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Revista Gávea 03

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Lucio Costa sobre Aleijadinho 35

plásticos, sem contato direto, sem ser oriundo da obra.

Com o negócio do ouro houve um enriquecimento em Minas, e afluíram

então mestres-construtores e artistas que vinham para cá porque havia muito mercado,

muita construção, quando na Metrópole já quase não havia. De modo que em Minas

houve um reaportuguesamento, o que explica que o nosso Aleijadinho, no confronto com

os outros mestres todos, locais, tenha sido exata mente isso: um arquiteto que teve uma

formação como os outros artistas do Renascimento. O que acontece, e é muito engraçado,

é que ele, com essa formação de artista, concebia formas, criava problemas, que iam dificultar

a tecnologia corrente, do construtor, inovações que atrapalhavam e engendravam

uma série de dificuldades para o construtor.

CZ — O Aleijadinho seria, então, o único artista brasileiro de expressão

universal, ligado a uma tradição renascentista? Não propriamente o primeiro artista

moderno no Brasil, mas o último artista renascentista universal?

LC — Exato. O que não se pode deixar de considerar é que a arte dita colonial

era uma arte portuguesa. O Brasil era Portugal, os portugueses aqui estavam em

casa. Isso é importante. Tudo era Portugal. Diferente, mas como as províncias portuguesas

são diferentes entre si. Norte e Sul de Portugal são completamente diferentes.

RB — Tenho uma pergunta assim... fantasiosa. Será que o Aleijadinho

poderia ter feito o que fez lá em Portugal? Ou só poderia fazer aqui?

LC — Acho que lá não daria pé... A própria biografia do homem...

CZ — Nós, de vez em quando, conversamos a propósito do problema da

visualidade brasileira e de sua relação com a tradição lusitana. Existem alguns fatos óbvios

— Camões, por exemplo — que dão à linguagem escrita uma dimensão que a visualidade

não tem, na cultura portuguesa. O senhor acha que a relação dos portugueses com a plasticidade

de um modo geral é uma coisa fraca, difusa, ou que ela tem uma expressão e essa

expressão é coroada pela obra do Aleijadinho?

LC — A visualidade plástica portuguesa não foi fraca. Pelo contrário, foi

muito forte. Sente-se isso muito bem, inclusive — ou principalmente — na arquitetura

popular. Acho que o Aleijadinho foi um aboutissement da evolução da arte arquitetônica,

das artes vinculadas à arquitetura no Brasil. Considerando as igrejas dele, foi uma espécie

de volta ao partido das igrejas iniciais brasileiras, daquelas primeiras igrejas lá do Nordeste,

que eram muito singelas e consistiam nisso: uma porta de entrada única, duas janelas no

coro e um óculo, aquele frontão reto, aqueles cunhais, um esquema muito singelo. Eram

igrejas claras porque não tinham corredores e as janelas eram vazadas:- claras, brancas,

alegres. Com o correr do tempo, esse partido foi evoluindo. Nas fachadas as portas começaram

a se multiplicar: três, cinco, até sete portas, e janelas também, muitas janelas.

Surgiram os corredores laterais, escurecendo a nave. Isso se vê tanto na Bahia como no

Rio de Janeiro. Em Minas voltou-se a esse partido primário.

JC — O senhor não acha que isso seria devido às condições locais, ao fato de

Minas...

LC — Estar começando...

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