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Revista Gávea 03

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E N T R E V IS T A

Lucio Costa sobre Aleijadinho

Jorge Czajkowski — Dr. Lucio, como o senhor situaria a obra do Aleijadinho

em relação ao gosto artístico vigente na época?

Lucio Costa — O Aleijadinho era, por temperamento, um sujeito apaixonado.

Impulsivo e apaixonado. Quando se lê sua biografia, sente-se essa paixão, e aconteceu

de ele nascer numa época em que o estilo era muito refinado, a fase final do barroco

— chamado rococó —, um estilo elegante, delicado, gracioso. A obra do Aleijadinho é o

casamento dessas duas coisas. A contradição entre o estilo da época, que era o que ele

manuseava, e seu temperamento mais “possuído” , mais “ miguelangelesco” , marca toda

a sua obra.

Aleijadinho foi um caso excepcional. Bazin tem razão quando diz que o

conjunto da obra dele foi a última manifestação válida de arte religiosa no mundo. Séculos

e séculos de evolução, desde o começo do cristianismo e essa coisa extraordinária que

aconteceu no interior do Brasil, em Minas, cercada de montanhas, naquele isolamento.

Acho a conclusão de Bazin acertadíssima.

Ronaldo Brito — Não deixa de ser curioso que ele tivesse uma vinculação

religiosa tão profunda, tão sincera... talvez tenha sido justamente essa situação de isolamento

do Brasil que tenha permitido a um eu já desenvolvido, já moderno, liberto do

princípio de autoridade, conservar uma vinculação religiosa tão forte.

LC — Até os 40 anos o Aleijadinho foi uma pessoa normal. Só depois,

quando ele estava trabalhando no belíssimo lavatório da sacristia de São Francisco de Ouro

Preto, é que começaram os sintomas da moléstia dele. Esse lavatório foi oferecido pelos

sacristãos de 1777, 78 e 79, como dádiva à irmandade. Daí em diante ele foi ficando cada

vez mais místico, mais apaixonado em sua obra, que era toda voltada para a religião. E

compreensível, naquele drama com que se viu confrontado. A descrição de sua figura,

feita pela nora Joana e reproduzida por Bretas, eu acho fundamental. Nunca vi uma descrição,

um retrato, tão perfeitos. O Rodrigo José Ferreira Bretas fez, no século passado, a

biografia do Aleijadinho, baseado especialmente nas declarações de Joana, que o acompanhou

naquela agonia final toda.

RB — Essa biografia de Bretas é muito romanceada?

LC — Não, não tem nada de romanceada. Bretas é impecável. Ele transcreve

o artigo que serve de base para toda a história da arquitetura religiosa mineira, de

Joaquim José da Silva, o chamado Vereador Segundo da Câmara de Mariana, que tinha

por obrigação, de tantos em tantos anos, fazer um relatório do “estado das artes” na

província. Esta descrição do Vereador fala dos trabalhos numa linguagem meio pomposa,

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