seria uma medida para acabar com a<br />
“indústria da seca” e para implantar um novo modelo econômico<br />
na região tornou-se mais um dos grandes exemplos de<br />
ineficiência e má gestão dos recursos públicos: a transposição<br />
do São Francisco definha, e isso secou também o sonho de<br />
milhões de pessoas que almejavam com a obra uma vida mais<br />
próspera.<br />
Estamos assistindo a um efeito de ampliação de extensas<br />
áreas de seca no Brasil, pois largas extensões territoriais estão<br />
se tornando mais áridas. E diferentemente do que ocorre no<br />
nordeste, em que a própria natureza moldou a aridez da região,<br />
a ampliação de regiões áridas em outras partes do Brasil<br />
é fruto da intervenção direta do homem sobre os processos<br />
naturais.<br />
Como é de amplo conhecimento não somente da comunidade<br />
acadêmica, a presença de florestas é fundamental para<br />
que a umidade proveniente da Amazônia, também chamada<br />
de rios voadores, alcance áreas ao sul do Brasil, tanto nas regiões<br />
centro-oeste, sudeste e sul, como também alcance outras<br />
partes do território sul-americano.<br />
O desmatamento desenfreado da floresta amazônica<br />
sem nenhum tipo de planejamento e ordenamento territorial<br />
está comprometendo o fluxo natural de umidade. Com esse<br />
comprometimento, extensas áreas estão mais propensas à estiagem,<br />
prejudicando todo o sistema econômico já instalado<br />
e consolidado, como o agropecuário, a geração de energia,<br />
o transporte hidroviários e os sistemas de saneamento, por<br />
exemplo. E ao contrário de discursos atuais, não há falácias<br />
sobre o que vem acontecendo na Amazônia: ela está sim em<br />
perigo e corre o risco de ser extinta nas próximas décadas –<br />
além de inviabilizar economicamente outras regiões do Brasil<br />
por conta da estiagem, tornando essas regiões semelhantes<br />
ao que acontece no sertão nordestino. Sem água, uma das<br />
grandes fontes de riqueza econômica desse país, a atividade<br />
agropecuária, estará severamente comprometida.<br />
Grande parte da população deve se lembrar dos transtornos<br />
ocorridos em 2015 e 2016 em várias regiões do Brasil,<br />
mas em especial no sudeste, que viveu a maior crise hídrica<br />
de sua história, afetando milhões de pessoas. É certo que<br />
crises hídricas irão retornar com mais frequência e severidade<br />
caso o desmatamento continue. E é nesse aspecto que deve<br />
haver a mobilização dos diversos setores sociais do Brasil<br />
para combatermos um eminente desastre ambiental e, por<br />
decorrência, uma tragédia social. Portanto, a prosperidade<br />
brasileira depende essencialmente da manutenção dos serviços<br />
ambientais gerados pela floresta amazônica, sem a qual o<br />
semiárido ocupará grandes extensões do território brasileiro e<br />
mais pessoas estarão atadas à miséria.<br />
Por Rodolfo Coelho Prates<br />
Doutor em Economia e professor do curso de Economia da PUC/PR<br />
(Pontifícia Universidade Católica do Paraná)<br />
58 www.REVISTABIOMAIS.com.br