Revista Gávea 03
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O concurso de fachadas de 1904 no Rio de Janeiro 25
Era esta burguesia unida à estrutura do poder dominante que buscava para si ares de
progresso, renegando e desvalorizando tudo o que estivesse preso à sua tradição, a começar
pela arquitetura encomendada.
“Quanto ao caráter das novas edificações, o período se distingue pela competição
cada vez mais aguda entre o antigo mestre-de-obras, de origem lusitana, que faz
um esforço para adaptar-se aos novos tempos, e os arquitetos estrangeiros ou nacionais,
embebidos de rudimentos da cultura francesa, britânica ou italiana” (14).
Esta luta não era nova. Já houvera um período, na época da chegada de
D. João VI, em que no Brasil começara-se o culto arquitetônico na figura do grande arquiteto
Grandjean de Montigny. Para alguns como Olavo Bilac, após sua morte o mau gosto passara
a imperar nas construções entregues aos mestres-de-obras, considerados sumidades
pela classe rica ignorante. Eles eram acusados de absurdos tais como: a edificação indiscriminada
dos chalets, construção típica do campo e que no Rio estava presente no centro
da cidade; o uso de compoteiras na ornamentação das platibandas; o abuso da pedra de
cantaria, que não permitia o luxo de ornatos obtido em construções de tijolo; enfim, a tentativa
de baratear a construção fazendo adaptações superficiais do que estava em voga. Assim,
diz Olavo Bilac que “ quando um burguês queria construir um prédio, o seu primeiro
cuidado era procurar um mestre-de-obras pé-de-boi, nada amigo de novidades, aferrado às
tradições e desprovido de diploma” (15).
Ainda com relação ao problema levantado sobre o mestre-de-obras, Mo-
rales de los Rios, arquiteto espanhol brilhante do início do século e participante do certame
em questão, faz um pequeno histórico da categoria mestres-de-obras. O seu objetivo é
também mostrar a importância do Concurso de Fachadas, pois revelara a primeira falange
de arquitetos que existia entre nós. Diz ele que, com a Missão Francesa, a arte dos mestres
caíra nas mãos dos boçais. Aos poucos se dera a decadência deste grupo, comprovada pelos
livros paroquiais que testemunhavam pagamentos irrisórios feitos aos mestres para fingirem
de arquiteto, além de ainda serem tratados como escravos alugados por seus senhores.
Fora então desse grupo de homens que saíra a classe posteriormente chamada de
mestres-de-obras e que durante algum tempo alcunhava-se ou era alcunhada de “ Chico
Burro ou Chico Barbado” , daí não se poder esperar nenhum primor na sua arquitetura.
Moralez de los Rios, apesar de desprezar os mestres-de-obras, não descarta sua importância
na arquitetura domiciliar (16).
Desde a influência neoclássica começara-se a abandonar a tradição construtiva
colonial e seus verdadeiros agentes, os velhos mestres-de-obras. E claro que não se
chamaria à ação estes homens no momento em que o importante era rasgar avenidas,
cujos prédios precisavam ser construídos com materiais novos e pouco familiares a eles,
onde elegância e suntuosidade não poderíam sofrer deslizes domésticos e serem sacrificadas
pela ignorância.