Revista Gávea 03
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Lucio Costa sobre Aleijadinho 47
LC A descoberta do colonial naquela época foi uma coisa completamente
errada, foi um movimento inteiramente falso.
CZ — O senhor fala do neo-colonial?
LC — Sim. O neo-colonial foi um equívoco e a verdadeira descoberta da arte
colonial se deu depois, com a criação do Patrimônio Histórico. Quer dizer, o Patrimônio
Histórico criado naquela época — 1936 — foi que abriu as perspectivas do que havia de
significativo de fato na arte, nessa nossa tradição colonial toda. Existe, perfeitamente,
muita coisa assimilável para a nossa arquitetura contemporânea. Mas esse movimento, o
neo-colonial, era uma salada que misturava arquitetura religiosa com arquitetura civil.
Só comecei a aprender a admirar Aleijadinho, essa fase de nossa arquitetura,
depois do Patrimônio, quando comecei a levar isto a sério, a estudar. Antes, naquele
artigo de 1929, eu tinha falado de uma forma leviana, coisa de rapaz. Por isso acho um
perigo certas coisas de gente moça que não tem conhecimento e fala com aquela suficiência,
como se entendesse de tudo. Todo estudantezinho tem uma atitude assim, de modo
que até você perceber o que é que ele sabe para poder ajudá-lo ou para conversar com ele,
precisa antes vencer essa atitude, que é assim como que uma característica da juventude
em geral. O fato é que são coisas tão passadas...
Mas comecei a estudar a sério e a perceber o que tinha de significativo na
arquitetura tradicional nossa, portuguesa, seja na época da Colônia, seja na do Império,
que seria um alimento ótimo para o arquiteto de hoje se ele soubesse tirar partido dela e
não pretendesse macaquear apenas por modismo, de forma inteiramente inadequada.
CZ — Mas essa retomada através do Patrimônio, aí já havia o movimento
moderno implantado na arquitetura também.
LC — Essa é que foi a grande qualidade do Rodrigo Mello Franco de Andrade:
ter botado no estudo das coisas antigas os mesmos elementos interessados nas
coisas do presente. No caso, era a minha presença, a do Reis, de todos. Era um grupo interessado
já nessa arquitetura contemporânea, nova, e ao mesmo tempo interessado no
passado. É impossível separar. Cada coisa na sua época e no seu lugar, mas sem esse antagonismo
entre passado e presente.
RB — Notei que o senhor dizia que entre essa tradição â qual pertence
Aleijadinho e o momento em que o artigo estava sendo escrito havia o período opaco de
nossa arquitetura, e aí o senhor inclui o “ modernoso” que já estava se implantando. No
século X IX não há uma inteligência específica da arquitetura brasileira?
LC — Foi aquela ruptura trazida pela Missão Francesa. Grandjean de Mon-
tigny introduziu o neo-classicismo numa época em que justamente esse barroquismo todo
estava nas últimas, já não tinha mais fôlego. Foi uma violência porque a pureza do desenho
de concepção acadêmica do Grandjean de Montigny é tão contraditória com os remanescentes
da tradição barroca. A Igreja do Carmo de São João dei Rei estava construída até o
entablamento, já tinha aquela portada do Aleijadinho, e eles estavam sem saber como arrematar
o frontão e as torres. Então escreveram ao arquiteto português anterior a Montigny
(Domingos?), pedindo opinião sobre como fazer, e para isso mandaram o risco da obra